UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

25 de novembro de 2024

DUELO EM DIABLO CANYON (DUEL AT DIABLO)


         Um dos temas de mais difícil abordagem nos westerns é o racismo, invariavelmente mostrado com o ódio que desperta nos brancos, mais ainda quando de fato ocorre a miscigenação. O clássico absoluto dos faroestes que tocam nas relações entre brancos e índios é “Rastros de Ódio” (The Searchers), 1956 e antes da obra-prima de John Ford houve, entre outros, “Flechas de Fogo” (Broken Arrow), 1950, de Delmer Daves. Posteriormente Samuel Fuller filmou “Renegando Meu Sangue” (Run of the Arrow), 1957 e dois westerns dirigidos po Ralph Nelson: “Duelo em Diablo Canyon” (Duel at Diablo), de 1966 e “Quando é Preciso Ser Homem” (Soldier Blue), de 1970. Desse mesmo ano de 1970 é “Um Homem Chamado Cavalo” (A Man Called Horse) e o gênero ganhou em 1990 o premiadíssimo “Dança com Lobos” (Dances with Wolves), no qual o major John Dunbar (Kevin Costner) se casa com uma índia (Mary McDonell) que era uma menina branca que cresceu entre os índios Sioux. Do mesmo Alan Le May, autor do livro ‘The Searchers’, é ‘Kiowa Moon’, que chegou ao cinema como “O Passado não Perdoa” (The Unforgiven), injustiçado western de John Huston em que uma menina índia é sequestrada por uma família branca, o inverso de ‘The Searchers’. “Duelo em Diablo Canyon” é generoso no tema racismo ao mostrar tanto uma mulher branca entre índios quanto uma índia morta por homem branco. E para completar conta ainda com um negro tendo importante função em uma jornada da Cavalaria.


O branco escalpelador - Ellen Grange (Bibi Andersson), esposa do comerciante Willard Grange (Dennis Weaver) é sequestrada pelos Apaches e mantida na tribo por um ano até que consegue escapar e é encontrada no deserto por Jess Remsberg (James Garner), um batedor do Exército. Jess leva Ellen para onde ela mora e para onde ele está indo, a cidade de Creel. O marido de Ellen não aceita seu retorno à casa ao saber que ela engravidara de um índio. Jess compreende a situação de Ellen porque ele teve sua esposa Comanche morta e escalpelada por um homem branco. Em Creel há um Forte comandado pelo Tenente Scotty McAllister (Bill Travers) que é incumbido de transportar um carregamento de dinamite e armas até o Forte Concho, sendo necessário para isso atravessar o território Apache. A tropa de McAllister é composta por 25 soldados, muitos deles inexperientes e o tenente recruta o batedor Jess e também o ex-sargento Toller (Sidney Poitier), um negro especialista em domar cavalos. Jess descobre que o escalpo de sua esposa Comanche passou pelas mãos do xerife de Concho (John Crawford), motivo que o leva a acompanhar a tropa. Toller também aceita participar da arriscada missão porque o Exército lhe deve dinheiro que só receberá em Conchos. Willard Granger faz parte da caravana para fazer negócios em Conchos e, por fim, Ellen vê nessa viagem a possibilidade de resgatar seu filho mestiço. No caminho o batalhão é atacado pelos Apaches chefiados por Chata (John Hoyt), muito mais numerosos que o grupo militar que é praticamente dizimado, só não o sendo totalmente porque chega, do Forte Conchos, a tropa do Coronel Foster (Ralph Nelson) que rende e captura os Apaches. Jess Remsberg descobre que foi Willard Grange quem matou e tirou o escalpo sua mulher Comanche, mas durante o confronto Grange é capturado pelos Apaches e torturado até quase a morte. Jess o encontra e coloca seu revólver na mão de Granger que se mata. Ellen retorna a Creel em companhia de Jess.

