UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

12 de janeiro de 2013

SÉRIES WESTERNS DE TV – “CHEYENNE” CLINT WALKER COLOCANDO ORDEM NO VELHO OESTE


No início da década de 50 os grandes estúdios começaram a sentir o impacto da televisão, a nova mídia que chegara para vencer o cinema numa luta desigual. Restou aos estúdios, que perdiam dinheiro com as salas exibidoras cada vez mais vazias, explorar o novo filão que, afinal de contas, também exibia filmes e criava astros e estrelas. A Warner Bros. foi o primeiro dos grandes estúdios a produzir filmes para a televisão apresentando-os no programa intitulado ‘Warner Brothers Presents’. Esse programa semanal exibido pela Rede ABC revezava a cada semana as séries feitas para a TV intituladas “Casablanca”, “Kings Row” e a série western “Cheyenne” estrelada por um ator tão alto quanto pouco conhecido, que atendia por Clint Walker. O primeiro episódio de “Cheyenne” foi ao ar em 13 de setembro de 1955. Coincidentemente, três dias antes a Rede CBS havia estreado uma outra série western cujo astro era o igualmente grandalhão James Arness. Essa série era “Gunsmoke”.



Poster do faroeste "Covil do Diabo" e cena da estréia de
Clint Walker no cinema, segurando Huntz Hall
 dos Bowery Boys e com Laurette Luez ao lado.
Cheyenne era ¼ Cherokee - Em 1947 Raoul Walsh dirigiu para a Warner Bros. o western “Covil do Diabo” (Cheyenne), com Dennis Morgan e Jane Wyman. Esse filme roteirizado por Alan Le May serviu de base para a criação do personagem ‘Cheyenne Bodie’, que viria a ser o herói solitário da série produzida pela Warner Bros. Cheyenne Bodie era um homem branco cujos pais haviam sido mortos pelos cheyennes e que foi pelos índios criado aprendendo o estilo de vida dos nativos. Curiosamente o protagonista Clint Walker tinha descendência indígena uma vez que um de seus avós era Cherokee. Nascido em 1927, em Illinois, Clint Walker (que possuía uma irmã gêmea) tentou fraudar a idade quando tinha 16 anos para lutar na II Guerra Mundial, sendo descoberto e não participando do conflito mundial. Clint walker fez um pouco de tudo na vida sendo desde lenhador, carpinteiro, vaqueiro, vendedor e finalmente ator, estreando como uma espécie de Tarzan, num dos últimos filmes da série “Os Anjos da Cara Suja”. Em seguida foi apresentado pelo ator Henry Wilcoxon a Cecil B. DeMille, obtendo uma pequena participação em “Os Dez Mandamentos”. Depois disso foi contratado pela Warner Bros. para ser o mocinho da nova série de TV “Cheyenne”.

L.Q. Jones, o sidekick que não deu certo.
Inquieto herói solitário - Para produtor executivo da série “Cheyenne” foi designado William T. Orr, e os episódios teriam uma hora de duração, filmados em preto e branco. O primeiro episódio, exibido em 13/9/1955, foi “Mountain Fortress”, tendo no elenco, além de Clint Walker, James Garner, Robert J. Wilke, Ann Robinson e L.Q. Jones. Como todo herói, Cheyenne Bodie teria um sidekick e ele era chamado ‘Smitty Smith’ e interpretado por L.Q. Jones. Como no entanto as histórias da série não tinham conexão uma com as outras, o personagem 'Smitty Smith' desapareceu depois de três episódios. O período em que Cheyenne Bodie cavalgava era o pós-Guerra Civil e num episódio ele aparecia como xerife, na outra como rancheiro, ou batedor do Exército, ou batedor de caravanas, ou homem da fronteira, mas sempre sozinho. Quem o acompanhava em todas as aventuras eram seus ideais de respeito à lei e à ordem, fazendo ele próprio justiça se assim fosse necessário, mas dentro das normas estritas de lealdade e honestidade. Cheyenne arriscava a própria vida para defender os oprimidos pelos homens maus, o que acontecia em todo o Velho Oeste.

Clint Walker em cenas de episódios de "Cheyenne" com Marie Windsor (acima);
com Penny Edwards; e com Sally Kellerman (abaixo); na foto maior Clint Walker
 no set de filmagens ao lado de seu dublê Clyde Howdy que usava o tempo todo
  botas especiais para quase atingir a altura do astro da série.

Clint Walker, que se atreveu a enfrentar os irmãos Warner.
Luta contra Jack Warner - Um episódio da série “Cheyenne” levava seis dias para ser produzido, sendo apresentado a cada três semanas. Quando a Warner Bros. percebeu que a audiência de “Cheyenne” era muito maior que as audiências das séries “Casablanca” e “Kings Row”, o estúdio cancelou estas duas séries e passou a produzir outras duas séries westerns para revezar com “Cheyenne”. Essas novas séries foram, primeiro “Sugarfoot”, com Will Hutchins e mais tarde “Bronco”, com Ty Hardin, ambas as séries conquistaram também boas audiências, ficando atrás de “Cheyenne” que era uma das campeãs do instituto de pesquisa Nielsen Ratings. Tudo ia bem até que se manifestou a ganância do estúdio dirigido por Jack Warner que se recusou a rever o contrato de Clint Walker. Em 1955 o ator assinara um longo contrato pelo qual receberia 175 dólares por semana e que devido ao sucesso da série chegou a 1.250 dólares semanais. Acontece que uma cláusula do contrato obrigava Clint a dividir com o estúdio 50% de qualquer trabalho que viesse a fazer como ator fora da série, desde publicidade e até mesmo gravações de músicas como cantor que ele nem era. Dessa forma eram tratados os artistas pelos chefões dos estúdios e alguns deles enfrentavam tipos como os mesquinhos irmãos Warner. Clint Walker foi um deles e desafiou os patrões afastando-se da série e ficando sem trabalhar até que o contrato fosse revisto e as cláusulas que o prejudicavam fossem eliminadas. Em 1958, após três temporadas de sucesso, a série “Cheyenne” deixou de ser produzida por alguns meses pois Clint Walker sabia o quanto valia.
Cheyenne visita Bronco Layne
e é visitado por Sugarfoot.
“The Cheyenne Show” - Como em 1958 a série “Cheyenne” era exibida alternadamente com “Sugarfoot” e “Bronco”, a ABC passou a reprisar episódios antigos de “Cheyenne” enquanto Clint Walker estava afastado. Quem não gostou nada foi o público que entulhou de reclamações a caixa postal da ABC. A rede então pressionou a Warner Bros. que se viu obrigada a rever o contrato com Clint Walker que acabou vencendo a batalha e voltando a interpretar Cheyenne Bodie. A partir daí, com a liberdade conquistada, Clint Walker passou a aparecer mais no cinema, com westerns como “Rifle de 15 Tiros”, “A Lei do Mais Valente” e “Ouro que o Destino Carrega”, todos dirigidos por Gordon Douglas. As três séries “Cheyenne”, “Sugarfoot” e “Bronco” aumentavam a alegria dos telespectadores quando os protagonistas de cada série participavam como convidados de episódios dos dois outros heróis. “Bronco” era praticamente um clone de “Cheyenne” e a audiência sempre subia quando aconteciam esses ‘encontros’ e com isso o programa nunca saía da lista dos 20 mais assistidos da TV norte-americana. Inicialmente chamado de “Warner Brothers Presents”, o programa passou a se intitular “The Cheyenne Show”.

