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20 de maio de 2013

SANGUE NAS MONTANHAS (Um Fiume di Dollari) – O ÓTIMO WESTERN DE CARLO LIZZANI


Acima Dino De Laurentiis;
abaixo Carlo Lizzani.

Em 1966, aos 47 anos de idade, Dino De Laurentiis já havia produzido mais de 80 filmes. Alguns deles memoráveis como “Arroz Amargo”, “Noites de Cabíria”, “A Estrada da Vida”, “Ulisses” (com Kirk Douglas), “O Ouro de Nápoles”, “Guerra e Paz” (com Henry Fonda e Audrey Hepburn) e “A Grande Guerra”. E como é sabido, para se produzir filmes de arte como os muitos que De Laurentiis produziu, era necessário produzir paralelamente filmes de maior apelo popular, o que o levou a ser o produtor executivo de “Maciste Contra o Vampiro”. Quem interpretou Maciste nesse filme de título bizarro foi o ex-Tarzan Gordon Scott e o diretor desse filme foi o conhecido Sergio Corbucci. Assim como Corbucci, alguns dos diretores que conheceram a glória nos Westerns Spaghetti iniciaram suas carreiras trabalhando nos ‘sandálias e espadas’ filmados em Cinecittá. Entre esses diretores estão Sergio Leone, Ducio Tessari, Gianfranco Parolini e Sergio Solima. Para ganhar dinheiro Dino De Laurentiis decidiu produzir o gênero que estava deixando outros produtores mais ricos que ele, gênero que logo seria apelidado de ‘Western Spaghetti’. Para sua primeira aventura num faroeste Made-in-Italy, De Laurentiis chamou um diretor que nunca rodara filmes de Maciste, Ursus, Hércules e companhia. Esse diretor era Carlo Lizzani.

Western para o mercado norte-americano - Dino De Laurentiis e Carlo Lizzani se conheciam há muito tempo pois Lizzani, após ter sido crítico de cinema, passou a escrever roteiros, sendo de sua autoria (em colaboração) os roteiros de obras neo-realistas como “Alemanha, Ano Zero” (de Roberto Rosselini) e  “Arroz Amargo” (de Giuseppe De Santis). Os filmes dirigidos por Carlo Lizzani muitos deles com roteiros de sua autoria, tinham forte cunho sócio-político e o mundo cinematográfico italiano ficou ansioso para ver o resultado desse primeiro western produzido por De Laurentiis e dirigido pelo intelectualizado Lizzani. O filme teria o título de “Un Fiume di Dollari” e em Inglês se chamaria “The Hills Run Red”. A prática da época na Itália era filmar faroestes utilizando-se títulos em Inglês que criassem a dúvida sobre a origem do filme. E mesmo atores, diretores e técnicos em geral passavam a ter nomes aparentemente norte-americanos, pois a América do Norte era a terra do faroeste. No caso de “Un Fiume di Dollari”/“The Hills Run Red”, a razão era mesmo porque De Laurentiis pretendia lançar o filme também nos Estados Unidos, o que ainda não acontecia com os Westerns Spaghettis, mesmo os de grande sucesso na Europa, como a Trilogia dos Dólares de Sergio Leone.


