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2 de outubro de 2011

DÍVIDA AMARGA (GREAT DAY IN THE MORNING), EXCELENTE WESTERN DE JACQUES TOURNEUR


Geralmente lembrado por magníficos filmes de terror realizados com pequenos orçamentos como “A Morta Viva” e “Sangue de Pantera” ou ainda pelos thrillers noir, “Fuga do Passado” e “Expresso para Berlim”, sem falar no divertido “O Gavião e a Flecha” que foi feito sob medida para Burt Lancaster, o francês Jacques Tourneur dirigiu também alguns bons westerns. O primeiro western de Tourneur foi o cultuado “Paixão Selvagem” (Canyon Passage) com Dana Andrews e Susan Hayward, em 1946, seguido por “O Gaúcho” (Way of a Gaucho) com Rory Calhoun em 1952; “O Cavaleiro Misterioso” (Stranger on a Horseback) e “Choque de Ódios” (Wichita), ambos de 1955 e com Joel McCrea. O último western da carreira de Tourneur foi “Dívida Amarga” (Great Day in the Morning), seu faroeste menos conhecido apesar de ser um dos melhores e certamente um dos westerns que melhor aproveitou como pano de fundo a Guerra da Secessão.




NORTE X SUL - “Dívida Amarga” não é um filme sobre a Guerra Civil Norte-Americana mas sua ação transcorre nos momentos em que o conflito se avizinhava. A história de autoria de Robert Hardy Andrews que foi roteirizada por Lesser Samuels mostra como o território do Colorado foi importante no período que antecedeu a Guerra Civil pois ali inúmeras minas de ouro foram descobertas. Essa riqueza era disputada tanto pelos legalistas como pelos separatistas sendo que estes últimos pretendiam com o ouro montar o arsenal necessário para enfrentar a União. Diziam os sulistas “o ouro volta em balas de canhão”. Mas há em “Dívida Amarga” um sulista aventureiro chamado Owen Pentecost (Robert Stack) a quem pouco importa o resultado da guerra fratricida desde que ele possa tirar alguma vantagem financeira. “Sou leal a mim mesmo e a mais ninguém”, diz Pentecost, cujos segundos interesses são Ann Merry Alaine (Virginia Mayo) e Boston Grant (Ruth Roman) mulheres que disputam seu amor na cidade de Denver. Jogador ousado, Pentecost ganha no pôquer tudo que Jumbo Means (Raymond Burr) possuía, o saloon, as minas e também Boston, recepcionista do saloon. Quando eclode o conflito com a invasão do Forte Sumter por forças confederadas, Owen Pentecost toma o partido do grupo separatista que vive em Denver, decisão essa que seu mercenarismo estipulou em 100 mil dólares. Em meio porém a todos esses fatos, um acontecimento fatal que culmina com Owen Pentecost assassinando em legítima defesa um minerador produz uma transformação em Pentecost quando este se torna protetor do garoto órfão do minerador morto. Após organizar a fuga dos sulistas com o ouro extraído das minas, Pentecost, abre mão de tudo que amealhou pretendendo unicamente recomeçar a vida pelo amor de Boston Grant.

Aulas de tiro, como em "Shane"
A AMIZADE DE UMA CRIANÇA - O roteiro rico em tramas paralelas é desenvolvido linearmente por Jacques Tourneur que entrelaça romance, ciúme, inveja, traição, ambição e crise de consciência. Esta última vivida por Owen Pentecost (Robert Stack) que aprende com o menino Gary Lawford (Donald MacDonald) que na vida a lealdade e a amizade são mais importantes que tudo remetendo um pouco à amizade de Shane com o pequeno Joey Starrett em "Os Brutos Também Amam" (Shane). A tensão entre sulistas e nortistas em Denver cria uma atmosfera irrespirável com homens tornando-se inimigos e matando-se uns aos outros e expondo uma série de personagens cujos comportamentos são merecedores de atenção do espectador. Phil, ‘The Cannibal’ (Peter Whitney) é o empregado do saloon que sabe que é diferente de outros homens e mesmo assim obedece a força de seu instinto o que o fez merecer o apelido. A ambição na carreira militar é demonstrada pelo oficial yankee Coronel Gibson (Carleton Young), que para chegar a general chega até a rezar ainda que não tenha fé. Zeff Masterson (Leo Gordon) personifica o extremado nortista para quem todo sulista não passa de covarde escravocrata. Pois é em meio a esse conjunto complexo de situações que “Dívida Amarga” tem também uma fascinante disputa entre duas mulheres pelo amor de Pentecost. O novo amanhã a que se refere o título original ou mesmo a ‘dívida amarga’ são perfeitamente adequados à tomada de consciência de um homem que aprende com uma criança o que é preciso para ser homem de verdade.

