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28 de maio de 2013

A ÚLTIMA BARRICADA (The Last Command) – O PEQUENO E BELO ÉPICO DA REPUBLIC PICTURES


As histórias de bastidores de certos filmes são por vezes até melhores que os próprios filmes e este é o caso de “A Última Barricada” (The Last Command), de 1955. E conhecer os fatos que levaram a Republic Pictures a filmar o cerco do Álamo pelo exército mexicano em 1836, torna praticamente obrigatória a revisão deste filme. Após a discutida versão de 1960 (de John Wayne) e a fracassada refilmagem de 2004 (de John Lee Hancock), e por ser um fato histórico bastante conhecido do público, a história do Álamo encontra o espectador familiarizado com o que vai assistir. Isso provoca as inevitáveis comparações entre os filmes, personagens e intérpretes. “A Última Barricada” surpreende por mostrar um Davy Crockett diferente e divertido; um Coronel Travis menos soberbo; e um Jim Bowie verdadeiramente heroico e a figura central do filme.


O Generalíssimo Santa Anna e seu
amigo Jim Bowie.
13 dias para uma derrota histórica - Quem assina a história de “A Última Barricada” é Sy Bartlett, com roteiro de autoria de Warren Duff, ambos fugindo por vezes à exatidão dos fatos históricos. Em “A Última Barricada” James ‘Jim’ Bowie (Sterling Hayden) é um dono de terras no México que participa das discussões politicas de norte-americanos em San Antonio para fazer com que o General Santa Ana (J. Carroll Naish) respeite a Constituição de 1824 que dava autonomia à Província do Texas. De início relutante, Bowie adere à causa dos texanos e expõe sua posição ao seu amigo General Santa Anna. A intransigência de ambos os lados leva ao conflito armado e os norte-americanos decidem resistir fazendo de uma missão em ruínas construída pelos espanhóis e abandonada em San Antonio de Bexar seu reduto. O nome da missão é O Álamo e nesse abrigo precário enfrentam o exército de Santa Ana. Jim Bowie e o Coronel William B. Travis (Richard Carlson) são os líderes da resistência que contam em vão com reforços que nunca chegarão. Bowie e Travis recebem apenas um grupo de 29 homens vindos do Tennessee e liderados por Davy Crockett (Arthur Hunnicutt). A luta desigual se dá entre os 187 homens que estão na missão transformada em forte e que tencionam deter as forças do General Santa Ana o maior tempo possível. Com isto possibilitarão mais tempo para que o General Sam Houston arregimente e treine um exército norte-americano. O exército mexicano é composto de cinco mil homens que após 13 dias de cerco exterminam os defensores do Álamo.

Ernest Borgnine e Sterling Hayden.
O heróico Jim Bowie - A imprecisão histórica de “A Última Barricada” choca de início mas logo é esquecida, à medida que Jim Bowie demonstra ser o que os norte-americanos chamam de ‘bigger than life’. Jim Bowie é, além de quase invulnerável fisicamente com seus quase dois metros de altura, inteligente, persuasivo com as palavras e homem que transita com a mesma facilidade entre os inimigos políticos. O próprio Generalíssimo Santa Ana é antigo amigo de Bowie por quem Santana Ana nutre profundo respeito. Consuelo (Anna Maria Alberghetti), personagem ficcional filha do mexicano Lorenzo Quesada (Edward Franz) se apaixona por Jim Bowie mesmo com a grande diferença de idade e sendo ele casado. Mediador e nada egoísta, Bowie divide a liderança do contingente de 187 homens com o Coronel Travis e Davy Crockett reconhece a liderança indiscutível de Jim Bowie. Provocado pelo fanfarrão briguento Mike Radin (Ernest Borgnine), Bowie o derrota numa luta com facas, mas consegue a simpatia de Radin que passa o resto do filme lembrando que Bowie “é um homem bom”. A generosidade de Bowie é demonstrada quando diz a Consuelo que o jovem Jeb Lacey é a pessoa indicada para fazê-la feliz. Assim é o Jim Bowie de “A Última Barricada”, nada parecido com o Jim Bowie da vida real, este um criminoso perseguido pela Justiça, traficante de escravos e homem de poucos amigos. Mais lembrado por ter sido o criador de uma lendária faca de desenho exclusivo, instrumento para intimidar quem ousasse afrontá-lo. Em “A Última Barricada” Jim Bowie é o mais heróico personagem da heróica resistência e, como de fato ocorreu, não participa da batalha. No filme devido a ferimentos sofridos em seu tórax e não à febre tifóide que de fato o acometeu.

