UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

28 de setembro de 2013

WESTERNTESTEMANIA N.º 25 - "OS PROCURADOS"

As respostas estão abaixo da 10.ª pergunta.












25 de setembro de 2013

O MATADOR (THE GUNFIGHTER) – A INGLÓRIA FAMA DE UM PISTOLEIRO


Entre os westerns que abriram a incomparável década cinematográfica dos anos 50, o historiador de cinema William K. Everson em seu fundamental livro “The Pictorial History of the Western Film” (1975) aponta “Caravana de Bravos” (Wagonmaster), “Flechas de Fogo” (Broken Arrow) e “O Matador” (The Gunfigther) como os mais importantes, dizendo que este último é de longe o melhor deles. E Everson conclui afirmando que os muitos prêmios e fama conquistados por “Matar ou Morrer” (High Noon), de 1952, deveriam ser atribuídos a “O Matador”, do qual o filme de Fred Zinnemann usurpou as decantadas inovações que o consagraram. Desprestigiado até ter sua importância lembrada por Everson, “O Matador” tornou-se através dos anos um dos westerns mais reverenciados do gênero e não para poucos, uma autêntica obra-prima.

Jack Dempsey
Dos ringues para o Velho Oeste - Jack Dempsey havia sido campeão mundial de boxe (pesos pesados) entre 1919 e 1926. Após retirar-se dos ringues Dempsey abriu um restaurante em Nova York, próximo ao Madison Square Garden, onde os clientes gostavam de ouvir as histórias sobre pugilismo contadas pelo ex-campeão. O escritor William Bowers ouviu certa noite Dempsey dizer que a pior coisa do fato de ter sido campeão era ser constantemente desafiado por alguém que se julgava superior a ele. Bowers foi para casa com aquilo na cabeça e desenvolveu uma história cujo tema era justamente os dissabores que a fama pode trazer. Bowers ambientou sua história no Velho Oeste e o campeão de boxe virou um pistoleiro. O também escritor, roteirista, produtor e eventualmente diretor Nunnally Johnson se interessou pela história de Bowers e a mostrou ao húngaro André De Toth, então mais famoso por ser o marido de Veronica Lake do que pelos bons filmes que fazia, entre eles o western-noir “Fúria Abrasadora”, estrelado por Joel McCrea. De Toth e Nunnaly Johnson transformaram o texto de Bowers em um roteiro que seria filmado por André De Toth e produzido por Johnson para a 20th Century-Fox. Quando Darryl F. Zanuck, o diretor de produção do estúdio percebeu o potencial daquele faroeste, dispensou De Toth e entregou a direção ao mais confiável diretor da casa, exatamente Henry King, autor de tantos filmes excelentes e outros nem tanto, nos quais deixava sempre a marca de sua impessoalidade. Depois de dirigir Tyrone Power inúmeras vezes, chegara a vez de Gregory Peck fazer parceria constante com Henry King. E Peck foi o escolhido para ser o pistoleiro do novo faroeste.


O bigode de Gregory Peck - Para compor a imagem do pistoleiro Jimmy Ringo foi pedido a Gregory Peck que deixasse crescer o bigode e se submetesse a um esquisito corte de cabelos, além de usar botas de cano alto e uma vestimenta bastante simples. Jimmy Ringo em nada lembrava o extravagante Lewt McCanles que Peck interpretara no grande êxito comercial que havia sido “Duelo ao Sol”. O fato era que Jimmy Ringo não lembrava nenhum mocinho de outros westerns. Talvez lembrasse vagamente, na aparência, o Henry Fonda de “Jesse James” e de “Paixão dos Fortes” (My Darling Clementine). Após duas semanas de filmagens o presidente da Fox Spyros Skouras assistiu a alguns trechos já filmados e se desesperou com o que viu: o maior astro dos estúdio totalmente desglamurizado, mais que isso, inteiramente sem graça e com aquele horroroso bigode. Skouras ordenou que tudo que havia sido filmado fosse refeito, mas Nunnally Johnson e Henry King argumentaram que isso teria um custo de 300 mil dólares, o que levou o grego Skouras a aceitar Peck sem sal, sem brilho e ainda com aquele bigode. Skouras, que presidia a 20th Century-Fox de seu escritório em Nova York demonstrou entender pouco de cinema pois Gregory Peck com aquela aparência iria protagonizar uma incomum história do Velho Oeste.

