UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

22 de abril de 2011

QUEM É O PAI DE "MATAR OU MORRER"?



É bastante conhecido o dito popular “Filho feio não tem pai”. E a recíproca só pode ser verdadeira pois quando algum projeto dá certo, logo aparecem os muitos pais da idéia. Um filme, geralmente é uma obra coletiva, fruto do trabalho de diversos artesãos. Entre as principais pessoas envolvidas na produção de um filme estão o roteirista, o cinegrafista, o editor, o maestro ou o responsável pela trilha sonora e, claro, o diretor e os atores centrais. Sem esquecer do produtor que coloca o dinheiro e por isso também dá seus palpites. Se um filme decepciona, o culpado é sempre o diretor; mas quando o filme dá certo, todos lembram que ninguém é capaz de fazer um filme sozinho pois ele é um trabalho de equipe.

O EDITOR ELMO LINCOLN - Um dos melhores exemplos para ilustrar que “filho bonito tem muitos pais” é “Matar ou Morrer” (High Noon), uma das obras-primas do gênero western. Dirigido por Fred Zinnemann, não são poucos aqueles que levantaram dúvidas quanto ao diretor merecer os maiores créditos pela realização de um faroeste tão revolucionário. Ao longo de sua carreira, que começou como documentarista, o vienense Zinnemann sempre se mostrou um diretor meticuloso, que trabalhava excelentemente com os atores. No entanto, o fato é que Zinnemann nunca foi o que se pode chamar de ‘diretor de vanguarda’. Uma das invenções de “Matar ou Morrer’ é a sincronia entre a ação do filme e o tempo real. E Zinnemann, positivamente, jamais iria se preocupar com essa novidade técnica, que por sinal já havia sido utilizada em “Punhos de Campeão” (The Set-Up), 1949, de Robert Wise, estrelado por Robert Ryan. Após assistirem a primeira versão de “Matar ou Morrer”, nem Zinnemann e nem o produtor Stanley Kramer se mostraram satisfeitos com o que viram. Decidiram que o western deveria ser reeditado. Entra em cena, então, um outro pai de “Matar ou Morrer”, que é o editor Elmo Williams. O editor ignorou o fato de toda a ação do filme se passar entre 10h35 e terminar às 12h15, portanto com 100 minutos de duração. Williams editou o filme dinamicamente, deletando cenas inteiras e como resultado “Matar ou Morrer” ficou com 84 minutos, ou seja, 16 minutos a menos que o chamado tempo real que os tantos relógios em cena não cansam de exibir durante o filme todo. “Matar ou Morrer” resultou conciso e tornou-se modelo de edição de westerns. Sem exagero, este western é o “Cidadão Kane” do gênero, sem que Elmo Williams jamais reclamasse a paternidade de “Matar ou Morrer”. Outros fizeram isso por ele. Curiosamente, em nenhum outro trabalho de Elmo Williams como montador se percebe uma montagem tão perfeita como a de “Matar ou Morrer”.

A IMPORTÂNCIA DE CARL FOREMAN - O roteiro de “High Noon’ foi escrito por Carl Foreman e, como guardava algumas semelhanças com o conto “The Tin Star”, de autoria de John W. Cunningham (não confundir com o western de Anthony Mann, com Henry Fonda, que tem o mesmo título), o produtor Stanley Kramer decidiu comprar os direitos daquela história. Convém lembrar que Carl Foreman era comunista e seu nome era um dos mais especulados para ser colocado na Lista Negra de Hollywood e ele só estava trabalhando porque Stanley Kramer não se deixou intimidar pelas ameaças do Macarthismo. Quando estava sendo rodado “Matar ou Morrer”, Carl Foreman atuou como produtor associado do western e era quem estava o tempo todo no set de filmagens, as quais consumiram 28 dias na produção do filme. Enquanto isso Stanley Kramer, o produtor creditado, estava cuidando de outra produção sua que foi “A Morte de um Caixeiro Viajante”, com Fredric March. Isso significa que, além de roteirista, Foreman foi o faz-tudo por trás das câmeras de “Matar ou Morrer”. Quando o filme foi lançado, para sua surpresa, seu nome só constava como autor do roteiro e ainda, abaixo de seu nome estava o de John W. Cunningham, como autor da história. Carl Foreman não teve tempo para reclamar pois já estava de malas prontas para um longo exílio na Europa, onde prosseguiu sua carreira como roteirista, produtor e diretor. O documentário “The Darkness at High Noon : The Carl Foreman Documents”, de 2002, mostra uma carta que Carl Foreman teria escrito ao influente crítico Bosley Crowther, do jornal The New York Times, na qual dizia que Stanley Kramer lhe havia usurpado o crédito de produtor de “Matar ou Morrer”. A carta dizia ainda que ele, Foreman, havia tido uma participação decisiva na realização do western dirigido por Zinnemann, ao passo que Kramer se mostrara claramente indiferente ao filme, durante sua produção. Porém, depois do sucesso estrondoso de “Matar ou Morrer” e com Foreman distante, Stanley Kramer passou a posar como verdadeiro criador do filme.

