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Sergio Corbucci |
“O Grande Silêncio” é a tradução literal do título original
(Il Grande Silenzio), filme de Sergio Corbucci exibido no Brasil como “O
Vingador Silencioso”. Esse grande silêncio do título pode se referir tanto ao
silêncio das paisagens brancas da neve das locações, ou ao silêncio da morte,
ou ainda ao pistoleiro mudo interpretado por Jean-Louis Trintignant. Mas o
verdadeiro grande silêncio foi aquele que se abateu sobre esse filme tão magnífico
que extrapola o próprio gênero. Ao contrário dos superestimados westerns de
Sergio Leone e mesmo de outros faroestes do próprio Corbucci, “Il Grande Silenzio” foi
completamente ignorado em obras como “The Western” (Phil Hardy), “The
Encyclopedia of Westerns” (Herb Fagen) e “The British Film Institute Companion
of the Western” (Edward Buscomb). Em 2010 os Institutos Italianos de Cultura do
Rio de Janeiro e de São Paulo, em parceria como o Centro Cultural Banco do
Brasil, realizaram uma mostra intitulada “Faroeste
Spaghetti – O Bang-Bang à Italiana”, mostra exposta em Brasília, São Paulo e Rio
de Janeiro. Constaram da programação 20 faroestes Made-in-Italy, mas não foi
lembrado “O Vingador Silencioso”, acentuando ainda mais o grande silêncio que
sempre se fez sobre esse filme. Porém o cinéfilo cearense Vinicius LeMarc lembrou
em seu Top-Ten publicado aqui neste blog da importância do filme de Sergio
Corbucci, o que tornou obrigatório assisti-lo e conhecer um grande filme não
apenas do gênero western-spaghetti, ou mesmo do cinema italiano, mas sim do
cinema mundial.
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Franco Nero em "Django". |
“Django” e outros westerns - Um tanto obscurecido pela fama do
outro Sergio, o Leone, Sergio Corbucci era conhecido especialmente pelo sucesso
de “Django”. Nascido em 1926, Corbucci dirigia filmes desde 1951 e fez desde
comédias com Totó e Ciccio Ingrassia até épicos do gênero ‘sandália e espadas’.
Seu primeiro western, em 1964, foi “Massacre no Grand Canyon” (com James
Mitchum, filho de Bob Mitchum). Vieram em seguida “Minnesota Clay” (com Cameron
Mitchell) e “Ringo e sua Pistola de Ouro” (com Mark Damon). O admirado “Joe, O
Pistoleiro Implacável” (Navajo Joe), com Burt Reynolds é do mesmo ano de
“Django”. Anterior a “O Grande Silêncio” é “Os Cruéis” (I Crudeli/The
Hellbenders), com Joseph Cotten e a nossa Norma Bengell, outro filme que merece
ser visto com atenção. Sergio Corbucci realizou ainda uma pretensa trilogia de
westerns politizados composta por “Os Violentos Vão para o Inferno” (Il
Mercenario), com Jack Palance e Franco Nero; “Vamos a Matar, Compañeros!”
(Compañeros), também com Palance e Nero; e “Que Faço no Meio de uma Revolução?”
(Che C’entriamo Noi com La Revoluzione?), com Vittorio
Gassman, western-comédia. Sergio Corbucci fez ainda outros westerns como “O Último
Samurai do Oeste”, com Giuliano Gemma e Eli Wallach, porém não mais reeditou o
nível artístico de “O Grande Silêncio” (Il grande Silenzio), western de 1968.
Dublagem
em cinco idiomas - Os produtores italianos reuniram
para “O Grande Silêncio” dois atores consagrados em seus países de origem, Klaus
Kinski e Jean-Louis Trintignant. O ator alemão depois de peregrinar pela Europa
radicou-se em meados dos anos 60 na Itália, onde chegou a comprar um castelo na
Via Appia, onde residia. Jean-Louis Trintignant disputava com Alain Delon e
Jean-Paul Belmondo o posto de maior ídolo francês, isto depois do estrondoso
sucesso obtido com “Um Homem e Uma Mulher”, em 1966. Os westerns-spaghetti eram
filmados e dublados em Italiano, Espanhol, Francês, Alemão e Inglês. Nos países
em que não se falava nenhum desses idiomas os filmes eram lançados com
legendas. Nem todos os atores conseguiam dublar naqueles cinco idiomas, sendo
necessário o uso de dubladores profissionais, o que no mais das vezes
praticamente destruía o filme pois esses profissionais não se preocupavam com a
entonação certa ou com a sincronia. O maior problema eram sempre os atores
principais que, a exemplo de Clint Eastwood, não falavam Italiano. Daí que seus
personagens, como o ‘Blondie’ tinham um mínimo de diálogo.
