Diferentemente da maior parte dos atores de sua geração, Paul Newman fez poucos westerns em sua carreira. Teve, porém, a sorte de contar em quase todos eles com grandes diretores e acabou dando bela contribuição ao gênero. Descontados os chamados westerns contemporâneos como “O Indomado” e “Meu Nome é Jim Kane”, Newman atuou nos westerns “Um de Nós Morrerá” (The Left-Handed Gun), de Arthur Penn; “Roy Bean, o Homem da Lei” (The Life and Times of Judge Roy Bean), de John Huston; “Oeste Selvagem” (Buffalo Bill and the Indians) de Robert Altman; o megasucesso “Butch Cassidy” (Butch Cassidy and the Sundance Kid), de George Roy Hill; “Quatro Confissões” (The Outrage) e “Hombre”, estes dois últimos dirigidos por Martin Ritt. “Hombre” é um dos melhores westerns de Paul Newman, senão o melhor deles.
![]() |
Paul Newman e Martin Balsam |
DILIGÊNCIA PARA CONTENTION - O escritor Elmore Leonard é bastante conhecido entre os fãs de faroestes pois é o autor das histórias de “Resgate de Bandoleiros” (The Tall ‘T’), “Galante e Sanguinário/Os Indomáveis” (3:10 to Yuma), “O Retorno de Valdez” (Valdez is Coming), “Joe Kidd” e também de “Hombre”, história que foi roteirizada pela dupla Irving Ravetch e Harriet Frank Jr. A história de “Hombre” é visivelmente inspirada em “No Tempo das Diligências” (Stagecoach) e conta como John Russell (Paul Newman) acabou em meio a outras sete pessoas que estavam numa diligência que fazia a linha da cidade de Sweetmary para Contention. Russell é um branco que aos 12 anos foi levado pelos apaches sendo por eles criado. Já adulto recebe do pai uma herança que consta de uma hospedaria em Sweetmary e um relógio. Russel vende a hospedaria e toma a diligência para Contention onde pretende comprar cavalos. Juntam-se no veículo a viúva Jennie (Diane Cilento), ex-gerente da hospedaria, mulher com duvidosa reputação; o jovem casal Blake (Peter Lazer-Margaret Blye) que não consegue se entender; outro casal formado pelo Dr. Alex Favor (Fredric March) e sua aristocrática esposa Audra Favor (Barbara Rush). Favor é um ex-administrador da reserva de índios em San Carlos, de onde desviou uma pequena fortuna em dinheiro que deveria ser usada para melhor alimentar os índios mantidos na reserva. Junta-se ao grupo tomando lugar na diligência o rude e mal-encarado Cicero Grimes (Richard Boone). O mexicano Henry Mendez (Martin Balsam) conduz a diligência que a certa altura do trajeto é assaltada por quatro homens e Grimes surpreende a todos se identificando como chefe do bando. Deixados à própria sorte nas montanhas, os passageiros passam a ver em John Russel a única esperança de salvação. Russell consegue liquidar parte do bando, reencontrando-se com Grimes numa mina abandonada, onde travam duelo de morte.
![]() |
O apache Paul Newman ao lado de Fredric March, Barbara Rush, Peter Lazer, Margaret Blye e Richard Boone |
MICROCOSMO SOCIAL - Assim como em “No Tempo das Diligências”, o grupo de viajantes de “Hombre” é um microcosmo da sociedade revelando-se em cada um dos passageiros suas reais personalidades. Surgem a cobiça (Fredric March), o racismo (Barbara Rush), a covardia (Peter Lazer e Martin Balsam), a volubilidade (Margaret Blye) e a probidade de caráter (Diane Cilento), além é claro do bandido desprovido de qualquer sentimento (Richard Boone). John Russell (Newman), o branco criado pelos apaches é convidado a viajar na boléia pelo mal-estar que sua presença causa dentro da diligência. Assim como seu povo nativo, Russell é desprezado pelos arrogantes brancos mas pouco se importa com isso pois aprendeu também que a hipocrisia é comum a todos que tem a pele clara como ele próprio. Através de seus caucasianos olhos azuis, Russell vê a todos com indiferença, mesmo o amedrontador Richard Boone. A alienação e frieza de Russell é enervante para os demais e assim ele age, sem nenhuma polidez, por saber que jamais fará parte daquele mundo, ainda que seja a única esperança de sobrevivência para todos, diante das circunstâncias. Apenas a nobreza e amor ao próximo da viúva Jennie são capazes de motivar Russell a se defrontar com o personagem de Boone, o que o leva a morrer por aqueles a quem devota impiedoso e total desprezo, a sociedade cara-pálida.