Brigas de cachorros grandes - Ocupando o horário das 19h30 às 20h30, a série “Cheyenne” foi exibida de 1955 até 1959 às terças-feiras; de 1959 a 1962 passou para as segundas-feiras; no último ano de exibição, de abril a setembro de 1963 o programa era exibido às sextas-feiras, sempre no mesmo horário. Fazia-se piada em Hollywood com o fato de em praticamente todos os episódios, por uma razão ou por outra, ou mesmo sem razão alguma, Clint Walker tirar a camisa e aparecer com o dorso nu. Fortíssimo que era, o personagem Cheyenne evitava até onde podia fazer uso de seus músculos, mas mesmo assim sempre encontrava bandidos desatinados dispostos a enfrentá-lo. Entre os que deram trabalho a Cheyenne estavam os também enormes Mickey Simpson, Lane Chandler, Don Megowan, Peter Witney, Leo Gordon e Dan Haggerty. Esses bandidões só sossegavam depois de quase estrangulados por uma gravata ou por um mortal cruzado aplicados por Cheyenne Bodie. Clint Walker teve que esperar até 1966, quando se encontrou com Lee Marvin em “Os Doze Condenados” para beijar o chão após ser vencido por Lee, obedecendo ao roteiro daquele filme.





Cheyenne em edição brasileira da EBAL.
Cheyenne nas histórias em quadrinhos - Como não podia deixar de ocorrer, o herói Cheyenne Bodie foi levado para os quadrinhos, sendo publicadas 25 edições com as aventuras de ‘Cheyenne’ com belas capas com o fotogênico Clint Walker. No Brasil quem publicou as aventuras de ‘Cheyenne’ foi a Editora Brasil-América, a saudosa EBAL do Rei dos Quadrinhos Brasileiros Adolfo Aizen.  A música-tema de “Cheyenne”, de autoria de William Lava não chegou a se tornar tão conhecida como outros temas de séries westerns de TV. O compositor Stan Jones ("Riders in the Sky") foi responsável pela trilha musical da série. Tanto “Sugarfoot” quanto “Bronco” começaram a ser produzidos depois e foram canceladas antes de “Cheyenne” que nos oito anos em que a série foi exibida teve 107 episódios. Quando as histórias das três séries passaram a ficar muito parecidas e repetitivas, a audiência começou a cair levando ao inevitável cancelamento das séries. A década de 60 não seria tão promissora para as séries westerns na TV e muitas séries clássicas deixaram de ser produzidas, entre elas “Cheyenne”. Algumas temporadas desta série foram lançadas em DVD nos Estados Unidos, enquanto a fatia nostálgica do público brasileiro aguarda que o mesmo ocorra por aqui.


Para agradar as fãs e também alguns marmanjos, a produção obrigava
Clint Walker a aparecer sem camisa em quase todos os episódios.
Acima os cowboys da TV Wayde Preston, Clint Walker, Will Hutchins, James
Garner e no centro o produtor William T. Orr; abaixo James 'Bret Maverick'
Garner e Clint 'Cheyenne' Walker; à esquerda um já idoso Clint Walker.






9 de janeiro de 2013

ABUTRES HUMANOS (Whispering Smith) – ALAN LADD NUM ENSAIO PARA ‘SHANE’


O fenômeno Alan Ladd - O ator Alan Ladd pode ser considerado o maior fenômeno do cinema norte-americano nos anos 40. Após fazer figuração em filmes por quase dez, Ladd conseguiu seu primeiro grande papel em “Alma Torturada”, de 1942. Seus filmes seguintes deram enorme lucro para o estúdio e ao final da década Ladd era o maior astro da Paramount. Isto mesmo sem que jamais Alan Ladd tenha sido dirigido por um diretor de renome ou tenha tido a seu lado uma estrela de primeira grandeza. Além disso Ladd tinha contra si sua pequena estatura (1,65m) e os críticos, liderados por Bosley Crowther do New York Times, que implacavelmente arrasavam cada uma de suas atuações. Seus filmes nos anos 40 ou eram policiais ou aventuras, todos em preto e branco e Ladd ainda não havia estrelado um western. Somente em 1948 o louro galã atuou como astro principal em seu primeiro faroeste filmado em Technicolor com o título de “Abutres Humanos” (Whispering Smith). Depois de “Abutres Humanos” Ladd estrelou os westerns “A Marca Rubra” e “O Último Caudilho” até se encontrar, em 1951, com George Stevens.


