William K. Everson em seu magnífico livro “Hollywood Western” observou que os westerns teriam sido muito melhores se não houvesse John Ford. Everson completa afirmando que a inevitável comparação com os westerns de Ford tornam qualquer filme menor. O ideal então seria assistir aos westerns esquecendo de John Ford, mas como fazer isso quando deliberadamente um filme procura ser parecido com os filmes do Mestre das Pradarias? É o caso de “Shenandoah”, dirigido por Andrew V. McLaglen, diretor que cresceu nos sets de filmagens em que seu pai, Victor McLaglen, atuava sob as ordens de Ford. E como seria bom se McLaglen tivesse absorvido bastante mais da influência de John Ford e presenteado o gênero com outros filmes como “Shenandoah”, que afinal acabou sendo o melhor de seus filmes.
A INDESEJÁVEL GUERRA - “Shenandoah” conta a história de Charlie Anderson (James Stewart), patriarca viúvo e fazendeiro no Vale de Shenandoah, no Estado da Virginia. Embora se escute na sua propriedade os tiros de canhão cada vez mais próximos, Anderson entende que essa guerra nada tem a ver com a sua vida e as vidas de seus filhos, uma moça e seis rapazes, eles com idade para ir para a frente de batalha. Alguns dos filhos até demonstram o desejo de lutar pelo Sul, mas o autoritário Charlie Anderson doutrina os filhos para que estes pensem como ele. Anderson pensa diferente da maioria dos sulistas e sequer possui escravos, uma das causas da fratricida guerra da qual ele não quer participar. Com sua fazenda praticamente cercada pelas batalhas é inevitável que a guerra interfira na vida de Anderson, primeiro vendo Boy (Phillip Alford), seu filho caçula, ser equivocadamente preso como rebelde pelas tropas yankees. Anderson e quatro de seus filhos saem à procura de Boy chegando a enfrentar um pelotão nortista que conduz um trem de prisioneiros. James (Patrick Wayne), o filho casado de Anderson, permanece na fazenda e é morto juntamente com a esposa por um grupo de saqueadores. Outro filho é morto quase que acidentalmente por um inexperiente soldado rebelde de 16 anos. Desolado Charlie Anderson retorna para sua casa e vê a família reduzida com as mortes ocorridas, ainda que Boy, que havia escapado da prisão, retorne ferido para diminuir a dor do patriarca.
UMA “AMERICANA” DE McLAGLEN - “Shenandoah” foi produzido para ser lançado em 1965, ano em que se comemorou o centenário do fim da sangrenta Guerra Civil norte-americana, ocorrido com a rendição sulista em 9 de abril de 1865. Como não poderia deixar de ser o filme demonstra a inutilidade da guerra e, mais que isso, a destruição de famílias inteiras, mesmo daquelas que ideologicamente não aceitavam a divisão do país com o consequente conflito. Andrew V. McLaglen realizou um filme com toques de sentimentalismo sem esquecer de momentos de comédia, estes proporcionados pelo pouco engraçado Philip Alford, o Boy e pelo hilário Pastor Bjoerling (Denver Pyle) Na linha de Ford é explorada a beleza da paisagem com a cinematografia de William H. Clothier, ainda que as locações tenham ocorrido em Thousand Oaks, na Califórnia e não no cenário natural da Virginia. A família sempre reunida, a obediência à liderança paterna e a presença forte da igreja na comunidade criam a atmosfera própria para o desenvolvimento do roteiro de James Lee Barrett. E o tema musical com a canção tradicional “Oh Shenandoah” completa o belo quadro dessa verdadeira Americana, apropriadíssima para o filme-libelo que “Shenandoah” pretendeu ser. O que faltou então para que o western de McLaglen fosse uma obra-prima? Faltou justamente a magia de John Ford, sempre inserida naturalmente em seus filmes. James Stewart tem dois momentos discursivos, um perfeito, junto ao túmulo de sua falecida esposa Martha; o segundo, claramente forçado, quando da morte de seu filho Jacob pelo rebelde adolescente. Incapaz de entender porque havia disparado contra Jacob, as palavras de James Stewart para o jovem rebelde soam inconsequentes.
UM FILME DE JAMES STEWART – Verdadeiro tour-de-force para o veterano James Stewart, “Shenandoah” proporciona a ele outra grande atuação em um faroeste. Paralelamente aos acontecimentos da Guerra Civil o personagem vivido por James Stewart passa da arrogância à humildade diante das tragédias das batalhas que acabam por atingi-lo. E entre essa mudança surge o homem duro, quase cruel, muito próximo dos personagens que Stewart viveu nos westerns de Anthony Mann. As sequências todas do filme são construídas para James Stewart, pouco sobrando para a quase inexpressividade de seus filhos no filme (Patrick Wayne, Glenn Corbett, Charles Robinson, Tim McIntire, Jim McMullan e Phillip Alford). Saem-se melhor a filha Rosemary Forsyth (Jennie) e Doug McClure (Tenente Sam). Surpreendentemente bem está George Kennedy como o Coronel Fairchild. Em papéis menores os Paul Fix, James Best e Strother Martin. Destaque para o excelente Denver Pyle como o irritadiço Pastor Bjoerling.
REGULARIDADE NO WESTERN - Andrew V. McLaglen viria a ser o mais ativo diretor de westerns dos anos 60 e 70, dirigindo John Wayne em quatro oportunidades. Graças a esse menosprezado diretor e à regularidade com que dirigia, nunca faltava um faroeste para alegria dos fãs do gênero, ainda que sua mão fosse um tanto quanto pesada. E “Shenandoah” é, como foi dito, seu melhor trabalho, sem esquecer do também excelente “Desbravado o Oeste”. Seus filmes traziam no elenco gente como o Duke, Kirk Douglas, Richard Widmark, Dean Martin, Robert Mitchum e James Stewart. O que mais poderiam querer aqueles eternos westernmaníacos, não é mesmo?