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26 de junho de 2021

FRED GRAHAM, UM 'BRIGÃO' NOS FAROESTES E SERIADOS

 

          Pode-se afirmar que há três tipo de cinéfilos. O mais comum é aquele cinéfilo que reconhece os principais astros e estrelas de um filme. Tomando por exemplo o clássico western “Onde Começa o Inferno” (Rio Bravo), esse fã saberia dizer que John Wayne divide o elenco principal com Dean Martin, Angie Dickinson, Ricky Nelson e Walter Brennan. Já o segundo tipo de cinéfilo, mais atento aos chamados e tão importantes coadjuvantes, completaria dizendo que Ward Bond também atua nesse faroeste e que o chefão da quadrilha é John Russell, tendo o irmão (no filme) Claude Akins que passa muito tempo dentro da cela provocando Walter Brennan. E esse fã ainda diria que o casal de mexicanos é interpretado por Pedro Gonzalez-Gonzalez e Estelita Rodrigues. O terceiro tipo de cinéfilo é aquele capaz de reconhecer, além dos citados, muitos dos chamados figurantes que surgem na tela como Bob Steele e Bing Russell. Há uma sequência magnífica de tiroteio em “Rio Bravo”, na qual Duke e Nelson enfrentam e três bandidos na porta do Hotel Álamo. Quem são esses três vilões? Aquele cinéfilo que não deixa escapar nada do filme é capaz de reconhecê-los. Um deles é o pouco conhecido George Mitchell; outro é Eugene Iglesias, portorriquenho que atuou com destaques em inúmeros westerns, entre eles “Onde Impera a Traição” (Duel at Silver Creek). O terceiro bandido, o mais corpulento, foi definido por William Witney como o melhor de todos os stuntmen com quem o famoso diretor trabalhou, isto quando se tratava de uma boa luta a socos, daquelas que não podia de jeito nenhum faltar num bom faroeste. O nome dele é Fred Graham. 

O trio que tenciona surpreender John Wayne em "Rio Bravo":
Eugene Iglesias, George Mitchell e Fred Graham

          Nascido em 1908 como Charles Frederick Graham, o jovem Fred tinha 1,88m de altura aos 20 anos, quando se dividia entre o trabalho como ajudante na MGM e atleta amador de baseball. Em 1934 estava sendo rodado “A Mão Invisível” (Dead on the Diamond), filme sobre baseball estrelado por Robert Young e no estúdio sabiam que Fred Graham praticava esse esporte e por essa razão ele foi chamado para assessorar Young para que este parecesse um jogador de verdade. Graham fez mais que isso e participou como figurante jogador do time do Saint Louis Cardinals. Ward Bond, Walter Brennan e Bruce Bennett também aparecem nesse filme. Daí em diante nunca mais Fred Graham carregou cenários ou empurrou carrinhos na MGM, passando a fazer pequenas figurações e substituindo atores em sequências mais perigosas. Em “O Grande Motim” (Mutiny on Bounty) Graham fez isso pela primeira vez substituindo nada menos que Clark Gable. Mais tarde Robert Taylor e Nelson Eddy foram outros que, apesar das diferenças físicas, foram dublados por Fred Graham que vestia roupas iguais às dos astros. O curioso é que Nelson Eddy só filmava operetas enquanto namorava Jeanette MacDonald... Nesse tempo ninguém chamava Fred Graham pelo nome, mas sim pelo apelido ‘Slugger’ (arremessador de baseball), apelido que ele carregou pelo resto da vida. 

        Da MGM Fred Graham se mudou para a Warner Bros., onde seu primeiro trabalho foi como stunt double de Basil Rathbone em “As Aventuras de Robin Hood”. Rathbone era um verdadeiro ás no manejo da espada, mas necessitava ser substituído nas muitas quedas que o personagem sofria durante os confrontos com Errol Flynn. Tal era o realismo com que Fred se dedicava ao trabalho que em um desses embates fraturou o tornozelo em uma queda. Da Warner Bros. Fred Graham passou por outros estúdios porque aos se tornar bastante conhecido na categoria de stuntman era requisitado para substituir atores mais conhecidos como Cornel Wilde, John Wayne, Gregory Peck, John Payne e até Bob Hope ou mesmo coadjuvantes grandalhões como Harry Woods e Mike Mazurki. E veio o auge da Republic Pictures, a casa dos Western-B e dos seriados, gêneros que, mais que quaisquer outros, continham sequências de ação e para isso Fred Graham era nome certo ali na Powert Row. 

Dick Purcell (Capitão América) esmurra Fred Graham no seriado de 1945

          No estúdio de Herbert J. Yates, Graham foi dublê até do admirado Roy Barcroft, vilão que apanhou praticamente de todos os mocinhos dos B-Westerns mas que quando desempenhava papel importante nos seriados não podia se arriscar e então era Fred Graham quem era surrado em seu lugar como em “Marte Invade a Terra” (The Purple Monster Strikes). Os dublês, salvo exceções como David Sharpe e Tom Steele, não eram contratados pelos estúdios e ganhavam por participação em sequências perigosas. Para melhorar o salário e por estarem presentes nos sets de filmagens acabavam participando de outras sequências ‘mais calmas’. Isso explica como foi possível em seus trabalhos no cinema, que duraram 39 anos, que Graham tenha atuado em 277 filmes e tendo também 230 participações registradas como dublê. Dos seriados dessa época de ouro Graham atuou em nada menos que 20 deles, 17 na Republic Pictures. Quantos aos Westerns-B, são incontáveis e Monte Hale, Rocky Lane, Roy Rogers, Rex Allen, Bill Elliott e Bob Steele tiveram a árdua missão de travar lutas contra o bandidão Fred Graham. 

