UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

30 de janeiro de 2014

CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DE JOHN IRELAND, UM ATOR DE MUITOS FAROESTES


Fãs de faroestes conhecem bem o ator canadense John Ireland, nascido em 30 de janeiro de 1914, ou seja, exatamente há cem anos atrás. Em 1946 como um dos irmãos Clantons John Ireland fez seu primeiro western, sendo dirigido por John Ford, em “Paixão do Fortes” (My Darling Clementine). Seguiu-se a participação importante em “Rio Vermelho” (Red River), de Howard Hawks, lançado apenas em 1948. Melhor apresentação que essa para um ator seria impossível e mesmo assim, apesar de alguns papéis principais, John Ireland nunca chegou a ser um verdadeiro astro como seu início de carreira indicava. Mas seu olhar sinistro, cínico e ameaçador impressionou o público em muitos faroestes e filmes policiais, além de vários westerns-spaghetti. Pelos tantos e excelentes filmes nos quais atuou Ireland merece ser lembrado na data do centenário de seu nascimento.

Fotos do início da carreira de John Ireland;
abaixo em "Paixão dos Fortes", ao lado
de Linda Darnell.
Fama indiscreta na comunidade hollywoodiana - Vancouver, no Canadá, foi a cidade natal de John Benjamin Ireland, filho de um criador de cavalos e de uma professora. Quando John era ainda criança seus pais se mudaram para São Francisco, na Califórnia e posteriormente para Nova York. Excelente nadador, John Ireland foi contratado por uma companhia que se exibia artisticamente em piscinas. Em 1940 John se casou com a atriz de teatro Elaine Ruth Gudman, com quem teve dois filhos. Alto e com feições expressivas, John foi notado junto da esposa e convidado a atuar em teatro, chegando à Broadway aos 28 anos, em 1942, estreando num pequeno papel numa encenação de “Macbeth”. John Ireland prosseguiu na Broadway atuando em diversas peças, entre elas outra de Shakespeare, “Ricardo III”, até que finalmente foi levado para Hollywood, e em 1945 apareceu pela primeira vez na tela no filme de guerra “Um Passeio ao Sol”, estrelado por Dana Andrews. Depois de alguns trabalhos obscuros veio a grande chance para John Ireland ao interpretar Billy Clanton em “Paixão dos Fortes”, que obteve razoável sucesso de público. Na sequência Ireland atuou em “Rio Vermelho”, este sim, um grande êxito de bilheteria que, juntamente com as notícias e fofocas publicadas sobre ele o tornaram bastante conhecido. O cômico Milton Berle, o ator Dan Dailey e o band-leader Artie Shaw eram conhecidos na comunidade hollywoodiana pelo exagerado tamanho de seus membros fálicos. John Ireland teve seu nome acrescentado a esse grupo o que fez com que ele passasse a ser disputado por starlets e mesmo por atrizes conhecidas que com ele queriam manter um affair amoroso. Tantas foram as aventuras extraconjugais de John que sua esposa Elaine requereu divórcio em 1948. No entanto o ator voltaria, em 1949, a se casar, desta vez com Joanne Dru, atriz que conheceu durante as filmagens de “Rio Vermelho”. Os padrinhos de casamento foram Barbara Ford (filha de John Ford), Gregory Peck e Mel Ferrer.

Acima John Ireland em "a Grande Ilusão"
entre Mercedes McCambridge e Broderick
Crawford; abaixo com Randolph Scott
em "A Lei é Implacável".
Indicação ao Oscar – Dono de um bem dimensionado nariz, a fama de John Ireland foi aumentada com seu comportamento pouco recomendável. O ator bebia demais e andava em más companhias, a principal delas seu amigo Robert Mitchum, companheiro de fumacê, uma vez que ambos era apreciadores de um cigarro de maconha (marijuana). Ainda que raramente em papéis principais, John Ireland participava de um filme após o outro e dos cinco em que atuou em 1948, os mais conhecidos foram “Entre Dois Fogos” (Raw Deal), drama noir dirigido por Anthony Mann, e “Joanna D’Arc” (Joan of Arc), protagonizado por Ingrid Bergman. Em 1949 Ireland se superou e fez parte do elenco de nada menos que oito filmes, sendo ainda o narrador de “O Czar Negro” (The Undercover Man), com Glenn Ford. Ireland possuía excelente voz e era muito solicitado para trabalhos de narração. Foi nesse mesmo ano que Ireland participou de novos westerns, o principal deles “Eu Matei Jesse James” (I Shot Jesse James), dirigido por Samuel Fuller, com Ireland interpretando o assassino Bob Ford. Estrelados por Randolph Scott Ireland atuou nos westerns “Sete Homens Maus” (The Walking Hills), dirigido pelo ainda pouco conhecido John Sturges e “A Lei é Implacável” (The Doolins of Oklahoma). O grande filme em que Ireland atuou em 1949 foi “A Grande Ilusão” (All the King’s Man), de Robert Rossen, filme que recebeu três prêmios Oscar, entre eles o de Melhor Filme do Ano. A ótima interpretação de Ireland como o jornalista Jack Burden lhe valeu uma indicação para o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, a única de sua carreira. Em “A Grande Ilusão” John Ireland voltou a contracenar com Joanne Dru, com quem já estava casado.

John Ireland
Ator de muitos faroestes B - Em 1950 Ireland foi o primeiro nome do elenco do western “The Return of Jesse James” como o personagem Johnny Callum, que é confundido com o falecido Jesse James. O incansável John Ireland participou de seis filmes em 1951, um deles ao lado da esposa Joanne Dru no western “Ousadia” (Vengeance Valley), relançado no Brasil como “Vale da Vingança”, primeiro western da carreira de Burt Lancaster. Ireland apareceu depois como William Quantrill em “O Último Caudilho” (Red Mountain), com Alan Ladd.  Outros westerns desse mesmo ano com John Ireland foram “Massacrados” (Little Big Horn); “Guerrilheiros do Sertão” (The Bushwackers), ao lado de Dorothy Malone. Em 1952 John Ireland protagonizou “A Rebelião dos Piratas” (Hurricane Smith), único filme que fez nesse ano, mas recompensado por ter como estrela a adorável Yvonne De Carlo. Em 1953 John Ireland experimentou a direção no western em 3.ª Dimensão “Hanna Lee: An American Primitive”, filme em família pois Hanna Lee foi interpretada por Joanne Dru e no elenco estava ainda Peter Ireland, filho mais velho de John que tentava seguir a carreira de ator. Os filmes de John Ireland ou eram faroestes ou policiais e foi no western “Areias do Inferno” (Southwest Passage), estrelado pelo também canadense Rod Cameron, que Ireland voltou a filmar ao lado da esposa Joanne Dru. Decididamente John Ireland se tornava um ator de filmes B.