O jovem provocador em busca
da fama efêmera.
A mais inglória fama - Jimmy Ringo (Gregory Peck) e Mark Street (Millard Mitchell) foram antigos companheiros num bando de foras-da-lei. Ringo ganhou notoriedade por ser um gatilho muito rápido e por haver batido em confrontos pelo menos 15 homens que ousaram desafiar sua perícia. Após se separarem Mark Street preferiu seguir caminho diferente e tornou-se o xerife de Cayenne, impondo a lei e ordem com rigor no pequeno lugarejo. Peggy Walsh (Helen Westcott), a esposa de Jimmy Ringo, com o filho Jimmie Walsh (B.G. Norman) vivem em Cayenne, onde ela é professora e usa o sobrenome Walsh. Incógnita, somente Mark Street e a cantora de saloon Molly (Jean Parker) sabem que Peggy é esposa do pistoleiro. Peggy cansou-se da vida irregular que levava com Jimmy Ringo e afastou-se dele. Passando por uma outra cidade onde foi reconhecido, Jimmy Ringo foi obrigado a matar, em legítima defesa, um jovem provocador de nome Eddie (Richard Jaeckel) que se achava mais rápido que Ringo. Aos 35 anos de idade Ringo conclui que não pretende passar o resto da vida tendo que provar que é tão rápido no gatilho quanto os lendários Wyatt Earp ou Buffalo Bill. Ringo ruma para Cayenne para convencer Peggy da possibilidade de constituírem vida nova em um lugar distante onde ele não seja reconhecido. Mark Street procura ajudar o ex-companheiro de crimes e quando Ringo está para sair de Cayenne é alvejado pelas costas por Hunt Bromley (Skip Homeier), outro jovem em busca da fama de ter matado Jimmy Ringo. Antes de morrer Ringo pede que Bromley não seja preso para que esse jovem covarde possa viver com a inglória (e imerecida) fama de ser o mais rápido pistoleiro do Oeste. E que morra com ela.

Gregory Peck e Helen Westcott.
Vislumbrando a simples felicidade - O que fez de "O Matador" um western importante é inicialmente o tema inusitado do pistoleiro que tenta fugir da fama que carrega. Heróis dos faroestes sempre foram homens invencíveis, determinados e sem aparentes problemas psicológicos que pudessem afligi-los por matar (bandidos especialmente). Citado no filme, o grande exemplo é Wyatt Earp que, levado ao cinema como honrado e bravo homem da lei, teve o próprio cinema em westerns revisionistas como veículo para resgatar a verdade de sua existência. Jimmy Ringo saboreou na juventude a fama de pistoleiro imbatível e a rotina de responder à bala às provocações. Com o amadurecimento veio a amargura e a tristeza de não poder sequer ter uma vida familiar. Ao tomar um drinque com um modesto mas feliz rancheiro que recusou um segundo drinque porque queria voltar para casa e ficar com a família, o temido Jimmy Ringo sente inveja daquela vida e decide ali que para encontrar a própria felicidade terá que se transformar em outra pessoa. Esquecer que um dia foi Jimmy Ringo. O segundo aspecto importante de "O Matador" é sua concepção artística e da qual o grande responsável é, sem dúvida, Henry King. Centrado em sua maior parte nos diálogos travados no 'Palace Saloon' dirigido por Mac (Karl Malden) e com uma notável economia de ação e cenários que mais valorizam a intenção de mostrar o lado humano de Ringo, são esses elementos que tornam o western de Henry King um admirável filme.

Millard Mitchell e o relógio que
indica o momento da partida de Ringo.
Western seminal - "O Matador" é admirável e influente pois seu preto e branco, num tempo em que mesmo westerns 'B' eram filmados em cores, lhe possibilitou contornos dramáticos que William K. Everson comparou a "uma tragédia grega". E vieram depois "Matar ou Morrer", "Gatilho Relâmpago" e muitos westerns em que outros homens claudicam ao invés de seguirem os arquetípicos heróis dos faroestes. "Matar ou Morrer" copiou de "O Matador" o uso insistente do relógio mostrado para intensificar o drama de Jimmy Ringo. E "Galante e Sanguinário" fez uso das horas até mesmo no próprio título. Se necessário fosse destacar um único ponto importante de "O Matador", este seria a extrema simplicidade da sua produção e que resultou num clássico absoluto. Muito ajudou na composição visual do filme de Henry King o despojamento de Gregory Peck, cuja inesperada perfeita atuação o firmou como grande ator, ele que carregava a fama de canastrão após o melodramático "Duelo ao Sol", fama amenizada por “Céu Amarelo” rodado em 1948.

