UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

27 de julho de 2020

OS BANDEIRANTES (THE COVERED WAGON) – PRIMEIRO VERDADEIRO WESTERN-ÉPICO



Nos tempos atuais em que há centenas e centenas de cinéfilos que jamais assistiram a um western é bom lembrar que este gênero, nas primeiras décadas do cinema, era dominante na preferência dos espectadores. Os estúdios tinham na produção de faroestes com duração ao redor de 60 minutos uma das suas mais rendosas sustentações e entre os astros mais bem pagos de Hollywood estavam cowboys como William S. Hart, Tom Mix e Harry Carey. Mesmo considerando que William S. Hart estrelou e dirigiu filmes acima da média como “As Portas do Inferno” (Hell’s Hinges), de 1916, os westerns ficavam distantes do conceito de cinema de qualidade, categoria reservada para cineastas como David W. Griffith e seus épicos, Charles Chaplin e mesmo europeus como os expressionistas F.W. Murnau ou Robert Wiene. O gênero western, ainda que estimado pelo público espectador, era considerado apenas cinema de entretenimento e não levado na devida conta pelos críticos. Tudo mudou com a produção e lançamento, em 1923, de “Os Bandeirantes” (The Covered Wagon), longa-metragem com duração de 98 minutos e que, de imediato, se transformou em sucesso de crítica e de público, tornando-se a maior bilheteria do ano nos Estados Unidos. E o mais importante: fez com que os faroestes passassem a ser olhados de modo diferente, agora muito mais respeitoso.


Acima Emerson Hough e Jack Cunningham;
abaixo Jesse L. Lasky e James Cruze
Inédita superprodução - Baseado em livro de Emerson Hough, autor de histórias que narravam aventuras passadas no Oeste e com adaptação do experiente roteirista Jack Cunningham, a direção e “Os Bandeirantes” coube a James Cruze, que até então nada havia dirigido que chamasse maior atenção ao seu nome. Quem quer conhecer melhor a filmografia de Cruze descobre que a maioria dos seus filmes foram dados como perdidos, o que dificulta ainda mais uma avaliação do seu trabalho como diretor. Estranhamente, até por ser um faroeste, a Paramount optou por produzir este western como uma superprodução que seria rodada em locações e ao custo estimado de 700 mil dólares que ao final chegou aos 800 mil. A título de comparação, “O Garoto”, de Chaplin, foi produzido em 1921 custando ao final 250 mil dólares sendo que Chaplin era sinônimo de investimento garantido. Jesse L. Lasky, o poderoso sócio fundador da Paramount fez questão de assumir pessoalmente a produção executiva do filme e de cara se defrontou com problemas na formação do elenco principal. Isto porque Mary Miles Minter, pensada para interpretar a heroína, teve seu nome relacionado ao assassinato de um conhecido diretor e foi descartada. Como havia ainda a disposição da Paramount de não gastar com astros que cobravam muito, o papel acabou nas mãos de Lois Wilsonl.

Acima Mary Miles Minter e Lois Wilson;
abaixo Ernest Torrence e Karl Brown
Formação do elenco - J. Warren Kerrigan, ator que contracenara com Lois Wilson em duas dezenas de filmes seria o principal nome masculino da jornada épica descrita em “Os Bandeirantes” e, mais uma vez, iria namorar a atriz em um filme. Como terceiro nome do elenco e completando o triângulo amoroso da história, foi chamado Alan Hale, ator de 30 anos de idade e no cinema desde os 20 anos. Hale se destacara como ‘Little John’ nas aventuras de Robin Hood filmada em 1922 e estrelada por Douglas Fairbanks e voltaria a interpretar esse mesmo papel na famosa versão de 1938 com Errol Flynn como protagonista. O clássico “David, o Caçula”, de Henry King alcançara enorme êxito em 1922 e o escocês Ernest Torrence havia sido um dos destaques desse filme, sendo escalado para “Os Bandeirantes”. Também como importante coadjuvante, interpretando o caçador Jim Bridger, juntou-se a Torrence (um batedor da caravana) o já veterano Tully Marshal, e a Charles Ogle que atuou como o chefe da expedição. A difícil missão de comandar a equipe de cinegrafistas coube ao jovem Karl Brown, então com apenas 26 anos mas acumulando bastante experiência tendo trabalhado como assistente em “Intolerância”. No entanto o que levou a Paramount a confiar em Karl Brown foram as técnicas cinematográficas que ele havia criado como a dupla impressão de negativos e projeção com modelos miniaturizados, técnicas então revolucionárias.