O divórcio tempestuoso - John Ireland sempre esteve presente nos tabloides sensacionalistas, seja por suas aventuras, seja por fugir do padrão ideal imposto por Hollywood e o dia 4 de julho de 1956 nunca mais seria esquecido pelo ator. Ireland e Joanne Dru estavam na casa de Mark Stevens comemorando a data da independência norte-americana quando o casal se desentendeu. Alcoolizado, John agrediu Joanne com socos quebrando-lhe o nariz e deixando a atriz com os dois olhos pretos e inchados, sendo ela internada no hospital Cedar of Lebanon. Durante sua recuperação Joanne deixou claro que não voltaria a viver com John e este desesperado apanhou um pote de pílulas e ameaçou engoli-las, o que efetivamente fez, tendo também de permanecer como paciente no mesmo hospital para se curar da agressão causada ao próprio estômago. Tanto John quanto Joanne negaram a agressão para a imprensa, mas os fatos que ficaram foi mesmo a reação violenta de Ireland. Depois disso o casal se separou definitivamente.

O casal John Ireland e Joanne Dru.

Como Johnny Ringo desafiando Doc Holliday - John Ireland voltou à direção em “The Fast and the Furious”, policial em que também atua e ao lado da irresistível Dorothy Malone. Em 1956 Roger Corman produziu e dirigiu “A Lei dos Brutos” (Gunslinger), western estrelado por John Ireland, que desde “A Grande Ilusão” não atuava em um filme classe A, o que veio acontecer em 1957. “Sem Lei e Sem Alma” (Gunfight at the OK Corral), de John Sturges foi o mais prestigiado western de 1957, com grande elenco encabeçado por Burt Lancaster e Kirk Douglas e com John Ireland num ótimo papel como Johnny Ringo, desafeto de Doc Holliday (Douglas). John Ireland interpretava com a mesma facilidade homens do Oeste, soldados em filmes de guerra, policiais e gângsters. Em “A Bela do Bas-Fond” (Party Girl), de Nicholas Ray, Ireland é o assassino Louis Canetto. Para cada participação em uma boa produção John Ireland fazia três ou quatro filmes B, como “Med Mord i Bagaget”, produzido e rodado na Suécia, filme que nem mesmo os maiores fãs de Ireland conseguiram assistir.

Só mesmo um ator de muita personalidade para desafiar e humilhar Kirk Douglas,
como na dramática sequência acima de "Sem Lei e Sem Alma".

Kirk Douglas e John Ireland, escravos-
gladiadores em "Spartacus"; abaixo também
o gladiador Woody Strode.
O gladiador Crixus - Em 1960 as telas do mundo todo mostrariam John Ireland interpretando o escravo Crixus, que se torna gladiador, na superprodução de Kirk Douglas “Spartacus”, dirigida por Stanley Kubrick. No ano seguinte Ireland seria coadjuvante em “Coração Rebelde” (Wild in the Country) o último filme sério de Elvis Presley que, a partir de então, estrelaria apenas comédias musicais. Aproximando-se dos 50 anos de idade, John Ireland se casou pela terceira e última vez em 1962 com Daphne Myrick Cameron, ex-esposa do multimilionário do ramo do petróleo George Cameron. Com Daphne John Ireland teria seu terceiro e último filho. Daphne trouxe sorte ao marido que fez parte dos elencos das superproduções “55 Dias em Pequim”, de Nicholas Ray e “A Queda do Império Romano”, de Anthony Mann. Ireland retornou à TV no último ano da série “Rawhide”, interpretando Jesse Colby em onze episódios da série que tinha em Clint Eastwood sua grande estrela. Além desse trabalho John Ireland atuou como convidado em episódios de diversas séries westerns de TV como “Gunsmoke”, “Bonanza”, “Branded”, “Daniel Boone” e outras.
           
John Ireland trabalhando para A.C. Lyles.
Caxambu nas Filipinas... – Nos anos 60 o produtor A.C. Lyles foi o responsável por um ciclo de faroestes nos quais empregou literalmente todos os atores veteranos que não mais encontravam trabalho. John Ireland nunca se enquadrou exatamente como ‘desempregado’ mas mesmo assim atuou em dois filmes da série de Lyles: “A Quadrilha dos Renegados” (Fort Utah), encabeçando um elenco que tinha Virginia Mayo e Scott Brady e “Pistoleiros do Arizona” (Arizona Buhwackers), reencontrando Yvonne De Carlo e Scott Brady. Mais bem produzidos que esses dois faroestes foi “Villa, o Caudilho”, com roteiro de Sam Peckinpah, Yul Brynner como Pancho Villa e seu velho amigo Robert Mitchum também no elenco. Como John Ireland não recusava nenhum trabalho, atuou depois em “Caxambu!” (que nada tem a ver com a bucólica cidade mineira), aventura passada na Amazônia (Brasil), mas filmada nas selvas da Filipinas... Ireland já havia atuado na Espanha em “Huyendo Del Halcón”, com Al Mulock e Diane Baker e na Itália em “Das Ardenas ao Inferno”, filme de guerra e já que estava no continente europeu, John Ireland foi mais um dos muitos atores norte-americanos a atuar naquele tipo de faroestes que se filmava na Itália e na Espanha.

John Ireland e Robert Woods.
Fase dos spaghetti – Em 1967 John Ireland atuou em “Ódio por Ódio” (Odio per Odio), com Antonio Sabato e Fernando Sancho, primeiro spaghetti da nova fase de sua carreira. Vieram a seguir “A Outra Face da Coragem” (Tutto per Tutto), com Mark Damon e Fernando Sancho como Carrancha; “Eu Mato e Recomendo a Deus” (T’Ammazzo! – Raccomandati a Dio), com George Hilton; “Uma Pistola para 100 Sepulturas” (Uma Pistola per Cento Bare), com Peter Lee Lawrence; “Corre, Homem, Corre” (Corre Uomo, Corri), de Sergio Solima, com Tomas Milian; “Meu Revólver é Minha Lei” (Quanto Costa Morire), com Andrea Giordano; “Um Homem, um Revólver, uma Vingança” (Vendetta per Vendetta), com Loredana Nusciak; “O Maldito Dia de Fogo” (Quel Caldo Maledetto Giorno di Fuoco), com Robert Woods; “Minha Pistola Nunca Falha” (La Sfida dei MacKenna), com Robert Woods; “Dieci Bianchi Ucissi da un Piccolo Indiano”, com Fabio Testi como Ringo. Já nos estertores do western spaghetti (1975) John Ireland foi dirigido por Gianfranco Parolini no western-comédia “Non Siamo Angeli”, ao lado de Woody Strode. Além desses faroestes John Ireland atuou na Europa em filmes de guerra, aventura e até numa comédia intitulada “Zenabel”.

