UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

29 de abril de 2012

O LENDÁRIO GENERAL CUSTER HÁ 100 ANOS NO CINEMA


(Matéria revista e ampliada – 1.ª publicação neste blog em 12/4/2011)

O mesmo cinema que em outros tempos romantizava e idealizava enganosamente a vida de homens célebres, passou a mostrar a verdade de suas biografias. Um das mais polêmicas personalidades da história norte-americana foi o General George Armstrong Custer, a quem Hollywood, nas primeiras cinco décadas, retratou como mártir e herói e hoje é visto nas telas de modo bastante diferente, para dizer o mínimo.

Acima o cadete George
Armstrong; abaixo o
cadete Errol Flynn.
O PIOR CADETE DE WEST POINT - Se no início da 2.ª Guerra Mundial foi importante para os Estados Unidos levantar o moral do cidadão norte-americano construindo uma imagem fantasiosa de um grande herói, em tempos de pós-Vietnã a desmistificação veio de forma até cruel. E descobrimos que Custer era péssimo aluno, tendo sido o último colocado entre os 34 cadetes graduados em West Point em 1861. Suas notas eram assombrosamente baixas, somente conseguindo se tornar 2.º tenente porque já estava em curso a Guerra de Secessão e mais oficiais eram necessários para enfrentar o Sul que estava fortemente armado e liderado por generais como Robert Lee, Jeb Stuart e Thomas 'Stonewall' Jackson. E descobrimos que Custer era um homem egocêntrico, megalomaníaco e, usando um termo em moda, perfeito ‘marqueteiro’. E descobrimos que Custer era um sádico ávido por exterminar as nações indígenas pois isso lhe dava projeção nacional. E descobrimos que, mesmo como estrategista, Custer foi um fracasso levando à morte, em Little Big Horn, praticamente todo o 7.º Regimento de Cavalaria sob seu comando. Mas independente da verdade histórica o apaixonado por cinema jamais deixará de se emocionar ao rever pela enésima vez Errol Flynn (Custer) sucumbir diante dos milhares de índios comandados por Anthony Quinn (Crazy Horse) na batalha final de “O Intrépido General Custer”.

Ronald Reagan como Custer;
Errol Flynn como J.E.B. Stuart
UM SÉCULO DE CUSTER NO CINEMA - Inúmeras vezes a vida de Custer foi levada ao cinema, outras tantas ele apareceu em filmes como personagem importante nas histórias do Velho Oeste. A TV não ficou atrás, explorou e até hoje explora a imagem do irrequieto oficial da Cavalaria Norte-Americana. A primeira vez que isso aconteceu foi em 1912, em “Custer’s Last Fight”, dirigido e protagonizado pelo então poderoso Francis Ford, que já lançava no cinema seu jovem irmão Jack (John) Ford. Era um filme de 30 minutos, curto mas suficiente para iniciar a glorificação cinematográfica de Custer. Por diversas vezes a Batalha de Little Big Horn seria assunto de westerns no cinema mudo, sendo que as últimas e mais importantes foram em 1926 com produções estreladas por atores de renome como Dustin Farnum em “Flaming Frontier” e John Beck em “General Custer at Little Big Horn”. Custer estreou no cinema falado na pele do ator William Desmond em “O Fantasma Vingador” (The Last Frontier), seriado em 12 episódios estrelado por Creighton Chaney, que depois mudaria o nome para Lon Chaney Jr. Em 1936, o lendário general foi interpretado por John Miljan na superprodução de Cecil B. DeMille “Jornadas Heróicas” (The Plaisman), em que Gary Cooper interpreta Wild Bill Hickok. Em 1940 George Armstrong foi interpretado por Paul Kelly, em “O Bamba do Sertão” (Wyoming), estrelado por Wallace Beery. Em seguida por Addison Richards em “Badlands of Dakota”, estrelado por Robert Stack. Em 1940 foi a vez de Ronald Reagan se transformar no General Custer em “A Estrada de Santa Fé”, filme em que a estrela era Errol Flynn interpretando o general sulista Jeb Stuart, numa das muitas vezes em que foi dirigido pelo diretor Michael Curtiz. E viria, então, o mais famoso filme abordando a vida de Custer.



Jamais alguém comandou um regimento
de Cavalaria como Errol Flynn.
O INTRÉPIDO ERROL FLYNN - O ano era 1941 e a Warner escalou a dobradinha Michael Curtiz-Errol Flynn para mais um sucesso garantido que seria a biografia de George Armstrong Custer, exatamente num momento em que eclodia o maior conflito mundial de todos os tempos. Errol Flynn sempre gostou de uma boa confusão e avisou Jack Warner que não queria mais trabalhar com aquele húngaro maluco (Curtiz). Como o papel de Custer era talhado para Errol Flynn, Jack Warner substituiu o detestado mas confiável diretor por Raoul Walsh que por sinal ficava muito mais à vontade no gênero western que o diretor de “As Aventuras de Robin Hood” e “Capitão Blood”. O filme biográfico se chamou “O Intrépido General Custer” (They Died With Their Boots On) e arrasou nas bilheterias, como não poderia deixar de ser. Hoje pode-se dizer que o sucesso desse filme foi tão grande quanto as críticas negativas que passou a sofrer nas últimas décadas, isto por ser um filme sem nenhum compromisso com a verdade histórica, ou seja, típico produto da Hollywood da época de ouro do cinema. Porém, todo garoto, após ver o filme, saia do cinema sonhando ser tão heróico como aquele general de cabelos longos e jaqueta de couro amarela com franjas. E nas brincadeiras de mocinho a meninada gostava de morrer de forma épica como o Custer de Errol Flynn, com a espada em uma mão e o revólver na outra em meio aos ‘covardes’ índios. Afinal o cinema sempre foi uma fábrica de ilusões.

