UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

31 de maio de 2012

BURT LANCASTER X LEE MARVIN, DUELO DE PROFISSIONAIS


Lancaster em "Nas Trilhas da Aventura".
LANCASTER DESCENDO... - Em 1965 Burt Lancaster vivia uma situação curiosa: era um dos mais respeitados atores norte-americanos e após seu desempenho como o príncipe Don Fabrizio de Salina, em “O Leopardo”, até aqueles que ainda mantinham reservas quanto a Burt Lancaster como ator se renderam ao seu talento. Mas seus filmes não iam bem nas bilheterias. Pior que isso, Lancaster teve que fechar sua produtora devido às baixas receitas dos filmes que produziu. “O Trem”, seu penúltimo filme como ator, foi bem aceito pela crítica mas naufragou nas bilheterias norte-americanas apesar de ter sido grande sucesso na Europa. O maior dos desastres aconteceu com “Nas Trilhas da Aventura” (The Hallelujah Trail), superprodução em Cinerama dirigida por John Sturges pela qual Lancaster recebeu apenas 150 mil dólares como parte da dívida que tinha com a United Artists quando o salário normal de Lancaster por filme era de 750 mil dólares. “Nas Trilhas da Aventura” foi massacrado pela crítica e não despertou o interesse do público. Para completar o quadro as coisas não iam bem no casamento de quase 20 anos do ator com sua esposa Norma.

Lee Marvin em "Cat Ballou".
LEE MARVIN SUBINDO... - Enquanto Lancaster descia na gangorra de Hollywood, o nome de Lee Marvin subia sem parar. Dez anos e alguns meses mais novo que Lancaster, Lee Marvin havia tido maior dificuldade que Burt na ascensão ao estrelato pois parecia fadado a interpretar eternamente os vilões despachados por Randolph Scott, John Wayne, Glenn Ford e outros mocinhos dos filmes. A sorte de Lee Marvin começou a mudar quando a TV o mostrou por três anos como o durão Tenente Frank Ballinger na série M-Squad. A partir de então o nome de Lee Marvin passou a ter mais importância nos créditos dos filmes, proporcionalmente aos seus desempenhos, como ‘Crow’ em “Os Comancheiros” (The Comancheros) e como ‘Liberty Valance’ em “O Homem que Matou o Facínora” (The Man Who Shot Liberty Valance). Com “Os Assassinos” e “A Náu dos Insensatos” Lee Marvin abandonou de vez a condição de coadjuvante. Em “Dívida de Sangue” (Cat Ballou) Lee Marvin mostrou que seu talento parecia inesgotável, ganhou o Oscar e o Bafta (especie de Oscar Inglês) de melhor ator do ano e se tornou o mais disputado ator de Hollywood no início de 1966. Lee parecia ter apenas dois problemas: seu casamento que acabara e a bebida, cada vez mais presente em sua vida.

Richard Brooks
RICHARD BROOKS, O DOMADOR DE EGOS - Richard Brooks e Burt Lancaster eram grandes amigos e o ator, acostumado a impor seu imenso ego sobre os pobres diretores que o dirigiam, respeitava muito Richard Brooks que o havia dirigido em “Entre Deus e o Pecado”. Brooks costumava dizer que “dirigir filmes não é ficar sentado numa cadeira com um megafone às mãos gritando algumas ordens passivamente cumpridas por todos no set de filmagem; dirigir filmes é, na maior parte das vezes, ter que comer merda e fazer de conta que está gostando...” Mas foi esse homem quem controlou perfeitamente os nada fáceis temperamentos de Glenn Ford, Yul Brynner, Liz Taylor, Paul Newman e talvez o mais difícil de todos que era o próprio Burt Lancaster, a quem ajudou a ganhar um Oscar por sua interpretação como Elmer Gantry em “Entre Deus e o Pecado”. Brooks chamou o amigo Burt Lancaster para falar com ele sobre seu novo projeto, um filme para profissionais.

Mr. Dynamite
LANCASTER, PURA DINAMITE - Richard Brooks pegou o livro “A Mule for the Marquesa”, de Frank O’Rourke, e fez um roteiro para um western-aventura que a Columbia Pictures mais que depressa aprovou. Brooks então começou a montar o elenco e o primeiro nome era o de Lancaster. O ator leu o livro e disse a Brooks que gostara do papel de ‘Rico’ Fardan que iria interpretar. Brooks disse a Lancaster que ele não faria aquele personagem que liderava o grupo de especialistas que iriam resgatar uma linda mulher das mãos de um guerrilheiro mexicano. “E quem vai fazer interpretar ‘Rico’?”, perguntou Lancaster ouvindo como resposta: “Lee Marvin”. Brooks disse a Lancaster que achava Lee Marvin muito bom, mas confessou que a Columbia praticamente impôs o nome de Marvin depois do sucesso de “Cat Ballou”. E Brooks ainda disse a Lancaster que ele, Burt, não compunha muito bem um personagem que tinha que comandar pois ele possuía certa dificuldade em dar ordens. Brooks disse isso justamente a Lancaster, homem acostumado a mandar e desmandar em tudo e em todos. Mas o diretor explicou ainda ao amigo que ele interpretaria um personagem muito melhor que ‘Rico’ Fardan, o do dinamitador Bill Dolworth que seria mais engraçado e mais dinâmico, ou seja parecido com o próprio Lancaster. Burt então lembrou que no livro não havia dinamitador algum e Brooks informou que no filme haveria sim, ele Lancaster, que era pura dinamite.

'Rico' Fardan
O ESCOTEIRO LEE MARVIN - Richard Brooks conhecia bastante bem a fama de beberrão de Lee Marvin e quando lhe perguntaram se mesmo assim queria trabalhar com ele, o diretor respondeu: “Pouco me importa se um ator gosta de cabras, de mulheres, de homens, se ele é assexuado, bissexual ou se ele bebe demais e tem todos os problemas do manual do Dr. Freud. Para mim interessa que ele seja bom ator, cumpra horários e seja profissional”. Por pensar assim o acerto com Lee Marvin já estava fechado, uma vez que Richard Brooks era também o produtor e juntamente com a Columbia concordou em pagar os 500 mil dólares pedidos por Meyer Mishkin, agente do ator. No primeiro contato entre Lee Marvin e Richard Brooks, o ator perguntou ao diretor qual dos três patetas ele iria interpretar e para sua surpresa Brooks lhe disse que ele seria o líder, ‘Rico’ Fardan. Incrédulo, Lee abriu um enorme sorriso pois seria ele quem daria ordens para ninguém menos que Burt Lancaster. Por ocasião da prova das roupas, Lee surgiu com trajes que achou apropriados e Brooks perguntou a ele se era algum mensageiro da Western Union ou se iria a alguma reunião de escoteiros. Houve mudanças, mas a calça e o chapéu escolhidos por Lee Marvin permaneceram com o personagem. As relações de Brooks com Lee seriam um pouco menos amistosas que as relações do diretor com Lancaster.

BATALHA NOS INFERNOS - Richard Brooks completou o elenco principal de “Os Profissionais” com o excelente Robert Ryan, e mais Woody Strode, Jack Palance e Cláudia Cardinale. Depois dos problemas ocorridos com o governo mexicano com as filmagens de “Vera Cruz” e “Sete Homens e um Destino”, Brooks decidiu filmar “Os Profissionais” em diversas locações no próprio Estados Unidos, entre elas o Vale do Fogo, em Las Vegas e o Vale da Morte, na Califórnia. As condições climáticas nesses lugares eram as piores possíveis, indo desde o mais insuportável calor que chegava a 45 graus, até o mais petrificante dos frios, tudo temperado com tempestades e nevascas. Esses ingredientes certamente não iriam diminuir a clara batalha de interpretações que se desenhava no horizonte entre Burt Lancaster e Lee Marvin. Isso jamais fora problema para Lancaster, acostumado a enfrentar (quase sempre vitoriosamente) astros do porte de Gary Cooper, Kirk Douglas, Laurence Olivier e Clark Gable. E Lee Marvin, por sua vez, pouco se importava se diante dele estavam Spencer Tracy, Marlon Brando, Glenn Ford, John Wayne, Montgomery Clift, Paul Newman, Humphrey Bogart ou James Stewart pois Lee de qualquer maneira roubava cenas, quando não o próprio filme. A vida não se avizinhava nada fácil para Richard Brooks.

