UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

30 de abril de 2013

ESTANTE DE FAROESTE – “ANY GUN CAN PLAY”, GUIA ESSENCIAL PARA OS EURO-WESTERNS



Os westerns produzidos na Europa possuem uma legião de admiradores. Pensando neles, muitos livros já foram escritos procurando ressaltar a importância desses filmes na história do cinema mundial. Até mesmo Sir Christopher John Frayling, Reitor do Royal College of Art da Inglaterra escreveu sobre euro-westerns, mais precisamente sobre o Spaghetti Western. Mas se você quiser ler o melhor trabalho sobre euro-westerns deve ler “Any Gun Can Play”, de autoria de Kevin Grant. Ao contrário do renomado Christopher Frayling, Kevin Grant é praticamente um desconhecido, possivelmente inglês, como Frayling. No entanto, para falar de “Any Gun Can Play”, é preciso abusar de superlativos, tamanha a qualidade dessa obra.


Lee Van Cleef
633 ilustrações - “Any Gun Can Play” tem o aparentemente pretensioso subtítulo ‘The Essential Guide to Euro-Westerns’ e em suas 480 páginas o autor faz um amplo e completo histórico do gênero que consagrou Sergio Leone. Se algum livro pode ser chamado de bíblia dos Spaghetti Westerns e dos westerns produzidos na Europa, esse livro é “Any Gun Can Play” com suas 450 ilustrações, às quais se somam outras 183 de uma 'Filmografia' em forma de apêndice. Dessas 450 ilustrações, 44 são fotos belíssimas de página inteira, retratando Franco Nero (três vezes), Lee Van Cleef (quatro vezes), Giuliano Gema (duas vezes), Clint Eastwood, Burt Reynolds, Frank Wolf, Robert Hussein, Jean-Louis Trintignant, Tomas Milian, Bret Halsey, George Eastman e Klaus Kinski. Duas atrizes são destacadas nessas páginas, Linda Veras e Raquel Welch em estupendo colorido que realça suas belezas. O livro apresenta 46 fotos em cores e incontáveis posteres de filmes, muitos deles também em cores. Duvido que alguém passe por esses cartazes sem admirar a arte dos desenhistas.

Linda Veras

Estilo fácil e fluente - Constatado o impressionante conteúdo fotográfico de “Any Gun Can Play” pode-se imaginar que o livro de Kevin Grant seja um volumoso álbum de fotografias. De fato, o que não falta no livro são fotos de encher os olhos, mas fotos que ilustram muita informação. Há no livro 50 páginas maciças de texto e centenas de outras páginas de texto ilustradas por fotos de tamanhos diversos, formando interessante diagramação. E que texto. O que se pretenda saber é comentado de forma didática, inteligente e com estilo fluente pelo autor. Kevin Grant dividiu seu livro em oito segmentos, que têm os seguintes títulos e subtítulos: Tiro ao alvo (O faroeste continental toma forma)Um tiro dado, um dólar ganho (O euro-western promove uma matança) – Parentes e religião (Rixas fraternas, padres problemáticos e temas recorrentes) – ‘Deus perdoa..., eu não’ (Filmes de ódio e vingança) ‘Não compre pão, compre dinamite’ (O contexto do western político) Cuidado com armas falsas (Superheroes do Spaghetti, alter-egos e impostores)Westerns híbridos (Influências do Horror, Humor e Artes Marciais)Desolação e reconstrução (Os anos crepusculares do gênero).

Cartazes de "El Chucho, Quién Sabe" (Gringo / A Bullet for the General) e
"Mille Dollari  Sul Nero" (Johnny Texas / Blood at Sundown).

Apêndices que valem outro livro - “Any Gun Can Play” traz dois apêndices que nem merecem assim ser chamados de tão completos que são e ambos poderiam ser editados em forma de livro. O primeiro apêndice, com 47 páginas é composto por 325 mini biografias, 183 delas acompanhadas de fotos dos biografados. O segundo apêndice, com 38 páginas, é uma filmografia do euro-westerns, contendo nada menos de 707 westerns produzidos ou filmados na Europa a partir de 1955. As duas primeiras produções são “El Coyote” e “La Justicia del Coyote”, ambas estreladas por Abel Salazar e dirigidas por Joaquin Romero Marchent. Os dois últimos filmes relacionadas nessa filmografia são do ano de 2009: “Doc West” (com Terence Hill e Ornella Muti) e “Lucky Luke” (com Jean Dujardin). Cada verbete da filmografia tem o título em Inglês, título original, diretor, produtor, roteirista, diretor de fotografia, autor da trilha sonora e elenco.

O cangaceiro 'Espedito' (Tomas Milian) em "Viva Cangaceiro",
exibido no Brasil como "Rebelião de Brutos".

Lembrando Antônio das Mortes - O título "Any Gun Can Play" foi emprestado do spaghetti "Vou, Mato e Volto" (Vado... l'Amazzo e Torno), "Any Gun Can Play" em Inglês e é uma sutil resposta àqueles que insistem em desprezar o subgênero Western-Spaghetti. Qualquer revólver pode disparar, qualquer país pode filmar faroestes. O livro de Kevin Grant é surpreendente no alcance de informações e até nosso Glauber Rocha é focalizado na influência do faroeste em seus filmes e na visão político-social dos mesmos. “Any Gun Can Play” é um trabalho de fôlego que resultou numa obra imprescindível para quem pretende se familiarizar com os euro-westerns ou mesmo encontrar análise aprofundada da história desse gênero cinematográfico. Minucioso sem ser cansativo e abrangente sem ser laudatório, é ainda um livro que dá enorme prazer de ser folheado pelas fotografias e cartazes escolhidos com enorme bom gosto. Publicado pela editora inglesa FAB Press e prefaciado por Franco Nero, “Any Gun Can Play” possui 480 páginas, como já foi dito, no tamanho 25,5cm x 19,5cm (altura x largura). Essencial em qualquer biblioteca de fãs de faroestes.

