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22 de fevereiro de 2019

CIMARRON (CIMARRON) – O FRACASSADO ÚLTIMO WESTERN DE ANTHONY MANN



Edna Ferber e
Anthony Mann
A Metro-Goldwyn-Mayer acreditou que poderia reeditar o colossal sucesso de “Ben-Hur” com outra superprodução, desta vez refilmando o livro de Edna Ferber que conta a saga dos pioneiros fundadores do Território (depois Estado) de Oklahoma. Mais ainda porque a primeira versão para o cinema, produzida em 1931 foi sucesso de crítica e público, recebendo até o Oscar de Melhor Filme, o que, no gênero western, só se repetiria quase 60 anos depois com “Dança com Lobos” (Dances with the Wolves). Anthony Mann era então o mais aclamado diretor de faroestes da década passada, mais até que John Ford. E foi Mann o nome escolhido pela MGM para dirigir o épico orçado em cinco milhões de dólares que, à frente de um grande elenco, teria os nomes de Glenn Ford e Maria Schell. Ford, depois de muitos anos preso à Columbia, assinara um vantajoso contrato com a Metro onde era o principal astro. A vienense Maria Schell vinha de receber um Oscar de Melhor Atriz por sua interpretação como ‘Grushenka’, em “Os Irmãos Karamazov”. A receita para o sucesso parecia infalível mas o resultado foi muito diferente do que se esperava pois “Cimarron” recebeu críticas pouco  elogiosas, o público não se interessou em vê-lo e o filme deu um enorme prejuízo. Instado a falar sobre “Cimarron”, Anthony Mann disse: “Aquilo não é um filme. É uma tragédia”.


Glenn Ford e Maria Schell
Um homem inquieto - Assim como fez com o Texas em “Giant” (Assim Caminha a Humanidade), Edna Ferber escreveu um volumoso livro narrando a ocupação do Território de Oklahoma iniciada em 1889 e seu desenvolvimento, chegando até os anos 30. Os personagens centrais do livro são o ex-cowboy Yancey Cravat e sua esposa Sabra, vividos no filme por Glenn Ford e Maria Schell. Recém-casados ele decide participar da ‘Oklahoma Land Rush’, a corrida por terras disponibilizadas pelo governo para ocupação da enorme área em território próximo às terras de índios Cherokee. Ao invés de se estabelecer como fazendeiro como os demais participantes da corrida, Yancey prefere criar um jornal levando vida modesta enquanto amigos seus se tornam ricos com a descoberta de petróleo em suas terras. Yancey dá provas de grande coragem e destreza enfrentando bandidos, o que lhe granjeia fama a ponto de ser indicado para o cargo de Governador de Oklahoma. Ele que antes passara longos anos vagando pelas terras do Norte, chegando ao Alaska e depois a Cuba, deixando a esposa e filho em Oklahoma. Ela é quem faz do pequeno jornal uma influente publicação, tornando-se mulher poderosa enquanto Yancey, mais uma vez decide sair pelo mundo. Com a eclosão da 1.ª Guerra Mundial se engaja e falece em batalha. Ainda assim Yancey Cravat recebe uma homenagem póstuma em forma de estátua por ter sido um valente e pioneiro desbravador.

Glenn Ford  e Russ Tamblyn
História desencontrada - Os 247 minutos de duração de “Cimarron” não foram suficientes para que a saga fosse bem desenvolvida e um dos problemas maiores deste western é a desconexão entre os diversos episódios apresentados. Personagens que deveriam ter maior importância na história têm suas participações reduzidas, como é o caso de ‘Dixie’ (Anne Baxter), a prostituta que se torna dona de um bordel na cidade de Osage, onde se desenrola a maior parte da história. Isto quando não desaparecem simplesmente sem deixar vestígios. Sequências mal explicadas como a que a mesma ‘Dixie’ ludibria Yancey durante a corrida pelas terras, fincando sua estaca no local por ele escolhido, repetem-se durante todo o filme. Estávamos em 1960 quando das filmagens, momento em que os Direitos Humanos ganharam espaço na política norte-americana com os Kennedy, Martin Luther King e outros. O roteiro então coloca um casal de índios como vítima do preconceito de homens brancos, não faltando o linchamento de um nativo. Essa situação valeu ao menos para uma boa sequência de ação com Yancey reagindo em legítima defesa ao enforcador (Charles McGraw), matando-o. Outra excelente sequência é quando os bandidos ‘Cherokee Kid’ (Russ Tamblyn) e Wes (Vic Morrow) invadem uma escola ao fugir após assaltar o banco e Yancey acaba matando Wes após este atirar no parceiro malfeitor.

