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26 de dezembro de 2012

DE HOMEM PARA HOMEM (Gun Belt) – O DIRETOR RAY NAZARRO ESBARRA EM SEUS LIMITES


Quatro atores foram os responsáveis por suprir o mercado cinematográfico com faroestes nos anos 50. São eles Randolph Scott, Joel McCrea, Audie Murphy e George Montgomery. Juntos fizeram quase uma centena de westerns e a contribuição de George Montgomery foi muito grande, ainda mais se for considerado que nesse período ele nunca foi dirigido por um grande diretor. Ray Nazarro, que passou anos na série ‘Durango Kid’, foi um dos inexpressivos diretores responsáveis por alguns dos faroestes estrelados por Montgomery. Em “De Homem para Homem” (Gun Belt), produzido em 1953, o resultado poderia ter sido acima da média e ficado entre os melhores westerns do ator-escultor George Montgomery.


A família 'Ringo': John Dehner, Tab Hunter e
George Montgomery.
Ringos, Earps e Ike Clinton - Lançado no Brasil em 1954, o western de Ray Nazarro recebeu o título “Pistola”, equivocada tradução do original ‘Gun Belt’, que significa cinturão. Ao ser exibido na TV, passou a se chamar “De Homem para Homem”, criando certa confusão entre o público. Seja com qualquer dos dois títulos, ‘Gun Belt’ possui uma história tortuosa, digna dos filmes noir dos anos 40. E para confundir ainda mais o espectador, os nomes de alguns personagens lembram os de figuras históricas do Velho Oeste. Há três ‘Ringos’, mas nenhum deles o verdadeiro Johnny Ringo. E o facínora principal chama-se ‘Ike Clinton’ e não ‘Ike Clanton’ personagem importante no tiroteio travado no OK Corral em 1881. Os irmãos Wyatt e Virgil Earp são os responsáveis por manter a ordem em Tombstone e imediações, como a cidade de Alamitos. Meio assim como um ‘samba do crioulo doido’, a complicada história escrita por Arthur E. Orloff e roteirizada por Jack DeWitt e Richard Schayer é desenvolvida exigindo muita atenção do espectador.

George Montgomery e Helen Westcott.
Trama emaranhada - Billy Ringo (George Montgomery) é um ex-fora-da-lei regenerado que vive num rancho com seu sobrinho Chip Ringo (Tab Hunter), enquanto Matt Ringo (John Dehner) o pai de chip e irmão de Billy cumpre pena em Yuma. Matt Ringo foge da penitenciária federal e com seu bando é contatado por Douglas Fraser (Hugh Sanders) para praticar um assalto aos 500 mil dólares que deverão chegar de um grande banco, quantia vultosa que será distribuída aos bancos da região sem fluxo de caixa. Ocorre que Fraser quer a presença de Billy Ringo na quadrilha. Billy, porém, está de casamento marcado e não que voltar ao crime, sendo vítima de um engenhoso plano arquitetado por seu irmão Matt, que o torna suspeito de um assalto ao pequeno banco de Alamitos. Revoltado Billy luta com o irmão Matt e acaba disparando contra este acidentalmente, passando a ser procurado pelos irmãos Wyatt e Virgil Earp (James Millican e Bruce Cowling). Surge então Ike Clinton (William Bishop), sócio de Fraser que não quer a participação de Billy Ringo no assalto. Chip Ringo, que passa a ser chamado de 'Kid Ringo' quer vingar a morte do pai acertando as contas com seu tio Billy Ringo. Kid Ringo é contratado por Ike Clinton para ajudá-lo no próximo roubo. Billy Ringo precisa provar sua inocência e ganha a confiança dos irmãos Earp, tornando-se um espião infiltrado na quadrilha de Clinton. Numa operação arriscada Billy Ringo consegue desbaratar o bando e ainda reconquistar a confiança do sobrinho. O dinheiro dos dois assaltos é recuperado, Ike Clinton é preso e Billy pode finalmente realizar seu projeto de casamento com Arlene Reach (Helen Westcott).

William Bishop à frente de seu bando.
A pouca competência de Nazarro - Apesar de um pouco confuso, “De Homem para Homem” é razoavelmente bem realizado por Ray Nazarro, faltando-lhe no entanto o know-how necessário para grandes cenas de ação. Os dois melhores momentos do filme que seriam o assalto ao posto de troca de cavalos e a sequência seguinte do encontro de Billy Ringo com os homens de Clinton são fracos, sem emoção e previsíveis. A cena em que Kid Ringo simula atirar no tio antes de ser alvejado por Ike Clinton é patética e digna dos piores dias de Ray Nazarro nos 'bezinhos' da Colúmbia dirigindo Durango Kid. Há diversas mortes, como as de Dixon (Douglas Kennedy), Kolloway (Jack Elam) e Curley (William Phillips), nada convincentes, além do desperdício da presença de stuntmen como Chuck Roberson e Boyd ‘Red’ Morgan, capazes de criar grandes emoções nas cenas de ação que não acontecem. Nazarro se satisfaz com resultados simplificados e compromete um filme que poderia ser muito, mas muito mesmo acima da média.