ULTIMATO PARA LEE MARVIN - “Os Profissionais” foi o derradeiro filme em que Burt Lancaster deu seu característico espetáculo, demonstrando sua incrível agilidade e coragem lembrando, aos 53 anos, o perfeito acrobata circense que havia sido antes de ser ator. Para uma das primeiras sequências rodadas no alto de um penhasco, Lee Marvin apareceu completamente embriagado e Brooks o mandou de volta para o Hotel em Las Vegas. No dia seguinte outra vez Marvin estava bêbado e Burt avisou Brooks que iria pegar aquele irresponsável pelo fundilho das calças e atirá-lo lá de cima. Mais uma vez a produção parou por causa de Marvin. Brooks então o procurou no hotel com uma lata de negativos e explicou a ele que ali estavam os negativos filmados com Lee bêbado em todas as cenas e que isso seria suficiente para processá-lo. Brooks abriu a lata e para espanto de Lee Marvin colocou fogo nos negativos, avisando-o que se ele aparecesse embriagado novamente para filmar estaria despedido.

Jackie Bone penteando Claudia;
Betty Marvin com Lee; na entrega do
Oscar a diabólica Michelle Triolla;
bons tempos de Norma e Burt Lancaster.
ATENÇÕES PARA LA CARDINALE - A primeira providencia que Lee Marvin tomou foi fazer sua amante Michelle Triolla desaparecer de Las Vegas, retornando para Los Angeles. Michelle já começava a arruinar irremediavelmente a vida de Lee Marvin numa relação que terminou no mais rumoroso processo entre um ator e uma mulher, criando inclusive o conceito jurídico chamado ‘Palimony Law’ ou 'Marvin Law'. Mais discretamente Burt Lancaster caminhava também para o fim de seu casamento e a razão estava presente nos sets de filmagem de “Os Profissionais” e atendia pelo nome de Jackie Bone, a cabeleireira do filme, com quem Lancaster viveria por mais de uma década após consumar o divórcio com a esposa Norma. A presença de Cláudia Cardinale no elenco não causou, ao contrário do que se esperava, maiores problemas com o numeroso grupo de homens presentes às locações. Perfeito cavalheiro e cavaleiro, foi Lee Marvin quem ensinou Cláudia a montar durante as filmagens. A atriz tunisiana que era a eterna noiva do produtor Franco Cristaldi, foi, durante a paralisação das filmagens no Ano Novo de 1966, convidada por Burt Lancaster para passar aquela data festiva em sua casa. Cláudia que era testemunha do romance de Burt com Jackie Bone, testemunhou também os últimos dias do casamento de Lancaster com sua esposa alcoólatra Norma Anderson. No início de janeiro de 1966 seria decretada a separação oficial do casal Lancaster. Burt tinha cinco filhos do casamento desfeito; Lee perdeu para Burt nesse quesito pois tinha apenas quatro filhos com sua esposa Betty, com quem se casara em 1951.

Burt em "A Rosa Tatuada"; Lee em "O Selvagem".
FARTURA DE ELOGIOS - Cláudia Cardinale que já havia atuado com Burt Lancaster em “O Leopardo”, afirmou que todos os dias pela manhã Burt se exercitava em uma barra, preparando-se para o dia de trabalho em “Os Profissionais”. A atriz lembrou do físico belíssimo de Burt, excepcional para um homem da sua idade. Lee Marvin também recebia elogios e justamente de Richard Brooks, que passou a consultá-lo a respeito de armas, no que Marvin era uma autoridade. Lee chegou a mandar buscar uma arma de sua coleção particular pois aquela que a produção disponibilizara era inadequada, segundo ele. Mas o principal elogio que o exigente Brooks dedicou a Lee Marvin foi quando disse que o ator tinha uma impressionante agilidade mental elevada a um grau extraordinário de inteligência e capacidade de integrar seu personagem aos demais. Segundo Brooks, essas coisas só se passam na cabeça do diretor e do roteirista do filme e não dos atores que pensam apenas em seus próprios personagens.

Estaria o 'The Wild Bunch' combinando uma noitada?
THE WILD BUNCH - Brooks dominou “Os Profissionais” e todo seu elenco estelar e como roteirista soube dosar as melhores sequências para que as atuações de Burt e Lee não se transformassem em uma inútil e prejudicial batalha de overacting. Mais que isso, durante os 80 dias de filmagens naquelas locações Richard Brooks criou um clima de amizade e cooperação no que ele chamava de “The Wild Bunch”, ou seja, seu grupo de talentosos e temperamentais atores. O grupo freqüentava nos finais de semana os bares e restaurantes de Las Vegas, bebendo moderadamente, exceção feita à noite em que Lee Marvin e Woody Strode dispararam flechas em direção ao enorme cowboy de neon, um dos símbolos de Las Vegas e do próprio Estado de Nevada. Lee Marvin certa noite comentou que o “The Wild Bunch” deveria ter se encontrado durante a II Guerra Mundial, uma vez que ele havia sido um mariner (altamente condecorado), assim como Brooks, ambos mariners de primeira classe; Robert Ryan também fora mariner; e Lancaster havia sido soldado de primeira classe do exército. Segundo Lee, juntos teriam vencido a guerra muito mais facilmente.

Brooks com a esposa Jean Simmons.
O VENCEDOR É... – Numa das noites de reunião do grupo “The Wild Bunch” em Las Vegas, quem pagou a conta foi Lee Marvin em comemoração à notícia da assinatura do contrato para filmar “Os Doze Condenados”, recebendo por esse filme um salário de 600 mil dólares. Lee atingiria o cobiçado salário de um milhão de dólares por filme em 1969, depois do grande sucesso de “Os Profissionais” e do estrondoso êxito com “Os Doze Condenados”. Difícil dizer quem venceu a surda batalha de interpretações travada entre Burt Lancaster e Lee Marvin em “Os Profissionais”. Aparentemente o vitorioso teria sido Burt Lancaster que ficou com as melhores sequências de ação, de comicidade e com algumas das melhores falas dos brilhantes diálogos de “Os Profissionais”. Quem, no entanto, ascendeu significativamente na carreira foi Marvin que se tornou o mais rentável astro masculino de 1967, à frente de Paul Newman, John Wayne, Sidney Poitier e Steve McQueen. “Os Profissionais” foi o segundo faroeste de melhor bilheteria em 1966, perdendo apenas para “Nevada Smith” e se alguém quiser saber quem, de verdade, foi o grande vencedor de “Os Profissionais”, não resta dúvidas que foi o diretor. Essa bela aventura cinematográfica não foi um filme nem de Burt Lancaster e nem de Lee Marvin, mas sim de Richard Brooks, grande diretor cujo centenário de nascimento foi comemorado no último dia 18 de maio, uma vez que Richard Brooks nasceu em 1912.

30 de maio de 2012

SÉRIES WESTERNS DE TV - "O HOMEM DO RIFLE" (THE RIFLEMAN)


As lojas de departamento dos Estados Unidos esgotaram todo o estoque de rifles de brinquedo no Natal de 1958. E praticamente não havia um único menino que rodando orgulhosamemte o presente trazido por Santa Claus não se imaginasse o próprio Lucas McCain, personagem da série “O Homem do Rifle” (The Rifleman). Essa produção era o grande sucesso entre as séries da TV norte-americana após seu lançamento às 19 horas de uma terça-feira, dia 30 de setembro de 1958, pela rede ABC. “O Homem do Rifle” superou muitos de seus rivais e conquistou logo o quarto lugar no Nielsen Ratings, o que explica a febre dos garotos que não perdiam nenhum episódio da nova atração, devidamente acompanhados pelos papais que também eram fãs da série. Qual seria a explicação para o estrondoso sucesso de “O Homem do Rifle”?

John Wayne, uma inspiração para o
produtor Arnold Laven na foto abaixo.
A CRIAÇÃO DA SÉRIE - Cada nova série western procurava inovar com um herói diferente para conquistar a audiência. O grande achado de “O Homem do Rifle” era, sem dúvida, o mocinho que ao invés de revólveres usava um rifle. E que rifle e com que agilidade! Rifles nunca foram novidade nos westerns mas a lembrança mais forte sempre foi a de John Wayne sobre uma diligência em desabalada carreira disparando contra os índios. Anos mais tarde a história do lendário rifle Winchester 73 também deixaria sua marca, visto no cinema nas mãos de James Stewart. O mesmo Duke criaria novo personagem inesquecível com seu rifle em “Caminhos Ásperos” (Hondo) e três anos mais tarde em “Rastros de Ódio” (The Searchers) Duke Wayne usaria mais um rifle que o próprio revólver que trazia no coldre. É difícil afirmar com precisão qual personagem influenciou mais na criação de “O Homem do Rifle”, mas uma coisa é certa: ao contrário do que se costuma escrever, não foi Sam Peckinpah o responsável único pelo surgimento do personagem de Lucas McCain com seu rifle. Os produtores Arthur Gardner, Jules V. Levy e Arnold Laven haviam formado uma produtora independente e Levy queria produzir uma série com o título “The Rifleman” que já havia registrado. O trio pediu a diversos escritores-roteiristas uma história sobre um personagem que utilizasse com perícia uma Winchester no Velho Oeste. Sam Peckinpah já era um nome conhecido pelas histórias que havia criado para as séries “Gunsmoke” e para outras séries westerns de TV. E Peckinpah havia acabado de roteirizar a história “The Authentic Death of Hendry Jones”, próximo filme a ser estrelado por Marlon Brando, roteiro que não foi utilizado no filme que afinal se chamou “One-Eyed Jacks” (A Face Oculta). Gardner-Levy-Laven procuraram Sam Peckinpah.

