“Matar ou Morrer” (High Noon), 1952, foi um dos mais influentes westerns em diversos aspectos cinematográficos. Um deles mas não muito lembrado é aquele que toca em relacionamentos mal resolvidos entre um homem e uma mulher (em “Matar ou Morrer” Will Kane deixa a señora Ramirez para se casar com Amy Fowler). Houve outros faroestes que abordaram ainda mais profundamente a questão como “Um Pecado em Cada Alma” (The Violent Men), 1955, “Ao Despertar da Paixão” (Jubal), 1956, “Rastros de Ódio” (The Searchers), também de 1956, isto para ficar apenas naquela que foi uma extraordinária década para o faroeste e quando o gênero invadiu território dos melodramas urbanos. Em 1957, foi produzido “O Revólver Silencioso” (The Quiet Gun), um western produzido economicamente, com 77 minutos de duração, em preto e branco e se dando apenas ao luxo de utilizar o formato Regalscope, primo pobre das telas largas, que o aproximava dos novos formatos que os grandes estúdios passaram a utilizar. Esse pequeno faroeste consegue com um roteiro bem costurado tocar não só na discriminação sofrida por um homem branco que ousa trocar a esposa por uma índia, em linchamento promovido por uma turba enfurecida, como em “Consciências Mortas” (The Ox-Bow Incident), 1943, e ainda demonstra como uma cidade do Velho Oeste inteira se deixa influenciar por um moralista extremado. Pois esse roteiro foi escrito por Eric Norden em parceria com Earle Lyon baseando-se em uma história de Lauran Payne. O nome de Lauran Payne merece ser lembrado por ter sido ela a autora da história de “Pacto de Justiça” (Open Range), 2003. Curiosamente, entre “The Quiet Gun” e “Open Range”, escrito por ela em 2001, se passaram 45 anos em que Lauran Payne mais nada escreveu.
‘Imoralidade’ e linchamento - John Reilly (Tom Brown) é o dono do único saloon de Rock River, mas quer ampliar seu poder e riqueza ficando com o rancho de Ralph Carpenter (Jim Davis) para, nesse rancho, esconder gado roubado. Reilly é astucioso e pretende acusar Carpenter de estar vivendo com uma índia chamada Irene (Mara Corday), na ausência de sua esposa Teresa Carpenter (Kathleen Crowley) que decidira se afastar do marido. Reilly sabe que viver com uma índia é algo considerado imoral e convoca o advogado Steve Hardy (Lewis Martin), procurador geral da cidade para que, com seu discurso raivoso e exagerado, conclame a população a solicitar um Conselho de Cidadãos para condenar Carpenter. Ocorre que Carl Brandon (Forrest Tucker), o sheriff de Rock River é amigo de Carpenter e não aceita a estratégia ilegal da supla Reilly-Hardy. Reilly contrata o pistoleiro Doug Sadler (Lee Van Cleef) para intimidar os moradores da cidade mas quem procura Carpenter para pressioná-lo é Steve Hardy que nervoso diante do resoluto Carpenter engatilha e aponta uma espingarda para o oponente e este em legítima defesa o mata. Forma-se um grupo de linchamento composto por seis homens que captura Carpenter e o enforca. O sheriff Brandon prende os seis assassinos, o que revolta ainda mais a população e Brandon diz que quem decidirá sobre a sentença dos linchadores será um Juiz Itinerante que está a caminho da cidade. Reilly e o pistoleiro Sadler querem levar a índia Irene como prova do ‘crime’ que Carpenter estava cometendo ao viver com ela e acabam ferindo Irene mortalmente. Teresa Carpenter havia retornado à cidade, socorre Irene que, antes de falecer, diz a ela quem a matou. Com o tribunal em sessão e o juiz decretando pena de três anos para os linchadores, Teresa informa o sheriff Brandon sobre os autores da morte da índia Irene e Brandon se defronta com a dupla Reilly e Sadler num duelo em que mata os dois bandidos.
