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7 de agosto de 2013

JOHNNY GUITAR, O MAIS CULT DOS FAROESTES


“Johnny Guitar” é um dos westerns mais aclamados do cinema, seja sob seu aspecto psicológico, político ou artístico. Ainda assim está longe de ser uma obra-prima como tantos críticos e cinéfilos apregoam. O senão maior do filme de Nicholas Ray foi justamente a pretensão do diretor em amalgamar todas essas questões em um faroeste, gênero que comumente prima pela simplicidade e que, quando envereda pela grandiosidade ou pelo preciosismo de linguagem, quase sempre abre mão da sua naturalidade. Além disso “Johnny Guitar” tem Joan Crawford.


Acima Ward Bond e Sterling Hayden;
abaixo Nicholas Ray.
Mais que um rato, um verme - Impossível deixar de analisar “Johnny Guitar” sob o viés político pois o filme foi realizado num momento difícil da perda da força do Macarthismo, quando pequenos e grandes atrevimentos já eram permitidos no cinema. O mais notável desafio àquele movimento tenebroso que empobreceu a arte cinematográfica foi feito por “Matar ou Morrer”, de Fred Zinnemann e a partir daí as ousadias foram se manifestando. O roteiro de “Johnny Guitar” é oficialmente atribuído a Philip Yordan tendo sido, de fato, escrito por Ben Maddow, roteirista impedido de trabalhar por estar na Lista Negra de Hollywood. Yordan foi aquilo que se chamou de ‘testa-de-ferro’ para roteiristas perseguidos pelo Macarthismo. A escolha do elenco de "Johnny Guitar" foi um primor de cinismo, a começar por Sterling Hayden, uma das testemunhas que denunciaram colegas diante do comitê que apurava atividades comunistas. 20 anos mais tarde Hayden declararia: “Fui um rato ao relacionar nomes de grandes amigos que entraram para a Lista Negra de Hollywood. Todos eles foram privados de suas subsistências. Mais que um rato, fui um verme!” Em “Johnny Guitar” o cruel roteiro faz Hayden responder a Dancin’ Kid (Scott Brady), pistoleiro canhoto, quando este lhe oferece a mão para um cumprimento: “Não dou a mão a canhotos!”, recusando-se a cumprimentar o rival. Ward Bond, por sua vez foi um dos mais radicais perseguidores de artistas com tendências ou meras simpatias de esquerda em Hollywood e seu personagem em “Johnny Guitar” é parecido com o que ele viveu na vida real. O roteiro vinga-se de Ward Bond fazendo seu personagem se acovardar na recusa em chicotear o cavalo de Vienna (Joan Crawford) na cena do enforcamento e também se recusando a matá-la quando da cena final. O brutal Bond virou covarde no texto de Ben Maddow. O personagem interpretado por Royal Dano chama-se 'Corey', não sem razão, remetendo ao ator Jeff Corey, outra infeliz vítima do Macarthismo. E a metáfora do próprio tema principal de “Johnny Guitar” que é o medo da estrada de ferro que deve chegar mudando a vida daquele lugarejo dominado por Emma Small (Mercedes McCambridge), baronesa do gado que não admite a mudança da ordem estabelecida (por ela). Nicholas Ray antes ou depois de “Johnny Guitar” jamais realizou trabalho com teor político tão acentuado. Em 1979, como ator, pudemos ver Nicholas Ray, em “Hair”, interpretando um general norte-americano que é vítima de um monumental deboche por parte dos recrutas que estão prestes a embarcar para a morte no Vietnã. Aí a briga de Hollywood já não era mais com a caça às bruxas, sem nenhuma maldosa referência a Joan Crawford...

Diálogo com referências ao Macarthismo.

Dancin' Kid (Scott Brady) morto por Vienna.
Paixões não correspondidas - Vienna (Joan Crawford) possui um bem montado saloon chamado ‘Vienna’ em Red Butte, cidade dominada por Emma Small (Mercedes McCambridge). A ferrovia logo vai alcançar a pequena cidade, o que significará aumento de clientela para o saloon de Vienna, que vive sempre às moscas. Emma, por sua vez, não deseja a chegada da ferrovia. Chega ao ‘ Vienna’, convidado pela proprietária o músico e pistoleiro Johnny ‘Guitar’ Logan (Sterling Hayden) que no passado foi amante de Vienna. Guitar encontra-se no saloon com Dancin’ Kid (Scott Brady), chefe de quadrilha que assalta bancos e diligências. Dancin’ Kid gosta de Viena, enquanto Emma é apaixonada por Kid. Emma manipula os cidadãos de Red Butte para que enforquem Vienna e também o bandido Turkey (Ben Cooper) por terem assaltado o banco da cidade. Vienna é salva por Guitar e fogem para o esconderijo da quadrilha de Dancin’ Kid, sendo seguidos por Emma e um grupo que se propõe a fazer justiça independentemente da lei. Johnny Guitar mata Dancin’ Kid e Vienna se defronta com Emma, matando-a também.