Acima Ty Hardin, Jeffrey Hunter e Robert
Shaw; no centro Wayne Maunder, Joe Maross
e Phillip Carey; abaixo o Custer de Leslie
Nielsen com Don Murray e Guy Stockwell.
CUSTER, UM ETERNO PERSONAGEM - Errol Flynn encarnou o definitivo General Custer nas telas. No entanto o fantasma desse general rondava o cinema e seus roteiristas, até que em 1951 o ator James Millican (“Matar ou Morrer”), trouxe Custer novamente para as telas no filme “Sanha Selvagem” (Warpath), estrelado por Edmond O’Brien e pela linda atriz iniciante Polly Bergen. No ano seguinte Custer foi revivido por Sheb Wooley (também de “Matar ou Morrer”) em uma ‘pontinha’ em “O Último Baluarte” (Bugles in the Afternoon), estrelado por Ray Milland. Em 1958 foi a vez de Walt Disney se aproveitar da fama do lendário General Custer num western para toda família chamado “Tonka, o Bravo Comanche” (Tonka). Sal Mineo é um jovem índio dono do cavalo Tonka e Custer foi interpretado por Britt Lomond. Em 1965 Philip Carey interpretou Custer em “O Grande Massacre”, com Joseph Cotten como o Major Reno. Somente em 1968 o cinema se lembraria outra vez de Custer, em “As Espingardas do Faroeste”, uma refilmagem de “The Plainsman”, desta vez com Don Murray no papel que fora de Gary Cooper (Wild Bill Hickok), enquanto Custer foi interpretado por um ainda sério Leslie Nielsen. 1967 seria um grande ano para a figura de Custer pois o respeitado diretor Robert Siodmak dirigiu “Os Bravos não se Rendem” (Custer of the West), ambicioso filme programado para o processo Cinerama e que era para ser dirigido por Akira Kurosawa. O ator inglês Robert Shaw é quem interpreta Custer, coadjuvado por um elenco onde se destacam Robert Ryan, Jeffrey Hunter e Guy Stockwell. Nesse mesmo ano a TV norte-americana colocou no ar a série “Custer”, com Wayne Maunder vivendo o intrépido general e com Slim Pickens também no elenco. A série durou apenas 17 episódios, não fazendo sucesso e sendo cancelada na primeira temporada. Aproveitando os cenários da série foi produzido o longa-metragem “Os Bravos Nunca Morrem” (The Legend of Custer), feito para o cinema, com o mesmo elenco da série da TV, ou seja, Wayne Maunder interpretou Custer também na tela grande. A figura do General Custer apareceu até em séries não westerns, como em O Túnel do Tempo, no episódio “Massacre”, exibido em outubro de 1966. Nesse episódio a viagem no tempo transporta Tony (James Darren) e Doug (Robert Colbert) para o ano de 1876 quando Cavalaria e índios se enfrentavam com Custer e Crazy Horse presentes. O ator Joe Maross interpretou o discutido comandante do 7.º Regimento de Cavalaria.

Acima Richard Mulligan, o Custer de
"O Pequeno Grande Homem"; abaixo
Mastroianni como o General Custer
ao lado de Phillipe Noiret.
UM ÍNDIO CENTENÁRIO FALA DE CUSTER – A partir dos anos 60 o cinema norte-americano já havia adotado alinha revisionista e em 1970 Arthur Penn rodou “O Pequeno Grande Homem” (Little Big Man), talvez a mais cara produção envolvendo a presença do General Custer. O filme é narrado pelo índio Jack Crabb (Dustin Hoffman) que atingiu a idade centenária de 121 anos, tendo sobrevivido a Little Big Horn e tendo convivido com Custer. E é Jack Crabb quem conta de forma realista quem foi o mais famoso general da Cavalaria dos Estados Unidos. Quem interpreta Custer é Richard Mulligan e o massacre de Washita River, em 1868, é um dos pontos altos deste que foi um dos principais westerns daqueles anos. “O Pequeno Grande Homem” relata a história de Custer como nunca antes havia sido contada no cinema. O grande destaque do elenco é Chief Dan George, índio de 71 anos que teria outra brilhante atuação em “Josey Wales, o Fora-da-Lei”. E para quem achava que os europeus já haviam cansado de brincar de mocinho, eis que em 1974, o diretor italiano Marco Ferreri (de “A Comilança” e “A Crônica do Amor Louco”) decide falar de Little Big Horn. Para isso reuniu Michel Picolli, Philippe Noiret, Ugo Tognazzi e Catherine Deneuve para uma insólita recriação da vida de Custer. Ah, George Armstrong é interpretado por Marcello Mastroianni. Essa absurda comédia intitulada “Não Toque na Moça Branca” (Touche Pas à La Femme Blanche), apesar do elenco de primeira foi um fracasso de bilheteria.

100 ANOS DE GENERAL CUSTER NO CINEMA - Custer esperaria mais 12 anos para que, em 1991, outro filme focalizasse sua vida em “Son of the Morning Star”, produzido para a TV e com o personagem principal de General Custer interpretado por Gary Cole. Com 187 minutos, esse western é original porque a vida de Custer é contada a partir da visão de sua mulher Libbie (Rosanna Arquette) e de Kate Bighead (Buffy St. Mary). O papel de Custer foi oferecido a Kevin Costner que vinha do grande sucesso com “Dança com Lobos”, no entanto Costner não aceitou a proposta de trabalho para essa produção para a TV. Entre tantos intérpretes de Custer no cinema certamente Gary Cole é aquele que mais se assemelha fisionomicamente com o general. Em 2009, foi produzido para o cinema “Uma Noite no Museu 2” e entre Napoleão, Ivan o Terrível, Al Capone, Átila e Lincoln, surge o General Custer. Notícias de Hollywood dão conta que será filmado em agosto próximo e lançado em 2013 o filme “O Importante é Vencer” (The Hard Ride) com Val Kilmer de volta à sela novamente, ao lado de Wes Studi e Don Murray. Neste western passado em 1876 o ator Christopher Atkins (o menino de “A Lagoa Azul”) interpretará George Armstrong Custer. Esse lançamento ocorrerá 101 anos após Francis Ford ter interpretado o General Custer pela primeira vez no cinema e por certo não será esta a última vez que o lendário General do 7.º Regimento da Cavalaria surja orgulhoso e garbosamente nas telas.
Nas fotos à direita: o verdadeiro George Armstrong Custer;
Gary Cole em "The Son of Morning Star";
abaixo Francis Ford, irmão de John Ford, o primeiro Custer do cinema.

 

26 de abril de 2012

O FANTASMA DO GENERAL CUSTER (7th Cavalry) – RÉQUIEM PARA UM REGIMENTO


Na década de 50 Randolph Scott fez unicamente westerns, num total de 24. Alguns tão bons que chegam a frequentar listas dos melhores de todos os tempos. Dentre esses faroestes há um que desperta curiosidade por duas razões: a primeira por ter sido dirigido por Joseph H. Lewis; a segunda por tocar no massacre de Little Big Horn e consequentemente na discutida figura de George Armstrong Custer.


MISSÃO SUICIDA EM LITTLE BIG HORN - Glenson Swarthout foi o autor das histórias dos westerns “Heróis de Barro” (They Came to Cordura) e de “O Último Pistoleiro” (The Shootist), tendo também escrito “O Fantasma do General Custer” (7th Cavalry). Esta última história foi roteirizada por Peter Parker e conta como o Capitão Thomas Benson (Randolph Scott) regressa ao Forte Lincoln deparando-se com o cenário desolador de soldados embebedados e as mulheres revoltadas. Durante sua ausência o comandante do Forte, General Custer, decidiu atacar os índios que se recusavam a abandonar as colinas negras de Dakota (Black Hills), sendo massacrado com seus homens num vale denominado Little Big Horn. O Capitão Benson havia deixado o Forte Lincoln às vésperas da tresloucada empreitada de Custer. O General havia dado a Benson ordem expressa para ir buscar a noiva Martha Kellogg (Barbara Bates) em outra base militar. O Capitão Benson passa a ser acusado de covardia e deserção quando no próprio Forte Lincoln é reunida uma comissão para apurar os fatos que culminaram com a tragédia de Little Big Horn. O Coronel Kellogg (Russell Hicks), pai de Martha é designado para comandar os trabalhos da comissão, encaminhando a situação de tal maneira que o Capitão Benson deveria ser levado a uma Corte Marcial. O presidente dos Estados Unidos ordena então ao Coronel Kellogg que seja destacado um pelotão para resgatar os corpos dos oficiais mortos em Little Big Horn. Essa missão fica a cargo do Capitão Benson mesmo sob a forte ameaça dos siouxes e cheyennes. Ao retornar o Capitão Benson é visto como herói e casa-se com a filha do Coronel Kellogg.