Sam Peckinpah;
abaixo Paul Newman
e Lee Marvin.
A PARTICIPAÇÃO DE SAM PECKINPAH – Quando o trio de produtores lhe pediu que escrevesse algo compatível com o homem e seu rifle, Peckinpah desengavetou uma história sua chamada “The Sharpshooter” que havia sido recusada pela produção de “Gunsmoke”. Sam Peckinpah adaptou-a para um exímio atirador armado com uma Winchester modificada e a mostrou para os produtores Laven, Gardner e Levy. Arnold Laven era um diretor com alguma experiência, tendo dirigido alguns filmes, entre eles “Não Há Crime Sem Castigo”, com Broderick Craword; “Deus é Meu Juiz”, com Paul Newman e Lee Marvin; “Chuva de Balas” (Gunsight Ridge), faroeste com Joel McCrea; “O Monstro que Desafiou o Mundo”, com Tim Holt; “Ana Lucasta”, drama sobre uma prostituta negra com Eartha Kitt e Sammy Davis Jr.; e o excelente policial “Assassinato na 10.ª Avenida” com Dan Duryea, Walter Matthau, Jan Sterling e Julie Adams. Arnold Laven fez alguns ajustes na história de Peckinpah, um deles fundamental que foi colocar uma criança como filho do personagem principal Lucas McCain. Com o roteiro em mãos Laven-Levy-Gardner procuraram a produtora Four Star, fundada por Dick Powell, Ida Lupino, Charles Boyer e David Niven. A poderosa Four Star, dirigida por Dick Powell conseguiu em menos de um mês o patrocinador e a distribuição pela American Broadcasting Company (ABC).

Johnny Crawford e Chuck Connors antes
de "O Homem do Rifle".
LUCAS E MARK McCAIN - Para interpretar Lucas McCain foi contratado Chuck Connors, ator de 37 anos que já havia participado de 20 filmes. Entre esses filmes dois foram os grandes sucessos “Da Terra Nascem os Homens” (The Big Country), faroeste de William Wyler e “Meu Melhor Companheiro” (Old Yeller), da Disney, estrelado por Dorothy McGuire e Fess Parker. Chuck Connors era um gigante de 1,97m de altura que antes de se tornar ator tinha sido soldado durante a II Guerra Mundial, jogador de basquetebol do Boston Celtics, e também jogador de baseball do Los Angeles Angels. Segundo relatos de jornais da época, Connors fez bem em abandonar essas atividades esportivas nas quais ele era apenas sofrível. A príncipio os produtores recusaram o salário pedido por Chuck Connors para atuar na série, mas após vê-lo contracenando com Tommy Kirk em “Meu Melhor Companheiro” não tiveram dúvidas que ele deveria ser Lucas McCain. Além disso Connors mostrou aos produtores que manuseava a Winchester .44 com a mesma facilidade com que rodava um taco de baseball. Para interpretar o menino Mark McCain foi escolhido o ator infantil Johnny Crawford, então com 12 anos, que já havia participado de inúmeros episódios de outras séries de TV, entre elas “The Lone Ranger”, “O Paladino do Oeste”, “Caravana” e “The Restless Gun”, este último estrelado por John Payne. Nem Chuck Connors nem o pequeno Johnny Crawford poderiam imaginar que se tornariam personagens inesquecíveis da história da televisão.

Johnny Crawford, Chuck Connors e Paul Fix
(acima); foto da abertura da série (abaixo).
SUCESSO DESDE O PRIMEIRO EPISÓDIO - Desde a primeira vez que Lucas McCain surgiu na televisão caminhando por uma rua disparando oito tiros em cinco segundos com sua Winchester .44 na abertura de “O Homem do Rifle”, o público percebeu que aquela seria uma de suas séries favoritas. “O Homem do Rifle” conquistou a América logo com o primeiro episódio, justamente “The Sharpshooter”, escrito por Peckinpah e dirigido pelo próprio Arnold Laven. Fizeram parte do elenco daquele episódio inicial, além de Connors e Crawford, Dennis Hopper, Leif Erickson, Sidney Blackmer, R.G. Armstrong e Mickey Simpson. Nos episódios seguintes, foi mantida a qualidade da série e entre os diretores que se revezavam com Arnold Laven estiveram Joseph E. Lewis, Jerry Hopper, William Conrad, Richard Donner e outros. Sam Peckinpah pediu a Arnold Laven que o deixasse dirigir um episódio e no quarto episódio da série, intitulado “The Marshal”, Peckinpah foi o diretor. Essa história, também escrita por Peckinpah introduziu o personagem do marshal Micah Torrance, interpretado pelo veterano Paul Fix. Em quase todos os episódios o ex-alcoólatra delegado Torrance se mostrava incapaz no enfrentamento dos bandidos que tentavam infernizar a cidadezinha de North Fork, no território do Novo México, sendo então ajudado por Lucas McCain. Nas proximidades de North Fork vivia o rancheiro viúvo Lucas McCain com seu filho Mark. A série já iniciava com muita emoção com o Chuck Connors, sua Winchester  e o tema musical de abertura de “O Homem do Rifle”, deautoria de Herschel Burke Gilbert.

Abaixo Chuck Connors com Joan
Taylor (à esquerda) e com
Patricia Blair (à direita).
RECALIBRANDO A SÉRIE - Sam Peckinpah dirigiu mais três episódios da série, fornecendo roteiro para outros cinco episódios, indicando de certa forma o estilo a ser seguido pela série. Com episódios de meia hora de duração filmados em preto e branco, “O Homem do Rifle” injetou novidades nos faroestes da TV, a começar pela destreza com que Lucas McCain posicionava e disparava sua Winchester .44, o que fazia em inacreditáveis três décimos de segundo. A educação de Mark através dos ensinamentos em cada episódio era um aspecto que cativava especialmente o público adulto, em contraponto com a violência exibida em alguns episódios. O sucesso continuou na segunda temporada e a partir da terceira temporada os produtores perceberam que era preciso operar algumas mudanças. Ocorreram então as tentativas de participações efetivas de personagens femininos para uma espécie de tentativa de humanizar Lucas McCain. Primeiro foi a balconista Milly Scott interpretada por Joan Taylor, com quem McCain flertava abertamente. Como Joan Taylor não deu certo, surgiu então Lou Mallory, a dona do hotel de North Fork, vivida por Patricia Blair. Na quinta temporada ficou evidente que Chuck Connors já não tinha o mesmo interesse das primeiras temporadas, cansado de interpretar The Rifleman. E o então adolescente Johnny Crawford projetava novos horizontes para sua vida artística que o levaria a se destacar mais como cantor e músico que propriamente como ator.

SÉRIE CLÁSSICA - Em abril de 1963 foi ao ar o episódio de n.º 168, o último da série “O Homem do Rifle”, episódio intitulado “Old Tony”, dirigido por Joseph Lewis. O elenco era o mesmo, naturalmente cinco anos mais velho, e o público ávido por novidades queria ver outros heróis entrarem em sua casa através da televisão. Havia duas temporadas que “O Homem do Rifle” saíra da lista dos 25 programas mais assistidos, o que levou a série a ser cancelada. Quando isso aconteceu, Chuck Connors com o prestígio adquirido passou a ganhar mais pelas participações nos filmes que estrelou para o cinema e Johnny Crawford chegou por diversas vezes aos primeiros lugares do hit-parade como cantor. Patricia Blair recuou no tempo e se transformou em Rebecca Boone, a esposa de Daniel Boone, na série estrelada por Fess Parker. Sam Peckinpah já havia então impressionado enormemente a crítica com seu primeiro longa-metragem, “Pistoleiros do Entardecer” (Ride the High Country), e se preparava para sua primeira viagem ao inferno com “Juramento de Vingança” (Major Dundee). Arnold Laven, por sua vez, viria a dirigir alguns faroestes no cinema, mas o que faria de mais importante era, juntamente com os sócios Jules V. Levy, Arthur Gardner e Lou Morheim produzir outra série de grande sucesso na televisão norte-americana, “The Big Valley”. “O Homem do Rifle” é uma série verdadeiramente clássica, uma das melhores entre a mais de uma centena criada nos bons tempos da TV em preto e branco, nos saudosos anos 50. 
Nas fotos à direita Johnny Crawford e Chuck Connors; Chuck com sua esposa, a atriz Kamala Devi; um dos muitos LPs de sucesso de Johnny Crawford.
 
