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6 de janeiro de 2014

SANGUE EM SONORA (THE APPALOOSA) – O WESTERN MAIS FRACO DE MARLON BRANDO


Marlon Brando atuou em 40 filmes em sua carreira, sendo apenas quatro deles westerns. Curiosamente os três primeiros são relacionados com o México. Depois de “Viva Zapata!” e de “A Face Oculta”, Brando em meio a uma fase ruim de sua carreira aceitou trabalhar em “The Appaloosa” (Sangue em Sonora) sendo dirigido pelo jovem diretor canadense, então com 33 anos, Sidney J. Furie. Se Marlon Brando se acostumara a ditar ordens para diretores renomados como Lewis Milestone, Edward Dmytryk e Joseph L. Mankiewicz, é fácil imaginar o que se passou durante as filmagens de “Sangue em Sonora”. Acontece que Sidney J. Furie tinha sua própria concepção de como dirigir o filme e os choques foram inevitáveis, o que em nada contribuiu para que esse western rodado em 1966 fosse melhor lembrado. Provavelmente Marlon Brando jamais houvesse assistido a um western-spaghetti, mas Sidney J. Furie certamente havia assistido aos westerns de Sergio Leone, visto o uso insistente de técnicas criadas pelo diretor italiano para o gênero.


Brando e o cavalo Appaloosa
roubado por John Saxon.
O roubo do cavalo Appaloosa - A história de autoria de Robert MacLeod foi roteirizada por James Bridges em parceria com o experiente Roland Kibee (roteirista de “Vera Cruz”) contando as dificuldades que o aventureiro Matt Fletcher (Marlon Brando) encontra para se tornar um rancheiro. No passado Matt foi caçador de búfalos, lutou na Guerra Civil e cansado dessa vida errante deseja agora encontrar a paz criando cavalos da raça Appaloosa. Dono de um garanhão dessa raça ele chega à cidade de Ojo Prieto e procura a igrejinha local para se confessar com o padre e recomeçar a vida ‘limpo’ dos pecados cometidos. Matt esbarra no desejo do aristocrático mexicano Chuy Medina (John Saxon), homem forte de Ojo Prieto, que pretende comprar o Appaloosa de Matt, que não está à venda. Chuy Medina acompanhado de seu capanga Lázaro (Emílio Fernández) rouba o animal e ainda sevicia Matt deixando-o pendurado em uma árvore. Matt é libertado por Paco (Rafael Campos) e Ana (Mirian Colón), casal de amigos camponeses mexicanos. Matt parte então para Coclatán, ao encontro do ladrão para recuperar seu Appaloosa mas é capturado por Medina e seus homens ganhando a oportunidade de ser libertado se vencer Medina numa disputa de ‘braço de ferro’. O perdedor será picado mortalmente por escorpiões venenosos que estão a cada extremo da mesa da disputa. Matt é vencido por Medina, no entanto quebra uma garrafa e usa o vidro cortando o local da picada para amenizar o efeito do veneno. Deixado para morrer, Matt é ajudado por Trini (Anjanette Comer), uma namorada de Medina. Trini carrega o corpo inerte de Matt até o rancho de um homem chamado Ramos (Frank Silvera). Este usa como antídoto ao veneno uma poção feita com ervas e salva a vida de Matt. Refeito Matt Fletcher se reencontra com Chuy Medina e num confronto em que ambos estão armados com rifles Matt leva a melhor e liquida o mexicano.

Objetos em maior evidência que os
próprios atores...
Dentes à mostra - “Sangue em Sonora” é um filme realizado em ritmo deliberadamente lento e não poderia ser diferente para comportar os famosos e por vezes irritantes maneirismos de Marlon Brando. Some-se a isso alguns defeitos graves, o maior deles a estética de filmagem imposta por Sidney J. Furie fechando a câmara exageradamente nos rosto dos atores ou em objetos variados ao melhor ‘estilo Leone’. E os atores no caso não são meros figurantes estereótipos de mexicanos embriagados, mas atores do porte de John Saxon e Emílio Fernández, ambos de reconhecido talento interpretativo. Em boa parte do filme o que se vê são os dentes alvos de Medina e Lázaro, e mais os de Vesgo (Alex Montoya), sorrindo desnecessariamente como se isso fosse a única coisa que eles soubessem fazer. Quando não a câmara de Russel Metty, diretor de fotografia, passeia com insistência capturando a beleza das paisagens e também roubando o ritmo necessário que o filme poderia ter. Filmes mais lentos, mesmo faroestes, não deixam de ser interessantes e bonitos e o próprio Brando demonstrou isso com o seu excelente “A Face Oculta” em que dosou com perfeição ritmo, ação e emoção. Mas em “Sangue em Sonora” tudo saiu errado.