Última capa do livro de Kevin Grant, com foto de Franco Nero, que prefaciou o livro.

28 de abril de 2013

RENEGANDO MEU SANGUE (Run of the Arrow) – WESTERN MENOS INSPIRADO DE SAM FULLER


Quando filmou “Renegando meu Sangue”, em 1957, Samuel Fuller já era reconhecido como um cineasta controvertido. Pelo inusitado dos temas seus filmes nunca deixavam de impressionar, o que ocorrera nos dois primeiros westerns escritos e dirigidos por Fuller. Esses filmes foram “Eu Matei Jesse James” (I Shot Jesse James) e “O Barão Aventureiro” (The Baron of Arizona). Sob o ponto de vista de Fuller, Robert Ford fez um bem à humanidade ao assassinar o perverso Jesse James. E o Barão do Arizona não conquistara esse título com a violência típica vista em tantos filmes, mas sim através da forja de documentos centenários. Em “Dragões da Violência” (Forty Guns), seu quarto faroeste, Fuller mescla poder, corrupção e amor no Velho Oeste, onde os homens são subjugados por uma mulher forte e resoluta. “Renegando meu Sangue”, filmado no mesmo ano de “Dragões da Violência” é também um western estranho e insólito.


Rod Steiger e Marlon Brando em cena de
"Sindicato de Ladrões".
Complexo de Marlon Brando - Produzido pela moribunda RKO em parceria com a Global Enterprises (empresa do próprio Samuel Fuller), “Renegando meu Sangue” teve de ser ser distribuído pela Universal Pictures devido à falência da RKO. Fuller queria Gary Cooper para liderar o elenco deste faroeste, mas teve que se contentar com Rod Steiger, ator com ‘complexo de Marlon Brando’ e que tinha acessos de estrelismos como se fosse o próprio Brando. Depois de brilhar na televisão como ‘Marty’, personagem que daria um Oscar a Ernest Borgnine, Rod Steiger chamou a atenção no cinema como o irmão de Marlon Brando em “Sindicato de Ladrões”, atuação que lhe valeu fama e uma indicação ao Oscar. A partir daí Rod Steiger passou a ser uma dor de cabeça para quem o dirigisse, ‘construindo’ os personagens que interpretava do jeito que entendia. Foi assim que Steiger quase destruiu “Ao Despertar da Paixão” (Jubal) com sua atuação excessiva e com uma insuportável tonalidade vocal. E Steiger se superou em “Renegando meu Sangue”, fazendo com que Sam Fuller, durante as filmagens, mordesse raivosamente seus inseparáveis charutos. Além de Rod Steiger havia ainda a bela Sara Montiel para comprometer este terceiro faroeste de Fuller.

O'Meara dispara contra o Tenente Driscoll
e em seguida come sobre o corpo inerte.
O último tiro da Guerra Civil - O próprio Samuel Fuller escreveu e dirigiu a história do soldado O’Meara (Rod Steiger) da Infantaria de um Regimento da Virginia. Esse soldado de origem irlandesa,não se conforma com a derrota sulista e consequente rendição assinada pelo General Lee passando a renegar sua pátria. O’Meara havia disparado o último tiro da Guerra Civil contra um certo Tenente Driscoll (Ralph Meeker), da Cavalaria da U.S. Army. O’Meara abandona seus parentes, amigos e o Estado da Virginia, rumando para o Oeste, levando consigo, como souvenir, a bala do último tiro extraída do Tenente Driscoll, ferido não mortalmente. Em contato com os índios Sioux, O’Meara passa a admirar a cultura dos nativos e torna-se um deles ao se casar com Yellow Moccasin (Sara Montiel) e ao ficar amigo do chefe Blue Buffalo (Charles Bronson). Recuperado do ferimento e obstinado por uma promoção no Exército, o Tenente Driscoll se vê incumbido de construir o Forte Abraham Lincoln em pleno território Sioux. Para isso Driscoll confronta os índios que em número infinitamente superior aniquilam sua tropa. Aprisionado, torturado e prestes a ter a garganta cortada, Driscoll é morto por O’Meara que dispara a mesma bala com a qual ferira o Tenente anteriormente, matando-o desta vez. Com isso, piedosamente, O’Meara livra Driscoll da tortura e da morte violenta, prática comum dos Sioux. Essa atitude demonstra que O’Meara nunca poderá ser um autêntico Sioux e o ex-rebelde confederado segue para um novo caminho acompanhado de sua esposa índia.

Acima a rendição de Lee (montado em Traveller), com
Ulysses S. Grant à esquerda; abaixo O'Meara com
sua mãe, interpretada por Olive Carey.
Rebelde sem causa - “Renegando meu Sangue” é um filme supervalorizado, menos por suas qualidades e mais por ser outro western pró-índio, na linha iniciada com “O Caminho do Diabo” (Devil’s Doorway) e “Flechas de Fogo” (Broken Arrow), ambos de 1950. Cita-se frequentemente que este western de Samuel Fuller seria ainda o inspirador de “Dança com Lobos” (Dances with Wolves), com o qual tem algumas poucas similaridades. A crise de identidade do personagem O’Meara e seu encontro com outra cultura a qual passa a admirar seria vista de forma muito mais coerente (e poética) em “Lawrence da Arábia”. A rebeldia de O’Meara é justificada por ele não aceitar a tirania ianque que gosta de impor ordens aos derrotados na guerra. Não se explica, no entanto, por qual razão alguém tão rancoroso e ressentido não tenha seguido outros rebeldes e imigrado para a América do Sul, como fizeram tantos sulistas. Segundo Fuller, o personagem odioso e vingativo de O’Meara é também “burro e teimoso” e só mesmo alguém assim pode dar ouvidos ao batedor Walking Coyote (Jay C. Flippen), Sioux que trabalha para o Exército como batedor. Walking Coyote é um índio alcoólatra que abandonou sua tribo, onde, segundo diz, poderia ter sido chefe, apenas não tendo sido por “não tolerar ter que fazer política”, o que, por suas palavras, ocorre também entre os índios.