 

Bibi Andersson e Dennis Weaver, desespero e revolta; desconsolo

‘Apaches mais civilizados que os brancos’ - Reputado como um dos westerns mais violentos da década - Ralph Nelson se superaria com “Quando é Preciso Ser Homem” seu western seguinte - “Duelo em Diablo Canyon” tem um roteiro exemplar juntando situações de cunho racial que tentam justificar o ódio que é despertado em seres aparentemente normais. Jess Remsberg não descansa enquanto não encontrar e matar o assassino de sua esposa, vingança motivada pela crueldade do crime. Mesmo Jess descobrindo que Willard Granger foi quem matou sua esposa Comanche para se vingar dos índios Apaches que sequestraram e, para ele provavelmente mataram, Ellen a mulher branca fugitiva que ele Jess encontrara no deserto. Willard, movido pelo ódio, entendeu justa a ‘Lei de Talião’, assim como justo é o desejo de vingança do batedor Jess. Em meio ao ódio despertado entre os brancos, há também o sentimento de vingança dos Apaches uma vez que a criança nascida da relação entre Ellen e o apache Alchise (Eddie Little Sky) pertence aos Apaches e não à mãe branca que renunciou a viver com a tribo. E a razão está com cada um dos envolvidos, fruto mais de seus resentimentos que da capacidade de raciocinar sobre as culturas uns dos outros. Ellen, que tanto sofreu, é a pessoa mais racional entre os brancos chegando a dizer que ‘encontrou mais civilidade em meio aos Apaches que entre seu povo’. Este western é de 1966 mas sua atualidade é total apesar das lutas contra a segregação em tempos em que a etnia dita os comportamentos.

Sidney Poitier; Poitier e Bill Travis; Bibi Andersson; James Garner

 Um branco humilhado e torturado - De todos os personagens de “Duelo em Diablo Canyon” o mais relevante é o interpretado por Dennis Weaver, o comerciante que tem sua esposa sequestrada pelos índios. Não bastasse a humilhação pela qual passa diante do povo de Creel por saber que sua esposa viveu um ano com os Apaches, ele ainda recebe a notícia que Ellen dera à luz a um bebê mestiço, um ultraje incontornável. O igualmente sofrido Jess ainda diz a Ellen que ela e o marido poderiam viver em outro lugar onde ninguém saberia do passado deles, ao que Ellen responde referindo-se ao bebê: “Meu povo, em qualquer lugar, jamais o criaria como um deles”. Granger perde de tal forma a clareza das idéias que se sente vingado pela perda da esposa ao matar e tirar o escalpo uma mulher Comanche como se os povos indígenas fossem todos iguais. Ellen compreende a tortura psicológica por que passa seu marido e até aceita sua reação chegando a dizer que Granger é um homem bom. A reação de Granger seria então a reação natural de qualquer homem de seu tempo e lugar e a prova disso é o sentimento de vingança do batedor de bom coração Jess, obcecado pelo desejo de encontrar e matar o assassino de sua esposa. Os ‘mais civilizados’ Apaches lutam para não terem que retornar ao confinamento em São Carlos, de onde fugiram e onde sofreram não só o cativeiro mas a liberdade e a perda de tudo que por séculos viveram segundo sua cultura. O roteiro não deixa de mostrar que os Apaches eram sim cruéis e a forma como torturaram Grange e dois outros soldados prova que o filme não tencionou poupar ninguém.