Capitão Thomas Benson
UM ADVOGADO PARA CUSTER - Foi John Ford em “Sangue de Heróis” (Fort Apache) quem pela primeira vez no cinema mostrou um viés diferente sobre o General Custer. Ainda que o personagem se chamasse Owen Thursday (Henry Fonda), ninguém nunca teve dúvidas quem era o Comandante do Forte Apache que, assim como Custer, levou seus homens à morte. “O Fantasma do General Custer” porém fala mais abertamente sobre os erros de Custer imputando-lhe a responsabilidade pela morte das quase três centenas de homens sob seu comando. Em 1956 quando este filme foi rodado a América vivia ainda sob o governo do Republicano Dwight D. Eisenhower que tinha o notório Richard Nixon como vice-presidente. Afinado com o momento político o roteiro de “O Fantasma do General Custer” colocou o melhor dos advogados para isentar Custer de quaisquer acusações que maculassem sua imagem: Randolph Scott. O Capitão Benson, personagem de Scott passa o filme todo tentando provar que o General Custer foi uma glória da Cavalaria norte-americana. E para respaldar essa defesa os próprios índios reverenciam a imagem do ‘Cabelos Longos’ ao ver seu cavalo solitário numa elevação afastando-se de Little Big Horn na iminência de um novo massacre. A finalidade do autor da história certamente foi tocar o dedo numa ferida que nunca cicatrizou e isso foi conseguido, ainda que a imagem de Custer tenha sido aparentemente respeitada.

O cavalo do General Custer que salvou
um pelotão; abaixo os supersticiosos
índios (Charles Horvath e Paul Hogan).
CAVALO SEM CAVALEIRO - Seria inimaginável pensar que um capitão (Benson) protegido por Custer não soubesse na véspera da partida do 7.º Regimento de Cavalaria dos preparativos para essa nova investida do psicótico general contra os índios. Mesmo assim o Capitão Benson parte em busca da sua amada e o roteiro se esquece de esclarecer se a missão de Benson em resgatar o corpo de Custer é completada ou não. Com toda a liberdade tomada em relação a uma história repleta de lendas o filme deixa a impressão que Custer foi de fato uma figura heróica, como imaginavam também os supersticiosos índios de “O Fantasma do General Custer”. Muitos westerns magníficos já distorceram a verdade dos fatos do Velho Oeste transformando em mitos homens que mereceriam a forca e este é apenas mais um desses faroestes, com a agravante que nada tem de magnífico. Longe disso. O filme tem apenas duas cenas de ação, as lutas do Capitão Benson contra um índio e depois contra o soldado Vogel (Leo Gordon). Essas cenas poderiam ser consideradas muito boas não fosse o fato de vermos sempre Randolph Scott de costas nesses momentos em que quem luta de verdade é seu dublê. E o final reserva a decepção maior que é reunir dezenas de índios a cavalos que não atacam aqueles que profanaram o solo sagrado de Little Big Horn. Depois de algumas voltas em torno dos encurralados túnicas azuis os índios veêm o cavalo 'Vic' de Custer sem a excêntrica e alourada figura de seu cavaleiro e o Capitão Benson se transforma em herói.


Acima à direita espetacular golpe de Randolph Scott desarmando um
índio; abaixo Leo Gordon, Randy Scott, Frank Faylen e Jay C. Flippen.
O DIRETOR JOSEPH H. LEWIS - Randolph Scott domina todo o filme com sua imagem de indiscutível integridade, ainda que defendendo o indefensável. O bom elenco de apoio tem os ótimos característicos Jay C. Flippen, Denver Pyle, Leo Gordon e Jeanette Nolan. Barbara Bates é a leading-lady de Scott num filme que tem ainda Frank Faylen, Michael Pate, Harry Carey Jr e Pat Hogan. Coincidentes são as presenças de Russell Hicks e de Frank Wilcox, atores que participaram do clássico “O Intrépido General Custer”, em 1941. O nome de Joseph H. Lewis na direção poderia ser a garantia de cenas de grande criatividade, ele que foi um dos principais diretores de filmes “B” da Columbia. São de autoria de Lewis os clássicos “Mortalmente Perigosa”, com John Dall e Peggy Cummings e “Império do Crime”, com Cornel Wilde. Entre os faroestes de Joseph H. Lewis, sempre trabalhando com orçamentos reduzidos, estão “Obrigado a Matar” (The Lawless Street), com Randolph Scott; o ótimo “Ódio Contra Ódio” (The Haliday Brand), com Ward Bond; e o cult “Reinado do Terror” (Terror in a Texas Town), com Sterling Hayden. Reconhecido por seus inusitados movimentos de câmara, neste “O Fantasma do General Custer” não há nada que possa ser destacado na direção preguiçosa e rotineira do diretor, num filme que não merecia a assinatura de Joseph H. Lewis.

24 de abril de 2012

SÉRIES WESTERNS DE TV - BAT MASTERSON


1959 foi o ano em que houve o maior número de séries westerns produzidas pela TV norte-americana, num total de 48. Qualquer nova série de TV no gênero faroeste que fosse lançada e que pretendesse fazer sucesso teria que ter um diferencial em relação às demais e foi isso que aconteceu com “Bat Masterson”, que alcançou boas audiências nos Estados Unidos. No Brasil ela era uma das preferidas e a música-tema da série chegou ao primeiro lugar das paradas de sucesso.


