UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

17 de junho de 2013

VINGANÇA TERRÍVEL (THE RAID) - MUITO MAIS QUE UM FILME ‘B’


Os programas duplos nos cinemas foram criados nos anos 30 como forma de atrair o público nos tempos da depressão econômica. Esses programas nos Estados Unidos eram chamados de ‘Double Feature’ ou ‘Double Bill’. Nesse tipo de programa os cinemas exibiam um filme de melhor orçamento, estrelado por astros famosos, que era o filme principal. Como complemento era exibido um filme de menor duração produzido por uma unidade secundária do estúdio ou por estúdios menores, com artistas menos conhecidos ou com carreira em declínio. Esses filmes eram rotulados de ‘B’ e faziam parte dos programas duplos que eram obrigatórios nos bairros das grandes cidades, nas cidades menores e nos drive-ins popularizados nos anos 50 nos Estados Unidos. Entre as pequenas produtoras independentes que produziam filmes ‘B’ a mais famosa foi a American International, de Roger Corman. Uma outra produtora que se tornou conhecida foi a Panoramic Productions, de propriedade de Leonard Goldstein e que nos anos 1954 e 1955 produziu nada menos que dez filmes que completavam programas duplos. Não raramente esses pequenos filmes agradavam mais aos espectadores que os filmes principais do programa. Isso deve ter acontecido com “Vingança Terrível” (The Raid), que a Panoramic Productions produziu e a 20th Century-Fox distribuiu em 1954.

Hugo Fregonese
Reunião de futuros astros - “Vingança Terrível”, como os demais filmes da Panoramic Productions custou ao redor de 500 mil dólares. Esse era o salário de atores como Humphrey Bogart, Gary Cooper, Marlon Brando e John Wayne. O ator mais conhecido do elenco de “Vingança Terrível” foi Van Heflin, muito respeitado, especialmente depois do sucesso de “Os Brutos Também Amam” (Shane), lançado em 1953. O elenco de “Vingança Terrível” foi completado com atores praticamente iniciantes mas que viriam a fazer sucesso no cinema e na televisão antes do final da década. Lee Marvin se tornaria astro com a série de TV “M-Squad”, Richard Boone com “O Paladino do Oeste”, Peter Graves com “Fúria”, Claude Akins com “Xerife Lobo”, James Best nos anos 80 como o xerife Rosco P. Coltrane na série “The Dukes of Hazzard” (no Brasil “Os Gatões”). O principal papel feminino de “Vingança Terrível” foi interpretado por Anne Bancroft, atriz que ganharia projeção em “O Milagre de Anne Sullivan” (que lhe valeu um Oscar) e “A Primeira Noite de um Homem”.  O diretor escalado para essa produção da Panoramic Productions foi o argentino Hugo Fregonese que teve a sorte de contar com o diretor de fotografia Lucien Ballard. No ano anterior, 1953, Hugo Fregonese (que era casado com a atriz Faith Domergue) havia dirigido “Sangue da Terra”, seu filme mais conhecido.


Heflin e Marvin durante a fuga; abaixo
reunião dos ex-prisioneiros vendo-se
George Keymas, James Best, Peter
Graves, Claude Akins e Lee Marvin.
Desforra planejada - “Vingança Terrível” leva à tela um acontecimento real ocorrido em outubro de 1864, quando um grupo de sete confederados, entre eles seis oficiais, consegue escapar de uma prisão situada em Plattsburg (Nova York). Todos escapam, menos o único soldado do grupo que é morto pela patrulha que os persegue. Conseguindo escapar eles se reúnem com células rebeldes clandestinas e, como civis, ganham identidades falsas. Todos os ex-prisioneiros sofreram com a Guerra Civil, perdendo casas e parentes ante a ação violenta comandada pelo General Sherman. Sabedores que a derrota é iminente, objetivam infligir o máximo de danos possíveis à União, começando suas ações predatórias pela pequena cidade de St. Albans, no Estado de Vermont, fronteira com o Canadá. Além de assaltar os bancos de St. Albans, devem destruir o que for possível na cidade, ateando fogo em estabelecimentos e residências. Quem comanda a operação é o Major Neal Benton (Van Heflin) que se fazendo passar por um empresário canadense, hospeda-se na pensão da viúva Kate Bishop (Anne Bacroft). Lá vive também o veterano Capitão Lionel Foster (Richard Boone), nortista que perdeu um braço numa batalha da Guerra Civil. Os planos do grupo sulista são atrapalhados pela presença de um batalhão de soldados da União e pelo Tenente Keating (Lee Marvin). Incontrolável em seu desejo de vingança, Keating mata um soldado ianque e ameaça matar o pastor local durante um culto. Mas Keating acaba morto pelo Major Benton que assim impede que o plano confederado seja descoberto. Os bancos são roubados e muitos prédios são queimados, após o que o Major Benton e seus homens partem de St. Albans, deixando a cidade semi-arrassada.