Amigos fora da tela, Mitchum e Ireland,
em cena de "O último dos Valentões".
Quase o patriarca de La Ponderosa - Aos 60 anos de idade John Ireland trabalhava de forma incessante, liderando em 1974 o elenco do terror “The House of Seven Corps”, com os veteranos Faith Domergue e John Carradine. Das dezenas de produções para o cinema em que John Ireland atuou na fase final de sua carreira, a mais importante foi “O Último dos Valentões”, refilmagem do clássico noir “Farewell My Lovely” (Até à Vista Querida), com Robert Mitchum como o detetive Phillip Marlowe criado por Raymond Chandler. Menos interessante foi seu retorno à Itália para atuar em “Quel Pomeriggio Maledetto”, policial estrelado por Lee Van Cleef. Em 1980 John Ireland interpretou o diretor John Huston no TV-movie “Os Amores de Marilyn” e em seguida foi ao México interpretar um padre na comédia “As Mulheres de Jeremias”, com a bela Isela Vega. John Ireland jamais se conformou em ficar sem trabalhar e em 1987 pagou um anúncio de página inteira na publicação ‘The Hollywood Reporter’ com uma frase: “I’m an actor. PLEASE... let me act”. Não demorou e Ireland foi chamado para substituir Lorne Greene, que havia falecido, no piloto de uma nova série intitulada “Bonanza – The Next Generation”. John Ireland ficou com o personagem do Capitão Aaron Cartwright, irmão de Ben Cartwright e novo patriarca de La Ponderosa, mas o projeto não vingou. Em 1988 Ireland ganhou um pequeno papel em “Mensageiro da Morte”, estrelado por Charles Bronson e quatro anos depois faria seu último filme, intitulado “Waxwork II – Perdidos no Tempo”, no qual interpreta o Rei Arthur. Nada mais justo para coroar sua carreira de ator.

Três namoradinhas de John Ireland: Tuesday Weld, Natalie Wood e Sue Lyon.

Já veterano, John Ireland na versão para
a TV de "O Planeta dos Macacos".
50 anos de cinema - John Ireland atuou em mais de 150 filmes, alguns deles de grande importância na história do cinema e como verdadeiro globe-trotter, rodou o mundo filmando em inúmeros países e ainda encontrou tempo para atuar bastante na televisão. Quando não era o ator principal de um filme, John Ireland tinha sempre destacado papel secundário. Muitos lembram de John Ireland por suas conquistas amorosas e por sua preferência por atrizes mais jovens, tendo namorado Natalie Wood, Sue Lyon e Tuesday Weld, isto quando ele estava com 45 anos e a linda Tuesday com apenas 16. Porém John viveu por 30 anos com sua terceira esposa até falecer em 21 de março de 1992, vítima de leucemia. Nos últimos anos de sua vida John Ireland vivia em Santa Barbara, na Califórnia, vizinho do antigo e querido amigo Robert Mitchum, com quem tinha grandes afinidades e uma diferença: John gostava de atender, tirar fotos e conversar com os fãs, o que fazia com enorme prazer no restaurante que mantinha em Santa Barbara. E além da comida os frequentadores do restaurante passavam horas escutando as muitas histórias que John Ireland tinha para contar falando dos 50 anos em que foi ator. E certamente muitas dessas histórias lembravam dos faroestes, gênero ao qual o nome de John Ireland esteve sempre ligado.

Pôsteres de alguns dos westerns spaghetti que contaram com a presença
marcante de John Ireland.


26 de janeiro de 2014

A ODISSÉIA DE HOWARD HAWKS PARA FILMAR “RED RIVER” (RIO VERMELHO)


Acima Howard Hughes.
Nos anos 40 Howard Hawks era um dos mais prestigiados diretores norte-americanos depois de dirigir uma série de filmes que, além de clássicos foram sucessos de bilheteria. Entre esses filmes estavam “A Patrulha da Madrugada” (The Dawn patrol), “Scarface, a Vergonha de uma Nação” (Scarface), “Levada da Breca” (Bringing Up  Baby), “Jejum de Amor” (His Girl Friday), “Sargento York” (Sergeant York), “Bola de Fogo” (Ball of Fire), “O Paraiso Infernal” (Only Angels Have Wings) e “Uma Aventura na Martinica” (To Have and Not Have). Howard Hawks se saia bem em qualquer gênero, fossem filmes de guerra, policial, aventura ou comédia. Faltava, porém, em seu currículo, um western, gênero que Hawks tentara por duas vezes, sendo que em ambas tentativas saíra tudo errado. Em 1934 Howard Hawks foi para o México dirigir “Viva Villa!” e depois de algumas semanas naquele país abandonou as filmagens, sendo o filme concluído por Jack Conway, que ficou com o crédito, ainda que Hawks tenha dirigido metade do filme. Em 1940 Hawks foi contratado por Howard Hughes para dirigir o faroeste “O Proscrito” (The Outlaw) e duas semanas após ter iniciado o filme se incompatibilizou com o excêntrico empresário-aviador-produtor e deixou a produção do western. Essa saída teve versões conflitantes e até hoje não se sabe ao certo se Hawks se demitiu ou se foi demitido por Howard Hughes que ficou com o crédito de diretor. Para se livrar dos chefes dos estúdios e de tipos como Hughes, Howard Hawks criou, em sociedade com o agente Charles K. Feldman, sua própria produtora, a Monterey Productions e adquiriu os direitos cinematográficos sobre a história “The Chisholm Trail”, de autoria de Borden Chase. Hawks iria, finalmente, dirigir um western.