Acima Bat Masterson jovem e já idoso;
abaixo Masterson e o amigo Wyatt Earp.
VIDA DE AVENTUREIRO - O personagem Bat Masterson já era velho conhecido dos fãs de faroestes, personagem que no cinema foi interpretado, entre outros, por Randolph Scott, Monte Hale, George Montgomery e Kenneth Tobey em “Sem Lei e Sem Alma” (Gunfight at the OK Corral). Nascido Bartholomew Masterson, em 1853 no Canadá, Masterson mudou ainda criança, com a família, para os Estados Unidos onde levou uma vida incansável de aventureiro. Assim que pode alterou o nome ‘Bartholomew’ para William Barclay Masterson, mas conservou o apelido ‘Bat’ e foi caçador de búfalos, lutando depois na Batalha de Adobe Walls contra os comanches e kiowas liderados por Quanah Parker. Por algum tempo foi batedor da Cavalaria e por um tempo muito maior foi jogador profissional de pôquer. No final de sua vida Masterson se tornou jornalista em Nova York escrevendo para o jornal ‘New York Morning Telegraph’. Entre outros assuntos W.B. Masterson escreveu sobre esportes e teatro, chegando a fazer uma resenha do melodrama-western “The Barrier” que tinha como ator principal nada menos que William S. Hart. Porém William Barclay Masterson se tornaria verdadeira lenda como homem da lei, começando em Dodge City onde em 1876 foi nomeado Sheriff, prendendo ladrões de trens e literalmente limpando a cidade dos malfeitores. Com o poder que adquiriu acabou se envolvendo com um grupo chamado apropriadamente ‘The Gang’ que operava negócios escusos, o que levou à sua demissão do cargo de Sheriff de Dodge City em 1879. Masterson se mudou então para a tempestuosa Tombstone onde se tornou amigo de Wyatt Earp e Doc Holiday, ajudando Wyatt a apaziguar a cidade. Mudando-se para Denver, no Colorado, Masterson virou empresário, comprando saloons e teatros. No início do século seguinte Masterson foi para Nova York e com a fama que possuía foi nomeado, em 1901, delegado federal pelo presidente Theodore Roosevelt. No fim de sua vida Masterson voltou ao jornalismo, falecendo de ataque cardíaco aos 67 anos, em 1921, caindo sobre sua mesa de trabalho quando escrevia um artigo para o ‘N.Y. Morning Telegraph’.


Bat Masterson no cinema: acima interpretado por Randolph Scott em
"Sem Deus e Sem Lei", ao lado de George 'Gabby' Hayes e Robert Ryan;
abaixo George Montgomery como Bat Masterson em "Ases do
Gatilho", ao lado de Nancy Gates.

UM PASSEIO POR HOLLYWOOD - O cinema já havia explorado a fama de Bat Masterson e em 1958 chegou a vez da televisão recriar o famoso personagem. A escolha do protagonista recaiu sobre Gene Barry, ator nascido em Nova York em 1919, e que fez sua estréia na Broadway em 1942. Barry atuou sem parar nos palcos de Nova York até que em 1952 resolveu passar alguns dias em Hollywood, passeio que acabou durando mais de 30 anos. Gene Barry foi logo convidado para estrelar a sci-fi “A Cidade Atômica”. Nesse filme a heroína era a atriz Lydia Clarke,  esposa de Charlton Heston. Depois dessa estréia Gene Barry foi fazendo um filme após o outro e entre seus filmes de maior sucesso estão o hoje clássico “A Guerra dos Mundos”, “Ligas Encarnadas”, “No Reinado da Guilhotina” (com Tony Curtis). Barry foi dirigido duas vezes por Samuel Fuller, a primeira em “No Umbral da China” e depois no cultuado faroeste “Dragões da Violência”, estrelado por Barbara Stanwyck. Gene Barry foi um dos muitos atores que percebeu o enorme potencial da TV que começava a vencer a batalha de entretenimento contra o cinema, além do que o salário para interpretar Bat Masterson era quase irrecusável.
Nas fotos acima, Gene Barry em sua estréia no cinema em "Cidade Atômica" ao lado de Lydia Clarke (senhora Charlton Heston); no centro com Ann Robinson em "Guerra dos Mundos"; abaixo com Nat King Cole em "Umbral da China".

MOCINHO DANDY - Produzida pela ZIV Television Programs Inc, e tendo como produtores executivos Frank Pittman e Andy White, a nova série chamada “Bat Masterson” apresentava um personagem que lembrava um pouco o Bret Maverick (James Garner) pela elegância e cinismo. Porém Masterson tinha a vantagem de ter sido uma figura mítica do Velho Oeste norte-americano. Quando foi ao ar o primeiro episódio da série, no dia 8 de outubro de 1958 através da rede NBC, o público simpatizou de imediato com aquele homem da lei que gostava de uma partida de pôquer, que cortejava abertamente as mulheres bonitas e que enfrentava os bandidos de modo bastante peculiar. Bat Masterson era um autêntico dandy e completava a elegância de seus bem cortados ternos com um chapéu do tipo Derby, aqui no Brasil chamado de ‘coco’ (abas curtas e copa arredondada). Porém o que mais chamava a atenção era sua bengala ornamentada com detalhes em ouro na parte superior. Bat Masterson carregava seu Colt de cabo branco raiado mas raramente fazia uso dessa arma, preferindo desarmar e dominar os foras-da-lei usando sua bengala que manuseava com incrível perícia. O charme e bom humor que Gene Barry deu ao personagem Bat Masterson foi a razão maior do sucesso da série, mas houve um outro ainda fator que muito colaborou para esse êxito.

SUCESSO MUSICAL - Sempre que uma série de TV era lançada encomendava-se aos compositores um tema musical que aos primeiros acordes trouxesse a família para diante do televisor. Talvez o melhor exemplo tenha sido o irresistível tema de “Peter Gunn”, de autoria de Henry Mancini. Para a série “Bat Masterson” os compositores Bart Corwin e Havens Wray criaram uma música de fácil melodia e letra que em dezesseis versos apresentava o herói mostrando-o como elegante galanteador, jogador e hábil no uso de sua bengala. O refrão “They call him Bat, Bat Masterson” cantado na voz de Mike Stewart passou a ser entoado em todo o país. Aqui no Brasil o versionista Édson Borges traduziu o tema que foi gravado por Carlos Gonzaga e se transformou em estrondoso sucesso, não havendo quem não soubesse cantar ao menos a primeira estrofe (“No Velho Oeste ele nasceu / E entre bravos se criou / Seu nome em lenda se tornou / Bat Masterson, Bat Masterson”. Carlos Gonzaga foi o responsável pela mudança da sílaba tônica do nome do herói que passou de Masterson para Masterson.

Gene Barry lutando com
Eddie Little Sky (acima).
SÉRIE CLÁSSICA - O primeiro episódio da série “Bat Masterson” intitulou-se “Double Showdown” e tinha no elenco comandado por Gene Barry os atores convidados Robert Middleton, Adele Mara e Elisha Cook Jr., entre outros. A série “Bat Masterson” teve 108 episódios em preto e branco produzidos, a maior parte deles com externas filmadas nos conhecidos cenários naturais de Corriganville, no Iverson Ranch e no Paramount Ranch, na Califórnia. Poucas séries de TV ultrapassavam a terceira temporada e com “Bat Masterson” não foi diferente. Os telespectadores sempre ávidos por novidades eram atendidos pelos produtores na criação de novas séries, fato que determinava o cancelamento de programas que tinham boas audiências. Mesmo tendo uma duração relativamente curta diante por exemplo de “Gunsmoke” ou “Bonanza”, “Bat Masterson” é uma das séries consideradas clássicas no gênero western. O êxito da série nos Estados Unidos levou a Dell Comics a lançar histórias em quadrinhos de “Bat Masterson”, histórias que também foram publicadas no Brasil pela Ebal.