O Tenente Driscoll (Ralph Meeker), personagem
calcado no General Custer.
Sequência imaginativa - Admirável em “Renegando meu Sangue” é a capacidade de Samuel Fuller de realizar sequências de grande efeito visual com os escassos recursos financeiros que teve à sua disposição. As sequências de ação, especialmente o grande ataque final dos Sioux, são estupendas com excelente uso dos dublês, entre eles Chuck Roberson. E esse extraordinário stuntmen, que tem pequeno papel interpretando um sargento da Cavalaria, participa de uma imaginativa sequência em que salva o indiozinho Silent Tongue (Billy Miller) da areia movediça. O garoto é salvo mas o sargento é quem é engolido pela areia movediça na qual entra literalmente de cabeça, vendo-se por último suas pernas desaparecendo naquela armadilha natural. Cena típica de Sam Fuller que muito provavelmente ficou ma memória de Sergio Leone pois para se salvar da areia movediça o indiozinho mudo toca freneticamente sua gaita de boca. O tenente Driscoll, destilando seu ódio pelos índios é um esboço da personalidade doentia do General Custer. Menos vaidoso que o comandante do 7.º Regimento de Cavalaria, é certo, mas capaz de criar seu próprio Little Big Horn e levar à morte quase toda sua tropa.

Sequência espetacular em que o pequeno indiozinho mudo afunda lentamente na
areia movediça e toca desesperado sua gaita de boca tentando ser ouvido.
Um sargento da Cavalaria (Chuck Roberson) pendura-se perigosamente num
galho de árvore e retira o menino, balançando-o e jogando- na margem do
poço de areia movediça. O galho quebra-se e o sargento cai de cabeça
não conseguindo se salvar.

Jay C. Flippen com a horrenda peruca;
Charles Bronson no auge de sua forma
física, H.M. Wynant e Rod Steiger.
Descuidos de Sam Fuller - O título original “Run of the Arrow” faz referência a um cruel jogo Sioux que permite a seus prisioneiros tentar escapar correndo descalços por uma planície pedregosa em direção a uma flecha disparada e fincada no solo. Após o prisioneiro ter ultrapassado a flecha, um guerreiro calçado com mocassins persegue velozmente o prisioneiro, dando fatalmente cabo de sua vida. Se o prisioneiro escapar recebe a liberdade como prêmio. E Fuller tenta fazer o espectador acreditar que o gorducho Rod Steiger com os pés ensanguentados seja mais rápido que o atlético e feroz Sioux Crazy Wolf (H.M. Wynant). E o jogo se repete de forma invertida, com Steiger correndo atrás de um descalçado Crazy Wolf. Lembrado por ser o primeiro filme norte-americano a mostrar sangue na tela, “Renegando meu Sangue” é também lembrado por castigar o sempre correto coadjuvante Jay C. Flippen fazendo-o usar a mais bizarra peruca já vista em um western, modelo ‘Moe Howard’, dos Três Patetas e que ornava a cabeça do nosso ‘Zacarias’ dos Trapalhões. A intenção de Fuller de ressaltar o caráter nobre e leal dos índios é desnecessariamente enfatizada com a exibição da beleza física dos nativos, apolíneos como Blue Buffalo (Charles Bronson) e Crazy Wolf. E há ainda a atriz Sara Montiel que após aparecer bem em “Vera Cruz” surge tão bela quanto insonsa como índia Sioux em “Renegando meu Sangue”. Sem falar Inglês, a atriz foi dublada por Angie Dickinson. Certamente a espanhola Sarita foi uma imposição que Fuller teve que aceitar, pois Hollywood queria fazer dela uma nova Dolores Del Río. Após três filmes norte-americanos e um casamento anulado com Anthony Mann, Sara Montiel voltou para a Espanha onde se consagrou em melodramas musicais de enorme sucesso de público. 

O'Meara (Rod Steiger) com Yellow Moccasin Sara Montiel, sua esposa Sioux.

Sam Fuller, com o charuto, ao lado do cinegrafista
Joseph Biroc, com quem fez quatro filmes.
Western desigual - O elenco de “Renegando meu Sangue” tem ainda Brian Keith, contraponto ao overacting de Rod Steiger e à cansativa arrogância que Ralph Meeker dá a seu personagem. Charles Bronson com o corpo untado e luzidio é uma pálida imagem do astro que viria a ser alguns anos depois. Os veteranos Olive Carey e Tim McCoy têm pequenos papéis, assim como Frank DeKova e Carleton Young. Diferentemente de “Dragões da Violência” que é um completo exercício de como operar uma câmara cinematográfica, “Renegando meu Sangue” é um filme mais contido nesse aspecto, ainda que o cinegrafista seja o mesmo excelente Joseph Biroc do western com Barbara Stanwyck. A música de Victor Young pontua discretamente este terceiro faroeste de Fuller, exceto na impactante cena inicial, o que é típico do diretor. O final aberto diz ao espectador ‘O fim desta história só pode ser escrito por você’. Bastante desigual, alternando momentos de grande criatividade com outros verdadeiramente ridículos, “Renegando meu Sangue” merece ser visto justamente por ser um filme de Samuel Fuller. Os filmes desse diretor são polêmicos porque possibilitam discussões e novas descobertas a cada revisão. O difícil, porém, é aguentar por mais de uma vez o sotaque irlândes de Rod Steiger expresso com a mais irritante das vozes.

