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19 de junho de 2025

CAVALGADA TRÁGICA (COMANCHE STATION)

 
        São raros os grandes artistas da tela que encerram suas carreiras de forma digna, à altura dos seus trabalhos no cinema. Randolph Scott foi uma dessas exceções e se despediu de forma brilhante com a memorável série de westerns dirigida por Budd Boetticher. E “Cavalgada Trágica” (Comanche Station) o derradeiro filme dessa série foi um dos melhores entre os cinco produzidos pela Ranown (produtora de Randolph Scott associado a Harry Joe Brown) entre 1957 e 1960. Aposentado do cinema, Randolph Scott retornaria dois anos depois para, aos 64 anos de idade, fechar com chave de ouro sua longa caminhada de mais de 30 anos como ator, na obra-prima “Pistoleiros do Entardecer” (Ride the High Country), em 1962. Com “Cavalgada Trágica” Boetticher demonstrou como é possível realizar com incrível economia de produção um western tenso e que mesmo sem muitos momentos de ação emociona por sua dramaticidade. O roteiro de Burt Kennedy apresenta os cinco personagens principais fazendo a cada diálogo aflorar os sentimentos e objetivos de cada um deles numa história final surpreendente e na qual prevalece a honradez. E ninguém melhor que Randolph Scott para caracterizar um cowboy em que a dignidade está acima de tudo.

 

A busca pela mulher branca - Jefferson Cody (Randolph Scott) procura por sua mulher que foi sequestrada por Comanches e ao negociar com os índios e conseguir libertar uma mulher branca, descobre que ela não é sua esposa. Quem ele liberta é Nancy Lowe (Nancy Gates) e mesmo assim Cody pretende levar a senhora Lowe para a casa da mesma, onde está seu marido. Parando numa estação de diligências abandonada são surpreendidos com a chegada de três homens, Ben Lane (Claude Akins), o líder do trio composto ainda por Frank (Skip Homeier) e Dobie (Richard Rust), estes mais jovens. Ben Lane conhece Cody dos tempos em que estiveram no Exército e sabe também quem é a mulher libertada por Cody e que há uma recompensa de cinco mil dólares oferecida pelo marido para quem resgatá-la dos índios. Lane quer a recompensa, acredita que Cody esteja conduzindo a senhora Lowe para receber os cinco mil dólares e tenciona se livrar de Cody. Ao mesmo tempo Lane flerta com a possibilidade de possuir Nancy Lowe, sendo rechaçado por ela. Ao tomar conhecimento da recompensa, a senhora Lowe acredita ser também esse o intuito de Cody. O grupo é atacado pelos Comanches e Frank é morto enquanto os demais conseguem escapar seguem para entregar a senhora Lowe para o marido. O plano de Ben Lane é matar Cody, com o que Dobie não concorda e acaba morto por Lane. Ocorre então confronto entre Cody e Lane e este tomba morto. Cody leva a senhora Lowe até o rancho onde o marido e o filho a recebem e Cody parte sem exigir recompensa alguma, fazendo o caminho contrário do início do filme.

 

Randolph Scott e Nancy Gates

Cody e seu código de honra - “Cavalgada Trágica” é um western rico em emoção e com enorme carga psicológica, ainda que sem nenhuma pretensão de ser mais um ‘faroeste psicológico’. O que permite essa abordagem é o roteiro inteligente de Burt Kennedy ao tratar de tema bastante comum ao gênero e, claro, a direção de Boetticher. São apenas 72 minutos de filme com poucos diálogos, mas todos eles elucidadores das intenções de cada um. O espectador, e apenas ele, sabe que o caráter de Jefferson Cody não permite que ele sonhe com a recompensa e mesmo a senhora Lowe também acredita ser Cody “igual a todos os demais homens, mais um mercenário”. O que leva Cody a ser tão íntegro é o fato, revelado na metade do filme, de ser ele obcecado pela busca de sua mulher que acredita estar ainda viva, busca que ele faz solitaria e incansavelmente há longos dez anos. A senhora Lowe é uma mulher bonita e desejável, mas Cody por não esquecer sua amada esposa, que talvez nem viva esteja, trata a mulher resgatada com respeito. Num sentimento extremo de nobreza Cody imagina a dor do esposo que estipulou a recompensa e, no entanto para Ben Lane, um marido pagar pelo esgate de sua mulher é demonstração de fraqueza. Só ao final explica-se porque John Lowe não foi atrás da esposa: ele tem uma deficiência que o impede, surpresa que mais ainda engrandece o comportamento de Cody e da senhora Lowe. Se para Ben Lane o que interessa são os cinco mil dólares de recompensa e como bônus possuir Nancy Lowe, a dupla Frank e Dobie fica indecisa entre obedecer o líder e tentar outro tipo de vida. Apenas o experiente Cody sabe que nenhum dois dois terá futuro continuando ao lado de um homem sem escrúpulos como Ben Lane. Quando finalmente a senhora Lowe descobre como é de verdade o homem que a resgatou, precisa conter a gratidão para que essa gratidão não se transforme em outro tipo de sentimento.