Dancin' Kid, que ama Vienna com Emma
Small, que ama Dancin' Kid.
Cowboys eloquentes - Histórias de amor aparecem em quase todos os westerns mas de forma acessória à trama principal que invariavelmente envolve desbravamento de territórios, vingança, justiça e afirmação de personalidade. Quando o romance procura sobrepujar a importância da ação nos westerns estes perdem sua essência, como ocorreu em “Duelo ao Sol”, de King Vidor. No filme de Ray parece que o roteiro buscou inspiração na poesia do nosso Carlos Drummond, parafraseado por Chico Buarque nos versos “Carlos amava Dora que amava Lia que amava Léa que amava Paulo que amava Juca, que amava Dora que amava toda quadrilha...” Em “Johnny Guitar” Emma ama Dancin’ Kid que ama Vienna que ama Johnny Guitar... Sem esquecer que Turkey (Ben Cooper) também gosta de Vienna... À parte todo esse enredo de amores, há ainda o ódio de Emma por Vienna, sentimento que pode ser interpretado como uma latente relação homossexual não realizada. Todos esses ‘amores’ tentam durante o filme passar de temas subjacentes a um único tema central que seria a generalizada insatisfação amorosa. Mas não se pode esquecer que “Johnny Guitar” é um faroeste. Os diálogos que permeiam as contendas dos casos passionais são primorosos e sarcásticos, lembrando as melhores linhas de grandes filmes noir ou as afiadas ironias das parcerias de Billy Wilder com Charles Brackett ou de I.A.L. Diamond. Mas não se pode esquecer, repito, que “Johnny Guitar” é um faroeste. E longe de se imaginar que não possa haver diálogos inteligentes num western. Apenas não podem os diálogos dominar um filme deste gênero, ambientado na fronteira do Arizona, em meio a cowboys, foras-da-lei e homens sem rumo como Johnny ‘Guitar’ Logan, todos eles se expressando com a eloqüência de intelectuais do Leste e filosofando incansavelmente. Os excessivamente ricos diálogos de Yordan/Maddow criam personagens irreais e distantes do Velho Oeste. Tanto o diálogo tem importância menor em um western que se fossem reunidas todas as falas de John Wayne e Clint Eastwood nos faroestes em que atuaram, não falariam tanto quanto se discute com tanta inteligência nos diálogos de “Johnny Guitar”.

O estrelismo de Joan Crawford - Sabe-se que Joan Crawford foi uma das pessoas envolvidas na produção de “Johnny Guitar”. Com a carreira em baixa Joan decidiu colocar dinheiro num filme que lhe possibilitasse novo sucesso. A primeira escolha de Nicholas Ray para interpretar Emma Small seria Barbara Stanwyck, porém a Republic Pictures que coproduziu e distribuiu o filme teria se recusado a contratá-la em razão do alto salário pedido por Barbara. Outra versão, muito mais provável, conta que Barbara teria sido vetada por Joan Crawford que não admitia que ninguém pudesse ofuscar seu estrelismo. E que estrelismo! A cada sequência um traje diferente cuidadosamente escolhido em sua função pictórica para destacar a atriz do cenário e dos demais atores, como quando ela veste-se de branco e todos estão de roupas pretas, inclusive Emma. O artifício do roteiro para essa composição seria o enterro do irmão de Emma. Ao chegar molhada no esconderijo do bando de Dancin’ Kid, novo traje é providenciado a Vienna/Crawford, desta vez uma exuberante camisa amarela emprestada de Turkey, traje complementado com lenço vermelho que ela, com extremo cuidado ajeita para ficar ainda mais elegante, parecendo que ia para uma festa country. Afinal Vienna iria duelar com Emma Small, esta toda molhada e respingada de lama após passar pelo mesmo caminho trilhado por Vienna. A empostação de Joan Crawford, situada acima dos demais intérpretes, olhando-os com arrogância e superioridade chega a ser patética para um western. A cena do enforcamento, feita na medida para destacar o desespero de Joan Crawford, acaba sendo inteiramente roubada por sua inimiga no filme e na vida real, McCambridge em mais um ótimo momento dramático. Metade de "Johnny Guitar" se passa dentro do saloon denominado ‘Vienna’, espécie de catedral barroca onde pontifica suprema e magnânima a personagem de Crawford. A justificativa para essas cansativas composições cênicas seria que o filme todo gira em torno de Vienna, um personagem unidimensional.