A corrida pelas terras
A espetacular corrida por terras - A maior parte do orçamento de “Cimarron” foi gasta com centenas de extras, cavalos e carroções, além de veículos de outros tipos que participaram da monumental ‘Land Rush’. Filmado em Cinemascope, o western tem como ponto alto a corrida dirigida por Mann e que resultou empolgante, ainda que poderia conter uma riqueza maior de detalhes e ser um pouco mais longa. Oras, se há boas sequências, porque “Cimarron” fracassou? As incertezas de Yancey Cravat mudando de projetos de vida e afastando-se por dois longos períodos, dando ao pioneiro a característica de aventureiro inquieto, o torna um alguém não idealista mas sim desajustado, mesmo com mulher, filho e um jornal para tocar. E o jornal que deveria ser a razão de sua vida é deixado para trás pois as aventuras que o esperam (e que o filme nunca específica) são mais importantes. O comportamento errôneo de Yancey afinal dá margem à submissa e lacrimosa esposa Sabra revelar-se emérita jornalista, empreendedora arrojada e vitoriosa, enquanto Yancey simplesmente desaparece mal justificando a razão da fama e homenagens póstumas recebidas.

The Land Rush: a largada e a corrida

Anne Baxter e Maria Schell
Diálogos risíveis - Anthony Mann cunhou seus westerns com realismo e carga psicológica raros ao gênero, características que nem de longe são vistas em “Cimarron”. O único e melhor momento deste melodramático faroeste se dá quando Sabra e ‘Dixie’ discutem com a cafetina dizendo “não sou a prostituta de coração de ouro que se vê em livros; caso o tivesse (coração de ouro) o venderia pelo dobro do preço que vale”. E o pobre espectador nunca descobre o que houve de fato entre ‘Dixie’ e Yancey apesar da insinuação de terem sido mais que amigos. Num filme em que a quase totalidade dos diálogos é opaca rescendendo aos clichês, essa frase é uma feliz exceção. A certa altura Yancey toma seu filho de três anos no colo e diz a ele: “Não esqueça de dizer aos seus netos que você viu o dia em que esta cidade se tornou civilizada”. Um constrangido Glenn Ford teve que pronunciar a insossa frase sabe-se lá se atribuída ao roteirista Arnold Schulman.

A estátua de Yancey Cravat
Adaptação falha - Anthony Mann se desentendeu com o produtor Edmund Grainger porque queria o máximo de sequências filmadas em locações. Por sua vez o produtor impôs que todas as sequências que pudessem ser rodadas em estúdio seriam filmadas ‘indoor’ em Hollywood e não no Arizona. A maior parte de “Cimarron” já estava pronta quando Mann foi afastado da direção sendo substituído por Charles Walters. Portanto a maior parcela de responsabilidade sobre o filme é de Anthony Mann, ele que já havia sido afastado da direção de “A Passagem da Noite” (The Night Passage), western de 1957. E não se pode dizer que o problema residiria no fato de Mann ser bom em filmes menos pretensiosos pois a seguir dirigiu “El Cid”, elogiada superprodução. O que mais contribuiu para que “Cimarron” resultasse na ‘tragédia’ que foi, como disse Anthony Mann foi o roteiro que adaptou o livro de Edna Ferber com alterações que devem ter desgostado a escritora. No livro, por exemplo, Yancey morre ao defender trabalhadores nos campos de petróleo e não em uma batalha na 1.ª Grande Guerra, o que seria de menos diante do escopo principal da obra da senhora Ferber. As figuras femininas sempre tiveram destaque em seus livro e a forma como o roteiro tratou e reduziu Sabra Cravat foi determinante para que a história perdesse muito de sua força sem que conseguisse dar a Yancey Cravat a importância e grandeza necessárias.

