Cearense de Fortaleza, o educador Vinicius LeMarc tem duas paixões na vida: sua família e a arte, esta última desdobrada em literatura, música e cinema. LeMarc lê bastante e entre suas preferências estão Machado de Assis, Mário Quintana, Miguel de Cervantes e Franz Kafka; LeMarc é também escritor. Na música aprecia tanto a erudita quanto a popular, tendo herdado do pai o amor pela música. O pai de LeMarc era sanfoneiro chegando a liderar uma banda; já o filho Vinicius foi músico até os 20 anos. Quem já visitou o blog de LeMarc, o SarrabulhadaCult conhece sua outra paixão que é o cinema, especialmente o gênero western. E foi justamente o faroeste que aproximou Vinicius LeMarc do CINEWESTERNMANIA que solicitou a ele a lista com seus westerns favoritos. Gentilmente LeMarc nos atendeu e publicamos com enorme satisfação o Top-Ten de Vinicius LeMarc, bem como a íntegra do texto que ele nos enviou como introdução e os comentários de cada um dos faroestes.
À semelhança do que acontece em outros campos dominados pela afetividade, uma das mais difíceis tarefas a qualquer amante de uma dada arte, seja música, literatura, cinema, etc., é escolher as suas obras preferidas. Todos terminamos por desenvolver tal identificação com o conjunto que tal ramo constitui, que, sempre que nos voltamos para uma obra em particular, restamos com a certeza de que preterimos tantas outras iguais ou melhores que as escolhidas. Mesmo no interior de um recorte rigorosamente delimitado, encontramos ainda tal dificuldade. Pois bem. É com essa dificuldade que me deparo neste instante, frente ao desafio proposto pelo amigo Darci: relacionar meus 10 westerns favoritos. Mas a dureza acaba por aí, posto que, afora esse fator complicador, é sempre um enorme prazer falar sobre essas obras que nos encantam a todos, ademais em tão virtuoso espaço, um verdadeiro Saloon, daqueles onde jovens audazes e míticos cavaleiros das pradarias, com a barba por fazer, apeiam para beber um pouco de cultura e fruir seu merecido descanso. E, com a rudeza sábia e calibrada dos homens calejados e conhecedores dos caminhos, vamos todos juntos, na cavalgada, aprendendo um pouco mais sobre o western, o cinema e a vida.
Sobre a lista que segue, posso dizer que é de fato a do momento, porque nunca posso ficar muito seguro de que não me apaixonarei por um novo filme, velho ou novo conhecido, porque essa é uma licença a nós todos facultada, sem embargo para a consciência.Peço licença, ainda, para colocar os títulos dos filmes na versão original, pois não sou muito afeito a algumas “adaptações” de títulos operadas por estas bandas. Vejam o que fizeram a Last Train from Gun Hill, adaptado para Duelo deTitãs, ou a High Noon, que virou Matar ou Morrer. Lamentável! Vamos, então, à lista:
Sobre a lista que segue, posso dizer que é de fato a do momento, porque nunca posso ficar muito seguro de que não me apaixonarei por um novo filme, velho ou novo conhecido, porque essa é uma licença a nós todos facultada, sem embargo para a consciência.Peço licença, ainda, para colocar os títulos dos filmes na versão original, pois não sou muito afeito a algumas “adaptações” de títulos operadas por estas bandas. Vejam o que fizeram a Last Train from Gun Hill, adaptado para Duelo deTitãs, ou a High Noon, que virou Matar ou Morrer. Lamentável! Vamos, então, à lista:
1. C’ERA UMA VOLTA IL WEST (Era uma vez no Oeste)