Alan Ladd, Jean Arthur e Van Heflin em "Shane".
Precursor de Shane - George Stevens nunca mencionou alguma influência de “Abutres Humanos” em seu clássico faroeste “Os Brutos Também Amam”. Mas há claras semelhanças entre os dois filmes, a começar pelo ator principal. Sabe-se que Ladd não era a primeira opção de Stevens para interpretar Shane pois Stevens queria Montgomery Clift. Talvez lembrando-se da interpretação de Ladd como Whispering Smith, George Stevens tenha percebido que Ladd poderia ser um Shane do jeito que ele queria. E o relacionamento entre Joe Starrett, sua esposa Marian e Shane, em “Os Brutos Também Amam”, estava ali rascunhado em “Abutres Humanos”. Por coincidência o vértice feminino dos dois triângulos amorosos chamava-se Marian. E assim como Shane, Whispering Smith é um homem íntegro e corajoso, não se afastando um passo da defesa de uma causa justa e nobre e respeitando os limites dos sentimentos proibidos. Mesmo tendo sido filmado três anos antes que o faroeste de George Stevens, “Abutres Humanos” toca mais profundamente na complexa questão da atração adúltera. (NR - “Shane” foi filmado em 1951 e só lançado em 1953.)

Acima um desenho do detetive 'Whispering' Smith;
abaixo J.P. McGowan e lobbycard do filme em que
George O'Brien interpreta o policial das ferrovias.
Os muitos ‘Whispering Smith’ - O escritor Frank H. Spearman escreveu o livro “Whispering Smith” em 1906, narrando episódios da vida do lendário detetive de ferrovias James L. ‘Whispering’ Smith. O personagem foi levado ao cinema pela primeira vez em 1916, sendo interpretado por J.P McGowan. Em 1926 e 1927 H.B. Warner interpretou ‘Whispering Smith em dois faroestes. Em 1935 George O’Brien protagonizou “Whispering Smith Speaks”. Alan ladd foi o quarto ator a interpretar o personagem criado por Spearman em “Abutres Humanos”, que foi roteirizado por Frank Butler e Karl Kamb, em filme dirigido por Leslie Fenton, ex-ator inglês que já havia dirigido Alan Ladd em “Saigon”, filme de 1946 estrelado por ladd e Veronica Lake. E haveria ainda a malfadada série de TV intitulada “Whispering Smith”, que mesmo estrelada por Audie Murphy resultou em fracasso, tendo sido produzidos apenas 26 episódios, em 1961/62. Whispering significa ‘Sussurante’.

Os irmãos Barton (Murvyn Vye,
 Robert Wood e Bob Kortman).
Assaltos à ferrovia - Em “Abutres Humanos” Whispering Smith (Alan Ladd) tem duas missões importantes. A primeira é investigar os sucessivos assaltos a trens de carga da ferrovia Nebraska & Pacific Railroad Company. A segunda é fazer com que seu amigo Murray Sinclair (Robert Preston) volte a trilhar o caminho do bem, deixando de participar da quadrilha de Barney Rebstock (Donald Crisp), responsável pela onda de assaltos contra a ferrovia. Desbaratar a quadrilha de Rebstock não seria tarefa das mais difíceis para o corajoso detetive ferroviário, mesmo que Rebstock tenha como braço direito o assustador pistoleiro Whitey Du Sang (Frank Faylen). Sinclair, tem uma vida dupla pois é também detetive da ferrovia e só sua prática de delitos contra a própria companhia ferroviária explica o fato de ele possuir um bem montado rancho onde vive com a esposa Marian (Brenda Marshall). Regenerar o amigo Sinclair é bem mais difícil pois manter a amizade antiga torna-se quase impossível. As diferenças entre Sinclair e Whispering Smith aumentam e passam para o terreno pessoal pois entre os dois, além da proteção à ferrovia, está Marian. Após um último assalto a um trem Sinclair pretende mudar-se para Carson City, mas é ferido e no derradeiro confronto com Smith é morto por este.

Whispering Smith, o amigo Sinclair Murray e a
esposa deste, Marian, ex-namorada de Smith.
Um amor para dois - “Abutres Humanos” seria um western acima da média dos westerns comuns apenas devido ao excelente ritmo do filme, com ação constante e bem executada, além do ótimo elenco de coadjuvantes. Mas este western de Leslie Fenton é mais que isso devido à provocante subtrama envolvendo os amigos Smith e Murray e ainda a esposa Marian. Sinclair Murray gosta tanto do amigo Smith que quando este é ferido leva-o para casa para receber o tratamento atencioso de sua esposa Marian. E isto acontece mesmo sendo Sinclair sabedor que antes de seu casamento com Marian ela teve um caso de amor com Whispering Smith. O reencontro após cinco anos reacendeu inevitavelmente os antigos sentimentos tanto em Marian como em Smith. Sinclair usa a própria esposa para atrair o amigo, chegando a dizer a ele frases como “Meu rancho é grande demais para um homem só”, “Entre comigo com as suas condições, fica meio a meio”. E Sinclair constrange até Marian ao lhe dizer lascivamente que ela está provocando Smith, o que na verdade Sinclair gostaria que acontecesse.


Abutres não amam, brutos sim - O 'sussurante' Smith com sua fala macia divide-se entre a lealdade ao amigo Sinclair e a ressonância de seu amor por Marian. Fala mais forte, porém, a amizade masculina e Smith procura de todas as maneiras salvar Sinclair. Marian se desespera ao ver diminuir suas chances de reviver seu amor com Smith e ao ver o marido cada vez mais enredado com os foras-da-lei. Sinclair passa a odiar Smith quando percebe o que ainda existe entre o amigo e Marian. A relação entre Sinclair e Smith deixa de ser ambígua ao ser expressa por meio de frases como “Murray, se houvesse outro jeito eu teria feito diferente; as únicas cartas que eu tinha foram as que você me deu”, diz Smith ao amigo após alvejá-lo mortalmente. Smith e Marian apenas não terminam juntos ao final de “Abutres Humanos” em respeito ao Código Hays que ainda determinava o respeito às convenções sociais de então. Outra interpretação possível do final aberto deste faroeste é que Smith parte sozinho após a morte do amigo querido. Como se percebe, o filme de Leslie Fenton teve a coragem de ir além das meras sugestões contidas em “Os Brutos Também Amam”. Por sinal, “Shane” poderia ser mais adequadamente intitulado como “Abutres Humanos” pensando-se nos Rykers, enquanto brutos como Sinclair Murray e Whispering Smith ficariam melhor com o título tão rejeitado por Paulo Perdigão e outros cinéfilos.