A disputa por Robert Stack
O AMOR DA PECADORA - Cínico e incorrigível, Owen Pentecost é um conquistador que tem as duas mulheres mais lindas de Denver a seus pés. A suave Ann Merry (Virginia Mayo) que é amada pelo yankee Capitão Stephen Kirby (Alex Nicol) e a insinuante Boston Grant (Ruth Roman) que usa de recursos ilícitos para escapar do domínio de seu patrão Jumbo Means (Raymond Burr). Ann Merry é uma comerciante honesta e séria enquanto Boston Grant é provocante e atrevida, exalando sensualidade. O anjo e o demônio tentando Pentecost que descobre em Boston Grant qualidades e não defeitos. Virginia Mayo era uma das mais sedutoras mulheres do cinema norte-americano do pós-guerra. Ruth Roman foi quase sempre escolhida para interpretar mulheres bem comportadas. Que cinéfilo, em sã consciência, poderia apostar que Virginia Mayo fosse derrotada por Ruth Roman numa disputa pelo amor do herói? A interpretação de Ruth Roman é um dos pontos altos de “Dívida Amarga” fazendo de seu personagem uma mulher verdadeiramente irresistível.

Acima a rivalidade entre
Ruth e Virginia;
no centro um momento
fordiano com Leo Gordon;
abaixo a sensualidade
de Virginia mayo
FASE FINAL DA RKO - Virginia Mayo está mais linda do que nunca em “Dívida Amarga” tentando convencer como personagem angelical. Robert Stack muito bem como o sarcástico e individualista Owen Pentecost. Leo Gordon desta vez tem uma razão bastante justa para ser violento: o ódio pelos sulistas. A cena em que Leo Gordon organiza o exército civil lembra momentos de John Ford. Regis Toomey, Alex Nicol, Carleton Young completam o elenco de apoio que tem ainda o menino com cara de adulto Donald MacDonald (foi filho de Burt Lancaster em “Homem até o Fim”/The Kentuckian) e Peter Whitney como o intrigante “Phil, the Cannibal”. “Dívida Amarga” foi produzido por Edward Grainger e distribuído pela RKO em 1956 quando a companhia iniciava sua rápida agonia que terminou em 1958. A cópia de má qualidade extraída do Canal Futura impede uma melhor avaliação dos aspectos técnicos que receberam muitos cuidados do estúdio, inclusive sendo filmado em Superscope, o sistema de tela larga da RKO e em Technicolor. Para estrelar “Dívida Amarga” Robert Stack foi emprestado pela Batjac Productions (produtora de John Wayne) que o mantinha sob contrato; Virginia mayo foi cedida pela Warner Bros. Com “Dívida Amarga” Jacques Tourneur confirma ser o criativo diretor de outros filmes neste western que não merece o quase total esquecimento que tem por parte dos fãs de westerns.



2 comentários:

  1. Jacquer Tourneur era um diretor do calibre de um Rundolph Maté, um Harry Keller ou até de um Nathan Juran. Fazia filmes que se assistia sem muitas reclamações. O Gavião e a Flecha mesmo chega a ser fraquissimo, não se comparando em nada ao delicioso O Pirata Sangrento, de Siodmack.
    O Robert Stack era um ator de talento equilibrado, meio caladão, com um porte fisico privilegiado e que fez alguns bons filmes, como Palavras ao Vento, A Ultima Viagem e Casa de Bambu. No entanto jamais vi um faroeste com ele.
    Já Virginia Mayo era uma ruiva tão linda quanto Rhonda Fleming e de talento paralelo ao da outra, ou seja, ambas deixavam a desejar neste critério, embora sua beleza superasse esta deficiencia. Em O Falcão dos Mares ela está estonteante!
    jurandir_lima@bol.com.br

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  2. Francês dirigindo faroeste na América e não na Europa?

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