Sara Montiel acima ao lado de Rod Steiger durante pausa das filmagens.
Abaixo lindíssima na fase espanhola de enorme sucesso com "La Violetera",
"Meu Último Tango" e "Carmen de Ronda". Ao lado já idosa mas muito vaidosa.
Sarita Montiel faleceu em Madri no último dia 8 de abril (2013), aos 85 anos de idade.

22 de abril de 2013

ANJOS ASSASSINOS (Gettysburg) - OS TRÊS DIAS DECISIVOS DA GUERRA CIVIL NORTE-AMERICANA



Há 150 anos, exatamente nos dias 30 de junho, 1 e 2 de julho ocorria a mais sangrenta batalha da Guerra Civil Norte-Americana, a Batalha de Gettysburg. E há 20 anos, em 1993, era lançado “Gettysburg” (Os Anjos Assassinos), o filme que retratou esse terrível episódio da história dos Estados Unidos. Em 1974 Michael Shaara, escritor e professor de História da Florida University, escreveu “The Killer Angels”, sobre a Batalha de Gettysburg. O livro de Shaara foi premiado com o Prêmio Pulitzer de Ficção e atraiu a atenção de Ronald F. Maxwell, um jovem e então desconhecido diretor de cinema e TV. O magnata da televisão Ted Turner, dono dos canais TNT, CNT, WTBS, acolheu o projeto de Maxwell e decidiu produzir o filme em cujo roteiro o próprio Maxwell vinha trabalhando há mais de dez anos.



Michael Shaara e seu premiado livro.
Projeto de mini-série - Adaptar uma obra como “Gettysburg” para o cinema não seria tarefa fácil e a princípio Turner entendeu que o projeto poderia desenvolvido como uma mini-série para a televisão. Em 1989 a mini-série “Lonesome Dove” (Os Pistoleiros do Oeste), com Robert Duvall e Tommy Lee Jones, havia quebrado recordes de audiência e recebido todos os prêmios de melhor produção do ano. Ted Turner acreditou que conseguiria com “The Killers Angels” repetir o êxito de “Lonesome Dove”, produzido pela Motown Pictures e levado ao ar pela CBS. Quando Turner assistiu aos primeiros trechos de “Gettysburg” percebeu que tinha nas mãos um filme de rara qualidade artística e decidiu que a produção seria lançada inicialmente no cinema e só posteriormente como mini-série em seus canais de televisão. “The Killers Angels”, o título do livro foi descartado para o filme pela confusão que poderia causar com as centenas de grupos de motociclistas que usam nomes semelhantes. Optou-se então pela simplificação para “Gettysburg”, sendo que no Brasil o filme e Maxwell teve como título a tradução literal do nome do livro de Michael Shaara, ou seja, “Anjos Assassinos”.

O diretor Ronald F. Maxwell no alto à esquerda;
ao lado William Hurt; abaixo Robert Duvall e
Tommy Lee Jones.
Define-se o General Lee - William Hurt foi o ator escolhido para interpretar o General Robert E. Lee, mas não pode aceitar. O segundo nome pensado por Ronald F. Maxwell foi o de Tommy Lee Jones que também tinha compromissos assumidos e recusou a proposta. Chegou-se a Robert Duvall, muito mais apropriado que Hurt ou Lee Jones para ser o General Lee. Duvall chegou a ensaiar para o papel, treinando o sotaque da Virgínia do general. Com a demora para o início das filmagens e os muitos meses necessários para concluir “Gettysburg”, Robert Duvall foi o terceiro ator famoso a desistir do filme de Maxwell. Finalmente a produção acertou com Martin Sheen, ator de renome que pacientemente adequou sua agenda à difícil produção de Maxwell-Ted Turner. O compositor Randy Edelman contatado para criar a trilha sonora do filme, a princípio não aceitou pois o projeto da mini-série teria seis horas de duração, o que implicaria em enorme volume de trabalho para o compositor. Edelman confirmou sua participação quando foi anunciado que “Gettysburg” teria ‘apenas’ quatro horas e meia de duração. Com seus 271 minutos “Gettysburg” é o mais longo filme norte-americano a ser exibido nos cinemas. Lançado em junho de 1993 na New Line, rede de cinemas de propriedade de Ted Turner, o épico dirigido por Ronald F. Maxwell foi exibido em duas sessões diárias e apesar da boa acolhida do público e da crítica manteve-se apenas duas semanas em exibição. Em dezembro de 1993 “Gettysburg” foi exibido na televisão em quatro episódios e no ano seguinte lançado em VHS.

A presença voluntária dos reenactors - A preocupação com os detalhes buscando o máximo de apuro histórico fez com que grande parte das filmagens de “Gettysburg” ocorressem nos mesmos locais das batalhas, em Gettysburg, na Pennsylvania. Nada menos que 13.000 reenactors (civis que encenam reconstituição de batalhas da Guerra Civil) participaram voluntariamente de “Gettysburg”, todos arcando com as próprias despesas de locomoção. O realismo que se observa no filme quando a câmara focaliza os figurantes deve-se à experiência desses reenactors nas encenações que os mesmos praticam como forma de lazer. A produção economizou não só em figurantes mas também nos uniformes, equipamentos e armas que os mesmos possuem e orgulhosamente exibem no filme. Lamentavelmente destoam do realismo conseguido com os reenactors, as barbas e bigodes postiços dos atores principais, especialmente a barba do General Longstreet (Tom Berenger). A intenção da produção era fazer com que os atores se parecessem o mais possível com os personagens que interpretavam. Nos créditos iniciais são mostradas fotos originais dos oficiais que mais se distinguiram na Batalha de Gettysburg ao lado dos respectivos atores que viveram esses oficiais no filme.