Uma das edições do livro de Borden Chase
que está à direita com um cavalo.
Um título mais atrativo - Borden Chase, cujo nome verdadeiro era Frank Fowler, havia sido motorista do mafioso Frank Yale, até que o carro de Yale foi metralhado por gângsters de Al Capone. Fowler escapou por milagre e decidiu mudar de lugar, de vida e até de nome. Adotou o pseudônimo de Borden Chase e passou a escrever pequenas histórias (pulp fictions), muitas delas sobre o far-west, vindo posteriormente a escrever roteiros para o cinema. Em 1945 Chase escreveu “The Chisholm Trail”, lançado também como "Blazing Guns on the Chisholm Trail", que narrava a saga dos cowboys que pela primeira vez conduziram um gigantesco rebanho de gado do Texas até o Kansas. A história foi oferecida ao prestigioso semanário ‘The Saturday Evening Post’ que a comprou de Chase e a publicou em seis capítulos (de 7/12/1946 a 11/1/1947).  Antes mesmo do início da publicação naquela revista, a Monterey adquiriu os direitos cinematográficos da história por 50 mil dólares, muito dinheiro naquele tempo. O que Hawks não sabia era que logo Borden Chase se transformaria em uma pedra em seu sapato, a começar pela discutida mudança do título do filme. Hawks não gostava de “The Chisholm Trail” que o diretor achava ser cinematograficamente pouco atrativo e Chase não admitia que o título original de sua história fosse mudado. A vontade de Hawks prevaleceu e ele escolheu o título “Red River” para o western, título que ninguém entendeu direito e que Chase, ferrenho anticomunista, detestou.

Gary Cooper (como Sargento York); Cary Grant
(em "Jejum de Amor"); Margareth Sheridan e
o campeão de rodeios Casey Tibbs.
O ‘não’ de Gary Cooper e Cary Grant - Vivia-se o pós-guerra com o início da guerra fria e Borden Chase que foi um dos fundadores da Motion Picture Alliance for Preservation of American Ideals, temia que o ‘vermelho’ do novo título se referisse à cor dos comunistas. Mas a intenção de Hawks era relacionar a história à passagem bíblica da travessia do Mar Vermelho. Borden Chase já havia escrito diversos roteiros, inclusive alguns originais para o cinema, nenhum deles notável. Mesmo assim foi contratado para escrever o roteiro de “Red River” ganhando 1.250 dólares por semana. Enquanto isso Howard Hawks, que havia levantado um milhão e setecentos e cinquenta mil dólares junto a investidores para produzir o western, começava a reunir o elenco do filme. Iniciou os contatos com Gary Cooper e Cary Grant para os papéis principais, respectivamente de Thomas Dunson e de Cherry Valance. Nem Cooper e nem Grant, que já haviam atuado sob as ordens de Hawks, aceitaram. Gary Cooper porque achou que Thomas Dunson tinha uma personalidade brutal o que comprometeria sua imagem junto ao público; Cary Grant não aceitou porque seria o segundo nome nos créditos, algo inaceitável para um astro como ele. Para interpretar Tess Millay Hawks queria a modelo Margareth Sheridan em quem estava de olho desde que a vira numa capa da revista ‘Vogue’. Para desgosto do diretor a bela Margareth se casou e engravidou, forçando Hawks a contratar uma atriz também com pouca experiência de nome Joanne Dru. Não era bem a Tess Millay que Hawks imaginava, mas seria Joanne Dru quem interpretaria a prostituta.

John Wayne e Walter Brennan.
John Wayne encabeça o elenco - Na prateleira da casa de Walter Brennan luziam três Oscars de Melhor Ator Coadjuvante recebidos em 1937, 1939 e 1941 e Brennan havia trabalhado com Hawks em “Uma Aventura na Martinica” quando assinou com a Monterey, por cinco mil dólares semanais, para interpretar o cozinheiro Nadine Groot. O veterano Harry Carey teria participação no filme, assim como a ainda pouco conhecida loura Colleen Gray. Praticamente todos os atores-cowboys do cinema foram contratados para atuar em “Red River”, entre eles Noah Beery, Hank Worden, Glenn Strange, Hal Taliaferro, Lane Chandler, Dan White, Tom Tyler, Guy Wilkerson e Pierce Lyden. Sem falar nos muitos stuntmen como Richard Farnsworth, Ben Johnson e Cliff Lyons. Harry Carey conseguiu que Hawks contratasse seu filho Harry Carey Jr., então com 25 anos e que faria sua estreia no cinema nesse filme. O ator-índio Chief Yowlachie da tribo Yakima foi também contratado, assim como uma jovem atriz chamada Shelley Winters que acabou fazendo uma quase figuração. Apesar de bastante conhecido depois de “No Tempo das Diligências” (Stagecoach), John Wayne, então com 39 anos, parecia que nunca deixaria de ser um ator do segundo escalão de Hollywood. Para ele ficou o papel de Thomas Dunson e junto com Duke veio seu ‘coach’ (treinador) para diálogos Paul Fix que também fez parte do elenco. Faltava ainda preencher dois papéis importantes, o de Cherry Valance e o de Matthew Garth.

John Ireland e Montgomery Clift.
Hawks apresenta um certo Montgomery Clift – O cowboy de rodeios Casey Tibbs foi a primeira escolha para viver Matthew Garth. Porém Tibbs caiu de um cavalo e fraturou o ombro, dando adeus à sua carreira cinematográfica. O nome de Jack Buetel foi sondado para substituir Casey Tibbs, mas Buetel estava preso a contrato a Howard Hughes que não o liberou para filmar com Hawks. O agente Leland Hayward, conhecido por suas conquistas amorosas, entre elas Greta Garbo e Katharine Hepburn, vinha mantendo um caso amoroso com Slim, a companheira de Howard Hawks e conseguiu impor junto a Charles Feldman o nome de Montgomery Clift, ator que vinha se destacando na Broadway. Para interpretar Matthew Garth, Clift que era oriundo do Actor’s Studio e nunca havia chegado perto de um cavalo, fazia sua estreia no cinema aos 25 anos recebendo nada menos que 50 mil dólares e mais cinco mil dólares a cada semana adicional além das 12 previstas em contrato. O salário de Clift era bastante elevado se comparado ao de John Wayne que assinou pelos mesmos 50 mil dólares mais dez mil dólares a cada semana extra de filmagem. O contrato de Wayne previa ainda uma porcentagem de 10% sobre os lucros do filme com garantia mínima de 75 mil dólares. Não tão jovem (31 anos) mas igualmente novo em Hollywood, John Ireland foi escolhido para interpretar Cherry Valance. Ireland era um ator canadense que, assim como Clift, atuava também na Broadway mas já havia atuado em “Paixão dos Fortes” (My Darling Clementine), interpretando um dos filhos de Ike Clanton (Walter Brennan). Howard Hawks queria Gregg Toland (“Cidadão Kane”) como cinegrafista, mas Toland estava comprometido com outro trabalho e a escolha final recaiu em Russell Harlan. Hawks gostou tanto do trabalho de Harlan que passou a contar com ele, dali para a frente, em quase todos seus filmes. De dois nomes Howard Hawks não abria mão na parte técnica, o de Dimitri Tiomkin para compor a trilha sonora e o de Arthur Rosson para ser diretor de segunda unidade e dirigir as sequências da condução das mil cabeças de gado alugadas para o filme.