 

27 de maio de 2012

OS MELHORES WESTERNS DA LISTA DOS 1000 MELHORES FILMES DE TODOS OS TEMPOS


Sempre que consultamos uma lista dos ‘melhores de todos os tempos’ são inevitáveis as discordâncias e as polêmicas. Mas nenhum cinéfilo deixa de analisar as relações dos melhores, mesmo sabendo que poderá ficar até irritado ao ver que um ou mais de seus filmes preferidos foram esquecidos. E esse fato é agravado pelas enquetes realizadas pela Internet, geralmente repletas de ausências de grandes filmes mais antigos, o que é devido à predominância do público mais jovem. Um exemplo desse fato é a lista dos melhores filmes do site Internet Movie Database – IMDb, lista que reflete o gosto do público por filmes mais recentes, grande parte deles filmes de ação com utilização de efeitos de computação gráfica. Entre os 20 melhores filmes de todos os tempos da IMDb estão “Batman, o Cavaleiro das Trevas” (2008), “O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei” (2003), “O Império Contra-Ataca” (1980), “Clube da Luta” (1999), “A Origem” (2010), “O Senhor dos Anéis – A Sociedade do Anel” (2010), “Guerra nas Estrelas” (1977), “Matrix” (1999) e até o nosso “Cidade de Deus” (2002). Curiosamente a lista é encabeçada por “Um Sonho de Liberdade” (1994). Entre esses 20 Top Movies não há lugar para nenhum filme de John Ford, Fellini, Chaplin, Billy Wilder, Hitchcock, Bergman, Godard e outros mestres verdadeiros da arte cinematográfica.

Robert Mitchum e Teresa Wright em "Sua Única Saída".

Mas há também trabalhos mais sérios, como o elaborado pelo site “They Shot Pictures, Don’t They?”, site que anualmente faz o levantamento de enquetes realizadas por um total de 368 revistas, jornais e órgãos dos mais conceituados com abrangência praticamente no mundo todo. Lembram os editores que a lista do TSPDT foi feita no início do ano, evitando assim que a lista da revista “Sight & Sound” tivesse maior influência nos resultados. Como se sabe, a cada dez anos, desde 1952, a “Sight & Sound” elabora uma enquete junto a diretores e críticos de cinema e essa lista acaba exercendo influência em todos que são ligados ao universo cinematográfico, com algumas exceções, é claro, entre elas o IMDb.


A grande lista de 2012 dos 1000 Melhores Filmes foi publicada pelo TSPDT e WESTERNCINEMANIA publica os 20 primeiros melhores filmes de todos os tempos indicados por aquele site, bem como todos os westerns que fazem parte da lista, em número de 37. A leitura das três primeiras colunas permite observar as posições dos filmes em 2012, 2011 e 2010, respectivamente, percebendo-se as oscilações ocorridas. Os leitores de WESTERNCINEMANIA que quiserem conhecer a lista dos 1000 Melhores Filmes de Todos os Tempos, fugindo das aberrações de listas como a da IMDb deve entrar neste endereço: http://www.theyshootpictures.com/.
 
 

Abaixo os 37 westerns que fazem parte da compilação do TSPDT-2012:
 


"Josey Wales, o Fora-da-Lei", de Clint Eastwood, um dos 37 westerns
presentes à lista dos 1000 Melhores Filmes de Todos os Tempos.

26 de maio de 2012

JAY SILVERHEELS, O TONTO, OU ‘UNCLE TOMAHAWK’ – CENTENÁRIO DE NASCIMENTO


O ator canadense Jay Silverheels nunca será esquecido por todos aqueles que por muitos anos o viram interpretar Tonto na inesquecível série de TV “The Lone Ranger”. Intitulada aqui no Brasil de “Zorro”, aos acordes da abertura da ópera “Guilherme Tell” de Giacomo Rossini, surgiam na pequena tela dos televisores O Cavaleiro Solitário (Clayton Moore) e seu fiel companheiro o índio Tonto. Por trás dessa nostálgica imagem escondem-se uma vida e uma carreira nada fáceis para Jay Silverheels, pelo simples fato de ele ser um índio de verdade.

VIRANDO TONTO NUM BANHEIRO - Haver conseguido o papel de Tonto na segunda série de TV filmada nos Estados Unidos (a primeira, lançada dois meses antes, foi o Hopalong Cassidy Show) pode parecer uma façanha de Jay Silverheels, mas não é bem assim. Produzida como um daqueles westerns de baixíssimo orçamento da PRC ou da Monogram, ao custo de 12 mil dólares por episódio, seria impossível para a produtora Apex Film Corporation contratar um sidekick mais conhecido para acompanhar o astro Clayton Moore nas aventuras do Cavaleiro Solitário. Optou-se então por Jay Silverheels, que desde o início dos anos 40 vinha aparecendo em todo tipo de filme que necessitasse de índios. Além de ser índio de verdade, Silverheels era um ator que cobrava pouco, razões que sem dúvida o levaram a interpretar Tonto. Um fato semi-cômico, contado por Clayton Moore, caracteriza bem as condições de filmagem do primeiro episódio de “The Lone Ranger”, série distribuída pela ABC Television. Levados para o Iverson Ranch, próximo de Los Angeles, local onde muitos faroestes eram filmados, a equipe de “The Lone Ranger” se preparava para o primeiro dia de trabalho quando foi indicado que os atores deveriam trocar suas roupas no banheiro do posto de gasolina ali próximo. Todos, inclusive Clayton Moore, vestiram suas roupas, menos Jay Silverheels que achava indigno que os principais atores do programa não tivessem um camarim. Foi prometido então que no dia seguinte seria providenciado um trailer para Moore e Silverheels se vestirem de Lone Ranger e Tonto, o que de fato ocorreu.

Mocinho Boca-Larga (nobody's perfect...)
AJUDADO POR BOCA-LARGA - Jay Silverheels nasceu no dia 26 de maio de 1912 na Six Nations Indian Reservation, em Ontário, no Canadá. Naquele país a história dos índios não foi muito diferente dos nativos norte-americanos, o que os levou a viver em reservas. No Canadá os aborígenes eram tratados como cidadãos de segunda classe. O nome verdadeiro do futuro ator era Harold J. Smith e seu pai havia sido o mais condecorado soldado de origem nativa do Exército Canadense na I Guerra Mundial. Jovem ainda Harold era alto e forte e se destacou no boxe e mais ainda no popularíssimo esporte canadense chamado lacrosse, em que cada jogador segura uma vara com a qual empurra uma bola para um gol. A equipe canadense de lacrosse foi jogar em Los Angeles e um dos espectadores era o ator Joe E. Brown, o “Boca Larga”. Brown percebendo a agilidade física e boa estampa do atleta Harold, o convidou para fazer cinema. Joe E. Brown apresentou o canadense a vários conhecidos em Hollywood e foi oferecido a ele inicialmente trabalhos como dublê, isto em 1937. Adotando o nome artístico de Harry Smith, o canadense estrearia em 1940 fazendo uma ponta no clássico “O Gavião do Mar”, com Errol Flynn. Entre as várias pontas interpretando índios, Harry apareceu também em “Os Conquistadores” (Western Union), estrelado por Randolph Scott. Harry Smith passou a atuar indistintamente em longa-metragens e em seriados, na maior parte das vezes sem receber crédito por sua participação.

Jay Silverheels, 'Gerônimo' em "Flechas
 de Fogo", com o 'Cochise' Jeff Chandler.
EM BUSCA DO SUCESSO - Entre os seriados que Harry Smith participou estão “A Filha das Selvas”, com a linda Frances Gifford; “Os Perigos de Nyoka”, com Kay Aldridge e Clayton Moore no principal papel masculino e com Harry Smith interpretando um árabe. Em 1943 Harold J. Smith, o Harry Smith, mudou seu nome artístico para Jay Silverheels e foi com esse nome que fez parte do elenco de “A Tribo Misteriosa” (Daredevils of the West), com Allan Lane. Vieram a seguir “O Fantasma”, com Tom Tyler; “A Mulher Tigre”, com a espetacular Linda Stirling e Allan Lane; “O Porto Fantasma”, com Kane Richmond. Dos muitos filmes nos quais Jay Silverheels fez pontas, na década de 40, merecem ser lembrados “Passagem para Marselha” e “Paixões em Fúria, ambos com Humphrey Bogart; “O Capitão de Castela”, com Tyrone Power; “Os Inconquistáveis”, com Gary Cooper; “A Canção da Índia”, com Sabu e Gail Russell. Jay Silverheels aparecia tanto em westerns-B de Charles Starrett, Gene Autry e Johnny Mack Brown como em faroestes melhor produzidos como “Paixão Selvagem” (Canyon Passage), com Dana Andrews e Susan Hayward; “A Voz da Honra” (Fury at Furnace Creek), com Victor Mature; “Céu Amarelo” (Yellow Sky), com Gregory Peck e Richard Widmark; “Escravos da Ambição” (Lust for Gold), com Glenn Ford. Em 1949 Silverheels interpretou Gerônimo no clássico “Flechas de Fogo” (Broken Arrow), com James Stewart e com Jeff Chandler interpretando o índio Cochise. 1949 seria o ano mais importante da carreira de Silverheels.