Frank Faylen
Alan Ladd, o durão das ferrovias - “Abutres Humanos” é um faroeste que funciona perfeitamente se o espectador aceitar Alan Ladd como um temido e durão policial de ferrovias, o que, convenhamos, não é nada fácil se vier à mente, por exemplo, a figura de Ernest Borgnine em “O Imperador do Norte”. E nem é preciso ir assim tão longe pois comparado ao próprio Robert Preston com sua impressionante e sólida figura, Alan Ladd se reduz ainda mais. E para atrapalhar Ladd o elenco tem o ótimo Donald Crisp como vilão, William Demarest num personagem sem importância e o surpreendente Frank Faylen como o marcante pistoleiro albino. Certamente numa galeria de homens maus inesquecíveis Whitey Du Sang (Frank Faylen) tem lugar garantido, sendo lícito dizer que há mesmo um pouco desse tipo criado por Faylen no imortal Wilson do já comentado “Os Brutos Também Amam”. Penúltimo filme da ótima Brenda Marshall, uma cativante Marian capaz de expressar admiravelmente o que sente por Sinclair e por Smith. Brenda abandonou o cinema aos 38 anos após se casar com William Holden.

Bob Kortman em cena com John Wayne nos anos 30.
Bob Kortman, o mais feio dos bandidos - O elenco de “Abutres Humanos” traz em pequenos papéis ou figurações a simpatia da alegre Fay Holden, Murvyn Vye, Ray Teal, Hank Worden, J. Farrell McDonald, Will Wright, Eddy Waller, Hank Bell, Tom Fadden e, especialmente, Bob Kortman. Este veteraníssimo ator que contracenou inúmeras vezes com William S. Hart desde os idos de 1915, deu trabalho no cinema para Gary Cooper, Joel McCrea, Buck Jones, John Wayne e um sem número de mocinhos dos faroestes ‘B’. Bob Kortman chamou sempre a atenção por seu rosto que lembrava uma caveira e, diferentemente dos outros homens maus não precisava fazer cara feia pois  suas feições eram assustadoras. Quanto mais Kortman envelheceu mais feio ficou sendo “Abutres Humanos” um dos últimos filmes de Bob Kortman. Destaque para a cinematografia de Ray Renahan, que entre outros grandes trabalhos foi responsável pelas imagens de “Duelo ao Sol”, “Sangue e Areia” e “E o vento Levou”. A exemplar câmara de Renahan ensina como filmar cenas noturnas sem impedir que o espectador enxergue o que se passa, o que se tornou tão comum em faroestes recentes.

Alan Ladd com o amigo William Demarest.
Atrevimento romântico - Como curiosidade, muitos dos cenários de “Abutres Humanos” faziam parte do Paramount Ranch, mais tarde transformado em Virginia City, cenário da série “Bonanza”. Outra curiosidade é a bela voz de Alan Ladd que pode ser ouvida na canção “Auld Lang Syne”.  Cogitou-se por algum tempo que Ladd gravasse um álbum, mas o projeto nunca foi adiante, infelizmente. William Demarest (e esposa) era grande amigo de Alan Ladd, sendo dos poucos artistas que frequentavam a casa de Ladd. Para os fãs de faroestes que nunca se conformaram com a falta de maior atrevimento romântico de Shane em “Os Brutos Também Amam”, o mesmo tímido ator tem em “Abutres Humanos” possibilidade de formar um verdadeiro triângulo amoroso, emoldurado por muita ação de boa qualidade.

Robert Preston, ator que se consagraria nos palcos nas montagens
"O Vendedor de Ilusões" e "Victor ou Victória", levadas também ao cinema.


Algumas expressões de Alan Ladd, pouco diferentes umas das outras.


6 de janeiro de 2013

O GRANDE SILÊNCIO (Il Grande Silenzio), A OBRA-PRIMA DE SERGIO CORBUCCI



Sergio Corbucci
“O Grande Silêncio” é a tradução literal do título original (Il Grande Silenzio), filme de Sergio Corbucci exibido no Brasil como “O Vingador Silencioso”. Esse grande silêncio do título pode se referir tanto ao silêncio das paisagens brancas da neve das locações, ou ao silêncio da morte, ou ainda ao pistoleiro mudo interpretado por Jean-Louis Trintignant. Mas o verdadeiro grande silêncio foi aquele que se abateu sobre esse filme tão magnífico que extrapola o próprio gênero. Ao contrário dos superestimados westerns de Sergio Leone e mesmo de outros faroestes do próprio Corbucci, “Il Grande Silenzio” foi completamente ignorado em obras como “The Western” (Phil Hardy), “The Encyclopedia of Westerns” (Herb Fagen) e “The British Film Institute Companion of the Western” (Edward Buscomb). Em 2010 os Institutos Italianos de Cultura do Rio de Janeiro e de São Paulo, em parceria como o Centro Cultural Banco do Brasil, realizaram uma mostra intitulada “Faroeste Spaghetti – O Bang-Bang à Italiana”, mostra exposta em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro. Constaram da programação 20 faroestes Made-in-Italy, mas não foi lembrado “O Vingador Silencioso”, acentuando ainda mais o grande silêncio que sempre se fez sobre esse filme. Porém o cinéfilo cearense Vinicius LeMarc lembrou em seu Top-Ten publicado aqui neste blog da importância do filme de Sergio Corbucci, o que tornou obrigatório assisti-lo e conhecer um grande filme não apenas do gênero western-spaghetti, ou mesmo do cinema italiano, mas sim do cinema mundial.