Cena de amor entre Joanne Dru e Clift;
abaixo o roteirista Charles Schnee.
A censura do Código de Produção - O estilo de filmar de Howard Hawks era calmo, sem pressa e seus filmes, que costumavam estourar prazos e orçamentos, eram compensados pela indiscutível qualidade artística. Levar uma equipe daquele tamanho, com tantos atores, técnicos, cowboys de verdade, um enorme rebanho e dezenas de cavalos para locações no Arizona teria um custo muito maior que o 1.750.000 dólares inicialmente orçados. As despesas começaram a subir antes mesmo de “Red River” começar a ser rodado pois Hawks não aprovou o roteiro de Borden Chase e contratou Charles Schnee, ex-advogado de 29 anos, formado em Yale, para reescrever o script. A alteração foi substancial e praticamente uma outra história foi escrita, para desespero de Borden Chase que não parava de reclamar. Orientado por Hawks, Schnee adicionou à história nuances provocantes como a amizade entre os personagens de Clift e Ireland. Os diálogos toscos de Borden Chase deram lugar a falas repletas de dubiedade acrescentando o aspecto ambíguo desejado por Hawks, além de referências sexuais explícitas. Borden Chase ficou possesso mas nada podia fazer uma vez que Hawks, ao adquirir a história para o cinema, podia modificar o texto segundo sua concepção. Entregue o roteiro para ser aprovado pelo Production  Code, dirigido pelo intransigente por Joseph Breen, este objetou em relação à quase totalidade do texto. Breen riscou com sua caneta vermelha sequências inteiras lembrando que não aceitaria as tantas mortes sem punição e menos ainda sexo sem casamento, fazendo com que quase todos os diálogos fossem reescritos. Para conseguir aprovação do Production Code, Schnee e Hawks atenuaram muito o teor que a história havia adquirido e conseguiram, em algumas sequências, driblar a censura imposta pelo inflexível Breen. A engenhosidade de Howard Hawks e a sutileza de Schnee funcionaram de certa forma, mas no conjunto “Red River” ficou longe daquilo que Hawks sonhara.

John Ireland
A Cannabis sativa de John Ireland - Hawks teve ainda que contornar as diferenças entre Wayne e Brennan em relação a Clift, cuja visão política eram diametralmente opostas à que comungavam os dois atores, lídimos representantes da extrema direita de Hollywood. Wayne, por sinal, seria eleito dois anos depois o presidente da famigerada associação que ‘preservava os ideais norte-americanos no cinema’, braço direito do macarthismo. Ideologia à parte, os três atores se respeitavam por seus talentos interpretativos. Wayne, que nunca tivera estudos de arte dramática surpreendia a Clift em cada cena e Brennan mostrava porque estava entre os melhores atores característicos do cinema. Mais impressionados ainda eles ficaram ao ver Montgomery Clift se comportando como perfeito cowboy e montando como se tivesse crescido em cima de uma sela. Sorte de Hawks que tinha apenas que se preocupar com John Ireland que invariavelmente se apresentava para filmar alcoolizado ou sobre efeitos de drogas. Ireland fumava livremente seus baseados naqueles espaços abertos em que o vento misturava o cheiro da marijuana com o odor da bosta do gado. Além disso Ireland namorou Shelley Winters e também Joanne Dru, com quem viria a se casar em seguida. Como resultado Hawks diminuiu drasticamente a participação do personagem Cherry Valance e aumentou o papel de Nadine Groot (Walter Brennan).

Duke, Hawks e Joanne Dru num intervalo
das filmagens em Rain Valley Ranch.
Custo de quase três milhões de dólares - Grande parte das locações ocorreu em Rain Valley Ranch, região perfeita como cenário, mas que fazia jus ao nome com as chuvas torrenciais que caíam. Hawks foi mordido por um inseto e teve que permanecer uma semana hospitalizado. John Wayne e Joanne Dru contraíram fortes gripes que também os afastaram das filmagens por alguns dias. O sol, o calor, a exaustão das cavalgadas em “Red River” causam a impressão no espectador que ele está sujo e empoeirado como os atores do filme, além de sedento, tamanho o realismo que Howard Hawks conseguiu. E isso é assombroso quando se sabe que metade do filme foi rodado em Hollywood, nos estúdios de Samuel Goldwyn, onde foi construído um imenso set ao preço de 20 mil dólares e onde foram rodadas todas as cenas noturnas. Esse fato em muito ajudou a conter os gastos uma vez que dos 76 dias previstos para as filmagens, o filme atingiu 106, com 30 dias adicionais. Ainda assim o custo final de “Red River” saltou para 2.886.661 dólares e para obter o milhão e trezentos mil dólares que faltava, a Monterey Productions se viu obrigada a vender cotas do filme, a maior parte delas adquiridas por Edward Small e o restante a bancos. Howard Hawks enfrentou o dilema de fazer esses arranjos financeiros ou não concluir o filme, optando por legar ao cinema seu filme mesmo comprometendo o possível lucro.

A chegada do rebanho a Abilene, atravessando
a rua principal da cidade.
Acusação de plágio - As filmagens do stampede (estouro da boiada) dirigida por Arthur Rosson, que utilizou 15 câmeras, consumiu 13 dias de filmagem, resultando em sete cowboys feridos, além de dezenas de cabeças de gado e cavalos também feridos, alguns gravemente. Parece pouco quando se sabe que mil cabeças de gado foram usadas no filme, certamente o maior número de animais vivos visto numa única película. Christian Nyby foi o editor responsável pela montagem e quando o filme ficou pronto e com datas marcadas para estreia nos Estados Unidos, surgiu Howard Hughes ameaçando acionar judicialmente Howard Hawks a quem acusou de plagiar seu filme “O Proscrito”, o mesmo western iniciado por Hawks em 1940. A sequência contestada por Hughes é a cena final de “Red River” em que Thomas Dunson provoca e humilha Matthew Garth até que este reaja. Em “O Proscrito”, Doc Holliday (Walter Huston) procede da mesma forma em relação a Billy the Kid (Jack Buetel), mas é necessário ser muito rancoroso (e Hughes o era) e ter muita maldade (assim era Hughes) para proceder daquela maneira. “Red River” retornou inúmeras vezes à sala de edição até que Hughes se desse por satisfeito com as alterações, permitindo que “Red River” fosse enfim lançado, com 18 meses de atraso, em 17 de setembro de 1948.