Karl Malden
Elenco com altos e baixos - A grande atuação de Gregory Peck por pouco não foi ofuscada por Millard Mitchell, soberbo como o xerife que se reabilita e quer ajudar a reabilitar Jimmy Ringo. Ator nascido em Cuba e que tantas excelentes atuações proporcionou em filmes como "Winchester 73", "O Preço de um Homem" e "Cantando na Chuva", Mitchell veio a falecer de câncer do pulmão aos 50 anos de idade, em 1953. Helen Westcott está muito bem como a discreta mulher que quer fugir da infausta fama de esposa do pistoleiro mais rápido do Oeste. Richard Jaeckel sai-se bem como o jovem provocador em sua pequena participação no início do filme. O mesmo não se pode dizer de Skip Homeier inconvincente como o desafiador e depois assassino de Jimmy Ringo. A decepção entre os intérpretes fica por conta de Karl Malden, ator de incontáveis irrepreensíveis interpretações, mas que está inteiramente fora do que se espera de um responsável pelo saloon local. Sem falar no seu bizarro penteado tentando encobrir a calvície.

Em qualquer saloon de qualquer cidade há sempre alguém desafiando
Johnny Ringo; abaixo a cidade western cenográfica da 20th Century-Fox,
vista em tantos faroestes como "Consciências Mortas", "Dragões da
Violência", "Minha Vontade é Lei" e outros.

O mais simples dos faroestes - “O Matador” tem a esplêndida a fotografia de Arthur C. Miller, famoso por "A Marca do Zorro" (Tyrone Power), "Como era Verde o Meu Vale" e também por "Consciências Mortas". E Alfred Newman responde pela trilha sonora, discreta como o filme pedia. A austera Direção de Arte e a Decoração de Cenários completa a concepção modesta de “O Matador” como se fosse um western ‘B’. John Ford se aproximaria dessa simplicidade, doze anos mais tarde, com “O Homem que Matou o Facínora”. No aspecto financeiro “O Matador” não chegou a dar prejuízo porque os fãs de westerns e fãs de Gregory Peck foram assistir ao filme de Henry King, mas ficou longe de dar o lucro que a 20th Century-Fox esperava. E Spiros Skouras quando encontrou Gregory Peck disse a ele que aquele bigode fora o responsável pelo fracasso de “O Matador”. Mal sabia o presidente da Fox que nas décadas seguintes seria cada vez mais difícil encontrar um cowboy de rosto limpo e que aquele western com Gregory Peck seria, para muitos críticos, o melhor de toda a carreira do ator. 


21 de setembro de 2013

DUELO DE TITÃS (LAST TRAIN FROM GUN HILL) – VIGOROSO ESTUDO SOBRE O PODER


Hal B. Wallis foi um dos mais bem sucedidos produtores de Hollywood, além de ter lançado atores como Kirk Douglas e Burt Lancaster. Wallis ficou milionário nos anos 50 produzindo os filmes da dupla Dean Martin e Jerry Lewis e os primeiros filmes de Elvis Presley. Em 1957 Wallis produziu “Sem Lei e Sem Alma” (Gunfight at the OK Corral), faroeste que alcançou enorme sucesso de bilheteria e que o levou a vislumbrar a possibilidade de repetir o êxito com outro faroeste e a mesma fórmula utilizando dois atores de renome, no caso Burt e Kirk. Wallis adquiriu os direitos de uma história chamada “Showdown at Gun Hill” e convocou John Sturges, o mesmo diretor de “Sem Lei e Sem Alma” para dirigir. Em seguida procurou Lancaster que não se interessou em filmar outro western.  Para Kirk Douglas porém Wallis fez uma irrecusável proposta: além dos 300 mil dólares de salário Kirk teria sua produtora Bryna como associada na produção, o que aumentaria ainda mais o lucro do ator-produtor que precisava de muito dinheiro para seu projeto chamado “Spartacus”.

Acima o escritor Elmore Leonard;
abaixo Glenn Ford e Van Heflin.
Copiando Elmore Leonard - Dois westerns que marcaram sobremaneira a década de 50 foram “Matar ou Morrer” (High Noon) e “Galante e Sanguinário” (3:10 to Yuma). O primeiro uma denúncia contra a covardia da comunidade de Hollywood no episódio da ‘Caça às Bruxas’; o segundo baseado numa surpreendente e incomum história escrita pelo jovem autor Elmore Leonard narrando a condução de um perigoso prisioneiro por parte de um homem que se vê, assim como o xerife Will Kane de “Matar ou Morrer”, abandonado por aqueles que deveriam ajudá-lo. Tanto o western de Fred Zinnemann quanto o de Delmer Daves tornaram-se filmes bastante influentes e um dos melhores exemplos dessas influências é justamente o faroeste que Hal B. Wallis decidiu produzir e que teve o título mudado para “Last Train from Gun Hill”, no Brasil “Duelo de Titãs”. A história de autoria de Les Crutchfield foi roteirizada por James Poe e possui grande semelhança com aquela que Elmore Leonard escreveu. Leonard faleceu, aos 87 anos, em agosto último, ele que foi também o autor das histórias originais dos faroestes “Resgate de Bandoleiros” (The Tall T), “Hombre”, “O Retorno de Valdez” (Valdez is Coming) e “Joe Kid”. Mas John Surges percebeu que “Last Train from Gun Hill” teria também pontos em comum com “Conspiração do Silêncio”, um western moderno e para muitos o melhor filme de sua carreira.