Tab Hunter
O pior cowboy jovem dos anos 50 - Outro pecado de “De Homem para Homem” é o desaparecimento prematuro de John Dehner com apenas 20 minutos de filme, dando vez para o careteiro William Bishop que criou um vilão ao estilo de Dan Duryea. A diferença é que Bishop não é Duryea. Sem o ótimo John Dehner o filme perde bastante e seu personagem poderia ser ‘esticado’. Jack Elam e Douglas Kennedy fazem apenas figuração para as presenças dos atores principais. George Montgomery jamais sai de sua persona íntegra enquanto Tab Hunter leva o prêmio de pior cowboy jovem dos anos 50. A mais interessante subtrama deste western é a da relação amizade-ódio entre o tio Billy e o sobrinho Chip, que não é melhor aprofundada pelo diretor. A bela Helen Westcott, de “O Matador”, tem papel irrelevante como a noiva de Billy Ringo. Para uma produção bastante modesta, “De Homem para Homem” tem boa fotografia e música, podendo agradar o fã de faroestes que for menos exigente. Mas certamente este espectador também ficará com a impressão que nas mãos de diretores como Budd Boetticher ou André De Toth, o resultado seria infinitamente melhor.



Acima à esquerda John Dehner, que sai cedo do filme; à direita John Dehner e
Jack Elam; embaixo George Montgomery e John Dehner; Douglas Kennedy.



O mocinho George Montgomery em "De Homem para Homem".

5 comentários:

  1. Caro Darci,
    Como a grande maioria dos westerns A- (prefiro chamá-los assim para diferenciá-los dos B de Durango Kid, Rocky Lane etc.) produzidos na década de 50, "Gun Belt" (de Homem para Homem ou A Pistola) mantinha o mesmo perfil e, para mim, as atrações maiores eram os atores secundários como Jack Elam, John Dehner, Douglas Kennedy, James Millican e outros acima destacados, além de George Montgomery que era um ótimo tipo para westerns e filmes de ação.

    O diretor Ray Nazarro se situava da mesma linha de Ford Bebee e Spencer Bennet que não eram ruins quando dirigiam os B ou séries para a TV; mas, quando eram promovidos aos westerns com maior orçamento careciam de imaginação até com um bom roteiro, embora os filmes tivessem cenas movimentadas.

    Outros diretores, por exemplo, William Witney e Joseph Kane que realizaram centenas de filmes B e seriados se saiam bem melhor quando lhes ofereciam filmes tipo A-.

    Tab Hunter nunca me despertou atenção e William Bishop, que morreu bem jovem, acho que funcionava melhor como o amigo do mocinho.

    Gosto desses westerns classe A- e procuro revê-los sempre que posso, principalmente pelo elenco.

    Quando assisti “Gun Belt” no cinema em 1956 tinha o título brasileiro de "De Homem para Homem", segundo minhas anotações.

    Mario Peixoto Alves

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  2. Olá, Mário - Você suscitou uma dúvida que merece ser tirada. Como o título "Pistola" é citado em algumas fontes como sendo o título nacional de "Gun Belt", acerditei que a mudança tivesse ocorrido posteriormente. Mas vamos procurar os jornais e revistas de 1954 e 1955 para confirmar como se chamou esse western.
    É difícil chamar de 'A' a série de faroestes de Randolph Scott, Joel McCrea, George Montgomery, Audie Murphy, Rory Calhoun e Rod Cameron, isto quando comparados com os westerns de John Wayne, Gary Cooper, Burt Lancaster, Kirk Douglas, Gregory Peck e outros, dirigidos por diretores do primeiro escalão e com produção esmerada. Mas chamá-los de 'B' também parece incoerência e pode causar confusão com as séries de faroestes dos pequenos estúdios. Não deixam de ser 'Bs' na medida em que lembram de alguma forma os verdadeiros 'Bs', aqueles feitos para completar os programas duplos, inclusive pela metragem menor. E assim como alguns policiais, terror e filmes noir B resultaram em clássicos, o mesmo aconteceu com pequenos faroestes. Um exemplo perfeito seria "Homens Indomáveis". - Abraço do Darci Fonseca.