Richard Jordan e Brian Mallan
(Generais Armistead e Hancock).
Filme sem dramas paralelos - Filmes de guerra invariavelmente apelam para os mesmos os clichês, seja com relações amorosas que a distância dificulta, seja com a tortura física e psicológica sofrida por subalternos. Outros filmes se atêm a mostrar exaustivamente o sofrimento causado pelas pernas e braços amputados ou a própria e dolorosa morte nas condições que a guerra impõe. Mesmo com suas mais de quatro horas de duração, “Anjos Assassinos” evitou essas armadilhas, começando por não ter no elenco sequer um personagem feminino no filme. O espectador é apenas lembrado que mães, esposas, filhos e amigos sofrem distantes do inferno da guerra. Permite-se o roteiro, no entanto, sublinhar a amizade pessoal entre os amigos generais Armistead e Hancock, agora adversários por força de uma guerra que não criaram. Mostrar os três dias da batalha que decidiu a Guerra de Secessão, suas estratégias e posicionamentos pessoais dos oficiais comandantes era o objetivo de “Anjos Assassinos”. Sequer o filme de Maxwell discute mais amplamente as causas que levaram à guerra. O que torna este filme imprescindível é sua rara grandeza na reconstituição primorosa das sequências de batalhas e o conjunto irrepreensível de participações dos atores.

Jeff Daniels; abaixo Kevin Conway.
A Batalha de Little Round Top - 158 mil soldados participaram dos três dias de batalhas em Gettysburg, com um total aproximado de 43 mil mortos. Segundo transcrições feitas a partir de relatos dos sobreviventes, “Anjos Assassinos” reconstitui à perfeição as batalhas ocorridas naqueles três dias, especialmente as de Seminary Ridge e a de Little Round Top. Esta última é capaz de emocionar até mesmo o mais frio dos espectadores, enquanto os mais emotivos fatalmente chegarão às lágrimas. O cume do morro chamado Little Round Top prestes a ser tomado pelas tropas confederadas era defendido por soldados do Maine comandados pelo Coronel Joshua Lawrence Chamberlain (Jeff Daniels). Esgotados e sem munição, os soldados recebem ordem de Chamberlain de armar suas baionetas e descer Little Round Top ziguezagueando, o que os fez escapar das balas sulistas, desnorteando os confederados, dezenas deles aprisionados ao final da ação. Sequência antológica, de tirar o fôlego e que coloca o espectador praticamente no campo de batalha, sendo o ponto alto de um filme no qual os grandes momentos são muitos.

Riqueza musical - A cinematografia de Kees Van Oostrum em “Anjos Assassinos” é primorosa num filme de guerra que não faz uso de recursos de edição gráfica. O ‘modernismo’ permitido são algumas poucas tomadas aéreas da batalha final filmadas no Gettysburg National Park. Stuntmen (dublês) atingidos por tiros de canhões voam perigosamente a dois metros de altura dando incrível realismo às cenas de batalha. Num filme de mais de quatro horas de duração algumas falhas de edição são inevitáveis mas mesmo quando percebidas em “Anjos Assassinos” não reduzem a grandeza do filme. A direção perfeita de Ronald F. Maxwell é completada pela trilha sonora extraordinária de Randy Edelman que emociona a cada acorde sem nunca ser retumbante ou monótona. O mais tocante momento da trilha sonora é a orquestração de “Kathleen Mavourneen”, composição de 1837 de autoria de F. Crouch, executada num acampamento sulista. Porém desde a apresentação dos créditos iniciais o tema principal de “Anjos Assassinos” faz o espectador perceber que a emoção vai dominá-lo irreversivelmente.

Sam Elliott
Sam Elliott mal aproveitado - Martin Sheen e Tom Berenger haviam atuado poucos anos antes em dois dos melhores filmes sobre a guerra do Vietnã, respectivamente “Apocalypse Now” e “Platoon”. Martin Sheen que, apesar de muitos excelentes trabalhos para cinema e TV, nunca fez parte do time dos maiores atores de sua geração, como Robert Duvall e Gene Hackman por exemplo, tem um desempenho admirável como o General Lee. Mesmo sem conseguir emprestar à figura do venerado general sulista a aura de santidade que Lee transmitia, a atuação de Sheen é convincente. Tom Berenger está surpreendentemente bem, apesar de carregar uma risível barba postiça. Richard Jordan involuntariamente transfere a seu personagem (General Armistead) uma dimensão ainda maior. Jordan, que devido a um tumor cerebral, viria a falecer aos 55 anos de idade, alguns meses após o fim das filmagens, exatamente por ocasião do lançamento de “Anjos Assassinos”. Como muitos são os personagens importantes da Batalha de Gettysburg, permitir que o espectador se familiarize com soldados de variadas patentes é uma tarefa difícil que Ronald F. Maxwell executa brilhantemente. Sam Elliott, o sempre correto ator de tantos faroestes poderia ser muito melhor aproveitado em papel de maior importância que o do General Buford. Merecem destaque Patrick Gorman como o General Hood, Morgan Sheppard como o General Trimble e Brian Mallon como o General Hancock. A maior e mais agradável surpresa de “Anjos Assassinos” quanto às interpretações é a presença quase comovente de Jeff Daniels como o Coronel Joshua Chamberlain.