Acima Ziva Rodann; abaixo Carolyn Jones.
Enfrentando a lei de Gun Hill - Em “Duelo de Titãs” Matt Morgan (Kirk Douglas) é o xerife de Pawley, cidade não muito distante de Gun Hill. Morgan é casado com uma índia Cherokee (Ziva Rodann), que é estuprada e morta por Rick Belden (Earl Holliman) em companhia de Lee Smithers (Brian G. Hutton), dois cowboys embriagados. O filho de Morgan, ainda menino, sem presenciar a cena brutal monta no cavalo de Rick Belden e retorna para Pawley, avisando o pai do ocorrido. Morgan encontra o corpo inerte da esposa e descobre as iniciais C.B. na ornamentada sela do cavalo. Morgan sabe que aquelas iniciais significam Craig Belden, nome de um amigo que há tempos ele não vê e que é dono de tudo que existe em Gun Hill, sendo também pai de Rick Belden. Morgan parte então em busca dos assassinos. Antes de receber a visita de Matt Morgan em sua fazenda, Craig Belden (Anthony Quinn) dá pela falta de seu cavalo e sua sela e faz o filho confessar o crime. Matt Morgan informa Craig Belden que pretende levar Rick para Pawley onde será julgado, mas o barão de gado diz que não permitirá que isso aconteça com seu filho. Matt consegue prender Rick e mesmo sofrendo pressão de Craig Belden, de seus muitos capangas e de toda cidade de Gun Hill, não desiste de seu intento. Morgan recebe uma inesperada ajuda de Linda (Carolyn Jones), namorada de Craig que trabalha no Horse Shoe Saloon. Na tentativa de libertar Rick Belden, seu amigo Lee Smithers acaba atingindo e matando Rick. Inconformado Craig quer se vingar de Morgan e o desafia para um confronto mortal. Matt Morgan é mais rápido que Belden no duelo de titãs que ocorre na estação de Gun Hill.

Kirk Douglas e o rosto marcado de Earl Holliman;
Anthony Quinn defrontando-se com Kirk Douglas.
Tensão perma-nente - Um terço de “Duelo de Titãs” se passa com o xerife Morgan mantendo preso o assassino Rick Belden até o momento de embarcar com ele no trem que às 21 horas (9PM) irá passar e parar rapidamente em Gun Hill. Tudo muito parecido com o que acontece em “Galante e Sanguinário” no qual o destino é Yuma e o trem é o das 15:10 horas (3:10PM). Mas a história do filme de John Sturges é construída inteiramente diferente pois Craig Belden não é um bandido como Ben Wade (Glenn Ford) no filme de Delmer Daves. Craig Belden não tenta corromper Matt Morgan como fez o personagem de Ford, mas sim o intimida, inclusive psicologicamente lembrando que o filho de Morgan órfão de mãe pode também perder o pai. Enquanto “Galante e Sanguinário” é um filme bastante discursivo, John Sturges imprimiu a “Duelo de Titãs” um ritmo de permanente tensão entremeado por diversos momentos de ação elaborados por ele com maestria. O único a manter a necessária calma é Morgan, enquanto todos os demais personagens parecem sempre prestes a explodir tamanho o desespero crescente que toma conta de Craig Belden. Quando o objetivo de Morgan parecia impossível de se concretizar, desperta em Linda o desejo de se vingar não só de Craig pelos maus tratos que sofreu por parte dele, mas também de Rick, o crápula e agora assassino de uma mulher indefesa como ela.