Dennis Weaver torturado psicológica e fisicamente

 Um negro na Cavalaria - Nenhum outro ator no cinema norte-americano elevou o negro à condição de ser humano forte, íntegro, inteligente e sensível, como Sidney Poitier. Isto desde seus primeiros filmes sendo os mais importantes deles “Acorrentados” (The Defiant Ones), 1958, e “Uma Voz nas Sombras” (Lilies of the Fields), 1963, este dirigido pelo mesmo Ralph Nelson. Em “Duelo em Diablo Canyon” o personagem Toller de Poitier parece ter sido criado apenas para demonstrar que pode sim um negro ser importante como militar e isto na Cavalaria que sempre os discriminou. E o cidadão Toller é o homem mais elegante de Creel, ganhando a vida no pôquer após dar adeus ao Exército e preferir auferir mais dinheiro que o mísero soldo que recebia como sargento. Cínico, Toller paira acima dos demais personagens, mesmo do oficial da Cavalaria, Tenente McAllister e há até um excesso nessa composição como se o negro necessitasse ser arrogante para se sobrepor àqueles que por séculos os segregaram. E curiosamente, foi após “Duelo em Diablo Canyon” que Poitier atuou em três filmes que, definitivamente, mudaram a história do negro no cinema, três filmes de 1967: “Ao Mestre com Carinho” (To Sir with Love), “No Calor da Noite” (In the Heat of the Night) e “Advinhe quem Vem para Jantar?” (Guess who’s Coming to Dinner). Porém como Toller, Sidney Poitier não tem oportunidade de demonstrar sua excepcional qualidade como ator. Por outro lado ele está à vontade como cowboy neste seu primeiro western e como lembrou James Garner, Poitier teve que aprender a montar e usar armas, o que fez com perícia de veterano.

Sidney Poitier em seu primeiro western

 A loucura produzida pela batalha - Se Sidney Poitier se saiu bem como homem do Oeste, certamente muito se deve a ser Ralph Nader exigente o que é constatado nas inúmeras sequências de ação repletas de quedas de cavalo e lutas corpo a corpo. As filmagens exigiram um grupo de nada menos de 13 stuntmen, entre eles Richard Farnsworth e Neil Summers que podem ser reconhecidos em pontas. As sequências de combate são convincentes e emocionantes concentrando paralelamente as questões raciais, ou seja, não há pano de fundo e o drama e ação se harmonizam perfeitamente. Um senão em “Duelo em Diablo Canyon” é a resistência dos feridos durante a batalha, como no caso do Tenente McAllister que com uma perna quebrada, ombro perfurado por flecha consegue montar e lutar bravamente. Ele que sonhava em ser General e que entrando em estado de alucinação pelos ferimentos e pelo sol inclemente, luta de espada na mão, contra inimigos invisíveis. Mesmo o negro Toller tem o braço varado por uma flecha que ao ser retirada deveria produzir dor insuportável, enfaixa o braço e volta a disparar contra os Apaches.

Muito trabalho para os stuntmen

 Dennis Weaver excelente - James Garner é sempre ótimo como cowboy, muito bom e menosprezado ator. Ganhou fama como Bret Maverick e fez muitos westerns, sempre com sua discreta competência dando credibilidade às personagens. A bergmaniana Bibi Andersson (minha favorita entre as atrizes suecas) fez sua estreia em Hollywood com esse filme que é, certamente, um de seus melhores trabalhos na meia dúzia de participações no cinema norte-americano. Totalmente desglamurizada Bibi expressa com perfeição o sofrimento de Ellen Grange, desprezada pelos brancos e maltratada também pelas índias Apaches. Não muito feliz foi a escolha de Bill Travers como oficial da Cavalaria, ele que é inglês e com seu sotaque soando inteiramente fora do contexto. Dennis Weaver que então brilhava na TV como Chester, o manquitola assistente de Matt Dillon (James Arness) em “Gunsmoke”, tem a melhor atuação de todo elenco, antecipando seu magnífico trabalho como o acuado motorista de “Encurralado” (Duel), 1971. O diretor Ralph Nelson faz uma participação como Coronel da Cavalaria. A trilha sonora musical ficou a cargo de Neil Hefti, cujo tema principal não entusiasma, mas os arranjos para as sequências de ação produzem efeitos estupendos e que somados à ótima fotografia completam este western que não fez o sucesso que merecia.

James Garner com Sidney Poitier; com Bibi Andersson; em uma sequência
arriscada; e novamente com Bibi Andersson

 


Nenhum comentário:

Postar um comentário