Rodd Redwing, Iron Eyes Cody;
Chief Thundercloud como 'Tonto'
com o Lone Ranger Robert
Livingston (no centro);
Chief Yowlachie com Clayton
Moore, futuro Lone Ranger.
JAY SILVERHEELS VIRA 'UNCLE TOMAHAWK' - Foram tantos os atores (e atrizes) brancos que interpretaram índios no cinema que teve início um surdo movimento para que fossem aproveitados nativos autênticos e não os brancos Jeff Chandler, Charlton Heston, Anthony Quinn, Rock Hudson, Robert Taylor, Burt Lancaster ou os menos votados Anthony Caruso, Frank DeKova, Morris Ankrum e muitos outros. Hollywood se escusava fazendo crer que os nativos não eram bons atores, quando o que os produtores queriam mesmo era mostrar índios bonitos e se possível atores consagrados que atraíssem mais público. Exatamente em 1949 Jay Silverheels conseguiu o papel de Tonto, o que aparentemente significou um avanço para os discriminados índios-atores. Os conhecidos Chief Thundercloud e Iron Eyes Cody, cujos nomes de batismo eram Victor Daniels e Espera Oscar De Corti, afirmavam ser índios autênticos mas nem assim conseguiam papéis importantes. E o mesmo ocorria com Rodd Redwing e Chief Yowlachie, estes sim nativos legítimos. Com o sucesso da série “The Lone Ranger” os politicamente corretos do início dos anos 50 passaram a ver Tonto como um índio submisso ao amigo Cavaleiro Solitário e mais que isso, subserviente aos brancos de modo geral. Até a forma de falar de Tonto, usando um vocabulário exíguo e uma sintaxe nem sempre correta era criticada como atestado de menor capacidade intelectual dos chamados pele-vermelhas. E mal sabiam eles que o nome Tonto possuía significado pejorativo em Português. O mal-estar culminou quando Jay Silverheels ganhou o apelido de ‘Uncle Tomahawk’, numa clara alusão ao passivo ‘Uncle Tom’ dos negros. Jay Silverheels convivia simultaneamente com o sucesso e com a humilhação pois a ele se referiam como o Stepin Fetchit índio. Fetchit era um ator negro engraçado e muito bem pago para interpretar negros conformados com a sorte.

FALAS POUCO INTE-LIGENTES - Problemas sociais à parte, a série The Lone Ranger foi das mais bem sucedidas da fase inicial da televisão. Em oito anos de duração (1949-1957) foram produzidos 221 episódios, dos quais Jay Silverheels participou de 217. Esteve ausente em quatro episódios em 1955 quando, durante uma luta em um episódio foi atingido no queixo, passou mal e foi levado a um hospital que diagnosticou que ele havia tido um ataque cardíaco, necessitando de algumas semanas para se recuperar. A ausência de Tonto nesses episódios é explicada com uma ida a Washington para conversar com o Grande Pai Branco, ou seja com o presidente norte-americano. Clayton Moore era inegavelmente o grande astro mas manteve com Silverheels uma amizade maior até que a que havia entre os personagens que interpretavam. Isto apesar de Silverheels dar pouca atenção ao roteiro que nunca estudava, pronunciando nas cenas as falas que lhe vinham à cabeça. Essa atitude de Jay talvez fosse uma forma de protesto contra os diálogos em sua maior parte imbecis que eram dados a Tonto. Além da TV, The Lone Ranger tinha sua revista própria que circulou por muitos anos no Brasil com o título de Zorro. Tonto também chegou a ter revista própria descrevendo suas aventuras sem a presença do companheiro mascarado das balas de prata.

Jay Silverheels acima com Alan Ladd;
e duas vezes com Audie Murphy.
FAROESTES E MAIS FAROESTES - A súbita notoriedade de Jay Silverheels na televisão lhe proporcionou melhores oportunidades no cinema, especialmente em westerns como “O Último Caudilho” (The Red Mountain), com Alan Ladd; “A Revolta dos Peles Vermelhas” (The Battle at the Apache Pass), com Jeff Chandler outra vez como Cochise; “Os Covardes não Vivem” (The Half-Breed), com Robert Young; “Nobre Inimigo” (Brave Warrior), com Jon Hall; “Aliança de Sangue” (The Pathfinder), “Alçapão Sangrento” (Jack McCall Desperado), “Ases do Gatilho” (Masterson of Kansas), os três com George Montgomery; “O Sabre e a Flecha” (Last of the Comanches), com Broderick Crawford; “O Valente de Nebraska” (The Nebraskan) e “A Presa dos Fugitivos” (Return to Warbow), ambos com Phil Carey; “A Grande Audácia” (War Arrow), com Jeff Chandler; “Pacto de Honra” (Saskatchewan)”, com Alan Ladd, filmado em Alberta, no Canadá; “Tambores da Morte” (Drums Across the River), com Audie Murphy, Walter Brennan e Lyle Bettger; “Rebelião em Dakota” (The Black Dakotas), com Gary Merrill; “O Derradeiro Assalto” (Four Guns to the Border), com Rory Calhoun e George Nader, western a ser redescoberto por sua temática inacreditavelmente ousada antecipando “Minha Vontade é Lei” (Warlock); “Honra de Selvagens” (Walk the Proud Land), com Audie Murphy; “The Vanishing American”, com Scott Brady. Em todos esses westerns Jay Silverheels interpretou papéis de índios, como não poderia deixar de ser.

Gibis: o exclusivo com Tonto; Lone Ranger que no
Brasil saia como Zorro; abaixo uma edição
espanhola do Jinete Mascarado.
OS WESTERNS COMO TONTO - O personagem Tonto apareceu no filme para a TV “The Lone Ranger Rides Again”, de 1955. No ano seguinte o Cavaleiro Solitário e Tonto viveram grandes aventuras em “O Justiceiro Mascarado” (The Lone Ranger). Em 1958 foi a vez de “Zorro e a Cidade de Ouro Perdida” (The Lone Ranger and the Lost City of Gold), completando as cavalgadas de Silverheels ao lado de Clayton Moore nas telas do cinema. Na televisão norte-americana e nas televisões do mundo todo as incontáveis reprises da série “The Lone Ranger” não deixaram de acontecer nem mesmo com o advento da TV colorida. Em “Valentão é Apelido” (Alias Jesse James), comédia com Bob Hope e Rhonda Fleming, Jay Silverheels interpreta Tonto numa participação especial ao lado de James Garner, Ward Bond, Gail Davis, James Arness, Gene Autry, Hugh O’Brian e Fess Parker, todos também em participações especiais como seus personagens de sucesso nas séries westerns da TV. E há ainda pontas de Gary Cooper, Bing Crosby e até de Iron Eyes Cody. Os últimos westerns de Jay Silverheels para o cinema foram “Indian Paint”, estrelado por Johnny Crawford (1965); “Smith!”, com Glenn Ford (1969); ponta em “Bravura Indômita” (True Grit), com John Wayne (1969); “In Pursuit of a Treasure”, com Scott Glenn (1972). Em 1973 Jay Silverheels atuou em três faroestes: “One Little Indian”, com James Garner; “Amor Feito de Ódio” (The Man Who Loved Cat Dancing), com Burt Reynolds e Sarah Miles; “Santee, o Caçador de Recompensas” (Santee), com Glenn Ford, este que foi o último filme de Silverheels e em que desempenhou um personagem importante no filme.

A GANÂNCIA DE UM PRODUTOR - Em 1975 o produtor Jack Wrather decidiu filmar “A Lenda do Cavaleiro Solitário” (The legend of The Lone Ranger). Nesses anos Clayton Moore e Jay Silverheels não eram mais chamados para atuar no cinema e ganhavam dinheiro fazendo tournées pelos Estados Unidos exibindo-se com as roupas dos personagens que lhes deram fama. Com medo que a lembrança de Clayton Moore viesse a prejudicar seu novo investimento no Cavaleiro Solitário, Wrather decidiu proibir Clayton Moore de usar a máscara e o caso foi parar na Justiça. Somente em 1981 Jack Wrather conseguiu rodar o projetado faroeste, investindo nele 11 milhões de dólares. Sem as presenças de Moore e Silverheels que estavam respectivamente com 67 e 69 anos “A Lenda do Cavaleiro Solitário” foi um fracasso total com o ganancioso Wrather perdendo uma fortuna. 