Este é, entre todos, o meu número um. Devo confessar que sou fã de carteirinha de Sergio Leone. Coloco-o mesmo como o meu diretor predileto. Entre os diretores de western, há duas lendas, a meu ver: John Ford e Sergio Leone. Ambos constituem a quintessência do gênero. O primeiro tem uma obra indiscutível, e representa o melhor do western de linha americana. Sozinho, é o mais belo e necessário capítulo do western mundial. Pela outra trilha, cavalga um gênio extravagante, diferente, e que, com inigualável talento, reescreveu um gênero que já se achava totalmente sem munição.Para mim, John Ford representa o western realista, puro, e cautelosamente equilibrado; Leone, por seu lado, representa o sonho, o onírico; enfim, representa a nossa mais fervorosa paixão pelo gênero e pelo cinema. Leone, tomando a voz a cada um de nós, bradou sem reservas como amava o western, suas histórias e personagens maravilhosos. C’era una volta il West é um filme brilhante e que ilustra essa sua paixão pelo gênero. Trata-se de uma extraordinária homenagem, feita em tom de epopeia. As referências, as interpretações, a reunião de astros indiscutíveis do gênero, a música, a fotografia, o ritmo operístico, tudo, enfim, reunido de uma só vez no mais belo espetáculo que alguém jamais conseguiu apresentar. Se há algo mais modesto nesse filme é a trama, que não apresenta praticamente nada realmente invulgar, mas que é compensada largamente por um roteiro bem feito, e com uma exemplar quebra de linearidade, operada com mestria pelo gênio de Leone. A história do filme é a velha luta pela terra, que tem massacrado muitas vidas ao longo da história, um tema sempre atual em um gênero dito ultrapassado, e o tema da vingança, executada em grande estilo pela personagem do Gaita.
2. IL BUONO, IL BRUTTO, IL CATTIVO (Três Homens em Conflito)
Eurowestern Épico, também de Sergio Leone, e que impõe muitas dificuldades para figurar na segunda posição, se comparado a C’era una volta il West. Na cotação do IMDB aparece em primeiro entre os westerns de todos os tempos, seguido de perto por aquele. Como aconteceu com a maioria dos filmes de Leone, sofreu com a tesoura das produtoras, que acabaram apresentando mutilada uma verdadeira obra-prima do cinema mundial. Ainda assim, restou-nos a maior parte do espetáculo. É um filme longo, mas que incrivelmente não cansa o espectador, pelo contrário, aguça mais e mais a curiosidade do mesmo a cada cena, para chegar, em sua maravilhada companhia, a um final simplesmente extraordinário. As cenas, como a Surra de Tuco, o Êxtase do Ouro, o trielo, etc., o humor, especialmente a cargo do magnífico Eli Wallach, as personagens perfeitamente construídas e sintonizadas, a música do brilhante maestro Ennio Morricone, o estilo grandiloquente de Leone, enfim, toda a sua urdidura impecável, faz de Il buono, il brutto, il cattivo um filme inenarrável e apenas assistível. Não é possível descrever sua grandiosidade. Sua história é a busca por um tesouro em moedas, enterrado em um cemitério, próximo aos campos de batalha da guerra civil americana. O Bom e o Feio sabem, cada um, parte do segredo que leva ao tesouro, e, para complicar as coisas, o Mau sabe que os dois anteriores sabem o “mapa da mina”. Assim, os três embrenham-se numa aventura monumental para conseguir alcançar seu objetivo.
3. HIGH NOON (Matar ou Morrer)
Um western que também merece todo o apreço que tem. De 1952, e ainda em preto e branco, traz um Gary Cooper angustiado ante a necessidade de enfrentar o próprio destino. Grace Kelly quase não faz nada, mas aparece linda de fazer gosto, trajando em um belo vestido de noiva. Afora as discussões teóricas sobre psicologismo freudiano, ou sobre o macarthismo, sempre evocados pelos estudiosos, prefiro, ainda mais, ater-me na paixão irrefreável de ver cenas como a de Cooper literalmente sozinho na rua principal da cidade, abandonado por aqueles que defende. É o tipo de western que mais me apetece. A certeza de que mesmo próximo dos outros, vivemos mergulhados no nosso próprio universo. Recomendadíssimo.