Howard Hawks
A falência da Monterey - Existem duas versões de “Red River”, uma de 125' que tem narração de Walter Brennan emendando os episódios; a outra versão, de 131', tem os episódios ligados por texto narrativo em forma manuscrita. "Red River" foi muito bem nas bilheterias, rendendo quatro milhões de dólares e sendo o terceiro filme mais visto nos Estados Unidos em 1948, atrás apenas de “A Caminho do Rio” (Road to Rio) que rendeu 4,5 milhões de dólares e de “Desfile de Páscoa” (Eastern Parade), que obteve 4,2 milhões de dólares de bilheteria. Do lucro de mais de um milhão de dólares Howard Hawks não viu um único centavo, algo parecido com o que aconteceria com John Wayne em “O Álamo”. E a amizade de Wayne com Hawks ficou estremecida porque Wayne também não viu a cor da porcentagem que deveria receber por ter atuado em “Red River”, uma vez que a Monterey Productions teve a falência decretada após os problemas financeiros pelos quais passou. Mas John Wayne deve a Howard Hawks o reconhecimento da crítica e de seu mentor John Ford que descobriram que Wayne sabia atuar e muito bem. A partir desse filme John Wayne passou a frequentar a lista dos campeões de bilheteria, onde permaneceu por 26 anos consecutivos, interrompidos apenas em 1958. E Howard Hawks que era já um dos 'top directors' do cinema norte-americano, com "Red River"passou a ser reconhecido como um dos grandes diretores do gênero western e consagrando-se definitivamente com sua obra-prima "Onde Começa o Inferno" (Rio Bravo).

Em "Red River" Tom Dunson mesmo ferido por Cherry Valance dispara várias vezes
contra Matt Garth e depois o esbofeteia e esmurra para que ele reaja.
Abaixo, em "O Proscrito" (The Outlaw), sequência parecida, com Doc Holliday
(Walter Huston) provocando Billy the Kid (Jack Buetel) e arrancando-lhe
um pedaço de cada orelha.


22 de janeiro de 2014

O CAVALEIRO SOLITÁRIO (PALE RIDER) - NÃO RECONHECIDA OBRA-PRIMA DE CLINT EASTWOOD


Com a morte de John Wayne, Clint Eastwood passou a ser a única esperança dos fãs do western para que o gênero sobrevivesse, isto após a catástrofe financeira que foi “O Portal do Paraíso” (Heaven’s Gate), em 1980. Pouquíssimos westerns eram produzidos nos anos que se seguiram e mesmo Clint estava, em 1985, há nove anos sem atuar num faroeste desde que dirigira e protagonizara o excelente “Josey Wales o Fora-da-Lei”, em 1976. Eastwood era reconhecido a cada filme que dirigia, como um cineasta de talento e sua produtora Malpaso acumulava seguidos êxitos de bilheteria. Foi quando Clint recebeu um roteiro intitulado “The William Munny Killings” que o ator entendeu que era hora de retornar ao gênero que o consagrara. Mas Francis Ford Coppola tinha prioridade no script e Clint Eastwood jamais aceitaria ser dirigido por Coppola cuja concepção de produção de filme sempre foi totalmente diferente da rapidez e economia de Clint. Curiosamente Eastwood viria a dirigir esse mesmo roteiro anos depois, com o título “Unforgiven” (Os Imperdoáveis) após Coppola perder o direito à opção. Clint então decidiu produzir, dirigir e atuar em um western com roteiro da dupla Michael Butler-Dennis Shryack, intitulado “Pale Rider”. A escolha de Eastwood foi feita ao perceber que a história tinha alguns pontos em comum com “Os Brutos Também Amam” (Shane), clássico de George Stevens, filme pelo qual Clint manifestava admiração. Por sua sugestão o roteiro foi adaptado de tal forma que “Pale Rider” (que no Brasil se chamou “O Cavaleiro Solitário”) se transformou numa nova versão de “Shane”.


Clint Eastwood
O Pregador armado - Uma comunidade de mineradores da região de Carbon Valley se vê pressionada por Coy LaHood (Richard Dysart), minerador que usa técnicas modernas de extração agressivas à natureza com os propulsores hidráulicos cujos jatos destroem tudo que encontram pela frente na busca por minérios. LaHood almeja o monopólio total da exploração no desfiladeiro de Carbon e com a iminente determinação governamental de proibir aquele modelo de extração, o empresário quer se apropriar das áreas que por concessões legais pertencem aos pequenos bateadores. Estes são liderados por Hull Barret (Michael Moriarty) que sofrem um destruidor ataque por parte dos homens de LaHood. Atemorizados com a extrema violência e sem maiores recursos de defesa, os membros da comunidade estão prestes a abandonar suas áreas deixando-as para LaHood. Surge em Carbon Valley um estranho, dizendo-se Pregador (Clint Eastwood) que passa a ajudar Barret, unindo os mineradores e desafiando o poder e a força de LaHood. Este contrata os serviços do delegado Stockburn (John Russell) que chega à cidade acompanhado por seis bem armados assistentes. O Pregador, no entanto, liquida um a um os assistentes e por fim duela e mata Stockburn. Os dois homens já se conheciam de outro encontro em que Stockburn descarregara sua arma no Pregador. LaHood ainda tenta matar o Pregador atirando nele pelas costas mas é morto por Hull Barret. Colocando fim no domínio de LaHood, o Pregador parte solitariamente do mesmo modo como chegou. 

As costas do Pregador; a estupefação de LaHood
(Richard Dysart) e Stockburn (John Russell.
Misterioso ser sobrenatural - O tema central da história de “O Cavaleiro Solitário” nada tem de novo, pois histórias do bem contra o mal sempre foram o tema central dos faroestes. O que, no entanto, diferencia este western de Clint Eastwood dos demais é a caracterização do próprio herói, bem como a atmosfera que o diretor imprimiu ao filme através da soberba fotografia de Bruce Surtees. O misterioso personagem sem nome criado por Sergio Leone reaparece sob uma aura sobrenatural que já havia exibido em “O Estranho Sem Nome” (High Plains Drifter), surgindo onde necessário fosse, como um ente etéreo e inatingível. Na figura de um padre o estranho se reveste de maior ambiguidade podendo ele ser um fantasma ou um ser que sobreviveu após ser crivado de balas pelo Marshall Stockburn. E há ainda uma série de alegorias que esbarram fortemente na religiosidade como a dos ferimentos que o Padre traz no corpo, que lembram as chagas de Cristo. LaHood, Stockburn, homens e mulheres espreitam impressionados a caminhada do Padre como se estivessem diante de um ser ressuscitado. O personagem Spider Conway (Doug McGrath) exclama após ver em ação o pregador: “Preacher my ass”, que poderia ser melhor traduzida, ainda que eufemisticamente, por ‘Padre o cacete!’ E mais que proteger os bateadores o Padre objetiva a vingança que após consumada nada mais o prende a Carbon Valley, de onde parte, ecoando nas montanhas os  gritos da jovem Megan (Sidney Penny).