Dan Duryea
Dan Duryea no elenco - A produtora de Dino De Laurentiis associou-se à C.B. Films, de Barcelona, para realizar “Un Fiume di Dollari”/“The Hills Run Red”, cujo elenco foi encabeçado por três atores norte-americanos, os muito conhecidos Dan Duryea e Henry Silva e por Thomas Hunter. Ainda praticamente um iniciante como ator, Hunter foi escolhido por sua fisionomia lembrar bastante a de Clint Eastwood, o maior nome nas bilheterias italianas em 1965. Atores norte-americanos já vinham atuando em faroestes produzidos na Europa e De Laurentiis sabia que isso facilitaria o lançamento do filme nos Estados Unidos. As filmagens teriam como locações as pradarias de La Pedrita e Colmenar Viejo, na Espanha, aparentemente porque Almería, também na Espanha, estava sempre ocupada com tantos westerns sendo filmados simultaneamente. A Dinocittá, estúdio de Dino De Laurentiis localizado nos arredores de Roma também seria utilizado, tanto para cenas externas, na cidade cenográfica que foi construída, como para as cenas internas.  O roteiro de “Un Fiume di Dollari”/“The Hills Run Red” foi escrito por Piero Regnoli, que nos créditos aparece como ‘Dean Craig’. A trilha sonora foi composta pelo incansável Ennio Morricone, ‘Leo Nichols’ nos créditos e o próprio Carlo Lizzani ganhou o americanizado nome ‘Lee W. Beaver’.

Henry Silva
García e Los Garcíanos - A história de “Un Fiume di Dollari”/“The Hills Run Red”, que no Brasil se chamou “Sangue nas Montanhas”, é visivelmente inspirada em outros westerns.O filme começa com dois sulistas, ao fim da Guerra Civil, roubando 600 mil dólares do U.S. Army, dinheiro destinado à compra de armamentos. Perseguidos por uma patrulha do Exército, os bandidos decidem que um deles se entregaria enquanto o outro fugiria. [Certamente o leitor deve ter lembrado de “A Face Oculta”, o admirável western de Marlon Brando.] Ken Seagall (Nando Gazzolo) tem mais sorte que Jerry Brewster (Thomas Hunter) e fica com os 600 mil dólares, enquanto o comparsa vai para a prisão em Fort Wilson. Lá Brewster amarga cinco anos de maus tratos e trabalhos forçados, enquanto Seagall, que mudou seu nome para Ken Milton, aplica bem o dinheiro roubado e se torna praticamente o dono de Austin, para onde fugira. Ao sair da prisão Brewster descobre que sua esposa falecera por culpa de Seagall, a quem Brewster pedira que cuidasse dela e do filho pequeno. O paradeiro do menino Tim Brewster (Loris Loddi) é desconhecido. Orientado por um estranho chamado Winny Getz (Dan Duryea), Brewster muda seu nome para Jim Houston e arquiteta a vingança. Para isso precisa se aproximar de Seagall, que tem como capataz García Mendez (Henry Silva), mexicano que comanda dezenas de homens que trabalham na Fazenda Mayflower, de propriedade de Ken Milton (Seagall). Jim Houston (Brewster) ganha a confiança de García Mendez e passa a trabalhar em Mayflower, porém ao mesmo tempo trabalha também para Brian Horner (Geoffrey Coppleston), que disputa o poder em Austin com Milton. [É natural que o leitor lembre-se das duas facções em “Por um Punhado de Dólares”.] Sempre ajudado pelo estranho Winny Getz, Jim Houston consegue liquidar com o pequeno exército chamado Los Garcíanos, liderado por García Mendez e vinga-se de Ken Seagall, matando-o. Houston volta a chamar-se Brewster, revela que é pai do pequeno Tim e sua viuvez está com os dias contados pois Mary Ann (Nicoletta Machiavelli), a irmã de Seagall sente-se atraída por Brewster.