Acima Gene Barry em 1961 quando esteve
no Brasil; abaixo à esquerda com Gary
Conway em "A Lei de Burke"; à direita em
"Os Audaciosos", com Robert Stack
e Anthony Franciosa.
GENE BARRY NO BRASIL - Aqui no Brasil a série foi reprisada por muitos anos e para que se tenha uma idéia do grande sucesso alcançado basta dizer que quando veio ao Brasil, em novembro de 1961, o ator Gene Barry foi recebido pelo então presidente João Goulart. Barry fez apresentações no Maracanãzinho e no Copacabana Palace. “Bat Masterson” foi o maior sucesso da carreira de Gene Barry que fez sucesso na televisão também com a série “A Lei de Burke”. Essa série foi produzida de 1963 a 1966 e Gene Barry interpretava o Capitão Amos Burke. Outras séries em que Barry atuou como personagem principal foram “Os Audaciosos” (1968/71) e “O Aventureiro” (1972/73). Em 1994 a série “A Lei de Burke” voltou a ser produzida por uma temporada apenas, com Gene Barry promovido ao cargo de Chefe de Polícia Amos Burke.Nos anos 80 Gene Barry voltou aos palcos da Broadway numa encenação de enorme sucesso que foi a versão norte-americana de “A Gaiola das Loucas”, em que interpretou o personagem Georges. Essa montagem ficou em cartaz por mais de quatro anos, num total de 1.761 apresentações e quando foi levada às telas Gene Barry foi substituído por Robin Williams. Na versão francesa para o cinema o personagem Georges se chamou Renato e foi vivido por Ugo Tognazzi. Gene Barry faleceu aos 90 anos, em 2009 e apesar de seus muitos trabalhos no cinema, na televisão e no teatro, será sempre lembrado como o querido Bat Masterson, o inteligente, elegante e bem humorado herói da bengala.

 

23 de abril de 2012

WESTERNTESTEMANIA N.º 11 - BELAS E COLTS


Já está provado que os seguidores deste blog entendem muito de
mocinhos e bandidos. Mas há controvérsias se eles conhecem
também as heroínas dos faroestes.
Chegou a hora de demonstrar esse conhecimento respondendo
às dez perguntas que seguem. As respostas estão no
quadro da pin-up (Jane Russell) desenhada por Vargas.







20 de abril de 2012

A ÚLTIMA CARROÇA (The Last Wagon) – MAGNÍFICO WESTERN COM RICHARD WIDMARK


Apesar do conjunto de faroestes de excelente qualidade que Delmer Daves realizou nos anos 50, esse diretor nunca é lembrado entre os melhores do gênero. Entre os nove westerns que Daves dirigiu naquela década destacam-se “Flechas de Fogo” (Broken Arrow), “Ao Despertar da Paixão” (Jubal), “Galante e Sanguinário” (3:10 to Yuma) e “A Árvore dos Enforcados” (The Hanging Tree). “A Última Carroça” (The Last Wagon) é um faroeste tão notável quanto estes citados, além de mostrar Richard Widmark no melhor momento de sua carreira no gênero, com atuação tão perfeita quanto à de sua criação como Tommy Udo em “O Beijo da Morte”.


Richard Widmark - George
Mathews - Carl Benton Reid
COMANCHE TODD CONTRA ÍNDIOS E BRANCOS - Antes de se tornar diretor Delmer Daves era um renomado autor de roteiros e, em conjunto com James Edward Grant (roteirista favorito de John Wayne), Daves roteirizou “A Última Carroça”, a partir de uma história do próprio Gielgud. Neste western um homem branco chamado Comanche Todd (Richard Widmark), criado pelos comanches desde os oito anos de idade, vinga-se matando três irmãos que estupraram sua esposa, uma índia comanche, matando-a e assassinando também os três filhos do casal. Bull Harper (George Mathews), o xerife de Oak Creek e irmão dos três homens mortos por Comanche Todd, caça-o implacavelmente e termina por capturá-lo, acorrentando-o e tratando-o brutalmente. Harper e seu prisioneiro são acolhidos por uma caravana chefiada pelo Coronel Normand, um ex-oficial do Exército. Não suportando os maus tratos que Harper lhe impõe, o prisioneiro consegue matá-lo com uma machadinha. O Coronel Normand tenciona entregar Todd às autoridades mas antes que isso aconteça a caravana é dizimada por índios apaches, salvando-se somente três mulheres, dois rapazes e um menino que casualmente se afastaram do acampamento. Comanche Todd que estava acorrentado à roda de uma carroça é atirado pelos apaches do alto de um penhasco. Encontrado com vida pelo grupo de seis sobreviventes da caravana, Todd recupera uma carroça semidestruída e com ela conduz o grupo através de um território infestado por centenas de apaches, até encontrar uma pequena escolta de 16 soldados liderada por um inexperiente tenente. Atacados pelos 300 apaches, Todd consegue explodir caixas de dinamite do Exército, afugentando os índios e possibilitando que soldados e os civis cheguem a salvo ao forte próximo. Lá Comanche Todd é julgado por seus crimes, sendo absolvido pelo General Howard (Carl Benton Reid) que preside o tribunal.

Comanche Todd acorrentado à roda;
o General e Todd  argumentando
sobre o direito de matar.
A LEI DE TALIÃO - Delmer Daves é o autor do primeiro western que declaradamente contrariou o preceito do General Sheridan, segundo o qual “Índio bom é índio morto”. Esse pensamento que o cinema norte-americano propagou por décadas, foi contrariado timidamente em dois ou três westerns anteriores, um deles “Sangue de Heróis” (Fort Apache), de John Ford, em 1948. No ano seguinte (1949) Delmer Daves rodou “Flechas de Fogo”, lançado em 1950, western que mudou a história do gênero ao respeitar o índio, tratando-o como ser humano e não mero selvagem. Com “Flechas de Fogo” Daves desencadeou a revisão da questão indígena, possibilitando que filmes como “O Último Bravo”, “O Pequeno Grande Homem”, Dança com Lobos” e outros promovessem uma tomada de consciência dos americanos em relação aos nativos, vítimas do maior genocídio da história universal. “A Última Carroça” é um filme com muita ação e aparentemente menos reflexivo que “Flechas de Fogo”, mas seu roteiro conciso não deixa de tocar claramente na questão racial. Nos contatos do anti-herói Comanche Todd com os diferentes tipos de homens brancos que cruzam seu caminho, é sempre lembrada a forma cruel, racista e desumana como os nativos foram tratados. Comanche Todd é mais um índio que um homem branco, tendo adquirido dos indígenas não só as habilidades para sobrevivência em regiões inóspitas, mas também o senso de Justiça diferente daqueles que se apossaram dos territórios historicamente pertencentes aos nativos. Todd considera correto fazer uso da 'Lei de Talião' (olho por olho...), lei praticada pelos índios, ao executar friamente os irmãos Harper assassinos de sua família. Ao ser julgado por um tribunal militar cujo juiz confessa se orientar pela Bíblia, Todd consegue argumentar e comprovar que todos os povos têm o mesmo senso de Justiça e que todos utilizam a retaliação, ainda que aparentemente de maneira mais justa. Pode parecer contraditória a selvageria dos apaches em "A Última Carroça", mas é lembrado no filme que o conselho de guerra dessas tribos determinou a vingança dos milhares de apaches exterminados pelos túnicas azuis. E é na curta sequência final do julgamento de Todd que o General Howard, representando o Exército norte-americano escuta de Comanche Todd as frases: “Você ganhou essas medalhas todas por matar índios” e “Você matou seus irmãos na Guerra Civil”.