Martin Sheen e Tom Berenger.
Entre os melhores filmes do gênero - O recém comentado “Deuses e Generais”, torna-se um filme menor diante da magnificência de “Anjos Assassinos”, épico admirável e imprescindível para que se conheça melhor a Guerra de Secessão norte-americana. À parte esse aspecto quase didático, como espetáculo cinematográfico, o filme de Ronald F. Maxwell é deslumbrante mesmo tratando de um tema depressivo como uma guerra. E mais que isso, uma guerra civil entre irmãos. Diferentemente de “Os Pistoleiros do Oeste” (Lonesome Dove), bastante citado entre os grandes filmes produzidos para a televisão, “Anjos Assassinos” raramente é lembrado. E por ter sido lançado inicialmente nos cinemas deveria ser considerado antes um filme que uma série de TV. A lamentar que “Anjos Assassinos”, possivelmente, jamais seja exibido em cinemas no Brasil, com os recursos de tela grande e som que o filme merece. “Anjos Assassinos” alinha-se entre os maiores espetáculos do gênero, aproximando-se dos magníficos “Lawrence da Arábia” e “Apocalypse Now”, mas certamente muito mais emocionante que essas duas obras-primas do cinema.

General Lee (Martin Sheen) e General Longstreet (Tom Berenger).

21 de abril de 2013

WESTERNVIDEOMANIA - UMA CANÇÃO DE AMOR EM "GETTYSBURG"


Entre os muitos destaques do épico "Gettysburg" (Anjos Assassinos) está a trilha
sonora composta por Randy Edelman. Porém nem todos os temas  que fazem
parte da belíssima trilha sonora são de autoria de Edelman. Um dos momentos
mais tocantes do filme é quando o general sulista Lewis E. Armistead relembra
sua amizade com o general unionista Winfield Scott Hancock.
Nessa sequência é ouvida a triste canção irlandesa "Kathleen Mavournee"
composta em 1837 por Frederick Crouch. 
WESTERNVIDEOMANIA apresenta essa canção extraída da trilha sonora de
"Anjos Assassinos" e  ilustrada com fotos dos atores do filme.






17 de abril de 2013

ENCENAÇÃO DA GUERRA CIVIL NORTE-AMERICANA


'Reenactors' são aqueles aficcionados que encenam, que reconstituem eventos históricos. Há muitos desses grupos de pessoas no mundo inteiro, mais especialmente nos Estados Unidos. Como forma de lazer em finais de semana ou abrilhantando eventos públicos, os Reenactors se espalham por todo país revivendo batalhas da Revolução Americana ou das duas Guerras Mundiais. Porém a maior parte dos Reenactments são mesmo sobre a Guerra Civil travada entre 1861 a 1865.  Esses eventos acontecem em praticamente todos os Estados do Sul e seus participantes procuram reviver com a máxima fidelidade as vestimentas, armamentos e equipamentos que seus antepassados utilizaram na sangrenta guerra fratricida. No Brasil ocorre anualmente uma Festa Confederada na cidade de Santa Bárbara d'Oeste, em São Paulo. Essa festa é organizada pela Fraternidade Descendência Americana e costuma contar com membros da Confraria dos Amigos do Western, fundada pelo médico Aulo Barretti em 1977. No evento de 2010 o reenactment feito pelo grupo foi um episódio de ficção intitulado "O Resgate do Sargento Barrett" que WESTERNCINEMANIA apresenta para os seguidores deste blog. "O Resgate do Sargento Barrett" é um curta-metragem de nove minutos dividido em duas partes. Assistam a este 'Brazilian Reenactment'.



Na foto de abertura desta postagem o Sergeant Barrett (Aulo Barretti),
personagem principal do curta-metragem está ladeado por Soldier Kid Blue
(Lázaro Narciso Rodrigues), Lt. J.D. Hopkins (Darci Fonseca),
Major O'Hara (Mauro Esaú) e General J.E. Stuart (André Ricardo).


12 de abril de 2013

DEUSES E GENERAIS (Gods and Generals) – A BEATIFICAÇÃO DE ‘STONEWALL’ JACKSON



Em 1993 Ted Turner produziu e Ronald F. Maxwell dirigiu “Anjos Assassinos” (Gettysburg), épico sobre a Guerra Civil norte-americana. Esse filme foi anunciado como sendo a segunda parte de uma trilogia sobre a Civil War, trilogia que seria completada com “Deuses e Generais” (Gods and Generals), a primeira parte, e “Last Full Measure”, a parte final. “Anjos Assassinos” foi um enorme sucesso de crítica, inclusive entre professores e historiadores. Apesar de permanecer poucos dias nos cinemas, as excelentes vendas do filme em VHS e mais tarde em DVD certamente animaram o produtor a prosseguir com o projeto produzindo “Deuses e Generais”, lançado em 2003. Ted Turner investiu quase 60 milhões de dólares neste segundo filme que não obteve o retorno financeiro esperado, rendendo somente 12 milhões de dólares. Acompanharam o fracasso comercial as quase unânimes críticas negativas ao filme, fatos que levaram Turner a cancelar “Last Full Measure”.