Glenn Ford  e Arthur O'Connell
Personagens eternamente jovens - “Cimarron” concorreu aos prêmios Oscar de Direção de Arte e Som, perdendo em ambas categorias. O expressivo elenco sofre com a pouca participação e coerência de seus personagens, além de o departamento de make-up esquecer de envelhecer convenientemente Aline MacMahon e Arthur O’Connell que permanecem praticamente iguais sem que as quatro décadas passem para eles. Assim como inconvincente é o envelhecimento de Glenn Ford e Maria Schell que igualmente parecem terem descoberto o elixir da juventude. Ford e Maria viveram, na vida real, um intenso romance durante as filmagens (segundo relato de Peter Ford, filho de Glenn), o que aparentemente pouco ajudou nas sequências amorosas entre ambos. O destaque do elenco ficou para Anne Baxter como ‘Dixie’, por quem Yancey sente forte atração mas estoicamente  jamais sucumbe à sedução. Mercedes McCambridge passa quase incógnita no filme deixando que os referidos Aline MacMahon e Arthur O’Connell superatuarem. Russ Tamblyn, Vic Morrow e Charles McGraw são os homens maus, com o jovem Russ com outra boa atuação.

Western final de Anthony Mann - “Cimarron” foi o primeiro grande fracasso de Glenn Ford na Metro, o qual seria seguido do insucesso de “Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse”, do mesmo estúdio, enquanto Maria Schell, por sua vez retornaria à Europa. Último western da filmografia de Anthony Mann e fecho nada brilhante para a série de grandes farostes que realizou na década. Houve uma série produzida para a televisão intitulada “Cimarron” (Cimarron Strip), estrelada por Stuart Whitman e que ficou apenas uma temporada no ar, série nenhuma ligação tem com o livro ou personagens de Edna Ferber.

Fragmento do pôster italiano de "Cimarron".


4 comentários:

  1. Grande Darci, obrigado pela dica em forma de resenha. Nunca assisti a este desnecessário remake. Já o legítimo Cimarron, de 1931, esse sim já pude contemplar por mais de 3 vezes. O premiado filme de Wesley Ruggles para a RKO é muito mais fiel à obra da Senhora Ferber, incluindo o envelhecimento mais que convincente dos personagens. Abração!

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    1. Olá, Thomaz - Preferi primeiro rever este Cimarron antes de assistir ao premiado western de 1931 que você generosamente me presenteou. O qual agradeço (mais um entre tantos filmes que têm me mandado). Em seguida pretendo resenhar o Cimarron de Wesley Ruggles.

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  2. Um filme de beleza plástica muito bonito, imagens grandiosas e a corrida de carroças muito bem filmada, graças ao technicolor e o padrão cinemascope. Mas ficou só nisso aí. Grandes atores interpretando personagens pouco interessantes e abaixo de sua capacidade. Inclusive o próprio Glenn Ford e Maria Schell, de quem fiquei fã ao vê-la em A ÁRVORE DOS ENFORCADOS. Um filme longo, arrastado sem uma linha definida a ser seguida. Os personagens vem e vão sem dizer porque vieram. Ruim de arder, é a conclusão final, infelizmente.

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  3. Sou professor de Geografia e utilizo o filme Cimarron para as turmas de 2º ano do Ensino Médio como um épico sobre o final da selvagem Marcha para Oeste e o início do imperialismo norte-americano, alcançado através da 2ª Revolução Industrial, por via da indústria automobilística e da transformação dos pioneiros em uma elite social conservadora. Com este objetivo, o filme torna-se ímpar, apesar dos problemas já citados, pois apresenta como contraponto o próprio Yancey, cujo personagem encarna os incômodos valores de liberdade e justiça, tão propaladas nos discursos hipócritas dessa mesma elite.

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