![]() |
O rídiculo efeito especial no rosto de David Canary; abaixo Barbara Rush exposta ao sol inclemente |
SUSPENSE A LA HITCHCOCK – “Hombre” é um filme da chamada esquerda de Hollywood que tinha em Paul Newman uma de suas mais importantes figuras, ao lado de Martin Ritt, diretor que fizera parte da Lista Negra de Hollywood, e dos liberais roteiristas Irving Ravetch e Harriet Frank Jr. O diretor Ritt realizou “Hombre” num ritmo deliberadamente compassado, delineando com precisão o caráter de cada personagem. Para isso contou com um excepcional roteiro, inteligente e saborosamente cáustico nas falas, especialmente as de Paul Newman e também de Diane Cilento. “Hombre” comprova que um western não necessita apenas de ação, mas e também de substância textual e é admirável nesse aspecto quase inesgotável durante os 111 minutos do filme. Há, no entanto, uma falha no roteiro de "Hombre” pois o bandido Steve (Skip Ward) deve cercar o grupo acuado na mina e misteriosamente desaparece do filme sem nenhuma explicação. A cena final quando Newman, Boone e Frank Silvera trocam tiros é primorosa, fazendo até esquecer de sequência anterior em que o rosto de David Canary é alvejado por... tinta vermelha aplicada diretamente nos fotogramas. “Boonie & Clyde”, realizado no mesmo ano de 1967 produziu magnificamente efeitos simulando sangue. Apesar desse deslize técnico da 20th Century-Fox, “Hombre” é um filme quase perfeito, com as belíssimas imagens e enquadramentos do veterano James Wong Howe, especialmente na sequência passada na mina abandonada. Ressalte-se ainda a esplêndida trilha musical de David Rose e o trabalho de Ben Nye na maquiagem, excepcionalmente bem feito em Fredric March e em Barbara Rush, esta desfigurada pelo sol. O suspense final, raro em faroestes que são normalmente previsíveis, é conduzido brilhantemente por Martin Ritt num momento hitchcockiano em que Newman se defronta com Boone. É quando o moribundo Frank Silvera quer saber o nome daquele tipo estranho que ele chamou o tempo todo de ‘Hombre’. Um índio com sangue de homem branco, um hombre de verdade.
![]() |
Paul Newman acima; Barbara Rush e Diane Cilento |
O SUCESSO DE PAUL NEWMAN - Paul Newman esteve irritante em “Um de Nós Morrerá” com os trejeitos, trazidos das aulas do Actor’s Studio, com que compôs seu Billy the Kid, porém em “Hombre” Paul criou um apache inigualável pela autenticidade de cada um de seus movimentos, muitos deles silenciosos, completados pelas referidas frases de seu personagem, o mais carismático apache já surgido no cinema. Além de Newman, Fredric March, Barbara Rush, Diane Cilento (então esposa de Sean Connery) e Martin Balsam completam o impecável elenco. Richard Boone comprova que foi um dos grandes homens maus dos faroestes em outra atuação primorosa. Frank Silvera e David Canary são os comparsas que seguem de perto o chefe, também com ótimas presenças. “Hombre” foi, merecidamente, um grande sucesso de bilheteria e disparado o melhor faroeste de 1967, na grande fase da carreira de Paul Newman. O ator foi o 3.º colocado nas bilheterias em 1967 (atrás de Julie Andrews e Lee Marvin); passou para 2.º em 1968 (atrás de Sidney Poitier); Newman foi o bicampeão em 1969 e 1970; caiu para 3.º em 1971, superado por John Wayne e Clint Eastwood. Paul Newman que havia recebido 200 mil dólares para atuar em “Êxodus”, em 1960, recebeu 750 mil dólares para protagonizar “Hombre”, além de 10% dos lucros do filme, o que representou mais 600 mil dólares na conta bancária do ator. Paul Newman é o oitavo ator que mais público levou ao cinema em todos os tempos e certamente os westerns “Hombre” e “Butch Cassidy” muito contribuíram para isso.