Franco Nero em "Django".
“Django” e outros westerns - Um tanto obscurecido pela fama do outro Sergio, o Leone, Sergio Corbucci era conhecido especialmente pelo sucesso de “Django”. Nascido em 1926, Corbucci dirigia filmes desde 1951 e fez desde comédias com Totó e Ciccio Ingrassia até épicos do gênero ‘sandália e espadas’. Seu primeiro western, em 1964, foi “Massacre no Grand Canyon” (com James Mitchum, filho de Bob Mitchum). Vieram em seguida “Minnesota Clay” (com Cameron Mitchell) e “Ringo e sua Pistola de Ouro” (com Mark Damon). O admirado “Joe, O Pistoleiro Implacável” (Navajo Joe), com Burt Reynolds é do mesmo ano de “Django”. Anterior a “O Grande Silêncio” é “Os Cruéis” (I Crudeli/The Hellbenders), com Joseph Cotten e a nossa Norma Bengell, outro filme que merece ser visto com atenção. Sergio Corbucci realizou ainda uma pretensa trilogia de westerns politizados composta por “Os Violentos Vão para o Inferno” (Il Mercenario), com Jack Palance e Franco Nero; “Vamos a Matar, Compañeros!” (Compañeros), também com Palance e Nero; e “Que Faço no Meio de uma Revolução?” (Che C’entriamo Noi com La Revoluzione?), com Vittorio Gassman, western-comédia. Sergio Corbucci fez ainda outros westerns como “O Último Samurai do Oeste”, com Giuliano Gemma e Eli Wallach, porém não mais reeditou o nível artístico de “O Grande Silêncio” (Il grande Silenzio), western de 1968.

Dublagem em cinco idiomas - Os produtores italianos reuniram para “O Grande Silêncio” dois atores consagrados em seus países de origem, Klaus Kinski e Jean-Louis Trintignant. O ator alemão depois de peregrinar pela Europa radicou-se em meados dos anos 60 na Itália, onde chegou a comprar um castelo na Via Appia, onde residia. Jean-Louis Trintignant disputava com Alain Delon e Jean-Paul Belmondo o posto de maior ídolo francês, isto depois do estrondoso sucesso obtido com “Um Homem e Uma Mulher”, em 1966. Os westerns-spaghetti eram filmados e dublados em Italiano, Espanhol, Francês, Alemão e Inglês. Nos países em que não se falava nenhum desses idiomas os filmes eram lançados com legendas. Nem todos os atores conseguiam dublar naqueles cinco idiomas, sendo necessário o uso de dubladores profissionais, o que no mais das vezes praticamente destruía o filme pois esses profissionais não se preocupavam com a entonação certa ou com a sincronia. O maior problema eram sempre os atores principais que, a exemplo de Clint Eastwood, não falavam Italiano. Daí que seus personagens, como o ‘Blondie’ tinham um mínimo de diálogo.

Herói mudo - O roteiro de “O Grande Silêncio” resolveu de modo inteligente pelo menos a questão do herói do filme pois o personagem de Trintignant (Silenzio), era simplesmente mudo e o ator francês não teve que se preocupar com a dublagem em qualquer dos idiomas. Na maioria dos países em que foi lançado, “O Grande Silêncio” manteve esse mesmo título e entre as exceções estão o Brasil, onde foi lançado como “O Vingador Silencioso” e a Alemanha onde recebeu o título “Leichen Pflastern Seinen Weg” (Corpos Pavimentam seu Caminho). Na Alemanha e na França “O Grande Silêncio” teve boas bilheterias, mas no resto do mundo, inclusive na Itália esse western foi mal recebido pelo público. Talvez por ser diferente de quase tudo que já havia sido visto no gênero.

O realismo forte de cenas de "O Grande Silêncio".
Inferno branco - Filmado em Cortina d’Ampezo, região situada no Norte da Itália, onde a neve é atração turística e há diversos resorts frequentados pelos ricos e famosos, “O Grande Silêncio” foi um dos muitos westerns que trocaram as pradarias, montanhas e o deserto pela neve. No entanto é inegável que há em “O Grande Silêncio” muito de “Quadrilha Maldita” (Day of the Outlaw), western de 1959 dirigido por André De Toth. Porém mais ainda que neste western norte-americano, Corbucci criou uma macabra atmosfera em que a brutalidade dos homens é ainda maior que o assustador cenário gelado e castigado intensamente pela neve. O quarteto de roteiristas Mario Amendola, Vittoriano Petrilli, Bruno Corbucci e o próprio Sergio Corbucci intencionalmente promoveram a maior revisão do formato dos westerns, indo mais longe do que Sam Peckinpah conseguiu com seus filmes do gênero.

Silenzio e Pauline (Trintignant e Vonetta McGee).
Western anticonvencional - Em “O Grande Silêncio”, mais que em qualquer outro de seus westerns, Corbucci contraria os códigos do gênero e do próprio western-spaghetti, estes pautados pelo humor negro por vezes excessivo. “O Grande Silêncio” é um filme triste, aterrador mesmo, no qual quem triunfa é o mal e não o bem. E surpreendentemente expõe na tela um romance interracial inteiramente diferente dos brancos que, quando muito, se apaixonavam por índias ou mexicanas e vice-versa nos faroestes norte-americanos. Era 1968, um ano de enorme ebulição político-social no mundo e vemos Silenzio  amar a negra Pauline. Sempre preocupado com a política, o personagem Pollicut, lídimo representante do capitalismo faz uso da lei vigente para aumentar seu poder. A lei de então permitia que caçadores de recompensa matassem os procurados pela Justiça, normalmente inimigos dos poderosos. Mas nenhum desses aspectos, por si só resultam num bom filme sem a maestria de um inspirado diretor.