 

Randolph Scott

Alabama Hills como nunca se viu - Produzido para ser complemento em sessões ‘double feature’ (sessão com dois filmes), se há algo que possa ser dito em desfavor de “Cavalgada Trágica” é ser ele um western excessivamente econômico na metragem. Mais próximo dos padrões das séries de western-B ou C, suas qualidades são as dos melhores e mais bem produzidos faroestes. O pequeno orçamento, não permitia locações mais custosas e as rochas de Alabama Hills e cenários de Lone Pine na Califórnia, locais onde dezenas de milhares de westerns foram filmados, surgem pelas lentes do cinegrafista Charles Lawton Jr. com a grandiosidade das melhores locações dos westerns. A beleza das imagens abriga os momentos de ação com uso mínimo mas precioso de doublês, como na sequência em que Jefferson Cody se defende com uma sela do índio que o ataca e em seguida segura o mesmo índio como escudo e este é flechado na nuca. Não me recordo de nada igual em outros westerns em sequência perfeita. Quando um filme termina e nos deixa triste porque acabou é porque fomos envolvidos por ele e queríamos que houvesse ainda mais dessa história e de seus personagens. Burt Kennedy rende seu tributo a “No Tempo das Diligências” (Stagecoach), de John Ford, citando inúmeras vezes a parada em Lordsburg e a própria cidade em que se passa o clássico de 1939. Sem momentos de humor, é marcante a leitura por parte de Dobie do cartaz na Estação Comanche, gaguejando palavras diante do admirado Frank ao descobrir que o companheiro sabia ler. E a inconfundível árvore que serviu para enforcamento em “O Homem que Luta Só” (Ride Lonesome) é vista em “Cavalgada Trágica”, como para mostrar que ela não foi queimada como aparece na sequência final daquele filme anterior da série Boetticher-Kennedy-Scott. E o momento de maior emoção do filme fica com a morte de Frank, abandonado morto em um riacho por não poder sequer ser enterrado. E não há como esquecer de Dobie morimbundo, após ser morto pelo traiçoeiro Lane, pedindo a Coby e à senhora Lowe para cuidarem de seu cavalo. A parceria Boetticher-Kennedy é capaz de incutir sensibilidade mesmo num western onde a austeridade é marcante.

 

Claude Akins (acima e à esquerda); Skip Homeier (à direita); Richard Rust (abaixo)

Um dos melhores faroestes dos anos 50 - Como de hábito, Randy não se esforça e nem precisa para convencer como homem do Oeste íntegro, cínico quando for preciso e frio nos confrontos com quem o provoca. Uma pena que não há referência aos dublês que o substituem nas cenas de maior perigo, bem como aos stunt-men utilizados nas quedas de cavalos. Nancy Gates tem ótima atuação, ela que estava no cinema desde os 16 anos e se despediu dos longa-metragens com “Cavalgada Trágica”, aos 36 anos. Nancy Gates passou a atuar apenas em séries de televisão, abandonando a carreira de atriz aos 45 anos de idade. Curiosamente este deveria ter sido também a derradeira participação de Randolph Scott no cinema já que ele nunca escondeu que preferia jogar golfe a filmar, milionário que era porque soube aplicar bem o que ganhou como ator. Ocorre que o clube de golfe no qual ele pretendia entrar, era clube de milionários que não aceitava atores e Scott só foi aceito após se declarar aposentado das telas. Porém dois anos depois voltou atrás em sua decisão e aceitou filmar sob a direção de um diretor pouco conhecido chamado Sam Peckinpah. Após esse filme Scott voltou a só jogar golfe e ler o Wall Street Journal. Claude Akins é aquele tipo de vilão que não exagera mas amedronta com o olhar. Skip Homeier e Richard Rust completam o elenco principal dentro do padrão Boetticher, ou seja, ‘nada de truques interpretativos sob a minha direção’. A trilha musical, toda ela feita com música de arquivo é funcional. O que não é satisfatório é ver Comanches sem suas vastas cabeleiras negras e sim usando corte típico dos Mowhacks. Nada porém que comprometa “Cavalgada Trágica”, um dos melhores faroestes dos anos 50 e certamente o melhor entre aqueles com metragem de 72 minutos e filmado em doze dias apenas com orçamento mínimo.

Sequências espetaculares de ação; Richard Rust lendo para Skip Homeier

Nancy Gates

Randolph Scott, Nancy Gates e Claude Akins;
Scott, Skip Homeier, Richard Rust e Claude Akins


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