Dalton Trumbo
Diálogos especiais de Dalton Trumbo - Outra diferença entre “Duelo de Titãs” e os westerns aqui referidos, especialmente “Galante e Sanguinário” é a riqueza de parte de seus diálogos. James Poe, o autor do roteiro tem a seu crédito excelentes trabalhos em diversos dramas levados ao cinema, embora tenha recebido um Oscar pelo roteiro de “A Volta ao Mundo em 80 Dias”. Após ler o roteiro de James Poe, Kirk Douglas o repassou para seu amigo Dalton Trumbo que criou uma série de diálogos extras que tornaram o texto mais amargo em relação ao comportamento de alguns personagens. Dalton Trumbo talvez seja o mais notório entre os perseguidos pelo macarthismo, tendo ficado quase dez anos proibido de assinar roteiros. Trumbo sobrevivia tendo seus roteiros creditados a outros escritores (fronts) até que Kirk Douglas num ato de enorme coragem desafiou Hollywood e contratou Trumbo para roteirizar seu épico “Spartacus”. De posse dos novos diálogos escritos por Dalton Trumbo, Kirk Douglas os mostrou a John Sturges que ficou admirado com a qualidade dos mesmos, comentando depois com o produtor Hal B. Wallis. Douglas disse a Wallis que para aduzir àqueles diálogos aos escritos por James Poe ele teria que pagar a bagatela de três mil dólares a Trumbo. Mesmo em 1958 essa quantia mal daria para algumas semanas do uísque que Trumbo tomava ao escrever. Mais que o dinheiro, Trumbo tentava mesmo se mostrar grato a Douglas.

Alguns dos expressivos diálogos de Dalton Trumbo.
Reencontro entre Douglas e Quinn - Entre os mais relevantes diálogos escritos por Dalton Trumbo para “Duelo de Titãs” merecem ser lembrados a desilusão com a profissão de homem da lei do xerife Bartlett (Walter Sande) que é lacaio de Craig Belden; a sádica narrativa de uma execução por enforcamento feita por Morgan para o aterrorizado prisioneiro Rick Belden; e também a ácida resposta de Linda a um cliente dizendo que “desde os 12 anos de idade eu nunca estive sozinha”, uma lacônica denúncia sobre a corrupção de menores que não é fenômeno apenas dos séculos seguintes. Kirk Douglas interpreta o mais destacado personagem de “Duelo de Titãs”, personagem bastante mais forte que o de Anthony Quinn. O mesmo havia ocorrido em “Sede de Viver”, biografia de Vincent Van Gogh na qual Kirk tem uma de suas melhores atuações no cinema, o que lhe dava a certeza de vencer o Oscar de Melhor Ator de 1955 após duas frustradas indicações. Kirk não só perdeu novamente como viu Anthony Quinn com apenas oito minutos de participação em “Sede de Viver” ser premiado como Melhor Ator Coadjuvante daquele ano. Nunca mais o injustiçado Kirk Douglas seria indicado e receberia apenas um Oscar Honorário em 1996. Prêmios à parte os dois grandes atores fazem “Duelo de Titãs” valer ainda mais por suas atuações. Este foi o terceiro encontro de Douglas e Quinn no cinema pois em 1954 haviam filmado “Ulysses” para a Lux Films, na Itália.

Kirk Douglas e Earl Holliman:
permanente tensão.
Kirk Douglas, o destaque maior - Filmado em sua maior parte nos estúdios da Paramount com a cidade cenográfica recebendo uma estrada de ferro de 600 metros, as sequências da fazenda de Craig Belden foram filmadas no histórico Empire Ranch, em Old Tucson, no Arizona. A sequência do estupro da esposa índia do xerife Morgan se passa no mesmo túnel de árvores em que Rhonda Fleming se decepciona com Burt Lancaster (Wyatt Earp) em “Sem Lei e Sem Alma”. A bela fotografia de “Duelo de Titãs” é de Charles Lang Jr. que inicia o filme luminosamente e no decorrer do mesmo torna-o soturno, sinistro até chegar ao clima dantesco com o incêndio do hotel Harper House, seguindo orientação de John Sturges. E a ótima trilha sonora de Dimitri Tiomkin bem que merecia uma canção-tema marcante, da qual este faroeste se ressente. O sofrido e sedento por justiça Matt Morgan é personagem talhado para Kirk Douglas que dá ao mesmo a necessária angustiada bravura. Anthony Quinn expressa soberbamente a dor do pai cujo filho trai suas expectativas mas mesmo assim ainda é amado. Ótimos Carolyn Jones e Earl Holliman, este apenas 13 anos mais novo que Tony Quinn, seu pai no filme. Entre os coadjuvantes as figuras lembradas de atores menos conhecidos como Charles Stevens, Glenn Strange e Bing Russell (pai de Kurt Russell). A israelense Ziva Rodann, a índia Cherokee esposa de Matt Morgan, aparece pouco. Boa a participação de Walter Sande como o xerife covarde de Gun Hill. Brad Dexter passa o filme todo apenas fumando.