Chief Dan George, Wes Studi, Graham Greene (acima);
Will Sampson com Clint Eastwood em "Josey Wales, o Fora-da-Lei".
ESCOLA PARA ATORES ÍNDIOS - Tão atacado por seus detratores, Jay Silverheels criou em 1968, em Los Angeles, o The Indian Actors Workshop, organização que visava formar atores nativos para serem aproveitados em melhores papéis no cinema e na TV. Muitos dos alunos da escola criada por Silverheels foram aproveitados em filmes posteriormente, um deles “Smith!”, western em que todos os índios eram autênticos, exceção feita a Warren Oates. Pode-se afirmar que a presença de atores como Chief Dan George, Will Sampson, Graham Greene, Wes Studi e outros devem-se um pouco ao trabalho de Jay Silverheels para ajudar os índios que queriam abraçar a profissão de ator. O Indian Actors Workshop transformou-se numa instituição maior e mais respeitada, o American Indian Registry for Performing Arts, que teve em Will Sampson seu primeiro diretor. Em 1971 Harold J. Smith passou legalmente a se chamar Jay Silverheels e em 1975 sofreu um ataque cardíaco que o afastou totalmente de qualquer atividade pública. Em 1979 Silverheels recebeu uma Estrela na Calçada da Fama de Hollywood, a primeira a ser outorgada a um ator de origem indígena. Em 5 de março de 1980 Jay Silverheels que era casado desde 1946 com Mary Diroma, com quem teve quatro filhos, faleceu após sofrer um último e fatal ataque cardíaco.


24 de maio de 2012

O JUSTICEIRO MASCARADO (The Lone Ranger) – MELHOR AINDA QUE NA TV


Criado como programa de rádio, onde obteve enorme sucesso, “The Lone Ranger” foi levado para o cinema em 1938 em formato de seriado. Produzido pela Republic Pictures, os atores Lane Chandler, Hal Taliaferro, Lee Powell, Herman Brix e George Letz (Montgomery) vestiram-se como o justiceiro mascarado para mais emocionar os pequenos fãs. No decorrer dos capítulos os heróis mascarados iam morrendo uma a um, até restar um único “O Guarda Vingador”, que era o título nacional do seriado chamado “The Lone Ranger” no original. Toda criançada correu para assistir a esse seriado e no seguinte a Republic repetiu a dose com “A Volta do Cavaleiro Mascarado” (The Lone Ranger Rides Again), desta vez comRobert Livingston como o mocinho da máscara negra. Nos dois seriados o índio Tonto foi interpretado por Chief Thundercloud. O cinema se esqueceu do personagem The Lone Ranger mas a televisão, que então engatinhava, redescobriu o justiceiro mascarado em 1949 com a série “The Lone Ranger”, estrelada por Clayton Moore. O espetacular sucesso alcançado por essa série na TV praticamente obrigou que o herói, no Brasil era chamado equivocadamente de Zorro, retornasse ao cinema.


Lyle Bettger e Bob Wilke
HOMEM BRANCO SEM ESCRÚPULOS - Em 1956 o produtor Jack Wrather encomendou a Herb Meadow um roteiro para ser dirigido por Stuart Heisler com uma aventura do Cavaleiro Solitário e seu companheiro Tonto. Era de se esperar uma história simples, mesmo porque o faroeste seria dirigido àqueles que somente viam o herói numa telinha pequena e em preto e branco, em sua maioria um público infantil. Mas “O Justiceiro Mascarado” foi além disso e de maneira até didática o filme fala da origem do mocinho mascarado Kemo Sahbe, do início de sua amizade com Tonto e o encontro com o magnífico corcel Silver. O western de Heisler toca ainda fortemente no tema do preconceito contra os índios e num aspecto psicológico insólito que é a criação de uma filha em meio ao ambiente dominado pelos homens. Em um território não identificado no filme o Cavaleiro Solitário (Clayton Moore) e Tonto (Jay Silverheels) se defrontam com Reece Kilgore (Lyle Bettger), um fazendeiro inescrupuloso que tenciona se apoderar de terras pertencentes aos índios para poder explorar o ouro que lá existe. Kilgore com seu capanga Cassidy (Robert Wilke) intimidam não só o xerife Sam Kimberley (John Pickard) mas também o agente enviado de Washington e tentam interromper a paz reinante, o que resultaria numa guerra e na consequente expulsão dos índios do território. Graças à ação do Cavaleiro Solitário, Kilgore é desmascarado e brancos e índios voltam a viver em paz.

EDUCAÇÃO PECULIAR - Kilgore é exemplar na sua maldade não só contra os índios ou contra fazendeiros vizinhos, mas também com sua própria família. Machista ao extremo subjuga sua delicada esposa Welcome Kilgore (Bonita Granville) oriunda do Leste e educa sua pequena filha como se ela fosse um menino. E culpa a mãe por ter lhe dado uma filha e não um filho. A sanha e sede de riqueza de Kilgore desconhecem limites, esbarrando apenas na desobediência de seu violento capataz Cassidy. Os agentes governamentais enviados ao Velho Oeste para cuidar dos assuntos relativos aos índios aparecem nos faroestes como personagens notoriamente corruptos e são responsáveis pelas maiores dificuldades nas relações com os índios, a quem prejudicam criando toda sorte de dificuldades. Isso porém não acontece em “O Justiceiro Mascarado” uma vez que tanto o Agente do Departamento de Assuntos Indígenas destacado para ajudar os índios quanto o governador e mesmo o xerife Kimberley são pessoas íntegras e preocupadas com o bem-estar dos índios e sua pacífica convivência com os brancos. Se dependesse de homens assim os nativos norte-americanos não teriam sofrido os horrores que sofreram ao longo da história que, em 1956, já era contada no cinema de forma menos mentirosa.

Lone Ranger disfarçado;
Tonto e Michael Ansara.
QUEM É O VELHO BARBUDO E MANCO? - Sempre que um herói tem sua identidade verdadeira desconhecida, cria-se um para o mocinho uma segunda personalidade muitas vezes tímida ou medrosa, inteiramente diferente do mocinho. E um grande achado de “O Justiceiro Mascarado” foi fugir desse estereótipo e disfarçar o elegante Lone Ranger como um velho garimpeiro manco e com uma barba postiça que lhe cobre quase o rosto todo. Pois é fazendo-se passar por esse ‘Old Timer’ que o Cavaleiro Solitário descobre a ação nefasta de Reece Kilgore (Lyle Bettger). E se há problemas entre os brancos, há entre os oprimidos índios uma trama na tribo em que o velho chefe Red Hawk (Frank DeKova) se vê ameaçado pelo belicoso Angry Horse (Michael Ansara). “O Justiceiro Mascarado” mostra que também do lado dos índios há os bons e os maus, ainda que no caso dos nativos apenas a figura do politicamente ambicioso Angry Horse. Para sorte dos brancos bons e dos índios bons, o Cavaleiro Solitário Kemo Sahbe (apesar de mascarado) e Tonto agem com destemor e justiça, tônicas da série da TV não esquecidas no longa-metragem. E há lugar ainda até para um simpático personagem latino, Pete Ramirez, interpretado por Perry Lopez.

AÇÃO DE PRIMEIRA - Se “O Justiceiro Mascarado” é um filme com um roteiro que pode ser chamado de complexo, com conteúdo social, político e mesmo psicológico, por outro lado é um filme de ação, ou melhor, de muita ação e sempre ação de primeira qualidade. Não faltam belíssimas cavalgadas dos dois mocinhos com seus cavalos Silver e Scout, lutas espetaculares e o enfrentamento final contra os bandidos. Numericamente desigual o confronto é resolvido a dinamite, antecipando o que seria visto três anos depois em “Onde Começa o Inferno” (Rio Bravo). Os stuntmen Bob Morgan e Al Wyatt Sr. promovem um verdadeiro show de acrobáticas quedas nas cenas perigosas, uma delas rolando uma ribanceira de mais de dez metros, na luta entre Lone Ranger e Cavalo Bravo (Michael Ansara). A lamentar apenas que o dublê de Clayton Moore seja visivelmente mais magro que o ator. Filmado em WarnerColor e Cinemascope, "Q Justiceiro Mascarado" tem belíssimas tomadas de cena de Edwin B. DuPar que chegam a lembrar a cinematografia de James Wong Howe. Ocorre por vezes o uso de cenas de arquivo, forma econômica de levar mais emoção ao espectador. O público adulto que gosta de voltar a ser criança fica admirado com os trajes e cinturão do Cavaleiro Solitário e estupefato com o mocinho empinando o maravilhoso Silver como nunca antes o cinema havia mostrado.