Hipocrisia no Velho Oeste - Anos 1880 no Velho Oeste quando o risco de uma miscigenação era crime imperdoável para muitas pessoas, embora ‘crime’ não previsto em lei. “O Revólver Silencioso” traz à tona esse tipo de racismo odioso que discriminava o homem branco que se atrevesse a viver com uma índia. Maquiavelicamente John Reilly contratara Irene para seduzir Ralph Carpenter e acusá-lo de relacionamento espúrio, mas eles se apaixonam frustrando o plano do malfeitor Reilly. Mesmo Ralph Carpenter estando separado da esposa, sua escolha desperta aversão numa cidade onde grassa a hipocrisia. Carpenter e Irene não apenas coabitam, mas se amam, o que quando descoberto só viria a piorar a situação. E mais ainda porque a senhora Teresa Carpenter e o sheriff Brandon nutrem respeitosa mas indisfarçável amizade carinhosa, outra ofensa à conservadora moral da cidade. O poderoso John Reilly prefere, ao invés de armas de fogo, afastar Carpenter de seu projeto através desse ódio estimulado por ele e pelo advogado Steve Hardy, os dois únicos habitantes da cidade que usam ternos bem cortados, demonstração evidente que são merecedores de respeito de todos os demais. O homem da lei Carl Brandon, mesmo com sua estrela no peito, é desconsiderado porque fora amigo de Ralph Carpenter, o que se torna mácula imperdoável para um sheriff. Só mesmo a rigidez de caráter de Carl Brandon é que faz com que o povo local, a partir da coragem do sheriff ao enfrentar a incompreensão e o ódio, talvez faça com que mudanças passem a ocorrer. O ‘talvez’ se deve pelo final aberto do filme no qual faltou, a exemplo do que fez Will Kane, o sheriff Carl Brandon jogar seu distintivo na rua empoeirada e desaparecer da cidade levando consigo Teresa Carpenter.
Poucos socos, poucos tiros - Esse inusitado tema para um western tem como pano de fundo, mais uma vez, o poderoso da cidade contratando um pistoleiro e aliciando pessoas influentes para aumentar sua riqueza. Seus interesses esbarram, no entanto, num sheriff honesto e destemido. Ninguém melhor que Lee Van Cleef para interpretar esse pistoleiro e Lee repete seu personagem do clássico dirigido por Fred Zinnemann em 1952. Mal chega a Rock River e já comete sua primeira maldade maltratando o simplório Sampson (Hank Worden). Lee com seu olhar de serpente não intimida o sheriff e pouco mais faz no filme, a não ser se atracar com a índia Irene e acabar por matá-la acidentalmente quando a índia se apossa de seu revólver. Um dos melhores diálogos de “O Revólver Silencioso” é aquele travado entre o advogado a serviço de John Reilly e o sheriff Carl Brandon, quando este mostra toda a hipocrisia daqueles que acreditam estar ameaçada a moral da cidade, lembrando que o mesmo Reilly explora a prostituição em seu saloon. Não muito convincente é a conversão de quatro homens dispostos a libertar os linchadores presos e que passam para o lado do sheriff. E a sequência de tribunal pouco acrescenta à discussão sobre as convenções sociais que a maioria dos cidadãos defende. O duelo final com dois bandidos contra o sheriff, não emociona e não há as trocas de socos tão comuns aos westerns, prevalecendo os diálogos, estes sim, os melhores momentos de “O Revólver Silencioso”. As subtramas da história escrita por Lauran Payne são imaginativas e mereciam ser mais bem desenvolvidas num filme mais longo.
Tucker e Worder, que dupla! - Forrest Tucker nunca desaponta, seja do lado da lei ou não e mesmo fazendo rir como fazia na série “Tropa F” (F-Troop) na qual atuou nas duas temporadas em que a série esteve no ar. Misto de Gary Cooper com Randolph Scott, Tucker é daqueles atores que mereciam ter um status maior do que o conseguido na carreira. E “O Revólver Silencioso” é um dos grandes momentos de Tucker no cinema. A bela Mara Corday aparece pouco, mas o suficiente para impressionar, tanto que há cartazes deste western que a mostram nos braços de Forrest Tucker, o que não ocorre de fato. Mara Corday era contratada da Universal nos anos 50 e ficou amiga de Clint Eastwood. Já famoso e produzindo seus filmes pela Malpaso, Eastwood não esqueceu da amiga e a colocou em nada menos que quatro de seus filmes policiais como Dirty Harry. Mara faleceu em fevereiro último (2025), aos 95 anos de idade. Kathleen Crowley pouco aparece. A boa surpresa é ver Hank Worden, nunca perdendo seu tipo meio aparvalhado como ajudante do sheriff. Fica-se com a impressão que todos os veteranos das séries B-Westerns da Republic e produtoras ainda menores foram contratados para pequenas participações ou figurações de tantos que são eles com seus rostos bastante envelhecidos mas reconhecíveis. Destaque entre eles para Gene Roth e para Gerald Milton no elenco secundário. A direção coube a William F. Claxton, que dirigiu mais para a TV que para o cinema. Só da série “Bonanza”, Claxton dirigiu 57 episódios. Filmado em Corriganville e Iverson Ranch, muitas sequências foram feitas em estúdio com cenários aparentemente já montados para outros filmes. Preocupada com o orçamento apertado a produção deixa passar erros como a delegacia ser revestida de madeira por fora e totalmente de alvenaria internamente. O veterano cinegrafista John J. Mescall, de “A Noiva de Frankenstein” (The Bride of Frankenstein), 1935, fez excelente uso do Regalscope ajudando a fazer deste filme um pequeno e imperdível western.
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