Não, não é propaganda de dentifrício... Acima Emílio Fernández e
Alex Montoya; abaixo Brando, como não poderia deixar de ser sofrendo
uma tortura desta vez imposta por John Saxon.

Alguns dos diálogos pobres do filme.
Moscas no pulque - Neste western não há uma só linha de diálogo inteligente e que produza efeito, o que se percebe logo na confissão de Matt ao padre da pequena igreja de Ojo Prieto, quando diz: “...não quero mais problemas. Quero viver em paz com a bênção de Deus...”. Daí em diante abundam em “Sangue em Sonora” os lugares comuns e ainda bem que Brando interpreta um personagem de poucas palavras. Depois de levar à tela na década de 50 textos brilhantes de Tennessee Williams, John Steinbeck (“Viva Zapata!”), Budd Schulberg e Shakespeare, o personagem de Brando trava este inacreditável diálogo com Vesgo : “É a primeira vez que visita esta pulqueria (espécie de cantina)? É um lindo lugar, não?”, pergunta Vesgo, ao que Matt responde: “Tem algumas moscas no pulque (bebida mexicana), mas não são muitas”. O ápice da falta de inspiração ocorre quando Matt explica a Medina porque quer recuperar o cavalo e diz “... esse cavalo índio significa muito para mim; se eu não for embora com ele, não irei sem ele”.

Mirian Colón e Frank Silvera
Camponesa eloquente - Com quase nenhuma ação e com diálogos pobres e insonsos, poderiam salvar o filme as interpretações dos atores principais. Brando sem nenhum esforço dá pequenas mostras de como seu personagem poderia ter sido melhor explorado se justificado seu tormento interior, o que não acontece. Ficam para John Saxon, apesar dos dentes à mostra, os melhores e mais naturais momentos do filme, como o patrão que se vê humilhado diante de seus empregados. E Saxon ofusca Brando na sequência dos escorpiões, toda ela preparada para mais um pequeno show de interpretação de Brando. Emílio Fernández teria que esperar por mais dois anos até que Sam Peckinpah extraísse dele a memorável composição do General Mapache em “Meu Ódio Será Sua Herança”. Outro ótimo ator desperdiçado é Frank Silvera (o ‘Huerta’ de “Viva Zapata!”) como o camponês Ramos que, inexplicavelmente, se sacrifica e sacrifica algumas de suas queridas cabras pelo desconhecido Matt Fletcher. O ator dominicano Rafael Campos é o responsável pelo mais excessivo over-acting quando de seu reencontro com o amigo ‘Matteo’, como ele chama o personagem de Brando. E a simplória Ana (Mirian Colón), esposa de Paco, tem oportunidade de contestar com descabida veemência e ilógica eloquência ao amigo Matt. Mas ninguém em “Sangue em Sonora” e em centenas de outros faroestes consegue ser pior atriz que Anjanette Comer em seu desnecessário personagem ‘Trini’, o rosto bonito que os produtores exigem para agradar o público masculino. Após três ou quatro boas oportunidades no cinema, Anjanette comprovou que jamais seria boa atriz e desapareceu em apagadas participações em séries de TV.

Anjanette Comer (note-se que os enquadramentos de "Sangue e Sonora"
cortam sempre pedaços dos rostos dos atores).