As caprichadas roupas da estrelíssima Joan Crawford em "Johnny Guitar".

Mercedes McCambridge; abaixo
Royal Dano e Ernest Borgnine.
Pequena Emma Small - A grande personagem do filme, no entanto, é Emma Small, aquela que é loucamente apaixonada por Dancin’ Kid e é por ele desprezada; aquela que quer a todo custo exterminar Vienna e seu saloon e tudo que ele representa de ameaça; aquela que comanda um grupo de poderosos criadores e comanda até mesmo a lei. Pois esta personagem passa para um plano inferior, sacrificando para dar uma dimensão maior à produtora de “Johnny Guitar”, digo, Vienna, a poderosa Joan Crawford. Aos 49 anos de idade e longe da bela atriz que foi um dia, torna-se difícil acreditar que Scott Brady e Sterling Hayden se apaixonassem loucamente por Joan Crawford. E o filme ganha qualidade quando a afetada Vienna cede espaço para o desenvolvimento dos personagens de Guitar, Dancin’ Kid e Bart Lonergan (Ernest Borgnine), todos distantes da teatralidade com que Joan Crawford compôs a sua Vienna. E essa teatralidade resulta praticamente vazia, como vazio é o pretenso psicologismo da temida dona do saloon, a quem um dos empregados insinua ser um verdadeiro homem de saias.

Bart Lonergan (Ernest Borgnine).
Olhando todos do alto - Grandes westerns têm como personagem maior os espaços quase infinitos das pradarias, desertos, vales e canyons. Quando o claustrofóbico saloon é queimado, “Johnny Guitar” transforma-se em verdadeiro western e ocorrem as magníficas cenas de ação. Esquece-se até do clichê, tantas vezes usado pela Republic, que é a passagem secreta que leva até o esconderijo do bando de Dancin’ Kid no alto de um morro. Após a sequência dos enforcamentos Johnny Guitar se defronta com o sádico Bart Lonergan (Ernest Borgnine, sensacional) e com Dancin’ Kid (Scott Brady parecendo Marlon Brando). E o filme atinge o clímax com a troca de tiros entre Guitar e os homens de Kid, cena que Crawford se esforçou para estragar olhando fixamente para a linha do horizonte, ela que estava posicionada, como sempre, na parte mais alta do cenário. Ainda assim, a sequência em que Emma mata Dancin' Kid é uma das melhores do filme.

‘O Grande Triunfo de Joan Crawford’ - "Johnny Guitar" é uma produção muito acima do padrão da Republic, e teve uma feliz reunião de ótimos atores como Hayden, Borgnine e Mercedes McCambridge, todos brilhantes e outros atores característicos perfeitos como John Carradine, Ward Bond e Royal Dano, além de Scott Brady em muito boa caracterização como Dancin’ Kid. Ben Cooper é o ponto negativo do elenco principal, fazendo ‘escada’ o tempo todo para uma irritante Joan Crawford. Com todos os contratempos passados durante as filmagens e lidando com o ego da produtora, Nicholas Ray realizou um trabalho bastante apreciável. Joan Crawford impediu que lhe fizessem closes em cenas externas para não mostrar a ação do tempo em seu rosto. Quando Mercedes fez a cena em que discursa diante dos produtores de gado, foi aplaudida por todos que estavam presentes no set, menos por Crawford que escondida espreitava a cena. Logo em seguida Joan dirigiu-se a Ray exigindo que a sequência fosse cortada pois a estrela do filme era ela e não Mercedes. Ray manteve a cena, mas os posters do filme mostram sempre Joan Crawford em destaque com a frase: “O Grande Triunfo de Joan”.