A paisagem do Arizona integrada à
trama de "A Última Carroça".
UM FILME EXTASIANTE - “A Última Carroça” tem sequências primorosas, como o início silencioso típico dos índios, silêncio cortado pelo estampido do rifle do sorrateiro Comache Todd, ruido que ecoa pelo vale. Segue-se a captura de Comanche Todd em ação que descortina a grande beleza de parte da região de Sedona, no Arizona. Provavelmente nenhum outro diretor, à exceção de Anthony Mann, conseguiu explorar a natureza de forma tão magnífica, integrando-a à ação, não o fazendo de forma meramente contemplativa como o fez Delmer Daves. E se o domínio cênico de Daves capturado pela brilhante cinematografia de Wilfred Cline é extasiante, a música de Lionel Newman emoldura e completa de forma extraordinária esse conjunto. Newman abre mão de um tema musical predominante para pontuar a presença de Todd com uma orquestração onde a batida de tambores dita o ritmo da ação criando uma sonoridade de grande efeito. Esse deleite visual e sonoro de “A Última Carroça” somada à substância do roteiro e à impecável atuação de Richard Widmark fazem deste western de Delmer Daves um magnífico filme do gênero, imperfeito apenas por ter o roteiro optado por soluções que comprometem a grandeza do filme. Grandes guerreiros como eram e conhecedores de seu território, jamais os apaches negligenciariam na captura daqueles poucos homens brancos e mesmo da pequena tropa. O mesmo filme que valoriza a cultura indígena os trata como estúpidos nessa sequência. “A Fera do Forte Bravo” (Escape from Fort Bravo) mostrou de forma muito mais realista o conhecimento de táticas de guerra dos apaches. Deixa também a desejar o final tipicamente hollywoodiano em que o homem branco, na figura do General Howard sem o braço direito, redime os brancos ao outorgar a custódia de Comanche Todd a sua nova família.


Acima Felicia Farr e Tommy Rettig;
no centro o ótimo George Mathews;
abaixo Douglas Kennedy e Susan Kohner.
ESTUPENDO RICHARD WIDMARK - Há westerns como “Homem Sem Rumo” (Man Without a Star) que são clássicos por serem simples e quase perfeitos exemplos do gênero faroestes. “A Última Carroça” é um desses filmes, mas se permite momentos preciosos como a cena de amor em que Jenny (Felicia Farr) se entrega a Comanche Todd, uma das mais belas cenas de amor de um faroeste. E a fordiana sequência em que Todd fala de seu pai enquanto tenta cortar os grilhões que acorrentam seus punhos. E acima de tudo há o estupendo Richard Widmark, sendo arrastado, crucificado, correndo entre a vegetação de Sedona, montando a pelo como autêntico comanche, lutando a faca com apaches, atirando com arco e flecha e fazendo a maior parte de suas cenas sem dublê, numa atuação que deve ter matado de inveja Kirk Douglas e Burt Lancaster. Destaques no elenco pouco conhecido são George Mathews interpretando com incomum brutalidade e incutindo em seu personagem o ódio que muitos brancos tinham pelos índios. Se alguém consegue imaginar um Ernest Borgnine ainda mais sádico, pense no 'Bull Harper' de George Mathews, mantendo Comanche Todd acorrentado a uma carroça, negando-lhe comida, dando-lhe gotas d'água e arrastando-o como um cão. Excelente o menino Tommy Rettig, então com 14 anos, depois do sucesso com a série “Lassie” na TV. Desaponta um pouco a ótima Felicia Farr, um tanto quanto sem graça, distante por exemplo de sua bela interpretação em “Galante e Sanguinário”. Do grupo de jovens atores do filme, Nick Adams, Ray Stricklyn, James Drury, Stepahnie Griffin e Susan Kohner, esta última se sobressai como mestiça, antecipando papel parecido que faria em “Imitação da Vida”, em 1958. O ótimo Douglas Kennedy, de tantos westerns, mostra também sua competência.

WESTERN OBRIGATÓRIO - “A Última Carroça” é um western obrigatório, bastante violento e tenso, com Richard Widmark em grande forma e que ratifica que Delmer Daves merece ser lembrado como um dos principais diretores do gênero. Este é um filme que acima de tudo demonstra como se lutava nos anos 50 para resgatar a verdade histórica dos índios norte-americanos.


18 de abril de 2012

JULIE ADAMS, ESTRELA ‘B’ DE BONITA E DE BOA ATRIZ DE MUITOS FAROESTES


O melhor filme da carreira de Julie Adams foi o western “E o Sangue Semeou a Terra” (Bend of the River), mas Julie se imortalizou com um filme ‘B’ de terror, o clássico “O Monstro da Lagoa Negra”. Ainda hoje, aos 85 anos, Julie Adams é sempre lembrada pelos fãs de faroestes pelos muitos deles em que atuou, mas a sua imagem que ninguém esquece é a da linda moça do maiô branco por quem o monstro anfíbio, habitante da Lagoa Negra, se apaixona.

DE OHIO PARA HOLLYWOOD - Betty May Adams nasceu no dia 17 de outubro de 1926 na cidade de Waterloo, em Ohio e seus pais eram alcoólatras, o que levou a menina a se mudar para a casa de uma tia em Little Rock, no Arkansas. Na adolescência Betty May mudou-se novamente, desta vez para a casa de uma outra tia em Long Beach, em Los Angeles, ali próximo do universo do cinema chamado Hollywood. Betty May trouxe consigo um fortíssimo sotaque adquirido em Little Rock, sotaque que em nada a ajudou quando se tornou uma moça muito bonita, daquelas que só se vê no cinema. Betty May trabalhava como secretária e fez um esforço intensivo para perder o sotaque carregado do Arkansas. Depois disso Betty May que era muito bonita, morena com lindos olhos verdes, passou a peregrinar pelos grandes e pequenos estúdios cinematográficos em busca de oportunidade para atuar no cinema. Sua primeira chance foi fazendo figuração em “Brasa Viva”, estrelado por Betty Hutton e Victor Mature, filme da Paramount, que sequer lhe ofereceu um contrato.