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  3. Caro Darci,
    Gostei do seu texto bem informado sobre "Gun Belt/Pistola/De Homem para Homem". O comentário de Mario Peixoto Alves me pareceu muito bom, interessante, lúcido. Li ambos com agrado e prazer. Falo aqui sobre o que li na sua escrita e não sobre o filme que, certamente, preferiria ter visto em lugar de imaginá-lo. Na minha primeira leitura as referências que você faz sobre o que o filme poderia ter sido me atrapalharam. Reli fortalecendo minha concentração e me fixei no que o filme é, no de que o filme trata, na forma como o filme está dirigido. Ao me atrelar ao realizado no tempo presente, consegui desafogar minha leitura e compreender com mais clareza o que está, de fato, escrito.
    Tento, com base nessa segunda leitura, expor o que penso:
    "Gun Belt" qualificado, pelo autor do Blog, como sendo uma história tortuosa, um assemelhado de samba do crioulo doido, uma complicada história escrita não tem chance de ser bom. Quero dizer, não tem chance de ser bom independente das mãos do Diretor, ou seja nas mãos do Diretor que for, desde um indiscutível John Ford a qualquer outro mínimamente talentoso. Uma história western tortuosa só poderia ser um bom filme western se o Diretor: (1) ignorasse o que consta na narrativa por extenso e roteirizada; (2) passasse como um trator por cima de tudo; (3) se decidisse a fazer um filme autoral conforme a estrutura que construisse, interna e totalmente, dentro da sua imaginação.
    Considero que fica ainda mais grave se o western estiver superlotado de personagens. Os 14 personagens que parecem ser os de "Gun Belt", formam um elenco próprio para um romance de vida e costumes assinado por escritores como, por exemplo, Balzac. Assim, imagino que "Gun Belt" seja nebuloso a partir de seu primeiro momento de exigir um ir-e-vir de pessoas excessivo para o estilo western.
    Na linha da inadequação ao estilo western acrescento tres itens: (1) o peso narrativo dado à promessa e expectativa de casamento do personagem de George Montgomery/Billy Clinton, combina mais com narrativas romãnticas de costumes; (2) a insuficiente densidade emprestada ao relacionamento tio-sobrinho/sobrinho-tio nega a marca distintiva do western que é igual a dar destaque, fazer sobressair, imprimir significado a tudo o que possa ser sinonimo de laços da amizade masculina, mais ainda quando esta amizade masculina vier fortalecida por laços de sangue como é o caso da família Clinton; (3) recurso ao estilo narrativo indireto e intrincado em lugar do bate-pronto-imediato dos relacionamentos humanos próprios do bom, do legítimo western.
    Espero ter conseguido me expressar.
    Reforço meu agradecimento pela oportunidade de contato com "Gun Belt". Obrigada a você e ao comentarista Mario P. Alves.
    Até breve,
    Cibele
    Em tempo: Minha preferência recai 10/10 sobre o título "De homem para homem", mais correto até que o título original. Digo isto porque o principal traço narrativo me parece estar nos vínculos, na ética e nas leis que comandam o convívio quotidiano dentro de grupos predominantemente masculinos.

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  4. Caro Darci,
    Faço constar minha errata ao comentário que postei sobre "Gun Belt".
    Confundi-me no nome de família dos Ringo.
    Escrevi Billy Clinton para o personagem de George Montgomery em lugar de Billy Ringo.
    E, seguindo o texto, nominei "...família Clinton" em vez de família Ringo como deveria ter feito.
    Queira você e demais leitores do WesternCineMania acolherem esta errata relevando o que a causou.
    Obrigada, até mais,
    Cibele

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  5. Olá, Cibele - De modo geral os westerns de pequeno orçamento como esse "De Homem para Homem" tinham histórias simples, não tão complexas como a desse filme. Isso não quer dizer que não pudesse ter resultado em um bom filme. Você certamente já teve que ver certos filmes duas vezes para entendê-lo, isto devido aos roteiros mais complicados. Devo ter assistido "À Queima Roupa" (Point Blank) uma dúzia de vezes para não ter nenhuma dúvida mais quanto ao roteiro. Lembro que vi esse filme de John Boorman no Cine Metro, em SP, junto com meia dúzia de colegas de trabalho da Folha de S. Paulo e nenhum deles conseguiu entender o filme que foi o assunto da semana na gráfica. E "De homem para Homem" não chega a ser um filme ruim, mas que poderia ser bem melhor, poderia. Falei em samba do crioulo doido devido aos nomes dos personagens que se parecem com os de bandidos que existiram realmente. Quanto ao número de atores envolvidos, nem todos têm real importância para a trama. Muitos apenas fazem parte dos bandos, mas os fãs gostam de ver seus nomes. "Winchester 73" tem muito mais personagens importantes e é um filmaço. Grande abraço do Darci Fonseca.

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