John Sturges dirigindo "Duelo de Titãs".
Obediência cega ao dono de Gun Hill - “Duelo de Titãs” não é dos faroestes mais citados entre os melhores do gênero, mas é um western empolgante, emocionante e envolvente. Muito acima de “Sem Lei e Sem Alma”, ainda que mais simples na história que conta e na sua produção. E nada fica a dever a “Galante e Sanguinário” até porque Kirk Douglas e Anthony Quinn são atores superiores a Glenn Ford e Van Heflin. E o mérito maior de “Duelo de Titãs” deve ser atribuído a John Sturges que realizou um faroeste intenso e irrepreensível no seu desenvolvimento. Repleto de criativos enquadramentos, este western de Sturges demonstra o amadurecimento do diretor que fecharia sua magnífica filmografia na década de 50 com o clássico “Sete Homens e Um Destino” (The Magnificent Seven). “Duelo de Titãs” é um primoroso estudo sobre o poder, sobre como ele é implacavelmente exercido e sobre como homens acovardados se submetem a esse poder. Craig Belden manda na cidade e é temido e obedecido por todos que o cercam, intimidados pelo seu poder do qual de alguma maneira se beneficiam inescrupulosamente. Situação não muito diferente da encontrada em tantos outros rincões do Velho Oeste ou fora dele.


Anthony Quinn (Craig Belden) que exerce com mão de ferro o poder em
Gun Hill, sendo cegamente obedecido por seus covardes capangas.

Douglas e Quinn descansando durante as filmagens de "Duelo de Titãs";
Douglas como Ulysses e Quinn como Antinoos, em "Ulysses";
Quinn como Paul Gaugain e Douglas como Van Gogh em "Sede de Viver".

Hal B. Wallis decidiu, em 1963, lançar um pacote para exibição reunindo em
programa duplo os dois faroestes que produziu (poster abaixo à esquerda).

18 de setembro de 2013

HONDO (CAMINHOS ÁSPEROS), JOHN WAYNE MELHOR QUE NUNCA


John Wayne (Wayne-Fellows Productions) pensou em Glenn Ford para interpretar ‘Hondo Lane’ no western “Caminhos Ásperos” (Hondo), rodado e lançado em 1953. Glenn Ford era, sem dúvida, um ótimo ator de faroestes mas após alguém assistir a performance de John Wayne protagonizando o herói desse filme, fica difícil imaginar qualquer outro ator no lugar do Duke que tem uma de suas melhores atuações como... ‘John Wayne’. Mas “Caminhos Ásperos” não se resume à perfeita interpretação de Wayne como um rude batedor do Exército pois nos 83 minutos desse faroeste há muita ação de excelente qualidade. Há, por certo, algumas sequências de ação risíveis devido à necessidade de criar efeitos para emocionar as platéias que vibravam com a novidade daquele ano, o processo 3D (3.ª Dimensão). Relançado em 1995 “Caminhos Ásperos” é um filme creditado ao diretor John Farrow e que ganhou status de um dos melhores westerns da extensa filmografia de John Wayne, na qual o que não falta são grandes filmes.


A chegada do estranho ao rancho;
Vittorio protegendo a família
Hondo protegendo uma família no Arizona - Segundo aqueles que leram a história original escrita por Louis L’Amour intitulada “Hondo”, o filme segue à risca o original, inclusive reproduzindo na íntegra alguns diálogos contidos no livro. Seria então um caso de grande coincidência as semelhanças entre “Caminhos Ásperos” e “Shane” (Os Brutos Também Amam) filme de George Stevens saudado imediatamente como obra-prima do gênero e que obteve enorme sucesso em seu lançamento. Assim como Shane no Wyoming, Hondo Lane (John Wayne) também chega a um sítio no Arizona onde uma família necessita de ajuda, aqui ameaçada não por grandes criadores, mas pelos apaches, legítimos donos da terra. A senhora Angie Lowe (Geraldine Page) e seu filho de seis anos Johnny (Lee Aaker) sentem-se mais seguros com a presença de Hondo até porque foram abandonados por Ed Lowe (Leo Gordon), marido de Angie e pai de Johnny. O traiçoeiro Ed Lowe tenta emboscar Hondo mas é morto por este em legítima defesa. Mais que nunca Hondo se vê obrigado a proteger Angie e o menino. O chefe apache Vittorio (Michael Pate), que nutre simpatia pela valentia do pequeno Johnny, passa também a dar proteção ao menino e à mãe. Com a morte de Vittorio e com os apaches em pé de guerra é Hondo quem salva Angie e Johnny, bem como lidera uma ação para salvar o que restou do batalhão que deveria retirar os colonos daquela região. Finalizando a aventura Hondo, Angie e Johnny partem para o rancho dele na Califórnia.