MÚSICA E FOTOGRAFIA EXTRAORDINÁRIAS - “Matar ou Morrer” é o que se pode chamar de filme perfeito. Mas seria ele assim tão perfeito sem a cinematografia de Floyd Crosby (pai do cantor David Crosby, do grupo Crosby, Sills, Nash & Young)? Floyd Crosby possuía grande experiência em documentários, iniciando sua carreira em “Tabu”, de Murnau e Flaherty, em 1931. Esteve no Brasil em 1932 filmando “Matto Grosso”, na Floresta Amazônica. Migrou depois para o cinema comercial e foi o homem certo para dar o tom de documentário que Fred Zinnemann queria para “Matar ou Morrer”. Nenhum outro western em preto e branco jamais teve em sua cinematografia um elemento tão forte para ressaltar a essencial atmosfera de Haddleyville contida em “Matar ou Morrer”. E essa atmosfera foi completada pela música extraordinária de Dimitri Tiomkin, compositor que dispensa comentários mas que será eternamente lembrado por este filme. Tiomkin merecidamente recebeu o Oscar de Score Musical em 1952, superando a fortíssima concorrência de Miklós Rózsa (“Ivanhoé”), Max Steiner (“O Milagre de Fátima”) e Alex North (”Viva Zapata!”). E, como não poderia deixar de ser, Dimitri Tiomkin e Ned Washington receberam outro Oscar pela Melhor Canção com a clássica “Do Not Forsake Me, Oh My Darling”, que ficou mais conhecida por “High Noon”, cantada no filme por Tex Ritter, mas que deixou Frankie Laine muito mais rico com o milhão de cópias vendidas com sua interpretação.

UM CRIADOR DE HOMENS DE VERDADE - Muito já se escreveu (há até um livro de Pauline Kael) sobre o verdadeiro responsável por “Cidadão Kane”, que será eternamente obra do gênio de seu jovem diretor Orson Welles. A polêmica sobre “Matar ou Morrer” certamente continuará, mas ele nunca deixará de ser um filme de Fred Zinnemann. Gary Cooper era um dos anticomunista de Hollywood, sempre pronto para denunciar os desvios ideológicos dos vermelhos. Pois foi desse homem que Fred Zinnemann extraiu uma das mais pungentes interpretações que já se viu no cinema, como o homem isolado pela covardia de uma comunidade. Zinnemann com seus filmes sempre ressaltou a integridade moral inexpugnável de seus personagens como Thomas Moore (Paul Scofield) em “O Homem que Não Vendeu Sua Alma” e o soldado Robert E. Lee Prewitt, em “A Um passo da Eternidade”, dois exemplos admiráveis da criação artística do diretor vienense. Juntamente com Will Kane (Gary Cooper), essas personagens formam um conjunto grandioso de contribuição do cinema para a formação do ser humano, lição, infelizmente, difícil de ser aprendida. Por isso, se há um responsável maior por “Matar ou Morrer”, ainda que contando com o precioso trabalho coletivo que o cinema sempre exigiu, essa pessoa é Fred Zinnemann.

Fred Zinnemann entre Marlon Brando e Montgomery Clift

3 comentários:

  1. Complicada esta situação, que me coloca na posição do "não sei o que dizer".
    E, tenho certeza, esta ocorrencia não deve ter acontecido exclusivamente em Matar ou Morrer. Muitos outros grandes filmes, com certeza, devem estar envolvidos em situação semelhante.
    Para nós, apreciadores de belezas como Matar ou Morrer, somente nos resta dar graças por ele existir, seja quem tenha sido seu pai finalmente, ou pais.
    Numa realidade, resumida por mim, a grande verdade é que um filme, para estar pronto e vir para nossa apreciação, deve passar por muitas cabeças importantes, com cada uma delas dando sua participação para sua crição como; roteirista, produtor, criador da trilha sonora, montador, diretor e etc., com dada qual dando sua parcela de colaboração no que está esta pessoa destinada dentro da criação da obra.
    O que não podemos deixar de reconhecer é que, numa computação geral, o diretor é quase que a única pessoa a qual enxergamos como o realizador da obra. E isso não se pode negar. E tiro isto por mim que, mesmo inveterado apreciador de um bom filme, sempre direcionei os olhos para a palavra final dos letreiros que dizia; DIRECED BY X.X.X.X.X.X.X. E seria aquela pessoa ali quem estava me dando tudo o que eu via naquela tela quando, na verdade, o ditado que fala "uma andorinha só não faz verão" se mostra, com o passar do tempo, que é um ditado acima de acertado e mais que verdadeiro.;
    Como eram sábios nossos avós, de quem ouviamos constantemente frases com tal efeito.
    E aí, no trecho que ilustra este tópico e que me leva a este comentário, está a confirmação de tanta sapiencia.
    jurandir_lima@bol.com.br

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  2. Assisti meus primeiros faroestes com o meu pai. Ele era um grande fã. Depois foi com meu cunhado, que também era apaixonado pelo gênero. A cada dez filmes que ele assistia, nove eram faroeste.
    Continuo a ver este gênero de filme até hoje. Em se tratando de cinema, gosto de todos os gêneros. Só fico ansiosa para que seja um bom filme.
    Muito tempo depois revi muitos faroestes e conheci outros. E o filme "Matar ou Morrer" eu considero um dos melhores a que já assisti.
    É um filme muito bem dirigido e interpretado. A história é genial. Tem suspense (gênero pelo qual tenho uma quedinha) e surpresa no final. Posso estar equivocada, mas, até em se tratando de uma ”história de amor”, o filme é lindo.
    Realmente, o filme é uma obra prima.

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  3. Olá,Janete. Não é sem razão que Matar ou Morrer influenciou tantos outros filmes. Seu cunhado era dos bons!!!

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