UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

27 de abril de 2017

A VOLTA DE FRANK JAMES (THE RETURN OF FRANK JAMES) – CONTINUAÇÃO DE UMA MAL CONTADA HISTÓRIA


Acima os verdadeiros Frank e Jesse James
O público gostou de ver Jesse James devidamente pasteurizado no western dirigido por Henry King em 1939, o que fez com que a 20th Century-Fox sem pensar muito produzisse uma continuação contando o que se passou após o assassinato do bandido. Sam Hellman escreveu um roteiro para “A Volta de Frank James” tão inverossímil quanto o escrito por Nunnaly Johnson para “Jesse James”, roteiro que caiu nas mãos de Fritz Lang. Consagrado pela série de excepcionais filmes realizados na Alemanha, Lang que era vienense como Hitler, foi cooptado pelo Terceiro Reich preferindo no entanto virar as costas ao nazismo. Filmou primeiro na França e fixou residência nos Estados Unidos onde de cara fez o admirado “Fúria” (1936). Em seguida dirigiu o drama “Vive-se Uma Só Vez”, estrelado por Henry Fonda com o jovem astro se desentendendo com Lang, reconhecido por seu estilo despótico. Pois foi esse diretor que Darryl F. Zanuck, o chefe de produção da Fox contratou para dirigir, em 1940, “A Volta de Frank James” protagonizado por Henry Fonda. Contratado do estúdio, Fonda teve que aceitar o trabalho a contragosto, liderando um elenco formado por inúmeros participantes do filme anterior e dirigido por um europeu que jamais filmara um western. Mesmo assim alguns críticos consideram a continuação de Lang melhor que o faroeste de Henry King.


Tyrone Power como Jesse James
O irmão vingado - Trabalhando como agricultor e usando o nome de Ben Woodson, Frank James (Henry Fonda) é informado pelo adolescente Clem (Jackie Cooper) da morte de Jesse James assassinado por Robert Ford (John Carradine) juntamente com seu irmão Charles (Charles Tannen). A princípio Frank confia na Justiça, até descobrir que os irmãos Ford foram absolvidos. Frank decide então vingar a morte de Jesse mas esbarra na intenção do empresário McCoy (Donald Meek), dono de ferrovia que com a ajuda do detetive Runyan (J. Edward Bromberg) quer ver Frank James enforcado após este ter roubado o pagamento da estrada de ferro. A jovem repórter Eleanor Stone (Gene Tierney) ouve de Clem uma narração sobre a morte de Frank James, publica a notícia inverídica mas a farsa logo é descoberta. Frank é preso e levado a julgamento pelo assalto cometido, ocasião em que um guarda foi morto, sendo no entanto absolvido e libertado. À saída do tribunal Robert Ford se defronta com Clem, matando-o mas sendo ferido pelo amigo de Frank. Este vai no encalço de Ford que acaba morrendo devido ao ferimento causado pela bala disparada por Clem.

Henry Fonda
Exercício de fantasia - É de um western de John Ford uma das mais famosas frases do cinema: “Quando a lenda se torna um fato, imprima-se a lenda”. Foi o que o cinema tentou fazer com Jesse James nas abordagens iniciais da vida do fora-da-lei. Mas assim como ocorreu com Billy the Kid que em filmes, séries e seriados chegou a ser ‘mocinho’ ocasionando movimentos contra essa subversão dos fatos, Jesse James também teve revista a fama de ‘Robin Wood do Oeste’ que ganhou com o cinema e literatura. “Jesse James” e “A Volta de Jesse James” foram produzidos em um tempo em que eram aceitas essas liberdades com os fatos históricos que, ainda bem, não passaram de lenda a fato. Se o filme de Henry King, distante do revisionismo que se tornou prática a partir dos anos 60, abusava das inverdades, o roteiro de Sam Hellman filmado sob a supervisão de Darryl F. Zannuck é um ilimitado exercício de fantasia. O que seria perdoável se perpetrado apenas em função de entreter o público, mas os moguls de Hollywood, Zanuck entre eles, queriam mesmo eram ganhar mais e mais dinheiro. A qualquer preço como é o caso de “A Volta de Frank James” que transformou Frank num homem íntegro, impoluto e, como não poderia deixar de ser, perseguido pelos poderosos.