Delmer Daves
Preocupação com a autenticidade - O enorme grupo de técnicos e mais os atores rumou para as locações que se desenvolveram em Utah, Arizona, Oregon, Deserto de Sonora na Califórnia e Nevada, enquanto o produtor Jesse L. Lasky controlava à distância as despesas com esse western, uma verdadeira superprodução se considerado o conjunto que o envolveu. Os índios que são vistos em “Os Bandeirantes” são todos eles indígenas de verdade demonstrando a preocupação da produção com a autenticidade. Lasky acreditava em novos talentos e assim como o jovem Karl Brown respondeu pela cinematografia, a outro técnico ainda mais jovem chamado Delmer Daves, de apenas 18 anos de idade, foi atribuído chefiar o departamento de acessórios e adereços também visando a maior genuinidade de tudo que seria visto na tela. Não consta da biografia de Delmer Daves qualquer outro trabalho anterior nessa área mas o certo é que praticamente nenhum detalhe escapou ao jovem futuro diretor de tantos westerns clássicos.

Bizões duplicados pela técnica
do cinegrafista Karl Brown
Rebanhos e manadas - Um grupo de conselheiros técnicos e historiadores foi igualmente contratado. O número de pessoas envolvidas nas locações chegou a três mil e em alguns locais onde durante o dia o calor passava de 40 graus, baixando à noite para temperaturas negativas. A essas despesas se juntaram às dos 500 carroções que descendentes dos pioneiros ainda mantinham como recordação e que foram alugados para as filmagens. Enormes rebanhos de gado, mil cavalos, 200 mulas igualmente foram transportados para os locais de filmagens. E até mesmo búfalos que já não mais existiam em rebanhos tão grandes quanto o necessário foram simulados por truques da ainda incipiente cinematografia. Naquele tempo não vigiam as normas de proteção aos animais e pelo menos dois cavalos morreram em sequências mais perigosas como a da travessia de um rio. Nunca é demais lembrar que os épicos de D.W. Griffith foram quase totalmente filmados em estúdio, enquanto a colossal produção de “Os Bandeirantes” obrigou a um estúdio ambulante através de inóspitas regiões.

Centenas de cavalos na travessia de um rio

Lançamento e impacto - Findas as filmagens e após a fase de edição, o lançamento de “The Covered Wagon” ocorreu nos Estados Unidos em março de 1923. O sucesso foi estrondoso e para muitos foi considerado o mais importante de todas as produções cinematográficas norte-americanas. Para exibição no Brasil o sugestivo título original foi substituído por “Os Bandeirantes”, isto porque na primeira metade do século passado os bandeirantes de nossa História eram mostrados como heróis desbravadores, o que certamente atrairia mais público para ver o filme. Em Portugal, onde poucos sabiam o que seria um ‘bandeirante’, o título escolhido foi o muito mais apropriado: “A Caravana Gloriosa”.

Belos pôsteres anunciando o western épico

Westward, Ho! - Uma caravana liderada por Jesse Wingate (Charles Ogle) parte de Wesport, no Kansas, com destino ao Oregon, onde os aventureiros se instalariam buscando vida melhor. A esse grupo de desbravadores junta-se uma segunda caravana chefiada por Will Banion (J. Warren Kerrigan) e que tem como batedor William Jackson (Ernest Torrance). Pelo caminho, a imensa e agora duplicada caravana, se defronta com problemas de toda ordem como as inevitáveis intempéries, as difíceis travessias de rios e escaladas de morros e os ataque de índios. Os mais fracos da caravana são vencidos pelas adversidades e algumas famílias optam por retornar ao Kansas e em determinado momento surge a notícia da descoberta de ouro em abundância na Califórnia, o que faz com que mais membros da caravana desistam de chegar ao Oregon. Molly Wingate (Lois Wilson), a filha de Jesse Wingate está pronta para se casar com Sam Woodhull (Alan Hale), mas ao conhecer Will Banion se interessa por ele, fica indecisa e acaba desistindo do casamento. O inconformado Woodhull usa de violência e de intrigas para manchar a reputação de Banion mas é este quem termina por conquistar o amor de Molly após se descobrir que Banion é, de fato, um homem íntegro. Banion é reintegrado ao seu posto no Exército, deixando de pairar dúvidas sobre sua conduta como oficial. Afinal a caravana cumpre seu objetivo e os pioneiros iniciam a tão sonhada nova vida no Oregon, quase dois mil quilômetros distante do ponto de partida.