Loco (Klaus Kinski).
“Onde a vida nada vale, a morte tem seu preço” - Na cidade de Snow Hill, em Utah, no outono de 1898, Loco (Klaus Kinski) comanda um grupo de caçadores de recompensa. Uma das vítima de Loco é um negro que ele assassina fria e covardemente diante da esposa Pauline (Vonetta McGee). A viúva procura Silenzio (Jean-Louis Trintignant) pois sabe que ele mata os caçadores de recompensa, cobrando mil dólares por cada morte executada. Silenzio mata legalmente pois sempre o faz em legítima defesa o que o impede de ser considerado um criminoso. Muitas vezes, ao invés de matar, Silenzio dispara contra as mãos do inimigo, aleijando-o. Pollicut (Luigi Pistilli) foi, no passado, uma das vítimas de Silenzio tendo a mão direita inutilizada. Pollicut que é um misto de Juiz de Paz, banqueiro e comerciante de Snow Hill, foi o responsável pela execução dos pais de Silenzio quando este ainda era criança, ocasião em que o menino teve a garganta cortada, o que o impediu para sempre de falar. Ao matar os caçadores de recompensas Silenzio atrapalha os negócios de Pollicut que pede a Loco que coloque o vingador silencioso no topo da sua lista, o primeiro a ser morto. Silenzio consegue matar Pollicut mas tem sua mão direita queimada por Martin (Mario Brega), ajudante de Pollicut. Mesmo ferido Silenzio enfrenta Loco, sendo alvejado na mão esquerda e ficando indefeso. Loco mata Silenzio com um tiro na testa e mata também a negra Pauline, partindo com seus homens de Snow Hill em busca de novas recompensas.

Silenzio com sua Mauser transformada em carabina; o grupo procurado pelos
caçadores de recompensa sobrevive comendo um cavalo.

Filme niilista - Distante do grotesco, do jocoso e do farsesco, “O Grande Silêncio” é uma história sobre a ganância, sobre a injustiça e no melhor estilo de Anthony Mann, sobre a vingança. Filmado quase que inteiramente em cenários naturais gelados, é um western sombrio, especialmente ao mostrar que um homem sozinho jamais pode derrotar um sistema. “O Grande Silêncio” é a própria negação do western norte-americano pré-Sam Peckinpah. O psicopata caçador de recompensas Loco parte vitorioso ao final, com seu bando, para destruir mais um pouco da integridade e honra dos cidadãos de bem, sejam eles brancos ou negros, taciturnos ou mudos. O mais niilista dos westerns, “O Grande Silêncio” não é espaço para personagens lendários e virtuosos como vinha se tornando no decorrer do filme o vingador silencioso. Em certo momento Pauline diz: “Eles o chamam de Silenzio porque onde quer que ele vá o silêncio da morte o persegue”. O maior dos silêncios se faz com a morte do vingador silencioso. Tão negativa e anárquica é a mensagem que fica deste western de Corbucci que foi filmado um final alternativo que, ainda bem, foi distribuído em alguns poucos países. Nesse final alternativo Silenzio e Pauline exterminam Loco e seus sequazes, o que muito agradaria as platéias norte-americanas que por sinal não puderam ver “O Grande Silêncio” que não chegou a ser lançado nos Estados Unidos. Décadas mais tarde, com o advento do DVD o filme de Corbucci tornou-se Cult na terra de John Wayne. Prevaleceu, no entanto o final original, apenas com o menos pessimista epílogo com a inútil explicação: “Os massacres trouxeram à tona a condenação pública dos caçadores de recompensa que, disfarçados por uma falsa legalidade fizeram do assassinato violento um lucrativo meio de vida”.

Snow Hill, cenário tétrico de "O Grande Silêncio".


Inspiradíssimo Morricone -  A música de Ennio Morricone para "O Grande Silêncio" já era conhecida dada a beleza de seu tema principal, um tanto diferente dos temas feitos para outros westerns. Em 1968 os Beatles ajudaram a divulgar a música indiana, fazendo de Ravi Shankar uma atração internacional que se exibiu até no Brasil. O atento Morricone faz neste escore musical uso intenso de cítaras e tablas, instrumentos musicais indianos, que completam não só o dantesco cenário de Snow Hill, expressando etereamente o silêncio da paisagem, como também o silêncio da própria morte. Notável também a música composta para a belíssima cena de amor entre Silenzio e Pauline. A trilha sonora de “O Grande Silêncio”, que conta com a presença do Coral Alessandroni Singers, é um dos melhores trabalhos do genial maestro-compositor italiano. A cinematografia a cargo de Silvano Ippoliti é também excepcional, especialmente por requerer uso de lentes próprias para melhor fotografar o cenário branco de Cortina d’Ampezzo. História, música e imagens perfeitas num filme cujos pecados são algumas interpretações e a fatal dublagem.

A Mauser C-96 e o aleijão por ela provocado.
O psicótico Loco - “O Grande Silêncio” fez de Klaus Kinski um ídolo maior. Até então Klinski era visto em pequenas participações em westerns-spaghetti e mesmo em superproduções como “Doutor Jivago”. Kinski adicionou à linhagem clássica de bandidos-cínicos e amorais como Lee Marvin e Dan Duryea sua natural expressão delirante e psicótica. Na França ‘Loco’ virou ‘Tigrero’ e em algumas versões ‘Tibério’. Jean-Louis Trintignant convence razoavelmente como o vingador silencioso que faz uso de uma Mauser Broomhandle C-96, criada em 1896. Frank Wolff como o xerife de Snow Hill se excede na caricatura, marca maior das interpretações nos westerns-spaghettis. Na mesma linha Mario Brega, Bruno Corazzari e os demais homens maus. No elenco ainda destaque para Spartaco Conversi como líder dos perseguidos (seriam mórmons?) e para Marisa Merlini, a adorável atriz de tantas comédias e a inesquecível Annarella de “Pão, Amor e Fantasia”, de Vittorio De Sica.  