Herói
mudo - O roteiro de “O Grande Silêncio” resolveu de modo
inteligente pelo menos a questão do herói do filme pois o personagem de
Trintignant (Silenzio), era simplesmente mudo e o ator francês não teve que se
preocupar com a dublagem em qualquer dos idiomas. Na maioria dos países em que
foi lançado, “O Grande Silêncio” manteve esse mesmo título e entre as exceções
estão o Brasil, onde foi lançado como “O Vingador Silencioso” e a Alemanha
onde recebeu o título “Leichen Pflastern Seinen Weg” (Corpos Pavimentam seu Caminho). Na Alemanha e na França “O Grande Silêncio” teve boas bilheterias,
mas no resto do mundo, inclusive na Itália esse western foi mal recebido pelo
público. Talvez por ser diferente de quase tudo que já havia sido visto no
gênero.
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O realismo forte de cenas de "O Grande Silêncio". |
Inferno
branco - Filmado em Cortina d’Ampezo, região situada no Norte da
Itália, onde a neve é atração turística e há diversos resorts frequentados
pelos ricos e famosos, “O Grande Silêncio” foi um dos muitos westerns que
trocaram as pradarias, montanhas e o deserto pela neve. No entanto é inegável
que há em “O Grande Silêncio” muito de “Quadrilha Maldita” (Day of the Outlaw),
western de 1959 dirigido por André De Toth. Porém mais ainda que neste western
norte-americano, Corbucci criou uma macabra atmosfera em que a brutalidade dos
homens é ainda maior que o assustador cenário gelado e castigado intensamente
pela neve. O quarteto de roteiristas Mario Amendola, Vittoriano Petrilli, Bruno
Corbucci e o próprio Sergio Corbucci intencionalmente promoveram a maior
revisão do formato dos westerns, indo mais longe do que Sam Peckinpah conseguiu
com seus filmes do gênero.
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Silenzio e Pauline (Trintignant e Vonetta McGee). |
Western
anticonvencional - Em “O Grande Silêncio”, mais que em
qualquer outro de seus westerns, Corbucci contraria os códigos do gênero e do
próprio western-spaghetti, estes pautados pelo humor negro por vezes excessivo.
“O Grande Silêncio” é um filme triste, aterrador mesmo, no qual quem triunfa é
o mal e não o bem. E surpreendentemente expõe na tela um romance interracial
inteiramente diferente dos brancos que, quando muito, se apaixonavam por índias ou mexicanas e
vice-versa nos faroestes norte-americanos. Era 1968, um ano de enorme ebulição
político-social no mundo e vemos Silenzio
amar a negra Pauline. Sempre preocupado com a política, o personagem
Pollicut, lídimo representante do capitalismo faz uso da lei vigente para
aumentar seu poder. A lei de então permitia que caçadores de recompensa
matassem os procurados pela Justiça, normalmente inimigos dos poderosos. Mas
nenhum desses aspectos, por si só resultam num bom filme sem a maestria de um
inspirado diretor.
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Loco (Klaus Kinski). |
“Onde
a vida nada vale, a morte tem seu preço” - Na cidade de Snow
Hill, em Utah, no outono de 1898, Loco (Klaus Kinski) comanda um grupo de
caçadores de recompensa. Uma das vítima de Loco é um negro que ele assassina fria e covardemente diante da
esposa Pauline (Vonetta McGee). A viúva procura Silenzio (Jean-Louis
Trintignant) pois sabe que ele mata os caçadores de recompensa, cobrando mil
dólares por cada morte executada. Silenzio mata legalmente pois sempre o faz em
legítima defesa o que o impede de ser considerado um criminoso. Muitas
vezes, ao invés de matar, Silenzio dispara contra as mãos do inimigo,
aleijando-o. Pollicut (Luigi Pistilli) foi, no passado, uma das vítimas de
Silenzio tendo a mão direita inutilizada. Pollicut que é um misto de Juiz de
Paz, banqueiro e comerciante de Snow Hill, foi o responsável pela execução dos
pais de Silenzio quando este ainda era criança, ocasião em que o menino teve a garganta
cortada, o que o impediu para sempre de falar. Ao matar os caçadores de
recompensas Silenzio atrapalha os negócios de Pollicut que pede a Loco que
coloque o vingador silencioso no topo da sua lista, o primeiro a ser morto.
Silenzio consegue matar Pollicut mas tem sua mão direita queimada por Martin
(Mario Brega), ajudante de Pollicut. Mesmo ferido Silenzio enfrenta Loco, sendo
alvejado na mão esquerda e ficando indefeso. Loco mata Silenzio com um tiro na
testa e mata também a negra Pauline, partindo com seus homens de Snow Hill em
busca de novas recompensas.