O nome Betty Adams em destaque no lobby-card
acima, num faroeste B da Lippert.
CHANCE NA POVERTY ROW - Oportunidade melhor, em forma de contrato curto, apareceu na minúscula produtora Lippert Pictures, perto de quem a Republic Pictures parecia uma das majors (MGM, Paramount, Fox, Warner, RKO, Universal e Columbia). A Lippert, situada na chamada ‘Rua da Pobreza’ (Poverty Row) de Hollywood, era especializada em faroestes e tinha como contratados Lash LaRue (o nosso Don Chicote), Bob Steele, James Ellison e Russell Hayden. Nessa pequena produtora um excêntrico escritor e ex-soldado chamado Samuel Fuller conseguiu filmar, no final dos anos 50, três filmes B bastante reverenciados que são os faroestes “Eu Matei Jesse James” (I Shot Jesse James) e “O Barão Aventureiro” (The Baron of Arizona) e o filme de guerra “Capacete de Aço”. Mas não foi em nenhum desses filmes feitos com reduzido orçamento que Betty May Adams fez sua estréia no cinema e sim em filmes ainda mais pobres, aqueles faroestes filmados em quatro ou cinco dias e que pareciam todos iguais. Com o nome artístico de Betty Adams, a bonita morena de olhos verdes fez o principal papel feminino em “The Dalton Gang”, western estrelado por Don ‘Red’ Barry. Dois dos mocinhos contratados pela Lippert eram James Ellison e Russell Hayden, curiosamente ambos ex-pardners de Hopalong Cassidy na série com o personagem criado por Clarence Mulford. Com a dupla de mocinhos Ellison e Hayden a esperançosa Betty Adams atuou em seis faroestes da Lippert Productions realizados em 1950, todos em apenas um mês. Percebendo que não havia futuro na pequena Lippert, Betty Adams continuou em busca de melhores oportunidades e chegou a participar da comédia “Apuros de um Anjo”, com Clifton Webb, na 20th Century-Fox, mas para seu azar suas cenas foram cortadas na edição final. Mas as coisas iriam melhorar no ano seguinte, em 1951.

UM GRANDE WESTERN DE ANTHONY MANN - A Universal Pictures era o menor dos grandes estúdios e por isso mesmo apostava em futuras promessas como Tony Curtis, Rock Hudson, Richard Egan, George Nader e Piper Laurie. Juntou-se a esses futuros astros uma nova estrelinha que a Universal contratou e se apressou em mudar o nome para Julia Adams, lançando-a com certo destaque em produções menores como o policial “Assassinato entre Estrelas”, com Richard Conte; o drama “Só Resta a Lembrança”, com Arthur Kennedy; e a comédia “Finders Keepers”, com Tom Ewell. Depois que o rosto de Julia Adams se tornou razoavelmente conhecido através desses filmes e das fotos em revistas especializadas, a Universal entendeu que ela já estava pronta para atuar em um filme importante. Esse filme intitulado “E o Sangue Semeou a Terra” (Bend of the River) foi dirigido por Anthony Mann e estrelado por James Stewart, fazendo parte da excepcional quina de faroestes da dupla Mann-Stewart. O público e a crítica não deixaram de notar a excelente atriz que teve desempenho à altura de atores do porte de James Stewart e Arthur Kennedy. Em “E o Sangue Semeou a Terra” Julia Adams interpretou aquele tipo de mulher aparentemente frágil mas com muita força interior e grande coragem, tipo que seria visto em muitos outros filmes. (Nas fotos acima à direita Julie com James Stewart; abaixo Rock Hudson, Arthur Kennedy e Stewart.)
Esta revolucionária mexicana é a suave Julia Adams  no filme
"Revolta do Desespero", de Budd Boetticher.


Julie acima com Robert Ryan;
com Rock Hudson; com Glenn Ford,
Chill Wills e Hugh O'Brian; abaixo
com Tyrone Power e Piper Laurie;
com Joel McCrea.
SEQUÊNCIA ININTERRUPTA DE WESTERNS - A impressão causada por Julia Adams foi tão boa que a Universal a colocou em diversos outros faroestes que foram seus filmes seguintes: “O Tesouro Perdido” (The Treasure of Lost Canyon), de Ted Tetzlaff, com William Powell; “Império do Pavor” (Horizons West), dirigido por Budd Boetticher e estrelado por Robert Ryan e Rock Hudson; “Bando de Renegados” (The Lawless Breed), de Raoul Walsh, com Rock Hudson interpretando o pistoleiro John Wesley Harding; “O Aventureiro do Mississipi” (The Mississippi Gambler), de Rudolph Maté, com Tyrone Power; “Revolta do Desespero” (Wings of the Hawk), de Budd Boetticher, com Van Heflin e Julia Adams interpretando uma revolucionária mexicana; “The Stand at Apache River”, de Lee Sholem, com Stephen McNally. Esta série de faroestes ainda teria o ótimo “Sangue por Sangue” (The Man from the Alamo” em que Julia Adams foi novamente dirigida por Budd Boetticher neste western estrelado por Glenn Ford. Depois de fazer de Julia Adams uma atriz constante nos faroestes, a Universal decidiu que era hora de uma mudança radical.



The Gill-Man, a criatura cheia de ternura
pela inesquecível Julie de maiô branco.
DESPERTANDO A PAIXÃO DA CRIATURA - Se há um gênero em que a Universal Pictures sempre acertou foi no horror. E o gênero foi renovado nos anos 50 com ingredientes fortes como a ficção-científica e exibição no assustador processo de 3.ª Dimensão. O novo projeto da Universal se chamava “O Monstro da Lagoa Negra” (Creature from the Black Lagoon), com uma história que seguia o modelo ‘a bela e a fera’. A fera no caso era uma criatura aquática que habitava uma tenebrosa lagoa situada na Amazonia e que assassinava quem no local se aventurasse. A bela deveria ser uma atriz de corpo muito bonito, com pernas perfeitas capazes de atrair não só a criatura mas também os olhares da platéia. Como “O Monstro da Lagoa Negra” era uma produção B, não havia dinheiro para pensar em pernas como as de Cyd Charisse, Jane Russell ou Ann Miller. A solução, porém, estava no próprio estúdio e se chamava Julia Adams, atriz que havia mostrado apenas os tornozelos nas telas, desde que se tornara atriz conhecida. Espertamente a Universal passou a veicular a notícia que as pernas de Julia Adams haviam ganhado um prêmio como as pernas mais perfeitamente simétricas do mundo, sendo seguradas em 125 mil dólares. Claro que o público se interessou ainda mais em assistir “O Monstro da Lagoa Negra” que fez enorme sucesso e se tornou um clássico absoluto no gênero. Toda uma geração certamente sonhou com ‘Kay Lawrence’ (Julia Adams), a moça de maiô branco da expedição que vai ao Amazonas, com seu inesquecível balé aquático. E além das belas pernas Julia mostrou ser boa atriz dramática e dona de um charme único em Hollywood, algo poucas atrizes possuíam que era a aparência de mulher íntegra e confiável.