Lane Chandler, lembrança do
Cavaleiro Mascarado de 1938.
LONE RANGER LONGE DA MOCINHA - Lyle Bettger é o grande nome do elenco como o odioso vilão principal, ainda que Bob Wilke o ameace com sua conhecida e perversa maldade. Outros bandidos da quadrilha são Mickey Simpson e Zon Murray. Michael Ansara e Frank DeKova em papéis comuns para eles, ou seja, de índios. Bonita Granville, atriz de bela carreira nas décadas de 30 e 40, esposa do produtor Jack Wrather, tem o principal papel feminino, distante, evidentemente, de qualquer intimidade com o sério Lone Ranger. Quem interpreta a filha de Lyle Bettger é Beverly Washburn, atriz infantil de “Meu Melhor Companheiro”. Outros nomes conhecidos do elenco são John Pickard e Charles Meredith, valendo ressaltar a presença de Lane Chandler, um dos cinco Lone Rangers do seriado "O Guarda Vingador" de 1938. Clayton Moore se sai razoavelmente bem disfarçado de velho garimpeiro e Jay Silverheels é o Tonto mais simpático de todos os tempos.

Frank DeKova e o curandeiro da tribo. Teria sido essa a inspiração
para Johnny Depp, o Tonto do novo "The Lone Ranger"?

22 de maio de 2012

CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DE JOHN PAYNE, ATOR PARA QUALQUER GÊNERO


Havia um cinéfilo na confraria dos amigos do western de São Paulo, de nome Antonio Ribeiro (nascido em Xiririca, hoje Eldorado, SP), que dizia que "John Payne era melhor ator que John Wayne". É uma afirmação discutível, mas que leva a lembrar o bom ator que John Payne era. Payne fez um pouco de tudo no cinema, participando de musicais, dramas, policiais, aventuras com muita ação e alguns faroestes, tornando-se um mocinho bastante querido pelos fãs do gênero. No dia de hoje John Payne comemoraria, se vivo fosse, cem anos de vida.

Mansão típica da Virginia.
DA RIQUEZA À POBREZA - John Payne nasceu em 23-5-1912 na cidade de Roanoke, no Estado da Virginia, filho de uma família abastada que morava numa daquelas enormes mansões do Sul parecidas com ‘Tara’, de “E o Vento Levou”. A mãe do menino John Howard Payne havia sido cantora de ópera e acreditando que o filho tivesse também pendor musical o colocou ainda pequeno numa escola de canto. O jovem John Howard tinha mesmo vocação para ser artista, o que fez com que ingressasse na Columbia University para estudar Arte Dramática enquanto paralelamente continuva com as aulas de canto na Julliard School. Veio então o crack da Bolsa de Nova York e o pai de John foi um dos centenas de milhares de norte-americanos que dormiram ricos e amanheceram pobres. Mr. Payne não agüentou o baque e veio a falecer meses depois o que levou John Howard a começar a trabalhar, coisa que nunca havia feito ainda. Com a crise de empregos que se instalou no país, John Howard até que deu sorte quando conseguiu emprego como cantor num teatro vaudeville, unindo o necessário ao agradável. A sorte continuou ao lado de John Howard que foi descoberto por um caçador de talentos e levado, como ator, para a companhia Schubert Theater. Em seu início de carreira John Howard Payne atuava no teatro e também no rádio, melhorando sua renda e aumentando sua exposição junto ao público.

John Payne acima com Mae Clark
em um de seus primeiros filmes;
abaixo a lendária Stella Adler;
Payne como Kid Nightingale.
PAR ROMÂNTICO DA LENDÁRIA STELLA ADLER - Moço muito bonito e com ótima voz, só havia um destino para John Howard: o cinema. O primeiro contrato que assinou foi com Samuel Goldwyn, estreando em 1936 como coadjuvante no memorável “Fogo de Outono”, estrelado por Walter Huston e com direção de William Wyler. Estranhamente Goldwyn liberou o promissor John Howard Payne que foi contratado pelo diretor-produtor Boris Petroff para o principal papel em um musical escrito por um jovem jornalista chamado Samuel Fuller que, por sinal, era da mesma idade de Payne. O musical se chamou “Hats Off” e Payne teve a oportunidade de cantar a clássica canção de ninar “Twinkle, twinkle, little star”. “Love on Toast”, de 1937, foi o filme seguinte de John Payne que contracenou com uma atriz estreante no cinema chamada Stella Adler. Na década seguinte Stella viria a ser professora de Marlon Brando, James Dean, Marilyn Monroe, Paul Newman, Robert De Niro, Dustin Hoffman e tantos outros astros que estudaram no Actor’s Studio. Stella fez apenas três filmes como atriz e possivelmente o único ator a beijá-la no cinema foi John Payne. Na vida real John Payne se casou em 1937 com a atriz Anne Shirley. Para melhor competir com a esposa que fazia razoável sucesso, Payne excluiu o ‘Howard’ de batismo e adotou o nome artístico mais simples de John Payne. Com esse novo nome continuou a carreira com “Jazz Academia”, em 1938, comédia dirigida por Raoul Walsh. Payne atuou em seguida em produções da Warner Bros. como “No Mundo da Lua”, musical de Busby Berkeley; “Asas da Esquadra”, com Olivia de Havilland; “Demônio Sobre Rodas”, com Ann Sheridan; protagonizou um boxeur em “Kid Nightingale”, com Jane Wyman. John Payne, que sonhava alto, deixou a Warner Bros. quando Jack Warner o escalou para dois filmes B de uma hora de duração.

John Payne com Alice Faye, Carmen
Miranda e Cesar Romero; abaixo à esquerda
com Sonja Henie; com Betty Grable.
GALÃ DOS MUSICAIS DA FOX - Em 1940 John Payne assinou contrato com a 20th Century-Fox e seus primeiros trabalhos nesse estúdio foram como coadjuvante em “Maryland”, estrelado por Walter Brennan e em “O Eterno Dom Juan”, com John Barrymore. As coisas começaram a melhorar com “Estrela Luminosa”, em que Payne contracenou com Linda Darnell, filme que tinha no elenco um outro galã do estúdio chamado George Montgmorey. Seguiram-se outros musicais: “A Vida é Uma Canção”, em que John Payne atuou com Alice Faye e Betty Grable; “Alô, América!”, com Alice Faye; “Quero Casar-me Contigo”, com a medalhista olímpica de patinação Sonja Henie e com a Orquestra de Glenn Miller; “Rapsódia da Ribalta”, com Betty Grable e Victor Mature; outra vez com Sonja Henie em “Bodas do Gelo”; “Aquilo Sim Era Vida”, novamente com Betty e Alice. Esses musicais da Fox eram todos muito parecidos com o galã Payne que por vezes se revezava com Don Ameche para beijar as louras Alice Faye, Betty Grable e Sonja Henie. Em “Aconteceu em Havana” lá estava Alice Faye outra vez ao lado de John Payne, mas esse é um filme especial porque havia uma explosiva revelação de alegria, talento e graça com a presença da Pequena Notável Carmen Miranda. Em meio a tantos musicais, John Payne estrelou dois dramas de guerra: “Lembra-te Daquele Dia”, com Claudette Colbert e “Defensores da Bandeira”, com Maureen O’Hara e Randolph Scott. Este filme marcou o primeiro dos quatro encontros de John Payne com Maureen nas telas.

Payne em "O Fio da Navalha", com
Herbert Marshall, Gene Tierney e
Tyrone Power; abaixo as ex-esposas
atrizes Anne Shirley e Gloria DeHaven.
DIVIDINDO A TELA COM TYRONE POWER - A eclosão da 2.ª Grande Guerra alterou bastante a vida de John Payne que já havia mudado com o fim de seu primeiro casamento em 1943. O casal John Payne-Anne Shirley teve uma filha e o maior sucesso de Anne no cinema foi “Até a Vista Querida”, com Dick Powell, que foi também seu último filme pois Anne Shirley abandonou a carreira de atriz para ser dona-de-casa. Em 1944 John Payne se casaria com uma estrelinha da MGM chamada Gloria DeHaven, isto quando já havia sido convocado para atuar como instrutor de vôo da Força Aérea Norte-Americana. Ao final da Guerra John Payne retornou à Fox que o escalou para “As Irmãs Dolly” mais um musical e mais uma vez ao lado de Betty Grable, que era então a atriz mais bem paga do cinema e tinha uma famosa foto de maiô em todas as barracas dos soldados de Tio Sam espalhados pelo mundo. Em 1946 veio o segundo encontro de John Payne com Maureen O’Hara no drama “Conflito Sentimental”. Nesse mesmo ano Payne atuou ao lado do principal galã da Fox, Tyrone Power, em “O Fio da Navalha” com Gene Tierney e Anne Baxter também no elenco. Anne Baxter conquistou um Oscar por seu desempenho neste drama que foi grande sucesso de crítica e de público. Ainda em 1946 Payne atuou em “Acorda e Sonha”, com June Haver, estrela lembrada por ter abandonado a carreira artística para se tornar freira. Em seguida Payne estrelaria o maior sucesso de sua carreira.