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Silenzio com sua Mauser transformada em carabina; o grupo procurado pelos caçadores de recompensa sobrevive comendo um cavalo. |
Filme niilista - Distante do grotesco, do jocoso e do farsesco, “O Grande
Silêncio” é uma história sobre a ganância, sobre a injustiça e no melhor estilo
de Anthony Mann, sobre a vingança. Filmado quase que inteiramente em cenários
naturais gelados, é um western sombrio, especialmente ao mostrar que um homem
sozinho jamais pode derrotar um sistema. “O Grande Silêncio” é a própria
negação do western norte-americano pré-Sam Peckinpah. O psicopata caçador de
recompensas Loco parte vitorioso ao final, com seu bando, para destruir mais um
pouco da integridade e honra dos cidadãos de bem, sejam eles brancos ou negros,
taciturnos ou mudos. O mais niilista dos westerns, “O Grande Silêncio” não é
espaço para personagens lendários e virtuosos como vinha se tornando no
decorrer do filme o vingador silencioso. Em certo momento Pauline diz: “Eles o
chamam de Silenzio porque onde quer que ele vá o silêncio da morte o persegue”. O maior dos silêncios se faz com a morte do vingador silencioso. Tão negativa e anárquica é a mensagem que fica deste western de Corbucci que foi filmado um final alternativo que, ainda bem, foi distribuído em alguns poucos países. Nesse final alternativo Silenzio e Pauline exterminam Loco e seus sequazes, o que muito agradaria as platéias norte-americanas que por sinal não puderam ver “O Grande Silêncio” que não chegou a ser lançado nos Estados Unidos. Décadas mais tarde, com o advento do DVD o filme de Corbucci tornou-se Cult na terra de John Wayne. Prevaleceu, no
entanto o final original, apenas com o menos pessimista epílogo com a inútil explicação:
“Os massacres trouxeram à tona a
condenação pública dos caçadores de recompensa que, disfarçados por uma falsa
legalidade fizeram do assassinato violento um lucrativo meio de vida”.
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Snow Hill, cenário tétrico de "O Grande Silêncio".
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Inspiradíssimo
Morricone - A música de Ennio Morricone para "O Grande Silêncio" já era
conhecida dada a beleza de seu tema principal, um tanto diferente dos temas feitos para outros westerns. Em 1968 os Beatles ajudaram a divulgar a
música indiana, fazendo de Ravi Shankar uma atração internacional que se exibiu
até no Brasil. O atento Morricone faz neste escore musical uso intenso de cítaras e tablas,
instrumentos musicais indianos, que completam não só o dantesco cenário de Snow
Hill, expressando etereamente o silêncio da paisagem, como também o silêncio da própria morte. Notável
também a música composta para a belíssima cena de amor entre Silenzio e
Pauline. A trilha sonora de “O Grande Silêncio”, que conta com a presença do Coral Alessandroni Singers, é um dos melhores trabalhos do genial
maestro-compositor italiano. A cinematografia a cargo de Silvano Ippoliti é
também excepcional, especialmente por requerer uso de lentes próprias para
melhor fotografar o cenário branco de Cortina d’Ampezzo. História, música e
imagens perfeitas num filme cujos pecados são algumas interpretações e a fatal
dublagem.
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A Mauser C-96 e o aleijão por ela provocado. |
O
psicótico Loco - “O Grande Silêncio” fez de Klaus Kinski um ídolo maior.
Até então Klinski era visto em pequenas participações em westerns-spaghetti e
mesmo em superproduções como “Doutor Jivago”. Kinski adicionou à linhagem clássica
de bandidos-cínicos e amorais como Lee Marvin e Dan Duryea sua natural
expressão delirante e psicótica. Na França ‘Loco’ virou ‘Tigrero’ e em algumas
versões ‘Tibério’. Jean-Louis Trintignant convence razoavelmente como o
vingador silencioso que faz uso de uma Mauser Broomhandle C-96, criada em 1896.
Frank Wolff como o xerife de Snow Hill se excede na caricatura, marca maior das
interpretações nos westerns-spaghettis. Na mesma linha Mario Brega, Bruno
Corazzari e os demais homens maus. No elenco ainda destaque para Spartaco
Conversi como líder dos perseguidos (seriam mórmons?) e para Marisa Merlini, a
adorável atriz de tantas comédias e a inesquecível Annarella de “Pão, Amor e
Fantasia”, de Vittorio De Sica.
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Jean-Louis Trintignant, o vingador silencioso. |
Faroeste
sombrio e pouco comentado - Ao final Loco rouba a
Mauser C-96 de Silenzio, mesma arma que Clint Eastwood usaria anos depois em “Joe
Kidd”. E Clint ostentou uma cicatriz muito parecida com a de Silenzio, em “A Marca
da Forca”, seu primeiro western norte-americano como ator principal. Se Clint
assistiu ao filme de Corbucci é um mistério, mas certamente Quentin Tarantino assistiu.
Enquanto se aguarda a aventura do agitado Tarantino recriando seu Django, obrigatório é assistir “O Grande Silêncio”. O faroeste de Sergio Corbucci é não
apenas dos melhores filmes da vertente dos westerns produzidos na Europa, mas um filme
para comprovar que Sergio Leone não dominou sozinho a cena dos faroestes
europeus nos anos 60. E sob o efeito desse extraordinário, pouco comentado,
sombrio, diferente e assustador faroeste, não há como não qualificá-lo como
obra-prima.
Assista ao vídeo abaixo com imagens exclusivas de "O Grande Silêncio",
ao som do tema do filme, de autoria de Ennio Morricone.
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Acima Marisa Merlini; abaixo Frank Wolff. |
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