Uma cara pequena produção - O custo de produção de “Caminhos Ásperos” foi relativamente alto para que possa ser chamado de pequeno faroeste. Econômico como seu Mestre John Ford, John Wayne viu os custos de produção quase duplicarem com as constantes quebras das pesadas câmaras 3D e com as semanas à espera dos consertos das mesmas. As presenças de uma centena de índios a cavalo e da Cavalaria, mais o trabalho apreciável de uma dezena dos melhores stuntmen de Hollywood, liderados por Cliff Lyons, também tiveram seu custo. Para melhorar ainda mais a qualidade da produção Wayne chamou Alfred Ybarra para a Direção de Arte e Robert Burks e Archie Stout para a cinematografia. Burks, para quem não se lembra, foi o diretor de fotografia de todos os filmes do exigente Alfred Hitchcock desde “Pacto Sinistro” (1951) até “Marnie, Confissões de uma Ladra” (1964). Com uma equipe técnica desse nível John Wayne e seu sócio Robert Fellows cometeram o erro de entregar a direção ao irregular John Farrow. Wayne queria um diretor a quem pudesse manipular e John Farrow (marido de Maureen O’Sullivan) era adequado para isso, além de custar pouco. E para maior azar de John Wayne ele acreditou em seu agente Charles K. Feldman que lhe disse ter a atriz perfeita para interpretar a feiosa e simplória mocinha da história.

Geraldine Page exibindo os dentes restaurados;
abaixo cenas difíceis para John Wayne.
A inadequada escolha de Geraldine Page - Feldman era também o agente de uma atriz de teatro chamada Geraldine Page que depois de alguns anos nos palcos despontou com um pequeno êxito na Broadway em 1952. Sem sequer fazer um teste para o filme Geraldine Page foi mandada para Camargo, no México, onde “Caminhos Ásperos” começara a ser rodado. Certamente acreditou-se que Geraldine tinha algo de Jean Arthur, a Marian Starrett de “Shane’. Em atitude típica de atores de teatro, Geraldine para ‘entrar’ no personagem passara dias sem tomar banho e o incrédulo John Wayne imaginou-se tendo de abraçar e beijar aquela atriz malcheirosa. Além disso Geraldine tinha visíveis cáries, tendo sido por essa razão mandada de volta a Los Angeles para que um dentista fizesse em três dias um grande trabalho de restauração na sua dentição. Uma coisa era sorrir no teatro, outra era sorrir para close-ups no cinema. Geraldine Page provou em sua carreira ser mais que boa atriz, era sim uma atriz excepcional, mas para interpretar Angie Lowe foi uma má escolha. Depois dessa sua estréia no cinema Geraldine retornou para a Broadway onde passou os próximos oito anos colecionando sucessos, até que voltou a filmar em 1961 com o drama “Anjo de Pedra” que lhe valeu a segunda indicação para o Oscar. A primeira indicação, estranhamente, foi por sua interpretação em “Caminhos Ásperos”. A cada novo filme que fazia Geraldine Page recebia nova indicação para o Oscar, num total de oito indicações, até ser premiada como Melhor atriz em 1985 por “O Regresso para Bountiful”. O que Geraldine Page passou durante as filmagens de “Caminhos Ásperos” merece uma postagem especial aqui no WESTERNCINEMANIA, ainda mais porque ela é a única atriz que contracenou em papéis principais com John Wayne e com Clint Eastwood (“O Estranho que Nós Amamos”).

Chuck Hayward dublando John Wayne;
o cão Sam participando de uma cena.
O heróico Hondo de John Wayne - O relacionamento entre Hondo-Angie-Johnny era fundamental para o sucesso do filme em seu aspecto romântico-sentimental, como se passara em “Shane”. Ocorre que John Wayne nunca se deu bem em cenas de amor e sentia-se mais à vontade com a heroína (especialmente se ela fosse Maureen O’Hara) se a relação fosse de amor e ódio. Sem um romance convincente “Caminhos Ásperos” tem na ação seu ponto alto e, aos 45 anos de idade, ainda magro, John Wayne se encontrava em excelente forma física, agigantando extraordinariamente seu personagem. Mesmo visivelmente dublado por Chuck Hayward na sequência em que doma um cavalo e por Chuck Roberson em sequências de luta, John Wayne está magnífico como o batedor que respeita os apaches e que conhece como ninguém a lida de um cowboy. E muito bom de briga, sua especialidade, derrubando com um soco os dois metros de altura de James Arness (Lennie) que ousou provocá-lo. E o fortíssimo Leo Gordon foi sua vítima por duas vezes, numa delas, para não perder a viagem John Wayne soca também seu amigo Ward Bond (Buffalo), talvez pela ridícula barba que Bond ostenta no filme. Para John Wayne, lutar com facas contra o apache Silva (Rodolfo Acosta) chega a ser uma covardia e mesmo assim Silva crava uma faca no ombro de Hondo. Poucas vezes se viu um John Wayne mais heróico na tela em um faroeste, definindo sua carismática persona criada em “Hondo” que repetiria ad infinitum. O que nunca mais Wayne repetiu foi a companhia de ‘Sam’ o incrível cão que é sua sombra no filme.

