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20 de abril de 2012

A ÚLTIMA CARROÇA (The Last Wagon) – MAGNÍFICO WESTERN COM RICHARD WIDMARK


Apesar do conjunto de faroestes de excelente qualidade que Delmer Daves realizou nos anos 50, esse diretor nunca é lembrado entre os melhores do gênero. Entre os nove westerns que Daves dirigiu naquela década destacam-se “Flechas de Fogo” (Broken Arrow), “Ao Despertar da Paixão” (Jubal), “Galante e Sanguinário” (3:10 to Yuma) e “A Árvore dos Enforcados” (The Hanging Tree). “A Última Carroça” (The Last Wagon) é um faroeste tão notável quanto estes citados, além de mostrar Richard Widmark no melhor momento de sua carreira no gênero, com atuação tão perfeita quanto à de sua criação como Tommy Udo em “O Beijo da Morte”.


Richard Widmark - George
Mathews - Carl Benton Reid
COMANCHE TODD CONTRA ÍNDIOS E BRANCOS - Antes de se tornar diretor Delmer Daves era um renomado autor de roteiros e, em conjunto com James Edward Grant (roteirista favorito de John Wayne), Daves roteirizou “A Última Carroça”, a partir de uma história do próprio Gielgud. Neste western um homem branco chamado Comanche Todd (Richard Widmark), criado pelos comanches desde os oito anos de idade, vinga-se matando três irmãos que estupraram sua esposa, uma índia comanche, matando-a e assassinando também os três filhos do casal. Bull Harper (George Mathews), o xerife de Oak Creek e irmão dos três homens mortos por Comanche Todd, caça-o implacavelmente e termina por capturá-lo, acorrentando-o e tratando-o brutalmente. Harper e seu prisioneiro são acolhidos por uma caravana chefiada pelo Coronel Normand, um ex-oficial do Exército. Não suportando os maus tratos que Harper lhe impõe, o prisioneiro consegue matá-lo com uma machadinha. O Coronel Normand tenciona entregar Todd às autoridades mas antes que isso aconteça a caravana é dizimada por índios apaches, salvando-se somente três mulheres, dois rapazes e um menino que casualmente se afastaram do acampamento. Comanche Todd que estava acorrentado à roda de uma carroça é atirado pelos apaches do alto de um penhasco. Encontrado com vida pelo grupo de seis sobreviventes da caravana, Todd recupera uma carroça semidestruída e com ela conduz o grupo através de um território infestado por centenas de apaches, até encontrar uma pequena escolta de 16 soldados liderada por um inexperiente tenente. Atacados pelos 300 apaches, Todd consegue explodir caixas de dinamite do Exército, afugentando os índios e possibilitando que soldados e os civis cheguem a salvo ao forte próximo. Lá Comanche Todd é julgado por seus crimes, sendo absolvido pelo General Howard (Carl Benton Reid) que preside o tribunal.

Comanche Todd acorrentado à roda;
o General e Todd  argumentando
sobre o direito de matar.
A LEI DE TALIÃO - Delmer Daves é o autor do primeiro western que declaradamente contrariou o preceito do General Sheridan, segundo o qual “Índio bom é índio morto”. Esse pensamento que o cinema norte-americano propagou por décadas, foi contrariado timidamente em dois ou três westerns anteriores, um deles “Sangue de Heróis” (Fort Apache), de John Ford, em 1948. No ano seguinte (1949) Delmer Daves rodou “Flechas de Fogo”, lançado em 1950, western que mudou a história do gênero ao respeitar o índio, tratando-o como ser humano e não mero selvagem. Com “Flechas de Fogo” Daves desencadeou a revisão da questão indígena, possibilitando que filmes como “O Último Bravo”, “O Pequeno Grande Homem”, Dança com Lobos” e outros promovessem uma tomada de consciência dos americanos em relação aos nativos, vítimas do maior genocídio da história universal. “A Última Carroça” é um filme com muita ação e aparentemente menos reflexivo que “Flechas de Fogo”, mas seu roteiro conciso não deixa de tocar claramente na questão racial. Nos contatos do anti-herói Comanche Todd com os diferentes tipos de homens brancos que cruzam seu caminho, é sempre lembrada a forma cruel, racista e desumana como os nativos foram tratados. Comanche Todd é mais um índio que um homem branco, tendo adquirido dos indígenas não só as habilidades para sobrevivência em regiões inóspitas, mas também o senso de Justiça diferente daqueles que se apossaram dos territórios historicamente pertencentes aos nativos. Todd considera correto fazer uso da 'Lei de Talião' (olho por olho...), lei praticada pelos índios, ao executar friamente os irmãos Harper assassinos de sua família. Ao ser julgado por um tribunal militar cujo juiz confessa se orientar pela Bíblia, Todd consegue argumentar e comprovar que todos os povos têm o mesmo senso de Justiça e que todos utilizam a retaliação, ainda que aparentemente de maneira mais justa. Pode parecer contraditória a selvageria dos apaches em "A Última Carroça", mas é lembrado no filme que o conselho de guerra dessas tribos determinou a vingança dos milhares de apaches exterminados pelos túnicas azuis. E é na curta sequência final do julgamento de Todd que o General Howard, representando o Exército norte-americano escuta de Comanche Todd as frases: “Você ganhou essas medalhas todas por matar índios” e “Você matou seus irmãos na Guerra Civil”.