Acima Henry Fonda e Henry Hull;
abaixo John Carradine
Pândega no tribunal - Diretor reconhecido pelo domínio de imagens marcantes e um dos mestres do cinema noir, Fritz Lang optou por dar a esta continuação um tom mais divertido e muitos dos personagens se esforçam para parecer engraçados. Desde aquele que seria o vilão principal da história, o empresário dono da ferrovia (Donald Meek), secundado pelo detetive da estrada de ferro (J. Edward Bromberg), passando pelo negro empregado de Frank (Ernest Whitman) e pelo dono do jornal pai da jovem jornalista (Lloyd Corrigan), todos parecem estar numa comédia e não em um filme em que o tema é a vingança. A longa sequência do tribunal mais discute gaiatamente a Guerra Civil que as acusações contra o réu Frank James. Todos naquela sala, inclusive o juiz, são ferrenhos defensores da Confederação contra o pobre promotor chamado a todo instante de ianque. E esse julgamento é o palco ideal para que o Major Rufus Cobb, o loquaz editor do semanário “Liberty Gazette” agora convertido em advogado de Frank, dê seu show de ‘overacting’, ou seja, excessivo nos gestos, expressões, voz e especialmente no discurso. Mas a piada maior naquela corte é Frank James, acusado de haver matado um homem, ser libertado antes mesmo que o exame de balística prove que o tiro fatal não partiu de sua arma. Uma pândega que tenta imitar “Judge Priest” evidentemente sem a graça do filme de John Ford.

Gene Tierney
Memória preservada - Em alguns países este filme foi lançado como “A Vingança de Frank James”, título mais apropriado e aproveitado em DVD por uma das distribuidoras nacionais. E Frank se propõe mesmo a vingar o irmão ao descobrir que a Justiça atrelada ao poderoso empresário anistia Robert Ford da pena que deveria cumprir. Mas este Frank James é um homem de bem, os pequenos delitos que comete são todos justificados e cuidadosamente o roteiro evita que ele diretamente execute a vingança. Charles Ford morre ao escorregar de uma pedra caindo num despenhadeiro, enquanto o covarde Bob Ford, com quem Frank trava o esperado duelo, sucumbe antes a um ferimento causado por Clem, para total surpresa do vingador que a rigor não executa a tencionada vingança. Afinal, assim como Jesse James, Frank também deveria ter preservada sua memória. Por sinal Frank sequer mantém um caso amoroso com a bela repórter porque isso poderia contrariar os herdeiros do regenerado fora-da-lei. Ao ladrão de bancos do Missouri e do desastroso assalto ao banco de Northfield o filme de Lang não faz referências, não deixando porém de lembrar que sua arma matou alguns nortistas em defesa da Confederação durante a Guerra Civil.

A morte de Charles Ford

Ernest Whitman
Desprezo pelos negros - Incorreto historicamente, como filme de ação “A Volta de Frank James” aproveita mal a vida atribulada do mais velho dos irmãos James. Entre as sequências de perseguição a cavalo Henry Fonda e Jackie Cooper são vistos montados em falsos cavalos armados sobre veículos que balançam. Não se vê o confronto entre Clem e Robert Ford e que resulta na morte de ambos, momento que poderia trazer emoção ao filme. São, no entanto, do próprio Jackie Cooper os melhores momentos como quando desarma o detetive que o mantém sob a mira do revólver e ao narrar para a arrebatada repórter a fictícia morte de Frank James. O mesmo Clem e mais tarde o Major Rufus Cobb dão o tom discriminatório ao filme ao se referirem pejorativa e desprezivelmente ao negro apelidado ‘Pinky’ como ‘escurinho’ (‘darky’ no original em Inglês) e como de hábito os negros são todos obedientes serviçais.