J. Warren Kerrigan e Lois Wilson
Um ator sem nenhum carisma - A saga dos pioneiros de “Os Bandeirantes” foi filmada em forma de documentário ao qual foi inserida uma subtrama amorosa com desfecho por demais previsível. Porém é preciso lembrar que este é um filme de 1923 e como tantos outros o enredo foge de maior complexidade. O grande pecado deste épico, porém, reside na escolha do ator principal, J. Warren Kerrigan, incapaz de criar empatia com o espectador e que cansa a cada vez que entra em cena com sua insipidez e excesso de maquiagem. Quase o mesmo pode ser dito de Lois Wilson e ambos contribuem negativamente para que qualquer tipo de emoção seja transmitida pelos personagens. Prevaleceu a ideia de a epopeia ser mais importante que as clássicas tramas amorosas e para isso as inexpressivas atuações de Kerrigan e Lois Wilson contribuíram ainda que involuntariamente. Por sorte outros tipos do filme são mais vivos e interessantes como o batedor Jackson, o caçador Bridger e a senhora Wingate (Ethel Wales), mãe de Molly, todos eles dando mais sabor às histórias paralelas à epopeia dos pioneiros. Sem dúvida um western, no entanto um filme menos preocupado com as ações típicas do gênero e ressaltando como o arado, ao invés de armas  é que seriam responsáveis pelo crescimento e grandeza do país.

Ernest Torrence, Tully Marshall e Alan Hale

A divisão da grande caravana: parte dela
preferiu a ilusão da riqueza fácil
Cenário magnífico - O momento crucial do triângulo amoroso se dá quando da chega a Fort Bridger quando o diretor procurou criar um suspense com a noiva sendo alvejada por uma flecha que anuncia o ataque dos índios. Faltou a James Cruze maior habilidade para tirar proveito dessa situação dramática. Se a trama amorosa não convence, por outro lado a longa jornada que é o assunto principal do épico impressiona a cada etapa que é vencida pela gigantesca caravana magnificamente fotografada na amplidão das terras e obstáculos a serem vencidos. A escolha do local onde ocorre o ataque dos nativos à caravana foi de rara felicidade e é geograficamente esplendoroso, propiciando imagens que dificilmente serão esquecidas com o círculo de carroções se fechando entre altas formações rochosas, cenário simplesmente espetacular.


Alguns poucos risos - Num tempo em que a comicidade no cinema atingia seu auge com Chaplin e Buster Keaton, James Cruze buscou atenuar o aspecto fortemente documental de “Os Bandeirantes” com encenação de sequências pretensamente engraçadas com as participações do batedor Jackson e do montanhês Bridger. Embora careteiro, o que não era considerado excessivo à época, Torrance (Jackson) é divertido, assim como Tully Marshal (Bridger) e só não provocam mais risos devido à mão pesada de Cruze para a comédia, ele que, entre outros cômicos, dirigiu algumas vezes Roscoe ‘Fatty’ Arbuckle, o ‘Chico Bóia’. O momento mais engraçado se dá quando o sisudo Jesse Wingate diz (a fala aparece num letreiro) que “se o líder Mórmon Brigham Young conseguiu chegar até aqui com suas esposas, eu também posso com meus carroções”. E a frase soa mais jocosa ainda quando se sabe que James Cruze era Mórmon...