A paisagem do Arizona integrada à
trama de "A Última Carroça".
UM FILME EXTASIANTE - “A Última Carroça” tem sequências primorosas, como o início silencioso típico dos índios, silêncio cortado pelo estampido do rifle do sorrateiro Comache Todd, ruido que ecoa pelo vale. Segue-se a captura de Comanche Todd em ação que descortina a grande beleza de parte da região de Sedona, no Arizona. Provavelmente nenhum outro diretor, à exceção de Anthony Mann, conseguiu explorar a natureza de forma tão magnífica, integrando-a à ação, não o fazendo de forma meramente contemplativa como o fez Delmer Daves. E se o domínio cênico de Daves capturado pela brilhante cinematografia de Wilfred Cline é extasiante, a música de Lionel Newman emoldura e completa de forma extraordinária esse conjunto. Newman abre mão de um tema musical predominante para pontuar a presença de Todd com uma orquestração onde a batida de tambores dita o ritmo da ação criando uma sonoridade de grande efeito. Esse deleite visual e sonoro de “A Última Carroça” somada à substância do roteiro e à impecável atuação de Richard Widmark fazem deste western de Delmer Daves um magnífico filme do gênero, imperfeito apenas por ter o roteiro optado por soluções que comprometem a grandeza do filme. Grandes guerreiros como eram e conhecedores de seu território, jamais os apaches negligenciariam na captura daqueles poucos homens brancos e mesmo da pequena tropa. O mesmo filme que valoriza a cultura indígena os trata como estúpidos nessa sequência. “A Fera do Forte Bravo” (Escape from Fort Bravo) mostrou de forma muito mais realista o conhecimento de táticas de guerra dos apaches. Deixa também a desejar o final tipicamente hollywoodiano em que o homem branco, na figura do General Howard sem o braço direito, redime os brancos ao outorgar a custódia de Comanche Todd a sua nova família.


Acima Felicia Farr e Tommy Rettig;
no centro o ótimo George Mathews;
abaixo Douglas Kennedy e Susan Kohner.
ESTUPENDO RICHARD WIDMARK - Há westerns como “Homem Sem Rumo” (Man Without a Star) que são clássicos por serem simples e quase perfeitos exemplos do gênero faroestes. “A Última Carroça” é um desses filmes, mas se permite momentos preciosos como a cena de amor em que Jenny (Felicia Farr) se entrega a Comanche Todd, uma das mais belas cenas de amor de um faroeste. E a fordiana sequência em que Todd fala de seu pai enquanto tenta cortar os grilhões que acorrentam seus punhos. E acima de tudo há o estupendo Richard Widmark, sendo arrastado, crucificado, correndo entre a vegetação de Sedona, montando a pelo como autêntico comanche, lutando a faca com apaches, atirando com arco e flecha e fazendo a maior parte de suas cenas sem dublê, numa atuação que deve ter matado de inveja Kirk Douglas e Burt Lancaster. Destaques no elenco pouco conhecido são George Mathews interpretando com incomum brutalidade e incutindo em seu personagem o ódio que muitos brancos tinham pelos índios. Se alguém consegue imaginar um Ernest Borgnine ainda mais sádico, pense no 'Bull Harper' de George Mathews, mantendo Comanche Todd acorrentado a uma carroça, negando-lhe comida, dando-lhe gotas d'água e arrastando-o como um cão. Excelente o menino Tommy Rettig, então com 14 anos, depois do sucesso com a série “Lassie” na TV. Desaponta um pouco a ótima Felicia Farr, um tanto quanto sem graça, distante por exemplo de sua bela interpretação em “Galante e Sanguinário”. Do grupo de jovens atores do filme, Nick Adams, Ray Stricklyn, James Drury, Stepahnie Griffin e Susan Kohner, esta última se sobressai como mestiça, antecipando papel parecido que faria em “Imitação da Vida”, em 1958. O ótimo Douglas Kennedy, de tantos westerns, mostra também sua competência.

WESTERN OBRIGATÓRIO - “A Última Carroça” é um western obrigatório, bastante violento e tenso, com Richard Widmark em grande forma e que ratifica que Delmer Daves merece ser lembrado como um dos principais diretores do gênero. Este é um filme que acima de tudo demonstra como se lutava nos anos 50 para resgatar a verdade histórica dos índios norte-americanos.