Thomas Hunter
Personagem atormentado pela vingança - Certa vez Sergio Leone disse a Budd Boetticher, querendo glorificar o diretor de “Sete Homens Sem Destino”, que havia roubado tudo dele. Mas quem parece conhecer bem os westerns de Boetticher é mesmo Carlo Lizzani. E Lizzani conhecia ainda melhor os faroestes de Anthony Mann. Partindo de um roteiro que em outras mãos teria um tratamento rotineiro, Lizzani dá a essa história de vingança um desenvolvimento diferente do que se fazia nos Westerns Spaghetti. Jerry Brewster é um personagem atormentado pelo seu desejo de vingança, o que o leva a ter pesadelos e a gritar como se estivesse enlouquecido pelo ódio. Lizzani dirige Thomas Hunter como se este fosse o James Stewart dos westerns de Mann. Mais violento que os faroestes de Boetticher ou de Anthony Mann, até porque os Westerns Spaghetti não tinham as restrições que Hollywood impunha nos anos 50, Lizzani cria cenas fortíssimas. Uma delas é a retirada da tatuagem do braço de Brewster, feita com uma faca em brasa, por Winny Getz. Outra é Brewster esfaqueando com crueldade um bandido que queria matá-lo O espancamento sofrido por James Stewart em “Um Certo Capitão Lockhart” é quase nada perto do que Brewster passa na cadeia e posteriormente nas mãos dos Los Garcíanos. Essa dose de violência absorvida pela determinação do sofrido e vingativo Brewster, mais a presença de personagens como Getz e Mendez, dá a “Sangue nas Montanhas” um tom insólito para um Western Spaghetti e seus invulneráveis anti-heróis.

Nicoletta Machiavelli

Loris Loddi
Um estranho chamado Getz - Os bandidos quase sempre se destacam nos filmes, não raro brilhando mais que os heróis. É o que acontece com o personagem García Mendez, mesmo interpretado com excessivo histrionismo por Henry Silva. García é enamorado de Mary Ann (Nicoletta Machiavelli), a irmã do patrão Seagall, mas quem gosta de García é a dançarina Hattie Gardner, numa subtrama que poderia ser melhor desenvolvida. García é elegante, arrogante e frio, qualidade esta que demonstra quando ao invés de matar Brewster que está prostrado implorando para ser morto, decide contratá-lo dizendo “Você é um campeão. Campeões não se matam, preservam-se.” O interesse de “Sangue nas Montanhas” aumenta sempre que entra em cena o estranho chamado Getz, interpretado por Dan Duryea. Eterno e sempre perfeito homem mau de tantos faroestes e filmes policiais, desta vez Duryea feito uma sombra protege o vingativo Brewster e dá ao filme um inesperado toque de mistério. E há uma razão para isso pois Getz está em missão para reaver o dinheiro e seguindo Brewster chegará a Ken Seagall. O cinismo marcante de Dan Duryea, desta vez num desempenho simpático, valoriza o personagem. Mulheres interpretam tipos quase sempre prescindíveis nos faroestes, sendo necessárias mais para agradar as platéias masculinas. Dino De Laurentiis colocou no elenco Gianna Serra, a Miss Itália de 1963, mas quem enche os olhos dos espectadores é Nicoletta Machiavelli. Dona de uma beleza delicada, Nicoletta faz o possível par romântico com Thomas Hunter, ainda que o roteiro permita apenas a mútua admiração entre os dois. O ator infantil Loris Loddi, que participou de inúmeros filmes, entre eles “Cleopatra” (com Liz Taylor) e “O Vingador Silencioso” (de Sergio Corbuci) foi bastante bem utilizado por Carlo Lizzani. Suas cenas com Thomas Hunter são comoventes numa relação perfeita de amizade depois esclarecida como amor filial.