Cena de "Acusação Injusta" (Heart of the Rockies), de 1951, com Fred Graham
sendo rendido por Roy Rogers enquanto Penny Edwards observa

Fred Graham sente a força do punho de Allan Lane em
"À Procura do assassino" (Silver City Kid), de 1944

          Nos filmes de melhor orçamento dos quais participou como substituto, em algumas edições menos rigorosas, é possível perceber que é Fred Graham e não o ator principal quem distribui e recebe socos. Dublando John Wayne em “Adorável Inimiga” (Tall in the Saddle), “A Pecadora” e em “Ódio e Paixão” (Pittsburgh), pode-se ver que John Wayne está um pouco mais baixo e mais gordo. É em “Ódio e Paixão”que ocorre a memorável briga entre John Wayne e Randolph Scott, uma das mais famosas do cinema e que Fred Graham ajudou a valorizar. 

Cliff Lyons segura John Wayne e Mike Mazurki apenas olha enquanto
Fred Graham prepara um soco de esquerda para atingir o Duke, em "Dakota", de 1945

          Nem sempre havia a preocupação de se encontrar um dublê ‘sósia’ do ator principal, como era o caso de Gary Cooper e seu constante stunt-in Slim Talbot. Importava mais, isto sim, a qualidade do trabalho do stuntman e nisso Fred Graham era imbatível, como bem disse William Witney. Graham desferia socos com precisão e quando era atingido parecia mesmo que o fora de verdade. Esse fato fez com que despertasse a admiração de John wayne por Fred, de quem ficou amigo. Quando Duke se tornou um dos homens mais poderosos de Hollywood, como ator e produtor, Graham sempre era lembrado para participar de seus filmes. Isso aconteceu inúmeras vezes como em “Horizonte de Glórias”, “Iwo-Jima - O Portal da Glória”, “O Rasto da Bruxa Vermelha”, “Sangue de Bárbaros” e claro, nos westerns. Graham pode ser visto em “Sangue de Heróis”, “Legião Invencível” e já maduro em “Marcha de Heróis”, “O Álamo” e “Fúria no Alasca”. Mesmo quando Wayne não atuava, mas era o produtor, como em “Sete Homens sem Destino”, Fred Graham era chamado para participar. 

Como homem da lei em "O Monstro Gigante de Gila", Fred Graham
conversa com Don Sullivan e Shug Fisher entre os dois

          E Fred Graham somente não esteve mais vezes ao lado de John Wayne (e de John Ford) porque se mantinha constantemente ocupado na Republic Pictures e mais tarde em trabalhos nas muitas séries westerns de TV. Nestas Graham até recebia crédito, ao contrário dos filmes que somente nomeavam os astros e principais coadjuvantes. Em “O Monstro Gigante de Gila”, um dos muitos sci-fi-horror dos anos 50, Fred Graham tem o segundo papel em importância no elenco, como o sheriff da localidade que é apavorada pelo lagarto gigante. Além dos muitos westerns clássicos em que atuou, Fred Graham foi visto em filmes importantes como “Sansão e Dalila”, “A Guerra dos Mundos”, “Demétrio e os Gladiadores” e “20 Mil Léguas Submarinas”, entre outros. Nas obras-primas “Janela Indiscreta” e “O Segredo das Joias” Fred Graham esteve presente como ator e pode-se afirmar que todo fã de cinema lembra da figura do policial que persegue James Stewart nos telhados de San Francisco no início de “Um Corpo que Cai”. É Fred Graham quem perde o equilíbrio e se estatela no chão sob o olhar desesperado de Stewart. 

Uma das mais famosas sequências do cinema, no início de "Um Corpo que Cai"
(Vertigo) e quem acaba caindo do telhado é Fred Graham

          Na década de 60 Fred Graham diminuiu consideravelmente seu ritmo de trabalho, até porque o peso dos anos lhe roubaram a forma magnífica que sempre apresentou como um autêntico ‘brawler’ (brigão) das telas. Na vida real, no entanto, Graham era uma pessoa muito gentil e que fazia amigos com facilidade. Em Scottsdale (Arizona), cidade onde resolveu morar, Graham era figura das mais populares e se empenhou na criação do ‘Carefree Southwest Studios’, também conhecido como ‘The Graham Studio’, destinado a atividades cinematográficas. Em 1965 William Witney chamou Graham para interpretar Quantrell em “Bandoleiros do Arizona” (Arizona Raiders), estrelado por Audie Murphy. Em 1972 Fred teve participação em “Meu Nome é Jim Kane”, um western moderno com Lee Marvin e Paul Newman. O último filme de Fred Graham foi “Guns of a Stranger”, faroeste que teve o cantor Marty Robbins no papel principal como um sheriff, assim como Graham, também sheriff. 

  Fred Graham veio a falecer em Scottsdale, em 10 de outubro de 1979, quatro meses após o falecimento de John Wayne. O cinema perdia o seu maior cowboy e também um dos grandes dublês da tela, pouco lembrado mas certamente reconhecido pelos cinéfilos mais atentos e que diziam: “Olha o Fred Graham aí...”

 

Cena de "Pioneiros do Colorado" (Colorado Pioneers), de 1945: Fred Graham prestes

a quebrar a cadeira na cabeça de Bill Elliott que é seguro por Roy Barcroft

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