Jackie Cooper (à esquerda) e Henry Hull (à direita) referindo-se ao negro 'Pinky'

Os heróis Bob e Charlie Ford - Gene Tierney em seu primeiro filme interpreta um moça muito à frente de seu tempo pois mesmo contrariando o pai dono de jornal deixa de ir para a faculdade para se tornar jornalista. E “A Volta de Frank James” se passa em 1882 tempo em que as mulheres tinham como opção única de trabalho serem saloon girls. Tão hilária quanto irônica é a sequência da encenação da peça “Bob and Charlie Ford in the Death of Jesse James”, que mostra os corajosos irmãos Ford salvando uma jovem das mãos dos malfeitores Jesse e Frank. Essa zombaria retrata com perfeição o que autores e meios de comunicação (e artísticos) são capazes de fazer ao distorcer os fatos e criarem lendas. Uma pena que a peça dentro do filme tenha sido tão breve ainda que nesses poucos metros de filmagem tenha conseguido arrancar os risos que Lang perseguiu em boa parte deste western.

Cartaz da peça sobre a morte de Jesse James; à direita Bob Battier e William Pawley

Henry Fonda
O desinteresse de Fonda - Henry Fonda cumpriu seu contrato repetindo seu personagem como Frank James, visivelmente sem entusiasmo algum. Afinal o ator vinha de trabalhos em filmes como “Jezebel”, “A Mocidade de Lincoln”, “Ao Rufar dos Tambores” e “As Vinhas da Ira” e sabia que reviver Frank James nada acrescentaria a sua carreira, além de ter que aturar a prepotência de Fritz Lang, a quem conhecia bem. Ainda imatura como atriz Gene Tierney faz de tudo para tornar vivaz uma personagem criada porque seria inconcebível não haver na tela uma bela presença feminina. E coloque bela nisso pois Gene está deslumbrante. Ínfima a participação de John Carradine que criou o mais memorável ‘covarde Bob Ford’ do cinema, infelizmente mal aproveitado nesta continuação. Jackie Cooper e Ernest Whitman são os melhores do numeroso time de coadjuvantes que se empenha para fazer graça.

Fritz Lang
Irmãos James sempre nas telas - Henry Fonda se afirmaria nos anos seguintes como um dos melhores atores norte-americanos, inclusive brilhando intensamente no gênero western. Fritz Lang viria a confirmar seu reconhecido talento ao realizar alguns dos grandes filmes noir dos anos 40, como “Um Retrato de Mulher” e “Almas Perversas” e o clássico “Os Corruptos”. Lang voltaria ao western em 1941 com "Os Conquistadores" (Western Union) e em 1952 com um filme mais pessoal que foi “O Diabo Feito Mulher” (Rancho Notorius). O cinema não daria descanso aos irmãos James focalizados de modo cada vez mais próximos da realidade do que fizeram Henry King e Fritz Lang sob a batuta implacável de Darryl F. Zanuck. Afinal quem mandava em Hollywood eram os chefões de estúdio como ele.


Um comentário:

  1. Darci, quando assisti a esses dois filmes não conhecia e tampouco estava preocupado com a fidelidade aos fatos sobre os verdadeiros Irmãos James. Graças a esse meu desprendimento com a realidade e interesse exclusivo às histórias mostradas na tela, assistir a estes filmes foi sem dúvida atividade muito prazerosa para mim, tanto é que, ao contrário de você, fiquei satisfeito e não coloquei defeitos em nenhum deles, assim como a maioria dos fãs de faroestes, um gênero que conseguiu prestígio do público, e até de críticos, justamente por mostrar nas telas fatos ficcionais na grande maioria das vezes. Do contrário não obteria sucesso e talvez nem existisse. Todos os remakes que surgiram de Jesse James, tentando contar os fatos de outras formas, não fizeram sombra a estes dois clássicos da Fox, especialmente em relação ao primeiro. Os números das bilheterias demonstram isso. Se é mesmo verdade que Fonda não gostou de fazer o filme, azar o dele, dane-se ele! Como ator e empregado de Zanuck estava lá para trabalhar e, na minha visão, cumpriu muito bem seu papel. Cinema para mim, Graças a Deus, é muito mais sinônimo de entretenimento do que de frustração, principalmente em se tratando de clássicos. Acabei me alongando ao comentar (apenas a velha conhecida máxima de Ford citada por você logo no início do texto já bastava). Aquele abraço!

    ResponderExcluir