John Ford chega a Camargo para assumir a direção
enquanto John Farrow (no centro) desapareceu.
John Wayne contra a crise - Numa história não muito bem esclarecida pelas testemunhas, John Ford apareceu nas filmagens de “Caminhos Ásperos” exatamente no momento em que John Farrow se afastou das locações em Camargo. Muito provavelmente John Wayne sentindo a dificuldade que Farrow teria para dar a necessária dimensão às sequências de ataque dos apaches, incumbiu o amigo Ford dessa missão. Mesmo sem crédito como diretor John Ford foi o responsável pelos últimos dez minutos de maior movimentação que se constituem no clímax do filme com John Wayne sobressaindo-se espetacularmente. “Caminhos Ásperos” é tudo que um fã do gênero pode querer, com Wayne demonstrando que era incomparavelmente superior a qualquer outro mocinho do cinema. Quando uma crise se abateu em Hollywood no início dos anos 50, com a população começando a preferir a televisão ao cinema, Jack Warner declarou, provavelmente depois de assistir “Caminhos Ásperos”: “Não há crise que não seja superada por três ou quatro westerns estrelados por John Wayne”. Mais ainda se Wayne estiver entre seu amigos, como em “Caminhos Ásperos” em que é coadjuvado por Ward Bond, James Arness, Paul Fix e os stuntmen Frank McGrath, Cliff Lyons, Chuck Hayward, Chuck Roberson e outros. E como assistente de direção outro amigo seu, Andrew V. McLaglen. Todos formando uma espécie de Wayne Stock Company. O elenco de “Caminhos Ásperos” tem ainda o australiano Michael Pate e o mexicano Rodofo Acosta como apaches. O menino Lee Aaker faria sucesso na TV como o Cabo Rusty da série "Rin-Tin-Tin". E o inteligentíssimo cão Sam, que se chamava 'Pal' seria filho de Lassie e seu dono o teria perdido para John Wayne numa partida de pôquer.

Wayne, que em 1952 já era considerado
um dos homens mais importantes dos EUA.
Western simpático aos índios - “Hondo” foi uma das primeiras histórias publicadas por Louis L’Amour, autor que vendeu com seus livros a impressionante cifra de 200 milhões de exemplares, sempre com histórias sobre o Velho Oeste. John Wayne nunca escondeu que não morria de amores pela causa dos índios, entendendo que eles pagaram o preço do avanço da civilização, opinião discutível de um ultradireitista. Porém “Hondo” é uma história inteiramente favorável aos nativos com o personagem tendo vivido entre os apaches, casado com uma índia e absorvido os costumes dos índios. Com surpreendente sinceridade John Wayne cita durante o filme a dignidade dos apaches e ao final, quando se prenuncia o extermínio dos bravos que sobreviveram ao chefe Vittorio, um pesaroso Hondo diz que aquilo "é o fim de um estilo de vida". Enquanto isso os conquistadores brancos de “Caminhos Ásperos” são mostrados como marido e pai irresponsável (Ed Lowe) e oficiais incompetentes (o jovem Tenente McKay). A capa de uma edição da revista Time de 1952 mostra John Wayne à frente de um cenário de faroeste mesclado com uma caixa registradora. Bons tempos em que westerns eram lucrativos e mais que isso, estrelados por John Wayne.

Hondo e o respeito pelos índios.

Hondo (John Wayne), um verdadeiro homem do Oeste mostrando suas habilidades.

A pobre Geraldine Page teve que ouvir diálogos irônicos referentes
 à sua higiene pessoal.

Joga-se tudo contra a tela num filme em 3.ª  Dimensão.
Na foto maior 'Sam', versão canina de seu dono 'Hondo',
com a enorme cicatriz entre os olhos.

Diálogos fazendo zombaria com o início de "Shane".

Sequência do ataque apache filmada por John Ford, com destaque para o
trabalho dos fantásticos dublês.

Pôsteres de "Hondo": o norte-americano anunciando 3D, o italiano,
o francês e o alemão.