4. SHANE (Os Brutos também amam)
Outro filme obrigatório para os amantes de cinema, especialmente western. Inspirado na luta ocorrida no Wyoming, no fim do século XIX, conhecida como Guerra do Condado de Johnson, teve parte das filmagens na mesma região, especialmente nas belas montanhas Grand Teton. Shane é um forasteiro que busca se estabelecer e construir uma nova vida. Como se fora impossível fugir do próprio destino, Shane termina se vendo em meio à luta entre os colonos e os grandes pecuaristas, que buscam expulsar aqueles do vale, para expandir seus negócios com o gado. É um filme riquíssimo, de que se pode falar muita coisa, mas que não nos permite esquecer a figura de Joey, o filho do casal de colonos, que passa a idolatrar Shane, e que tem uma atuação inesquecível. Alan Ladd sempre foi muito pouco valorizado, mas, eu, particularmente, gosto de vários trabalhos seus, e, claro, em Shane ele mostrou todo o seu valor. Não dá pra pensar em Shane com outro protagonista.
5. HEAVEN’S GATE (O Portal do Paraíso)
Este é outro filme western incrível. Até já fiz uma pequena resenha sobre ele, discutindo alguns de seus aspectos. Não é preciso dizer que ele é conhecido pela maioria dos amantes do western, e por muito mais gente, como um filme maldito. Responsável pela derrocada definitiva do gênero. Sinceramente, não consigo me acostumar com a ideia de que um filme como esse possa ser visto apenas assim. É preciso reabilitá-lo, se é que isso é possível, depois de todo o estrago. Como Shane, trata exatamente da mesma guerra entre colonos e fazendeiros. Mas, em Heaven´s Gate, Cimino foi extremamente pretensioso, o que pode ter ajudado, de início, no insucesso do filme junto ao público e à critica, ao fazer um filme que queria ser o maior western de todos. No meu entendimento, Cimino foi muito bem, apesar de ter falseado algumas coisas no espetáculo. O inacreditável é não termos no Brasil uma edição em DVD ou Blu-ray desse filme indispensável aos amantes do western, mesmo os que o odeiam.
6. THE MAN WHO SHOT LIBERTY VALANCE (O homem que matou Liberty Valance)
Dos filmes de John Ford, talvez esse não seja o melhor, mas a mim me parece. Gosto demais do contraponto entre as personagens de James Stewart e John Wayne. Cada um com suas convicções, e lutando para manter-se no interior das mesmas. Além disso, a relação entre ambos é das mais bem construídas do cinema. Homens que travam uma batalha relativamente silenciosa entre si, mas que ainda assim, admiram-se mutuamente, reconhecendo no outro virtudes que a si poderiam completar perfeitamente. Diria que são uma pequena alegoria sobre a vida, dois lados de uma mesma moeda, que se completam para poder subsistir. The Man Who Shot Liberty Valance conta a história de Ransom Stoddard, um advogado que vai para o velho oeste e lá encontra o império da força dominando a cidade de Shinbone. Tentando educar as pessoas para um novo modo de vida, entra em conflito com o fora da lei Liberty Valance. Propõe-se a enfrentá-lo por mecanismos legais e termina virando alvo de chacotas. Após muito relutar, descobre que a lei naquele fim de mundo ainda não seria capaz de assegurar toda a tranquilidade às pessoas e a si próprio. A disputa entre Stoddard e Tom Doniphon pelo amor de Hallie oferece alguns dos momentos mais agradáveis do filme.