Robert Duvall, Ted Turner e Stephen Lang;
abaixo o magnata Ted Turner e Jane Fonda.
O homem que colorizava filmes - Ted Turner é um bilionário empresário do ramo de entretenimento, dono de vários canais de televisão, entre eles CNN, TNT e TCM, bem como da MGM-United Artists. Os cinéfilos conhecem bem Ted Turner por duas razões especiais e uma delas é ter sido o terceiro marido de Jane Fonda. A outra razão é por Turner ter adquirido o acervo de filmes dos anos 30 e 40 da Warner Bros. e ter colorizado as películas que originalmente eram em preto e branco. Turner fez isso com clássicos como “Casablanca”, “O Falcão Maltês”, “À Beira do Abismo” e “Fúria Sanguinária”. Toda uma geração de cinéfilos veio a ter contato com esses filmes assim descaracterizados quando eles foram exibidos pelos canais de TV de Ted Turner. Não foram poucos os movimentos visando proibir o processo chamado ‘Turnerizing’, um atentado contra a arte cinematográfica perpetrado pelos computadores de Turner que colorizavam os filmes deixando-os desbotados. Com o advento do VSH e mais tarde do DVD, finalmente o público pode assistir aos filmes como eles foram concebidos originalmente. Quando Turner anunciou sua intenção de filmar a trilogia sobre a maior tragédia da história norte-americana, houve a desconfiança natural, desfeita com a qualidade de “Anjos Assassinos”.

No quadro acima os atores que interpretaram generais no filme
"Deuses e Generais" (God and Generals) e outros que interpretaram coronéis.
São eles, em sequência, da esquerda para a direita: Generais Robert E. Lee,
Thomas 'Stonewall' Jackson, George Pickett, James Longstreet,
John Bell Hood - Darius Nash Couch, Marsena Patrick, Lewis Armistead,
 Ambrose B. Burnside, Winfield Scott Hancock - Isaac Trimble, A.P. Hill,
Robert Rodes, William Barksdale, Edward Porter Alexander.
Na última quina estão os coronéis Joshua Lawrence Chamberlain,
Saint-Clair Mulholland, J.E.B. Stuart, Adebert Ames e Tazewell Patton.



Os primeiros anos da Guerra Civil - Como o próprio título “Gettysburg” (Anjos Assassinos) indica, esse filme com 271 minutos de duração passava-se nos três dias em que durou a decisiva batalha ocorrida em 1963 entre as tropas da União e o Exército Confederado. “Deuses e Generais”, por sua vez, lançado inicialmente com 219 minutos cobria o período de 1861 até 1863, focalizando a Batalha de Bull Run (1861), a Batalha de Fredericksburg (1862) e a Batalha de Chancellorsville (1863), eventos que antecederam Gettysburg. Porém mais até que as próprias batalhas ou os fatos que levaram à guerra fratricida, “Deuses e Generais” é um filme sobre o General Thomas Jefferson Jackson e sobre a importância de sua participação na Guerra Civil. Na versão distribuída com 219 minutos foram minimizados ao extremo outros personagens vitais do conflito, entre eles o General Robert E. Lee. Quase nada se fala de Abraham Lincoln e sequer é mencionado o nome do General Ulysses S. Grant, comandante das tropas nortistas. Em 2011, por ocasião das comemorações do 150.º aniversário da Guerra Civil, a Warner Bros. lançou a versão chamada ‘Director’s Cult Extendida’, com 280 minutos de duração. Com essa versão o público pode então conhecer a versão completa do filme que contém sequências de Abraham Lincoln e seu assassino John Wilkes Booth e a Batalha de Antietam. Mesmo considerando-se o prejuízo que a redução de uma hora de filme possa ter trazido a “Deuses e Generais”, esta primeira parte da trilogia ficou longe da expectativa criada por “Anjos Assassinos”.

Jeff Daniels (foto maior), Brian Mallon, Patrick Gorman
e Kevin Conway, remanescentes de "Anjos Assassinos".
Elenco reprisando personagens - O ator australiano Russell Crowe e não Stephen Lang era a primeira opção da produção para interpretar o General ‘Stonewall’ Jackson, personagem central de “Deuses e Generais”. Crowe não aceitou e Lang, que inicialmente repetiria seu papel como o General George E. Pickett desempenhado em “Anjos Assassinos”, foi o escolhido para ser ‘Stonewall’ Jackson. Martin Sheen, que viveu Robert E. Lee em “Anjos Assassinos” queria interpretar Lee novamente mas foi impedido pelo conflito de datas de seus compromissos com outros trabalhos. O papel ficou então para Robert Duvall. Reprisaram seus personagens interpretados em “Anjos Assassinos” os atores Jeff Daniels (Coronel Chamberlain), Brian Mallon (General Hancok), William Morgan Sheppard (General Trimble), James Patrick Stuart (Coronel Alexander), Bo Brigman (Major Taylor), Joseph Fuqua (General J.E.B. Stuart), Charles Lester Kinsolving (General Barksdale), Kevin Conway (Sargento Kilrain) e Patrick Gorman (General Hood). Ted Turner que fez uma ponta em “Anjos Assassinos” como o Coronel Waller T. Patton, torna a aparecer em uma figuração com o mesmo personagem nesta primeira parte da trilogia. O autor do livro “Gods and Generals” foi Jeff Shaara, filho de Michael Shaara, autor de “Gettysburg”. O diretor Ronald F. Maxwell foi quem encorajou Jeff Shaara a continuar o trabalho de seu falecido pai escrevendo “Gods and Generals”, sendo que ambos trabalharam juntos no roteiro deste filme.

Em Bull Run o General 'Stonewall' Jackson
mais parecendo Cristo.
Hagiografia de um militar - “Anjos Assassinos” foi um estupendo e estimado filme e era natural que se esperasse muito de “Deuses e Generais”. O diretor era o mesmo Ronald F. Maxwell que passou dez anos preparando o segundo filme, contando com 35 milhões de dólares a mais desembolsados por Ted Turner. Focalizando os três primeiros anos da Guerra Civil, “Deuses e Generais” centra-se no general sulista Thomas Jefferson Jackson, mostrado como um gênio militar e cristão fanático. Jackson, que estava com 37 anos de idade no início da Guerra Civil, lecionava na Academia Militar de Lexington, na Virgínia e era conhecido pelo apelido de ‘Tom Tolo’. Devido às façanhas da 1.ª Brigada sulista que comandava, Jackson ganhou o apelido de ‘Stonewall’ (Paredão). De personalidade modesta, Jackson repetia sempre que ‘Stonewall’ era a 1.ª Brigada e não ele. Em sua simplicidade Jackson ironizava militares que se trajavam com excessos como os generais Isaac Trimble e o empavonado J.E.B. Stuart. O personagem ‘Stonewall’ Jackson torna-se cansativo com suas constantes citações bíblicas e ao atribuir cada um de seus passos à vontade divina. E num único diálogo com um escravo, Jackson demonstra sua simpatia para com os negros e sua repulsa à escravidão. Se a intenção de “Deuses e Generais” era dar um caráter biográfico a ‘Stonewall’ Jackson, acabou se aproximando mais de uma hagiografia.