O extravagante bandido mexicano.
Detalhamento típico dos Westerns Spaghetti - Se falta originalidade ao roteiro de “Sangue nas Montanhas”, esse fato é compensado pelo excelente ritmo do filme, com muita ação de boa qualidade propiciada pelos dublês Paolo Magalotti, Osiride Pevarello e Guglielmo Spoletini. Lizzani valoriza algumas cenas que são filmadas mais vagarosa e detalhadamente, o que é padrão dos Westerns Spaghetti. A grande cena de ação do filme com o emprego de dezenas de cavalos em meio a uma emboscada tem um desfecho pouco claro pois não se sabe para onde foram os animais. Carlo Lizzani, cujos filmes anteriores se passavam em áreas urbanas e contemporâneas mostrou competência para o faroeste, o que repetiria em “Réquiem para Matar” (Requiescant). Após essas experiências Lizzani voltou a dirigir filmes como “Os Bandidos de Milão” (com Gian Maria Volonté e Tomas Milian) e “Mussolini, Ascensão e Glória de um Ditador” (com Rod Steiger e Franco Nero). Thomas Hunter é convincente numa interpretação nada fácil num filme cuja estrela é Henry Silva. Mesmo excessivo em suas gargalhadas e se expressando sempre aos gritos, como bom bandido mexicano, Henry Silva é domina todas as cenas das quais participa, com a ajuda da câmara de Antonio (Tony) Secchi. Esse cinegrafista, o mesmo de “O Dólar Furado” tem oportunidade de mostrar grande habilidade no movimentado gênero que é o faroeste.

Morricone impecável - O que mais valoriza “Sangue nas Montanhas” é a música de Ennio Morricone orquestrada por Bruno Nicolai. Criando trilhas para tantos filmes seria normal esperar que Morricone elaborasse trilhas cada vez mais repetitivas e menos inspiradas. Mas isso não acontecia para a fonte inesgotável de inspiração chamada Morricone. O tema principal, “Home to my Love”, uma canção melancólica e singela, tem letra de Audrey Nohra e é cantada por Gino Spiachetti. Muito mais marcantes são as diversas criações que pontuam momentos diferentes do filme, com Morricone utilizando vozes e cordas magistralmente como sempre, além de piano e muita percussão fazendo a atmosfera perfeita para cada sequência. O CD com a trilha de “Sangue nas Montanhas” merece ser adquirido pelos colecionadores de música de filmes. Dino De Laurentiis, chamado por alguns de ‘Dino De Horrendous’ pela má qualidade de alguns filmes que produziu, legou ao cinema um número considerável de produções artísticas. Entre estas vale lembrar “O Ovo da Serpente”, de Ingmar Bergman, “Oeste Selvagem”, de Robert Altman, “O Estrangeiro”, de Luchino Visconti, além dos filmes que produziu para Federico Fellini nos anos 50. E foi De Laurentiis quem produziu “Joe, o Pistoleiro Implacável”, de Sergio Corbucci. Diferentemente desse western estrelado por Burt Reynolds, “Sangue nas Montanhas” é um dos menos lembrados Westerns Spaghetti, ainda que seja um dos melhores filmes desse polêmico gênero.

Delicada e belíssima Nicoletta Machiavelli.


4 comentários:

  1. Prezado Darci,

    Ótimo comentário, realmente "Sangue nas Montanhas" (The Hills Run Red) é um dos melhores Westerns Spaghetti realizados até então.

    Vamos esperar que o anunciado "Badlanders" de Enzo Castellari, com Franco Nero e Quentin Tarantino tenha, pelo menos, o mesmo nível e se compare aos de Sergio Leone.

    Mario Peixoto Alves

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  2. Nino Scarciofolo: É mesmo Jeff Cameron como havíamos comentado e que fez vários espaghettis com Gordon Mitchell e Klaus Kinski nas mãos do diretor Demofilo Fidani ao lado da filha do diretor Simone Blondell, (Simonetta Vitelli) que deu um entrevista para o meu blog Bang Bang Italiana em 2012.
    Um dos filmes de Jeff Cameron que a galera curte é "Sartana... A sombra da morte!".
    Fui.
    Bela Postagem

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  3. Olá, Edelzio
    Esta aí um esclarecimento muito oportuno a respeito de Jeff Cameron. Vamos ler o que diz Simonetta Vitelli.
    Abraço do Darci

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  4. Tenho esse The hills run red em DVD, mas preciso revê-lo para dizer alguma coisa. Assisti na TV faz muito tempo, na década de 80. A trama não lembro muito bem, mas a música dificilmente esqueceria, de Ennio Morricone, muito marcante.

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