Julie dams com Richard Egan
e abaixo com Charlton Heston.
CARREIRA EM FILMES MEDIANOS - Apesar de bastante conhecida do público, Julia Adams parecia ter sido estigmatizada como atriz de filmes B pois seus filmes seguintes foram a comédia “Francis entre as Boas”, com Donald O’Connor e as boas eram Julia Adams e Mamie Van Doren; a aventura “Hienas Humanas”, com Rory Calhoun e Ray Danton; o drama “Seu Único Desejo”, com Rock Hudson; a comédia “A Guerra Íntima do Major Benson”, com Charlton Heston; o filme de guerra “Barcos ao Mar”, com Jeff Chandler; o drama “Quatro Garotas, Quatro Destinos”, Jack Sher, com George Nader. Em 1955 Julie atuou ao lado de Tony Curtis em “Dominado pelo Crime” e passou a usar o nome de Julie Adams. Em 1957 Julie Adams fez parte do elenco do excelente drama policial “Assassinato na 10.ª Avenida”, uma espécie de “Sindicato de Ladrões” ‘B’, com brilhante atuação de Dan Duryea. Em 1958 Julie Adams atuou ao lado de Ray Danton, no filme de guerra “Mensagem Fatal”. No ano seguinte Julie faria seu último filme da década, o faroeste “Vésperas da Morte” (The Gunfight at Dodge City), de Joseph Newman, com Joel McCrea interpretando Bat Masterson.

Julie e Elvis; Julie no "Jimmy Stewart Show".
CONQUISTANDO ELVIS PRESLEY - Na sua vida pessoal, Julie Adams foi casada com o escritor Leonard Stern de 1953 a 1955, divorciando-se para se casar em 1955 mesmo com o ator Ray Danton. Julie e Danton tiveram dois filhos e já sem contrato com a Universal Pictures, Julie passou a se dedicar mais à TV. Tornaram-se esporádicas suas participações em filmes, um deles foi em 1962 a ficção-científica “The Underwater City” (Frank McDonald), que não obteve êxito. Em 1965, aos 39 anos, Julie Adams interpretou uma dona de um rancho já madura que consegue atrair a atenção de Elvis Presley em “Cavaleiro Errante”, talvez o filme de maior sucesso em que Julie Adams participou, desde “O Monstro da Lagoa Negra”. Julie atuava sem parar como atriz convidada em dezenas de séries, uma delas em “Bonanza”, no episódio intitulado “The Courtship”. Nesse episódio Hoss Cartwright se apaixona perdidamente pela personagem de Julie Adams, viúva viciada em jogatina e que está unicamente interessada no dinheiro do mais inocente dos Cartwrights, numa inesperada interpretação como mulher má. Em 1971 Julie Adams recebeu o convite para interpretar a esposa de James Stewart na série “The Jimmy Stewart Show”, série que apesar do renome do protagonista teve apenas 20 episódios sendo então cancelada. Não deve ter sido nada fácil para Julie Adams deixar a companhia de Jimmy Stewart para ser dirigida a seguir por Dennis Hopper que também estrelou “The Last Movie”, em 1971, inteiramente filmado no Peru. Talvez Julie acreditasse que Hopper repetisse com esse filme o estrondoso sucesso de “Sem Destino”, o que não aconteceu.

Julie Adams no episódio de Bonanza "The Courtship", como uma
viciada em jogatina que quase leva Hoss Cartwright para o altar.
Julie e o detetive John Wayne;
Julie e o maluco Dennis Hopper.
ENCONTRO COM JOHN WAYNE - Julie Adams atuou em sua carreira com alguns dos maiores astros do cinema de todos os tempos, entre eles Charlton Heston, James Stewart, Tony Curtis, Rock Hudson, Glenn Ford, Elvis Presley, Tyrone Power, Van Heflin, Robert Ryan e Arthur Kennedy. Em 1975 ela teria a oportunidade de contracenar com John Wayne, mas infelizmente não em um faroeste e sim no policial “McQ – Um Detetive Acima da Lei”, filme ainda por cima dirigido por um dos grandes diretores de faroestes que foi John Sturges. Nesse mesmo ano Julie Adams foi dirigida por seu marido Ray Danton em “Psychic Killer”, com Jim Hutton. A partir de então, tendo chegado aos 50 anos, Julie Adams viu não só os convites para filmes rarearem, mas também os papéis serem cada vez menores. Em 1990 Julie Adams foi convidada por Dennis Hopper para participar de “Atraída pelo Perigo”, com Jodie Foster e o veterano Vincent Price. Hopper atuou e dirigiu este suspense. Dos anos 90 em diante Julie Adams continuou em atividade, podendo ser vista em séries como “Lost”, “Melrose Place”, “Barrados no Baile”, “Arquivo Morto” e outras. Seu último trabalho para o cinema foi em 2006 no filme de Oliver Stone “As Torres Gêmeas”, sobre a tragédia de 11 de setembro de 2001, filme em que aos 80 anos de idade Julie teve uma pequena participação.


Julie Adams por ocasião do lançamento de sua
autobiografia; no centro Julie participando de um
dos muitos eventos em que é a maior atração; abaixo
em foto recente e numa capa de Cinelândia de 1955.
ETERNAMENTE SIMPÁTICA - Julie divorciou-se de Ray Danton em 1978 (Danton faleceu aos 60 anos em 1990) e em 2011 Julie lançou sua autobiografia escrita com a ajuda do filho Mitchell Danton. O título desse livro é “The Lucky Southern Star: Reflections from the Black Lagoon” e nele Julie conta histórias de bastidores acontecidas em seu filmes, muitas delas acompanhadas de fotos jamais publicadas anteriormente. Dentre os atores com os quais atuou, Julie Adams fala com enorme carinho e respeito de James Stewart, para ela o melhor de todos os atores de cinema e um grande amigo fora das câmaras. Também com afeto Julie lembra de Rock Hudson e Tony Curtis. Sobre Elvis ela diz que gostou muito de trabalhar com ele e confessa que não era grande fã do Rei do Rock. Julie fala dos amigos artistas e cita Rock Hudson, Sally Kellerman, o diretor Bob Rafelson, Robert Blake e Neville Brand, como pessoas com quem manteve boas amizades. Em seu livro Julie afirma que não é verdade que as filmagens de “The Last Movie, no Peru, tenham sido repletas de orgias e bacanais, como contou Dennis Hopper em sua autobiografia. Julie disse que o que Dennis e outros faziam depois das filmagens não era da conta dela e que ela sempre foi respeitada por todos e jamais viu algo que pudesse reprovar, como uso de drogas por exemplo. Entre suas maiores emoções Julie diz que foi atuar com Barbara Stanwyck num episódio da série "Big Valley". Quando adolescente Julie não perdia um único filme de Barbara que foi uma de suas inspirações para ser atriz. Julie é uma das mais festejadas presenças nos encontros dos fãs de ficção-científica que ocorrem em diversas cidades norte-americanas. Conservando ainda traços de sua beleza, Julie Adams é da poucas atrizes do passado que não escondem as marcas do tempo. Comparece a todos os eventos para os quais é convidada, onde se destaca pela radiante simpatia e o conhecido e largo sorriso, distribuindo abraços para todos os fãs e posando para fotos, mesmo com aqueles que só lembram dela por sua participação em “O Monstro da Lagoa Negra”. Para os fãs de faroestes Julie Adams é um pouco mais que isso, é uma querida heroína de muitos faroestes, bonita e muito boa atriz.

Quem não quer abraçar Julie Adams? Rock Hudson, Glenn Ford
e abaixo à esquerda Stephen McNally.