Jeff Daniels, o letrado Coronel Chamberlain.
Maine versus Virgínia - Pelo lado da União o Coronel Joshua Lawrence Chamberlain foi o escolhido para enfatizar que também os ianques eram honrados e participaram da Guerra Civil na defesa de ideais que entendiam como nobres. Professor universitário do Estado do Maine, Chamberlain alista-se no Exército como voluntário e eleva o moral de seus comandados com exemplos de batalhas da História Antiga, as quais conhece profundamente. Quem perde importância em “Deuses e Generais”, como já foi dito, é o General Robert E. Lee, nomeado comandante das tropas da Confederação Sulista. Através da fala de Lee, no início do filme em contato com um emissário de Abraham Lincoln, fica a impressão que a guerra foi devida unicamente à intenção da invasão do Estado da Virgínia por parte das tropas do Exército da União. Mais uma guerra entre os Estados do Maine e da Virgínia que o verdadeiro conflito generalizado entre Norte e Sul que ocorreu. O roteiro demagogicamente cria a noção que existia até mesmo o desejo dos sulistas em libertar seus escravos negros.

Stonewall Jackson e Jane Corbin (Lydia Jordan)
Perfeitos, nobres e bondosos - O excesso de discursos torna “Deuses e Generais” monótono, especialmente porque transforma todos os personagens em seres dignos e idealistas. Sobram monólogos para todos, desde o escravo negro que cita Napoleão até a esposa de Chamberlain que declama versos do poeta inglês Richard Lovelace, passando pelas filosofices do sargento sulista Kilrain. Após tanta exaltação de seres perfeitos e bondosos, o espectador é levado a se perguntar como pode acontecer uma terrível guerra como aquela. Mesmo porque parece que ninguém quer a guerra, à exceção dos generais nortistas ridiculamente falhos em suas estratégias. E o fanático ‘Stonewall’ Jackson obedece à vontade de Deus, lembrando passagens bíblicas. Algumas sequências resvalam na pieguice, como o diálogo entre Chamberlain e sua esposa e mais ainda a sequência em que ‘Stonewall’ Jackson conhece a menina Jane Corbin. Em plena guerra nasce a filha de Jackson e a dor da distância do bebê é atenuada pela amizade do general com a pequena Jane que contraí pneumonia e falece para tristeza de Jackson. O que há de melhor em “Deuses e Generais” é mesmo a reconstituição das diversas batalhas.

Robert Duvall e Bruce Boxleitner com
uma falsa barba.
Pelas barbas de Longstreet - A versão de “Deuses e Generais” de 219 minutos aqui resenhada não contém a sequência da Batalha Antietan que, quem assistiu, garante serem as melhores do filme. Porém as manobras militares e os conflitos são empolgantes e valorizados pelo trabalho dos stuntmen e dos efeitos sonoros. E o ponto alto do épico é a Batalha de Chancellorsville. Foram contratados como figurantes 200 participantes de encenações (reenactment) da Guerra Civil, algo feito também no Brasil na cidade de Santa Bárbara d’Oeste onde residem descendentes dos imigrantes sulistas. Esses norte-americanos apaixonados pelos ‘reenactment’, atuando por amor ao assunto, deram maior realismo às filmagens, compensando as horríveis barbas postiças dos generais Longstreet,  Marsena Patrick e A.P. Hill. Certo que nenhuma delas foi mais constrangedora que a do General Longstreet de Tom Berenger em “Anjos Assassinos”.

Donzaleigh Abernathy
Trilogia inacabada - O ator Stephen Lang criou excelentemente ‘Stonewall’ Jackson, vencendo as dificuldades que o roteiro impôs ao personagem. Robert Duvall parece-se muito com Robert E. Lee e pena que tenha poucas cenas em “Deuses e Generais”. Jeff Daniels mais gordo que em “Anjos Assassinos” não dá força a sua reedição do Coronel Chamberlain. O enorme elenco destaca episódica e rapidamente alguns personagens dando a eles momentos de possível maior brilho, seguido de desaparecimento do filme. Destaque-se a boa atriz Donzaleigh Abernathy como a escrava que permanece na casa da família Beale. Donzaleigh é filha de Ralph Abernathy, líder das lutas pelos Direitos Civis nos anos 60 ao lado de Martin Luther King. “Deuses e Generais” se abre com a bela canção “Going Home”, cantada por Mary Fahl. Durante os créditos finais ouve-se um irreconhecível Bob Dylan interpretando “Cross the Green Mountain”. Ao final os espectadores são informados que “Last Full Measure” fecharia a trilogia, o que infelizmente não aconteceu pois poderia ser repetida a excelência de “Anjos Assassinos”. E claro, poderia da mesma forma acontecer outro filme sofrível como este “Deuses e Generais”.

O General Thomas 'Stonewall' Jackson no destaque; nas fotos abaixo
com sua 'esposita' Anna Morrison Jackson (Kali Rocha).