Muita ação de excelente qualidade - “A Última Barricada” em sua primeira parte situa o contexto histórico mostrando de forma bem elaborada as raízes que levaram ao conflito.  O filme começa lento com uma única cena de ação que é a luta de facas entre Bowie e Radin. Nessa parte inicial é ainda inserido no filme o inconvincente romance entre Bowie e Consuelo Quesada. Com a chegada dos homens do Tennessee e os preparativos para a defesa do Álamo o filme ganha em ação, como não poderia deixar de ser, com o clímax da carga final após soar o “Deguello”. O significado da mórbida canção entoada pelos trompetes mexicanos é deixar prisioneiros norte-americanos vivos após o ataque. Para os padrões da Republic Pictures “A Última Barricada” é uma superprodução e as cenas de batalhas espetacularmente realizadas justificam artisticamente o investimento. O filme foi dirigido pelo veteraníssimo Frank Lloyd, vencedor de dois prêmios Oscar de Melhor Diretor. O primeiro por “Cavalgada” (1933) e o segundo por “O Grande Motim (1935). Lloyd dirigiu seu primeiro filme em 1914 e estava com 68 anos quando foi contratado para dirigir “A Última Barricada”, que foi seu filme derradeiro. Frank Lloyd contou com a preciosa ajuda de William Witney como diretor de segunda unidade para as cenas de batalha. Witney, lendário diretor de seriados e faroestes B da Republic, comandou uma equipe de stuntmen formada por grandes profissionais a quem se deve o realismo das ótimas sequências de ação. O competente grupo de stuntmen foi composto pelos irmãos Joe e Tap Canutt (filhos de Yakima Canutt), Kermit Maynard, Chuck Roberson, Boyd ‘Red’ Morgan, Charles Horvath e outros. As muitas e espetaculares quedas de cavalo, quedas de paliçadas e confrontos diretos funcionam excepcionalmente bem e são o ponto alto do filme.

Acima Sterling Hayden e ao lado Slim Pickens e Jim Davis; no centro a morte
de John Russell (Tenente Dickinson); abaixo o ataque ao Álamo.

O insípido Richard Carlson.
Música de Max Steiner - Apesar da pobreza do Trucolor (processo de colorização criada pela Republic Pictures para não pagar o caro Technicolor) Herbert J. Yates abriu os cofres e contratou Max Steiner que compôs e orquestrou a bela trilha sonora. O destaque é a canção “Jim Bowie”, com música de Steiner e letra de Sidney Claire, canção interpretada por Gordon MacRae. É preciso lembrar que à época da produção de “A Última Barricada”, Gordon MacRae era um dos grandes nomes dos musicais da Warner Bros. em parceria com Doris Day, estrelando ainda “Oklahoma” e posteriormente “Carrossel”. O cinegrafista Jack A. Martha realizou proezas com sua câmara criando a impressão que havia muito mais extras em ação do que a mera centena de figurantes vestidos como soldados mexicanos. Um filme de ação depende muito de uma edição precisa e “A Última Barricada” contou com a edição inspirada de Tony Martinelli cujo trabalho muito colaborou para o bom resultado de “A Última Barricada”.

Anna Maria Alberghetti e Sterling Hayden.
Bowie forte, Travis fraco - Sterling Hayden era conhecido como ‘o John Wayne de esquerda’ e também como ‘o Burt Lancaster dos filmes B’. E Hayden está bem e é convincente como Jim Bowie, até porque o personagem havia sido escrito para John Wayne. Alto, forte e por vezes lacônico, Hayden mostra que, não por acaso, atuou em tantos filmes importantes. Richard Carlson não demonstra a personalidade suficiente para se impor e faz seu personagem parecer melancólico e derrotado. Parece mesmo impressionado com a enorme presença física de Sterling Hayden, o que não intimidou atores como Ernest Borgnine, Arthur Hunnicutt e J. Carroll Naish. Estes, quando em cena, não permitem que ninguém lhe para o gigante Hayden. Hunnicutt criou um picaresco Davy Crockett num filme no qual, sem ele, não haveria momentos de comicidade. Anna Maria Alberghetti têm a árdua missão de carregar um personagem forçado em cenas ainda mais forçadas. O pior momento da atriz é quanto entoa uma terrível canção lembrando Jim Bowie que está distante dela. Não há referências quanto ao autor da canção que certamente não deve ser de Max Steiner. Ben Cooper completa o triângulo amoroso com Hayden e Anna Maria. O elenco composto por muitos nomes conhecidos traz ainda, John Russell, Jim Davis, Virginia Grey, Slim Pickens, Russell Simpson, Morris Ankrum, Harry Woods, Walter Reed e Eduard Franz, ou seja, garantia de boas interpretações secundárias. Infelizmente nenhum deles tem, no filme, espaço condizente com seus talentos.

Virginia Grey e John Russell em cenários pintados.
Filme ‘A’ ou filme ‘B’? - Em “O Álamo”, de 1960, John Wayne praticamente copiou a sequência de morte do Davy Crockett de Arthur Hunnicutt. E fica claro que o personagem que Wayne deveria interpretar em seu filme era o de Jim Bowie e não Davy Crockett. Apesar de caro para um estúdio como a Republic Pictures, “A Última Barricada” custou a décima parte do dinheiro gasto com “O Álamo” de 1960. E a economia típica da Republic Pictures é lembrada em cenas com cenários pintados. Produzido como filme ‘A’, “A Última Barricada” acabou virando filme de programa duplo e praticamente ignorado pela crítica. Mas nada disso desmerece esse pequeno, belo e desprezado épico produzido por Herbert J. Yates.



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