Sequência filmada em estúdio com cenário
de fundo pintado e nuvens imóveis.
Um Faroeste Cult - Não bastassem esses fatos, durante as filmagens A Republic estava indeciso em transformar o filme em 3.ª Dimensão, a novidade de 1953, exigindo de Nicholas Ray que objetos fossem lançados contra a câmara, como em qualquer 3D. A edição final conseguiu contornar essa inconveniência. Perdendo o terreno conquistado com o fim dos faroestes ‘B’, a Republic tentava produzir filmes ‘A’ como “Rio Grande”, “Depois do Vendaval” “A Última Barricada” e “Até a Última Bala”, mas o estúdio não conseguia se desfazer da prática da economia o que é percebido em “Johnny Guitar”. A parede de pedra lembra bastante as paredes das cavernas dos antigos seriados, confeccionadas com papel pedra. E os cenários externos vistos a partir do saloon de Vienna são pintados, expondo o pobre hábito de Herbert J. Yates, o dono da Republic.  A trilha musical de Victor Young ressalta em muitos momentos os excessos cênicos de Joan Crawford e a bela canção-tema, composta por Young e Peggy Lee caberia bastante melhor num daqueles melodramas de Douglas Sirk e não em um faroeste. “Johnny Guitar” é um western diferente de qualquer outro até hoje produzido, tendo sido prejudicado pelo inaceitável e sinistro estrelismo de Joan Crawford. Tão lembrada quanto o filme foi a frase de Sterling Hayden que afirmou: “Não há dinheiro neste mundo que me faça voltar a contracenar com Joan Crawford. E olhem que eu gosto muito de dinheiro!” “Johnny Guitar" transformou-se em um faroeste cult, e hoje pertence à galeria dos westerns clássicos.


A imponente catedral gótica onde imperou Vienna.

Joan Crawford com as filhas adotivas no set de "Johnny Guitar";
Joan Crawford e Nicholas Ray; a abertura de "Johnny Guitar"
com cenário imitando a abertura de "Os Brutos Também Amam".


4 de março de 2011

NICHOLAS RAY, O PACIENTE DIRETOR DE "JOHNNY GUITAR"

“Johnny Guitar” é um dos westerns considerados “melhor de todos os tempos” na enquete feita pela revista “Pardner”, em 1998 (vide blog Revista Pardner). Quando lançado, “Johnny Guitar” não chamou muito a atenção pois Nicholas Ray ainda não havia sido elevado à condição de “autor” pela crítica francesa e François Truffaut ainda não declarara que esse era seu western favorito. Pouco a pouco “Johnny Guitar” ganhou a condição de cult e posteriormente de clássico do gênero. Mas não foi fácil para Ray terminar as filmagens pois o ambiente no estúdio era o pior possível. Sterling Hayden chegou a declarar: “Não há dinheiro suficiente em Hollywood para eu atuar em outro filme com Joan Crawford. E olhe que eu gosto de dinheiro!” Mercedes McCambridge, por sua vez, afirmou: “Eu mantive minha boca fechada por 25 anos, mas agora que ela não está mais viva eu posso falar que Joan Crawford era um ovo podre. Sempre embriagada, mulher má e achando-se a 'abelha rainha'. Muita gente já falou mal dela mas ninguém passou o que eu passei com ela em “Johnny Guitar”. E o que Joan dizia para mim eu jamais vou poder repetir pois sou uma pessoa educada.” Joan Crawford, por sua vez sempre se referiu a Mercedes como uma fofoqueira que no set de filmagen jogava todos contra ela, Joan. Dizia que sequer podia ouvir a irritante voz de Mercedes. De fato Mercedes possuía uma voz rouquenha que acabou sendo usada no filme “O Exorcista” quando dublou a demoníaca voz da atriz Linda Blair. Outros artistas que atuaram em “Johnny Guitar” diziam que o ambiente nas filmagens era insuportável devido às desavenças entre as duas atrizes. Certo dia, após mais uma briga entre elas, Joan meio alterada pela bebida rasgou vários vestidos que Mercedes usava no filme. A guerra travada por Joan e Mercedes não é percebida no transcorrer do filme pois ambas são inimigas na história, disputam o mesmo homem e tratam-se com hostilidade o tempo todo, até se matarem, no final. Muitos analisam a relação de Vienna (Joan) com Emma (Mercedes) como sendo de amor e ódio. Ambas eram excelentes atrizes e receberam o prêmio Oscar por atuações em outros filmes. Se alguém chamar Nicholas Ray de gênio, não será sem razão pois mesmo com as duas explosivas atrizes ele realizou um grande filme.