Jean-Louis Trintignant, o vingador silencioso.
Faroeste sombrio e pouco comentado - Ao final Loco rouba a Mauser C-96 de Silenzio, mesma arma que Clint Eastwood usaria anos depois em “Joe Kidd”. E Clint ostentou uma cicatriz muito parecida com a de Silenzio, em “A Marca da Forca”, seu primeiro western norte-americano como ator principal. Se Clint assistiu ao filme de Corbucci é um mistério, mas certamente Quentin Tarantino assistiu. Enquanto se aguarda a aventura do agitado Tarantino recriando seu Django, obrigatório é assistir “O Grande Silêncio”. O faroeste de Sergio Corbucci é não apenas dos melhores filmes da vertente dos westerns produzidos na Europa, mas um filme para comprovar que Sergio Leone não dominou sozinho a cena dos faroestes europeus nos anos 60. E sob o efeito desse extraordinário, pouco comentado, sombrio, diferente e assustador faroeste, não há como não qualificá-lo como obra-prima.



Assista ao vídeo abaixo com imagens exclusivas de "O Grande Silêncio",
ao som do tema do filme, de autoria de Ennio Morricone.





Acima Marisa Merlini; abaixo Frank Wolff.


4 de janeiro de 2013

MOCINHAS DOS FAROESTES


Vídeo apresentando dezenas de mocinhas dos faroestes ao som
da tradicional canção "Oh Susannah" em versão de Neil Young
acompanhado pela banda Crazy Horse.
Para as cowgirls Cibele e Janete.






2 de janeiro de 2013

ARTHUR HUNNICUTT, O CARACTERÍSTICO CAIPIRA DOS FAROESTES



Arthur Hunnicutt e Charles Grapewin.
Quem assistiu ao filme “Caminho Áspero” (Tobacco Road), de John Ford, certamente não se esqueceu do personagem ‘Jester Lester’, interpretado por Charles Grapewin. O simpático velhinho arrancou muitas lágrimas dos espectadores, isto quando Grapewin estava com 72 anos de idade. A peça “Tobacco Road” rodou os Estados Unidos, fazendo enorme sucesso em toda cidade em que era montada. Em 1942 um desconhecido ator chamado Arthur Hunnicutt subiu aos palcos uma centena de vezes interpretando ‘Jester Lester’. A diferença entre Hunnicutt e Grapewin era que Hunnicutt tinha apenas 32 anos de idade, compondo perfeitamente o envelhecido personagem. Nascia com aquela interpretação de Arthur Hunnicutt um dos mais característicos atores norte-americanos e que melhor que ninguém era um perfeito ‘old timer’.

Arthur sem barba e mais jovem.
O marcante sotaque caipira - É muito fácil reconhecer alguém nascido no Estado do Arkansas devido ao inconfundível sotaque acaipirado, alguma coisa parecida com a forma de falar de quem nasce no interior de São Paulo. Arthur Hunnicutt nasceu justamente no Arkansas e possuía aquele sotaque carregado que emprestava a seus personagens. O sotaque típico somava-se à sua figura alta (1,83m) e magra e o sorriso simpático quase escondido pela costumeira barba que acrescentava muitos anos à sua verdadeira idade. Trajes de homem simples completavam a imagem do velho habitante das cidades Velho Oeste, o ‘old timer’, um perfeito ‘hillbilly’, correspondente do nosso caipira. Arthur Lee Hunnicutt nasceu no dia 17 de fevereiro de 1910, na cidade de Gravelly, no Arkansas, e em plena depressão abandonou os estudos pois teve que trabalhar para sobreviver. Arthur acabou em uma companhia de teatro no Massachusetts e pouco depois estava em Nova York. Arthur atuou em inúmeras peças na Broadway, sempre requisitado para tipos parecidos com o ‘Jester Lester’ de “Tobacco Road”.

Sidekick de Durango Kid - O cinema entrou na vida de Arthur Hunnicutt em 1942 quando participou de um filme ‘B’ intitulado “Wildcat”, estrelado por Richard Arlen. Como Durango Kid estava sem sidekick, a Columbia contratou Hunnicutt para acompanhar as aventuras do mocinho interpretado por Charles Starrett. Todo sidekick tinha um apelido e o de Arthur Hunnicutt passou a ser ‘Arkansas’, divertindo a meninada das matinês em sete filmes da série Durango Kid. Paralelamente a essa série Hunnicutt continuou fazendo filmes sem maior expressão e insatisfeito retornou aos palcos da Broadway. Somente em 1949 Arthur Hunnicutt voltou a fazer filmes, obtendo um pequeno papel em “Escravos da Ambição” (Lust for Gold), western com Glenn Ford e Ida Lupino, filme quecomo o próprio nome indica, tentou reeditar o sucesso de “O Tesouro de Sierra Madre”. Depois de alguns papéis igualmente pequenos em diversas produções, Hunnicutt passou a ser bastante requisitado no gênero que o tornaria conhecido, o faroeste.

Tempos de faroestes - 1950 foi um grande ano para Arthur Hunnicutt que participou de “Flechas de Fogo” (Broken Arrow), com James Stewart; “Almas em Fúria” (The Furies), com Barbara Stanwyck; “Entre Dois Juramentos” (Two Flags West), com Jeff Chandler. Muito interessante nesse ano de 1950 foi a participação de Hunnicutt em “O que Pode um Beijo”, estrelado por Rory Calhoun e com Walter Brennan também no elenco. Brennan viria a ser muito importante na carreira de Arthur Hunnicutt. Em 1951 a boa fase de Hunnicutt continuou, embora os papéis fossem muito parecidos, em quase todos variações do ‘old timer’ ou do homem da fronteira. Mas os papéis eram cada vez maiores e Hunnicutt ia ficando mais e mais conhecido como ator característico. Esse foi o ano de “Talhado em Granito” (Sugarfoot), com Randolph Scott; “A Glória de um Covarde” (The Red Badge of Courage), com Audie Murphy; “Passage West”, com John Payne; “Tambores Distantes” (Distant Drums), com Gary Cooper.