Doug McGrath (Spider) exclama "Padre uma ova!", ou quase isso...


Mãe e filha (Carrie Snodgress e Sidney
Penny) se ajeitando para impressionar o
Padre; Clint Eastwood e Michael

Moriarty tentando rachar uma rocha.
Correspondências com “Shane” - A crítica se dividiu diante de “O Cavaleiro Solitário” e nas resenhas negativas era comum a citação de “Shane”, havendo até mesmo quem falasse em debochada paródia. Declaradamente este western de Eastwood atualiza respeitosamente o clássico de George Stevens, mesmo porque entre um e outro houve o advento do Western Spaghetti do qual Eastwood foi um dos maiores beneficiários. Do filme de George Stevens estão em “O Cavaleiro Solitário” a reedição da retirada do tronco que muda para uma rocha que o roteiro inteligentemente faz se dividir pela força e fúria do fortíssimo Club (Richard Kiel); a ida de Spider Conway (Doug McCarthy) à cidade onde é covardemente assassinado não por um pistoleiro mas por cavaleiros que se assemelham aos do apocalípse; e ainda a amizade de Barret com o Padre. E mais que tudo a paixão que o estranho desperta em Sarah Wheller (Carrie Snodgress) e em sua filha Megan, aqui uma adolescente que em “Shane” é o pequeno Joey. E o envolvimento das duas mulheres com o Padre, mesmo previsível, ocorre com extrema delicadeza, mesmo que faça sofrer a jovem e satisfaça momentaneamente a mãe sedenta de amor. De poucas palavras, como de hábito são os personagens de Eastwood, o Padre transborda de indulgente ternura a sua ordem a Sarah: “Feche a porta!”, momento sublime deste western vigoroso. Impossível para o Shane/Alan Ladd dizer isso.

Carrie Snodgress e Michael Moriarty
(acima); Clint e Sidney Penny.
Ator principal em segundo plano - Clint Eastwood está presente em todo o filme, ainda que surja em cena em apenas metade das sequências, abrindo espaço para o drama da comunidade de bateadores, para a avidez de LaHood pai e filho e para a brutalidade dos dois grupos de vilões. Dos atores ‘secundários’ com intensa presença no filme destacam-se Michael Moriarty em ótima performance, seguido pela interpretação de Carrie Snodgress como a sofrida e desnorteada mulher abandonada pelo marido. John Russell, em seu penúltimo trabalho no cinema está esplêndido em sua circunspecção e sua morte, alvejado pelo Padre é nunca menos que antológica. Eastwood só não foi perfeito na direção de atores por permitir uma excessiva e aborrecida atuação de Doug McGrath que a todo custo tenta se mostrar superior à inesquecível criação de Elisha Cook Jr. como ‘Stonewall Torrey’ em “Shane”. Ótimo aproveitamento de Richard Kiel de quem Clint extraiu uma humanidade que não se suspeitava fosse ele fosse capaz de dar a seu personagem. E Clint Eastwood, o mestre do minimalismo, atinge um dos momentos maiores de sua carreira como ator, prenunciando a pungência e angústia com que interpretaria ‘William Munny’ em “Os Imperdoáveis”. Clint é desses raros atores que impõe sua persona aos tipos que interpreta aduzindo a eles forte expressividade, desta vez numa eminência fantasmagórica.

O Padre aplica uma surra de bastão nos
homens de LaHood.
Coesão e precisão narrativa - “O Cavaleiro Solitário” é um western extraordinário pela concisão de sua narrativa, resultado do domínio da linguagem cinematográfica por parte de Clint Eastwood. Assim como o próprio personagem-título, o filme é direto, com cortes secos porém precisos e sem excessos de movimentos desnecessários de câmara ou busca de ângulos que visem impressionar o espectador. O início atordoante mescla imagens do ataque dos homens de LaHood à comunidade com o terror estampado no rosto dos apavorados bateadores, completada pela alternância sonora num conjunto arrebatador. A sequência em que o Padre abate quatro capangas de LaHood com um cabo de enxada em frente ao armazém é admirável, ainda mais que o estranho faz uso da mesma arma que os homens utilizaram para surrar Barret. Inúmeros são os momentos de ação como o Padre enfrentando o gigantesco Club (cena idêntica à de "Butch Cassidy"), disparando contra Josh LaHood (Christopher Penn) e como se fosse uma aparição dizimando  o bando de LaHood. Eastwood reservou para o final um dos mais soberbos confrontos apresentados num western e longe do exibicionismo semiinfantil de “Silverado” (realizado no mesmo ano), Clint Eastwood rende homenagem a seu mestre Sergio Leone com uma composição meticulosa e de incrível beleza cênica, prescindindo da riqueza musical de Ennio Morricone. Eastwood impressiona ao mostrar o Padre provocando inquietação nos homens de Stockburn, desaparecendo em seguida e deixando no solo seu insólito chapéu que somente Clint poderia usar sem parecer caricato. As mortes desse confronto são rápidas e críveis, preparando para o momento supremo da execução de Stockburn que após ser trespassado por vários projéteis a queima-roupa, recebe o tiro de misericórdia na testa.

O tiro de misericórdia na testa
de Stockburn.
‘Um western decente’ - A música de “O Cavaleiro Solitário” foge de ser temática dos personagens, compondo-se de acordes sonoros que marcam fortemente cada cena, isto num tempo em que cada vez mais era valorizada a melosidade das trilhas sonoras. Rodado em 45 dias ao custo de quatro milhões de dólares, “O Cavaleiro Solitário” rendeu 60 milhões de dólares quando de seu lançamento nos Estados Unidos, desmentindo aqueles que diziam que faroestes não atraiam mais o público. Menosprezado ainda hoje por boa parte da crítica (Leonard Maltin atribui ao filme meras duas estrelas), “O Cavaleiro Solitário” recebeu de importantes críticos significativos elogios. Roger Ebert disse que o filme é “um western clássico no estilo e na emoção”; Vincent Canby (‘New York Times’) escreveu sobre “Pale Rider” dizendo que este “é o primeiro western decente em muitos e muitos anos”; Andrew Sarris afirmou em sua resenha sobre o filme "que os instintos de Clint Eastwood são inspiradores na intenção de manter o gênero vivo”; no Brasil Guido Bilharinho, autor do livro ‘O Filme de Faroeste’ deu a “O Cavaleiro Solitário” o subtítulo de “Obra de Arte”; A.C. Gomes de Mattos classificou este western de Eastwood como “um dos faroestes relevantes da década de 80”. “O Cavaleiro Solitário” é um western que raramente entra em alguma lista dos dez melhores, e uma exceção foi o caso de Aulo ‘Doc’ Barretti que o classificou em quarto lugar na sua relação de melhores faroestes. A culpa por esse menosprezo talvez recaía no fato de o outonal e premiado “Os Imperdoáveis” (Unforgiven) ser uma quase unanimidade não só na carreira de Clint como ator-diretor-produtor, mas também do próprio gênero. Isso não impede que “O Cavaleiro Solitário” seja um dos mais perfeitos faroestes do cinema norte-americano.