7. THE APPALOOSA (Sangue em Sonora)
Marlon Brando fez muitos filmes essenciais, dentre eles, alguns poucos westerns, realmente memoráveis. Neste grupo, há um, que me apraz muito: Appaloosa, de 1966. O filme, encarado como um todo é bom, mas os cerca de 40 minutos iniciais, são fabulosos. Consiste no trecho que se estende até a sua saída para buscar seu lindo cavalo Appaloosa. A interpretação característica de Brando, as falas, a câmera, o ritmo, tudo funciona, criando um espetáculo para ser apreciado com atenção e real deleite, o que é impressionante, tendo em vista os problemas de Brando com o diretor no set de filmagens. A história do filme começa quando Matt retorna da guerra, decidido a reencontrar-se com o irmão mexicano de criação e começar um rancho. Acontece que ele tem os planos frustrados por Chuy Medina, que lhe rouba o belo cavalo. A partir daí, Matt inicia uma perigosa busca por seu garanhão, no meio do bando de Chuy. A relação de Matt com a família é por vezes ambígua e de dominação, mas, no geral, funciona bem. Uma cena, entre tantas interessantes, é a da queda de braço, com os escorpiões à espreita. Muito interessante!
8. IL GRANDE SILENZIO (O Vingador Silencioso)
Belo Eurowestern do cineasta italiano Sergio Corbucci. A personagem do vingador silencioso chega a Snow Hill durante um inverno rigoroso e encontra praticamente todos os homens da cidade escondidos na imensidão gelada das montanhas. Eles buscam fazer pequenos assaltos para sobreviver e são impiedosamente perseguidos por caçadores de recompensa. Dentre estes, destaca-se Loco, interpretado de forma inconfundível por Klaus Kinski. Não demora e o Vingador Silencioso entra em rota de colisão com Loco, após ser contratado por Pauline para vingar a morte do marido desta, que ocorrera pelas mãos do facínora. O final é antológico. A fotografia branca, a paisagem desoladora e a música triste de Morricone fazem deste um filme obrigatório para os amantes do gênero.
9. PER UM PUGNO DI DOLLARI (Por um Punhado de dólares)
Mais um eurowestern indispensável de Leone, aliás, todos os seus filmes são. É reconhecidamente o filme que estabeleceu o paradigma do western italiano, que renovaria o gênero e que influenciaria muito do que foi feito depois no cinema, western ou não. Nele, um estranho sem nome chega a uma cidadezinha dominada por duas facções criminosas, e com motivações pouco claras, se interpõe aos dois grupos, dando início a um audacioso plano, que termina por livrar a cidade de sua tirania. Baseado em Yojimbo, de Akira Kurosawa, Per um Pugno di Dollari é um filme que sempre me agradou muito, primeiro, por tudo o que representa, e, depois, pelo roteiro, pelas performances e, principalmente, pela forma inovadora com que Leone o filmou. Outro ponto que não se pode esquecer é da música de Morricone. Sem dúvida, aqui se inaugura a mais bem sucedida parceria entre diretor e compositor, no cinema.
10. UNFORGIVEN (Os Imperdoáveis)
Dos westerns da nova safra, acredito seja este o melhor. Conta a história de William Munny, um pistoleiro aposentado que resolve se unir a um jovem caçador de recompensas e sair em busca dos cowboys responsáveis por desfigurar o rosto de uma prostituta. Will convida para a jornada seu velho parceiro Ned, que, como aquele, se afastara do crime, para construir família. O que começa como motivação por dinheiro acaba por se tornar uma questão pessoal. Gene Hackman está fabuloso como o xerife linha dura e meio louco. Eastwood, por sua vez, mostra que é um eterno cowboy. Digamos que foi, para ele, uma despedida à altura do gênero que o alçou ao posto de um dos maiores nomes do cinema mundial. Nos créditos, o justo agradecimento a seus dois grandes mestres: Don Siegel e Sergio Leone. A fotografia de Unforgiven é um ponto alto do filme, os diálogos em alguns momentos são de arrepiar, a expressão taciturna do pistoleiro sem coração é uma das mais marcantes do cinema. Indispensável!
Vinicius LeMarc