Acima Arthur Hunnicutt com James Stewart e com Gary Cooper;
abaixo em cena de "Entre Dois Juramentos" e "A Glória de um Covarde".


Sequências de "Rio da Aventura";
abaixo Hunnicutt com Kirk Douglas e Dewey Martin.


Indicação para o Oscar - 1952 foi ainda melhor para Hunnicutt que participou com destaque do cultuado “Paixão de Bravo” (The Lusty Men), com Robert Mitchum e Susan Hayward. Nesse mesmo ano Howard Hawks foi ao Wyoming para filmar “Rio da Aventura” (The Big Sky) e o diretor queria Walter Brennan para interpretar ‘Zeb Colloway’. Como Brennan não pode atender ao amigo Hawks, o papel ficou para Arthur Hunnicutt que teve atuação memorável, sendo uma das melhores coisas desse filme de Hawks, roubando cenas até de Kirk Douglas. Tão boa foi a interpretação de Hunnicutt que o ator recebeu uma indicação para o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante de 1952, tendo como concorrentes as excepcionais companhias de Richard Burton, Victor McLaglen Jack Palance e Anthony Quinn. Quem acabou ficando com o prêmio foi Anthony Quinn por sua interpretação como Eufêmio Zapata em “Viva Zapata”. O prestígio de Arthur Hunnicutt como ator estava consolidado. Seguiram-se “Devil’s Canyon”, com Dale Robertson; “Bonita e Audaciosa”, com Robert Mitchum e Jean Simmons; e o musical “The French Line”, com Jane Russell.

A impossível missão de substituir Walter Brennan - Em 1955 Herbert J. Yates, o dono da Republic Pictures, decidiu se vingar de John Wayne, que abandonara o estúdio. A Republic produziu um western sobre a heróica resistência do Álamo, intitulado “A Última Barricada” (The Last Command). Arthur Hunnicutt ficou com o papel de ‘Davy Crockett’, que cinco anos depois seria vivido pelo próprio Duke em “O Álamo”. Outro grande faroeste que contou com a presença de Hunnicutt foi “Resgate de Bandoleiros” (The Tall T), com Randolph Scott. A TV também dava muitas oportunidades a Hunnicutt que participava como convidado de muitas séries de sucesso, o que o afastou um pouco do cinema. Em 1965 Arthur pode ser visto como ‘Butch Cassidy’ no enorme sucesso que foi “Dívida de Sangue” (Cat Ballou) e também em “Rebelião dos Apaches” (Apache Uprising) com Rory Calhoun. Em 1966 Howard Hawks voltou ao faroeste com “Eldorado”, uma refilmagem disfarçada de “Rio Bravo”, chamando Walter Brennan para repetir seu personagem ‘Stumpy’, desta vez com o nome ‘Bull’. Mas Brennan novamente não pode participar e lá estava seu eventual substituto Arthur Hunnicutt para acompanhar John Wayne, Bob Mitchum e James Caan. A atuação de Arthur agradou na missão impossível de substituir Walter Brennan.

Hunnicutt com Randy Scott em "Resgate de Bandoleiros"; com James Caan e
John Wayne em "Eldorado"; abaixo cena de "Eldorado".

A idade chega para o ‘old timer’ - “Califórnia, Terra do Ouro” é de 1967 e foi um faroeste pouco assistido porque ninguém se interessou em ver Roddy McDowall no Velho Oeste, mesmo com Karl Malden e Arthur Hunnicutt no elenco. Só em 1971 Arthur voltaria ao western em “O Parceiro do Diabo”, com Gregory Peck. “Marcados pela Vingança”, de 1972, tinha no elenco William Holden e Ernest Borgnine, além de Hunnicutt, mas esse faroeste não chamou muito a atenção. Em 1974 Arthur atuou em “Os Três Discípulos do Diabo” (Spike’s Gang), com Lee Marvin, outro faroeste que merecia melhor sorte nas bilheterias. Arthur Hunnicutt atuou em seguida num pequeno papel em “Harry, o Amigo de Tonto”, filme sobre a velhice, que por sinal estava chegando para o ator, então com 64 anos. Arthur reuniu-se em “Winterhawk” a diversos outros atores veteranos como Leif Erikson, Woody Strode, Denver Pyle, L.Q. Jones, Elisha Cook Jr., todos eles com carreiras tão brilhantes no cinema como a do próprio Hunnicutt.



Cala-se o sotaque do Arkansas - A despedida do cinema para Arthur se deu criando o personagem ‘Uncle Jesse’ no filme “Moonrunners”, praticamente um piloto para a série de TV “The Dukes of Hazzard”, desenvolvida em 1979. ‘Uncle Jesse’ era o fabricante clandestino de moonshine, uísque de fabricação caseira proibido pelas leis das zonas rurais norte-americanas. Na TV ‘Uncle Jesse’ foi vivido magnificamente por Denver Pyle e mais tarde por Willie Nelson em novo filme sobre a saga da amalucada família Dukes da cidade de Hazzard. Seria impossível Arthur Hunnicutt ter ficado com o personagem ‘Uncle Jesse’ que criou pois em 1979, ano de início da série, Hunnicutt contraiu câncer na língua, doença que o levou à morte aos 69 anos de idade. O falecimento de Arthur ocorreu no dia 26 de setembro de 1979, em Los Angeles. Entre as poucas informações sobre a vida pessoal de Arthur Hunnicutt, sabe-se que ele foi casado por muitos anos com Pauline Lile, que o acompanhou até o fim de sua vida. Pauline providenciou para que o marido fosse enterrado no cemitério de Mansfield, no Estado de Arkansas. Nos últimos anos de sua vida Arthur Hunnicutt foi homenageado com o cargo de prefeito honorário da cidade de Northridge, na Califórnia. Para quem passou a vida interpretando ‘old timers’, Arthur Hunnicutt faleceu relativamente cedo, mas deixou para os fãs interpretações marcantes em mais de 50 filmes que fizeram dele um tipo inesquecível para os cinéfilos.