Um padre e sete 'homens da lei' com seus distintivos.

18 de janeiro de 2014

TOP-TEN WESTERNS DO BANDOLEIRO MEXICANO, O ATOR CARLOS JORGE MUBARAH

El Mexicano desenhado por Umberto 'Hoppy' Losso.

Carlos Jorge Mubarah é um rosto conhecido na televisão brasileira pelas dezenas de comerciais feitos em sua carreira de ator profissional. Isto, além de participações efetivas em programas de grandes emissoras como a própria Rede Globo (Programa Ana Maria Braga). E foi o talento de Mubarah que fez dele o principal destaque da Confraria dos Amigos do Western durante mais de duas décadas. Percebendo que só havia ‘mocinhos’ na confraria, Mubarah tornou-se o único ‘bandido’ e não um bandido qualquer, mas um autêntico bandoleiro mexicano. Passou então a ser conhecido por ‘El Mexicano’, ainda que alguns amigos insistissem em chamá-lo de ‘Pancho Villa’ dada sua grande semelhança com o revolucionário mexicano. A marca registrada do Bandoleiro sempre foi o vasto bigode que o ator só raspa por um cheque com pelo menos cinco zeros à esquerda da vírgula. Seu tipo peculiar era a maior atração nas matérias jornalísticas produzidas nos áureos tempos da confraria e suas ‘mortes’, alvejado pelos muitos mocinhos, tornaram-se lendárias, como aquela exibida no ‘Fantástico’, em 1994.

Exímio ritmista e cantor, El Mexicano exibe sua
arte em uma das inesquecíveis festas realizadas
em sua acolhedora 'hacienda'.
Desde menino Carlos Jorge tinha o faroeste como gênero de filme preferido, frequentador assíduo que era dos muitos cinemas localizados na Avenida Celso Garcia, em São Paulo. Nascido no Tatuapé (bairro da Zona Leste da capital paulista), de onde nunca saiu, foi nos Cines Aladim, Júpiter, Universo, Fontana, São Jorge, Roxy e Brás-Politeama, todos na Avenida Celso Garcia, que Carlos Jorge passou a admirar John Wayne, Randolph Scott, Kirk Douglas, Burt Lancaster, James Stewart, Gary Cooper e outros atores do mesmo quilate e que faziam muitos westerns. Multitalentoso pois além de ator, é também músico (ritmista) e poeta bissexto com poemas publicados, Carlos Jorge Mubarah não perde um bom faroeste e é um apaixonado pelo gênero do qual é grande conhecedor. A pedido de WESTERNCINEMANIA, El Mexicano relacionou os dez westerns que mais admira sendo este o Top-Ten Westerns de El Bandolero Mexicano:


1.º) Da Terra Nascem os Homens (The Big Country), 1958 – William Wyler



2.º) Meu Ódio Será Sua Herança (The Wild Bunch), 1969 – Sam Peckinpah
3.º) Rastros de Ódio (The Searchers), 1956 – John Ford
4.º) O Álamo (The Alamo), 1960 – John Wayne



5.º) Sem Lei e Sem Alma (Gunfight at the OK Corral), 1957 – John Sturges
6.º) Vera Cruz (Vera Cruz), 1954 – Robert Aldrich
7.º) No Tempo das Diligências (Stagecoach), 1939 – John Ford



8.º) Hombre (Hombre), 1967 – Martin Ritt
9.º) Duelo de Titãs (The Last Train from Gun Hill), 1959 – John Sturges
10.º) Os Jovens Pistoleiros (Young Guns), 1988 – Christopher Cain



Hombre macho que é, El Mexicano não gosta de westerns sensíveis como “Os Brutos Também Amam” ou alegres como “Butch Cassidy” pois considera os personagens desses filmes muito distantes da macheza de um John Wayne, Kirk Douglas ou Burt Lancaster, entre outros. Além de relacionar seu Top-Ten, El Mexicano citou outros dez faroestes que considera também de altíssima qualidade artística. São eles, listados por ano de produção:

Winchester 73 (Winchester ’73), 1950 – Anthony Mann
A Última Barricada (The Last Command), 1955 – Frank Lloyd
Onde Começa o Inferno (Rio Bravo), 1959 – Howard Hawks
Minha Vontade é Lei (Warlock), 1959 – Edward Dmytryk
Sete Homens e um Destino (The Magnificent Seven), 1960 – John Sturges
A Face Oculta (One-Eyed Jacks), 1961 – Marlon Brando
O Último Pôr-do-Sol (The Last Sunset), 1961 – Robert Aldrich
Os Comancheiros (The Comancheros), 1961 – Michael Curtiz
O Homem que Matou o Facínora (The Man Who Shot Liberty Valance) 1962 – John Ford
Os Imperdoáveis (Unforgiven), 1992 – Clint Eastwood



TOP-TEN IMAGENS DE EL MEXICANO


Un hombre malo con un corazón de oro, El Mexicano.

Acima entrevistado por Helena de Grammont para o programa de TV Fantástico
e ao lado de seu colega ator-cantor Paulo Miklos; abaixo com Deborah Rodrigues,
a Rainha dos Caminhoneiros; com a adorada esposa Darcy;
e como Tuareg, muito bem acompanhado, em um trabalho comercial.

El Mexicano montado em seu fiel Cafezinho; entre milhares de fotos que foram
feitas do Bandolero, sua preferida é a de cima à direita, publicada no jornal
'O Estado de S. Paulo'; abaixo sendo capturado por Dionísio Nomellini;
à direita ameaçado pelos lendários Umberto 'Hoppy' Losso e Aulo 'Doc' Barretti.