Van Heflin e John Dierkes.
Episódio contado por um sulista - Baseado em história de Herbert Ravenel Sass e com roteiro de Francis M. Cockrell e Sidney Boehm, “Vingança Terrível” é um dos raros filmes sobre a Guerra Civil que mostram algum tipo de triunfo dos confederados. Isso porque Herbert Ravenell Sass era um autor nascido na Carolina do Sul e seus livros sempre enalteceram os sulistas mostrando-os como virtuosos e justificando atos de guerra por eles praticados, como os narrados neste filme. Atrocidades ocorreram de ambos os lados mas “Vingança Terrível” faz crer que apenas os ianques usaram de crueldade e justifica o ataque a partir do ponto de vista dos confederados como no caso do Capitão Dwyer (Peter Graves) que teve a casa queimada e a esposa morta pelos nortistas. Infelizmente a história levada à tela omite que dos 208 mil dólares roubados dos três bancos, a maior parte foi perdida durante a fuga, sendo recuperada em seguida. E St. Albans não foi em grande parte queimada como mostra o filme uma vez que apenas um celeiro ardeu em chamas e os estragos foram poucos. Como um bem planejado ataque a uma pequena e desprotegida cidade, o plano confederado foi coroado de êxito e justificado como forma de retaliação contra as muitas pilhagens e mortes praticadas pelo nortistas.

Anne Bancroft com Van Heflin e com
Richard Boone.
Tramas paralelas - Esquecida a visão parcial do autor que foi aceita pelos roteiristas, “Vingança Terrível” é um western narrado com suspense nos preparativos do ataque final a St. Albans. E o filme contém excelentes subtramas construídas pelas consequências da guerra, uma delas o conflito particular do Capitão Foster (Richard Boone), cujo braço foi acidentalmente automutilado para que ele, ferido, fosse afastado dos campos de batalha. Homem amargurado, Foster revela que é incapaz de conviver com sua covardia, tendo durante o ataque a St. Albans a oportunidade de lutar contra sua índole, reagir e se tornar um homem digno. O triângulo entre o Capitão Foster, Kate Bishop e o Major Benton se encaixa naturalmente na trama com o ciúme do Capitão Foster motivando-o a encontrar uma bravura que desconhecia possuir. Há ainda espaço para aproveitar bastante bem a presença de Lee Marvin como o psicótico tenente Keating, cuja perda de controle emocional coloca em risco o plano confederado, até Keating ser baleado e morto pelo Major Benton dentro da igreja de St. Albans.

Van Heflin e Tommy Rettig, a dolorosa
descoberta da verdade.
Destruição de uma imagem - “Os Brutos Também Amam” foi um filme que marcou bastante pela presença do personagem do pequeno Joey Starrett, influenciando muitos outros roteiros de westerns em que crianças desempenhavam papéis importantes para a história. Em “Vingança Terrível” há a presença de Larry Bishop, interpretado pelo excelente ator infantil Tommy Rettig. Assim como Joey Starrett idolatrava Shane, Larry sente admiração pelo estranho que chega à cidade (Major Benton). Larry chega a imaginá-lo mesmo como novo esposo de sua mãe viúva, para mais tarde ser abalado pela decepção da descoberta da real identidade de Benton. Nessa sequência Larry se depara com o homem que tanto admira vestido com uma farda confederada, verdade cruel e ao mesmo tempo pungente que destrói o sonho do menino. Crianças nortistas foram ensinadas a odiar os inimigos de guerra e são mostradas no filme brincando de matar sulistas. “Meu pai matou mais inimigos que o seu”, diz Larry a um amiguinho. O próprio pai de Larry foi vítima da guerra fratricida.