John Payne duas vezes com Maureen
O'Hara; abaixo em "De Ilusão Também
se Vive", com Natalie Wood e
Edmund Gwenn.
JOHN PAYNE E MAUREEN O’HARA - O terceiro encontro de John Payne com Maureen O’Hara foi no drama sentimental “De Ilusão Também se Vive”. Apesar das presenças de Maureen e Payne, quem rouba o filme é o ‘Papai Noel’ Edmund Gwenn e a menina Natalie Wood aos nove anos de idade. “De Ilusão Também se Vive” disputa com “A Felicidade Não se Compra” o título de filme mais exibido na televisão norte-americana por ocasião do Natal. John Payne foi mais visto que nunca pelo público, mesmo porque este foi seu último filme para a Fox que não renovou o contrato com o galã de apenas 35 anos. A partir de 1948 John Payne tornou-se free-lancer passando a atuar em produções bastante inferiores àquelas da 20th Century-Fox. Seu primeiro filme na nova fase foi o policial “Aves de Rapina”, com Dan Duryea e Shelley Winters. Em seguida veio “Um Homem irresistível”, com Susan Hayward. Depois atuou em “Afrontando a Morte”, com Ellen Drew. Seguiu-se a aventura “Capitão China”, com Gail Russell. E fechando o ciclo de filmes com Maureen O’Hara John Payne atuou com a maravilhosa atriz em “Tripoli”, mediana aventura de 1950.

Payne em luta com Dan Duryea
em "Senda de Sangue".
A SÉRIE DE WESTERNS DOS ANOS 50 - Quando os faroestes feitos em série pelos pequenos estúdios agonizavam, começaram a ser feitos westerns, produções independentes de melhor qualidade. John Payne que ainda não havia participado de um western atuou pela primeira vez no gênero em “El Paso”, de 1949, com belo elenco composto por Gail Russell, Sterling Hayden, George Gabby Hayes e Dick Foran. Ao lado da linda Rhonda Fleming, Payne estrelou em 1950 “A Águia e o Falcão” (The Eagle and the Hawk). Em 1951 Payne atuou no faroeste “Passage West”, com Arleen Whelan. Todos estes três westerns foram dirigidos por Lewis R. Foster e produzidos pela Pine-Thomas Productions. A seguir Payne fez “Sangue do Sul” (The Vanquished), com Jan Sterling, western de 1953. Em 1954 John Payne se defrontou com Dan Duryea em “Senda de Sangue” (Rails into Laramie), em que a heroína era Mari Blanchard. Nesse mesmo ano John Payne voltou a ter Dan Duryea como inimigo, desta vez chamado McCarthy, no excepcional pequeno western de Allan Dwan “Homens Indomáveis” (Silver Lode), já comentado neste blog, tendo Lizabeth Scott como o interesse romântico. “Massacre Traiçoeiro” (Santa Fé Passage), de William Witney, é de 1955 e tem no elenco o charme de Faith Domergue, além de Rod Cameron e Slim Pickens. Allan Dwan dirigiu novamente John Payne que interpretou o jogador conhecido por 'Tennessee' em “A Audácia é Minha Lei” (Tennessee’s Partner), com Rhonda Fleming e Ronald Reagan, western de 1955. Nesse ano Payne foi dirigido por Joseph Kane em “Renegado Impiedoso” (The Road to Denver), com Lee J. Cobb. Em 1956, sob a direção de Alfred L. Werker e com Ben Johnson no elenco, John Payne estrelou “Sede de Matar” (Rebel in Town), com Ruth Roman como sua esposa no filme. Foram dez westerns naquela que foi a última grande década do gênero.

John Payne com John Smith, Ben Cooper, J. Carrol Naish
e Ben Johnson em "Sede de Matar"; abaixo com Ruth Roman
no mesmo filme; à direita com Dan Duryea em "Homens Indomáveis".
Cenas de "Os Quatro Desconhecidos",
com John Payne, Preston Foster,
Lee van Cleef e Neville Brand;
abaixo Payne ameaçado por
Jack Elam e por Lee Van Cleef.
POLICIAIS CLÁSSICOS - Na sua vida pessoal, o casamento de John Payne com Gloria DeHaven havia acabado em 1951, resultando em dois filhos. Em 1953 Payne se casou com Alexandra Crowell Curtis, a únicade suas três esposas que não era atriz. John Payne não fez apenas westerns depois que saiu da Fox e entre esses filmes estão: “O Tesouro Perdido”, com Rhonda Fleming; “A Fortaleza da Jamaica”, com Arlene Dahl; “E o Céu Ficou em Chamas” com a mocinha dos Westerns-B da Republic Lynne Roberts; “O Corsário dos Sete Mares”, com Donna Reed. Em 1952 John Payne fez o primeiro dos três filmes em que atuou sob a direção de Phil Karlson, o policial noir hoje clássico intitulado “Os Quatro Desconhecidos” (Kansas City Confidential), ao lado de Coleen Gray. O elenco de coadjuvantes deste filme que para muitos críticos é uma obra-prima conta com Preston Foster e seus capangas Neville Brand, Lee Van Cleef e Jack Elam. Phil Karlson dirigiu John Payne no excelente policial “A Morte Ronda o Cais”, com Evelyn Keyes. O terceiro filme de Payne com Karlson foi “A Ilha do Inferno”, com Mary Murphy. Rhonda Fleming era um par constante de John Payne, com quem atuou em “O Poder do Ódio”, de Allan Dwan, o mesmo diretor que o dirigiu em “Noite Sangrenta”, com Chuck Connors, ambos filmes de 1956. Com roteiro de Dalton Trumbo e direção de Byron haskin, John Payne atuou em 1956 no drama “Os Poderosos Também Caem”. Nesse ano Payne trabalhou em quatro filmes, todos de pequeno orçamento, ganhando bastante menos do que recebia na Fox, o que o levou a aceitar fazer o que muitos atores vinham fazendo que era estrelar uma série na TV.

O REVÓLVER INCANSÁVEL DA TV - Foi em 1957 que John Payne passou a interpretar ‘Vint Bonner’, na série “The Restless Gun”, estrelando os 77 episódios da série que permaneceu no ar por dois anos, com relativo sucesso. Uma curiosidade da série é que Dan Blocker teve participação em cinco episódios, antes de se transformar no 'Hoss Cartwright' de “Bonanza”. André De Toth era especialista em westerns, mas dirigiu John Payne no policial “Terror Oculto”. Em 1955 John Payne havia conseguido uma opção para filmar histórias de um escritor britânico que havia criado um agente chamado 'James Bond', pertencente ao Serviço Secreto de Inteligência da Inglaterra, agente que usava o número 007. O nome do escritor era Ian Fleming e Payne pagou durante nove meses  a quantia mensal de mil dólares a Fleming, até que desistiu de utilizar as histórias do escritor que já havia lançado “Casino Royale”, “Live and Let Die”, “Moonraker” e estava lançando “Diamonds are Forever”. Certamente John Payne deixou de ficar rico quando desistiu da opção que havia conseguido.


A adorável Janet Leigh
com John Payne.
APOSENTADORIA TRANQUILA - Em 1961 John Payne foi atropelado por um automóvel em Nova York, passando dois anos em recuperação e tendo  ficado com o rosto bastante marcado por cicatrizes que ele se recusou a corrigir com operações plásticas. Nos anos seguintes Payne fez algumas participações em série de TV como “Gunsmoke” e “Glenn Ford é a Lei”. Em 1968 Payne dirigiu “They Ran for Their Lives”, policial que estrelou e que tinha Scott Brady no elenco, filme que foi o último longa-metragem de John Payne. A derradeira a atuação do ator John Payne foi num episódio da série “Columbo” estrelada por Peter Falk, ao lado de Janet Leigh, uma excelente companhia para ele que sempre esteve ao lado dos mais belos rostos do cinema. Nascido rico e tendo passado por enormes dificuldades, John Payne  se tornou um homem com situação econômica bastante tranquila, isto graças aos investimentos que fez em terras no Sul da Califórnia. Payne não teve filhos com a terceira esposa, com quem viveu até falecer em razão de problemas cardíacos em 6 de dezembro de 1989, aos 77 anos. A bela carreira de John Payne, ator que transitou com igual competência pelos mais diversos gêneros cinematográficos, merece ser lembrada com grande respeito, até mesmo porque há quem o considere "melhor que John Wayne".