Brando de poncho e sombrero.
Brando de poncho e sombrero – Há em “Sangue em Sonora” uma relação de amizade entre Matt e o casal Paco-Ana. Claramente Matt se aproveitou, em outra ocasião dos favores de Ana, a quem chama de querida, carrega no colo e abraça de modo sensual. Mas a simplicidade, para não dizer pobreza, da história não se permite a desdobramentos desse tipo, o que certamente enriqueceria o filme numa situação insólita. Mirian Colón já havia atuado ao lado de Brando em “A Face Oculta”, filme em que interpreta uma prostituta ruiva. Marlon Brando que já estava visivelmente perdendo sua inglória luta contra a balança, disfarça em grande parte do filme sua indesejada barriga com um poncho (anos antes de Clint Eastwood na trilogia dos dólares, Brando usou um poncho na sua fuga para o México em “A Face Oculta”). E Brando esperaria mais dez anos até voltar a filmar outro western, o último de sua carreira e que foi “Duelo de Gigantes”, sob a direção de Arthur Penn. Dos quatro westerns de sua filmografia “Sangue em Sonora” é o mais fraco deles, enormemente distanciado de “A Face Oculta”, um dos grandes filmes do premiado ator.

A sequência da disputa de força em que o perdedor será picado mortalmente;
é a sequência mais lembrada de "Sangue em Sonora".

3 comentários:

  1. Gostei da resenha, Darci, afora que não concorde
    com tudo. Como você sabe, coloquei-o no meu top,
    embora veja defeitos que me irritem muito nele. Concordo
    - falando sem considerar em demasia meu gosto (ou mau gosto) -
    que A Face Oculta, Viva Zapata! sejam melhores,
    mas esse filme poderia ter rendido bem mais não
    fossem algumas escolhas e problemas que teve de
    enfrentar. Apesar de tudo, vejo-o como
    vejo quase todos: feito diversão; e posso revê-lo
    que sempre gosto de algumas coisas ali. Há clássicos,
    filmes consagrados, porém, que vejo mas não sinto
    saudade. Isso não parece certo, mas estou sendo
    apenas sincero. Vou considerar a possibilidade de
    falar um pouco dele no SC. Vai pelo menos alimentar alguma polêmica.

    Abraço!

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  2. Olá, Vinicius
    Não me recordava que sangue em Sonora era um de seus westerns favoritos. Fui ler de imediato seu comentário sobre o filme e me chamou a atenção sua observação quanto à dominação do personagem de Brando em relação ao casal de mexicanos. É exatamente isso e a discussão forte de Matt (Brando) com Ana (Mirian Colón) deixa claro que havia uma intenção de ambiguidade no roteiro, lamentavelmente não melhor desenvolvida. Um dos problemas de Sangue em Sonora, no meu entender é a batalha de maneirismos de Brando contra Sidney J. Furie e o diretor acaba levando a melhor e comprometendo o filme.
    Um abraço do Darci

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  3. Foi um dos melhores filmes que já vi do Gênero.
    O filme não intencionalmente provoca o efeito colateral de se assemelhar muito à realidade pelo fato de que os comportamentos dos personagens não serem roteirizados, ou seja padronizados. Esse desproporionalmente ou exageradamente surpreendentemente modo "amigo" desarrazoado da família mexicana ou empatia injustificável da família de mexicanos do rancho com Matt. Esse deslumbramento ainda existe, é real. Aqui no Brasil ainda se ri largamente sem sentido nenhum para amigos e estranhos, e é dessa forma infantil.
    Por outro lado, me encanta essa coisa do filme de que nenhum personagem ostenta o glamour de ter esperança na vida.
    São pessoas que vivem no meio ou embaixo da ponte entre dois nadas.
    Tentando sonhar em um lugar nenhum.
    Esse maniqueísmo religoso que aposta na razão humana de se construirem vidas em um contexto caótico de um deserto misérável de recursos como o de Sonora, deserto de pessoas e de idéias, tb foi extraordináriamente bem colocado pelo diretor.

    O fato de Matt ser um herói ocasional, e não um heroi que voa,um hérvules, ou seuperman, ou que tenha algum dom ou algum mérito, foge do padrão.
    Matt só mata na covardia ou na sorte para ter como prêmio a própria miséria, nada mais cult e antiamericano que isso.

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