O extraordinário Lee Marvin.
A ferocidade doentia de Lee Marvin - Guindado à condição de ator principal, Van Heflin tem boa atuação como o líder da missão. Mas o que não funciona bem em “Vingança Terrível” é o romance entre Heflin e Anne Bancroft. Ambos formam um par incrivelmente incompatível, não só devido à má escolha da excelente atriz mas também por Heflin ser um ator desprovido de qualquer carisma capaz de atrair uma bela e jovem mulher como Anne Bancroft. Tommy Rettig foi um dos mais bem sucedidos atores infantis dos anos 50 e seu desempenho neste filme é uma prova de seu talento. Richard Boone desempenha seu torturado personagem convincentemente, enquanto Peter Graves é o ator insípido de sempre. Uma pena que James Best e Claude Akins tenham sido relegados a papéis inexpressivos, o que não acontece com o veterano Will Wright que desta vez tem uma maior participação, em ótima caracterização. Além de Van Heflin, estão no elenco de “Vingança Terrível” os atores Douglas Spencer e John Dierkes, que também atuaram em “Os Brutos Também Amam”, como o ‘Sueco’ Shipstead e Morgan Ryker, respectivamente. Lee Marvin que vinha de marcantes atuações como gângster em “Os Corruptos” e como Chino, o motociclista provocador de “O Selvagem”, apresenta uma ferocidade doentia como o Tenente Keating,  comprovando que a condição de ator coadjuvante era uma restrição a seu enorme talento.

O elegante Van Heflin.
Imaculadas fardas confederadas - A câmara de Lucien Ballard dá um tom sombrio a esta produção da Panoramic Productions, ele Ballard que entre tantos grandes trabalhos no cinema seria o responsável pela fotografia da obra-prima “Meu Ódio Será Sua Herança”. “Vingança Terrível” tem uma falha quando apresenta, durante o ataque a St. Albans, o Major Benton e outros sulistas trajando impecáveis fardas confeccionadas com esmero e botões reluzentes. A seis meses da rendição ocorrida em Appomattox em 9 de abril de 1865, restavam aos sulistas praticamente apenas andrajos restantes das batalhas e a visão de um elegante Major Benton chega a provocar risos. À parte esse detalhe, a direção de Hugo Fregonese é segura e o nome do diretor argentino que hoje está esquecido merece ser lembrado. Se não pelo conjunto de sua filmografia, ao menos por este filme ‘B’ que é melhor que muito filme ‘A’ e que deve ter complementado nos programas duplos da década de 50.


Os confederados Claude Akins e Van Heflin, antes do 'raid' em St. Albans.

3 comentários:

  1. Coincidentemente, revi na semana passada. Lee Marvin já mostra a que veio.

    Ao contrário dos americanos, não morro de amores por faroestes sobre a matança que foi a Guerra Civil deles (americano gosta tanto de guerra que até fizeram uma entre eles mesmos, não é?), mas esse dá gosto assistir. Muito suspense, muita ação, atores e personagens marcantes.

    Van Heflin,infelizmente, não conseguiu construir uma grande carreira, mas sou muito fã dele.

    Acima de tudo, um belo texto este seu, o que já é rotina. Parabéns.

    José Tadeu

    ResponderExcluir
  2. Olá, José Tadeu
    Obrigado pelo elogio. Considerada o rosto que Van Heflin possuía, Van Heflin até que fez uma boa carreira como ator coadjuvante. Além da cara, Heflin teve outro inimigo, a bebida, que antecipou sua morte, ocorrida aos 61 anos de idade.
    Darci

    ResponderExcluir
  3. Parabens Darci. Tenho este pequeno western e tudo que você escreveu é verdade. Apesar do diretor ser fraco, este filme eu assisto uma vez por ano. Tirando certos erros e algumas licenças poeticas é um western para ser revisto e conhecido por todos os cinefilos. Continuo lendo sempre seus artigos. Até ...

    ResponderExcluir