A pilhéria com os Mórmons

O verdadeiro Jim Bridger
O caso Jim Bridger - Entre os muitos montanheses que ajudaram a desbravar as novas terras norte-americanas, um dos mais famosos foi Jim Bridger. As referências a ele são sempre como tendo sido um homem fortíssimo, alegre, contador de histórias e muito requisitado como batedor por conhecer como poucos regiões selvagens nas quais somente os destemidos e experientes sobreviviam. Jim Bridger tornou-se uma lenda e teve participação na história escrita por Emerson Hough, mas apresentado de modo pouco condizente com o que ele fora na realidade. O Jim Bridger vivido por Tully Marshall é espirituoso e brincalhão, porém beberrão e irresponsável, como na sequência em que faz desafio de pontaria com William Jackson. Bridger também é mostrado com duas esposas índias, ele que foi casado com três índias mas em períodos diferentes. Os descendentes de Jim Bridger não gostaram e processaram a Paramount solicitando uma indenização de um milhão de dólares pelos danos à imagem do célebre montanhês. Ao final do processo a Justiça deu ganho de causa à família. Inúmeras localidades e escolas norte-americanas homenagearam o caçador, explorador e guia com o nome ‘Jim Bridger’. Entre os muitos atores que personificaram Bridger em filmes ou séries de TV estão Van Heflin, Raymond Hatton, Harry Shannon, Dennis Morgan e Karl Swenson.

Tully Marshall. à direita Ernest Torrence, Guy Oliver e Tully Marshall

Western pioneiro - Além da referência a Brigham Young há uma outra  menção feita a Abraham Lincoln também na tentativa de dar maior credibilidade à história e sua localização no tempo. Porém a acurácia falhou ao mostrar os carroções, mesmo após os desafios da longa jornada, desfilarem com suas lonas impecáveis, sem rasgos ou as inevitáveis sujeira e desgates. Impressionante ao tempo em que foi lançado pelas imagens majestosas, “Os Bandeirantes” é um filme ao qual falta emoção. Assiste-se admirado por sua feitura, mas nunca com impacto maior capaz de enternecer ou fazer vibrar o espectador. Mesmo assim uma obra imprescindível não só ao gênero mas também ao cinema. Filme sobre pioneiros que foi o pioneiro ao mostrar de modo épico o desbravamento da América, abrindo caminho para “O Cavalo de Ferro” (The Iron Horse) que John Ford filmaria no ano seguinte e para os muitos westerns que abordariam o mesmo tema nas décadas seguintes.


Técnicos enfrentando as dificuldades das locações

20 de junho de 2020

A DESFORRA DO ESTRANHO (JOE DAKOTA) – JOCK MAHONEY COMO PROTAGONISTA


William Talman; Spencer
Tracy, Ernest Borgnine
e Lee Marvin

Nos Estados Unidos leva-se muito a sério a questão do plágio e, por vezes, fortunas são pagas em direitos autorais quando se descobre algo que não é original. Por essa razão não se brinca com copiar alguma música ou história, o que não impede que, mesmo roteiros de cinema que tenham sido ‘inspirados’ por textos escritos por outros autores, se ‘esqueçam’ de dar crédito ao pai da ideia. Isto foi o que aconteceu com “Joe Dakota”, pequeno western produzido pela Universal em 1957 e estrelado por Jock Mahoney. Os roteiristas William Talman e Norman Jolley escreveram uma história que em tudo se parece com “Conspiração do Silêncio” (Bad Day at Black Rock), o clássico que John Sturges realizou em 1955 e que muitos consideram um western moderno. William Talman, um dos autores, não é um nome estranho para muitos cinéfilos pois foi ator coadjuvante em diversos filmes e na TV cansou de, como advogado, enfrentar e ser derrotado por Perry Mason (Raymond Burr) na famosa série de TV. Talman faleceu aos 53 anos de idade e este seu trabalho como escritor não deve tê-lo deixado orgulhoso por ser uma descarada imitação do filme de Sturges. No entanto, mesmo sendo uma produção barata e sem nomes famosos no elenco (Lee Van Cleef demoraria para virar astro), este western filmado para complementar programas duplos tem suas virtudes e entretém os fãs de faroestes.


Jock Mahoney
O estranho hostilizado - Joe Dakota (Jock Mahoney) é um estranho que chega à pequena Arborville e intriga os moradores do lugar porque quer, de todas as maneiras, saber de um índio chamado ‘Joe Dakota’ (Francis McDonald). Descobre então que o índio havia sido enforcado sob a acusação de tentar estuprar a jovem Jody Weaver (Luana Patten). A propriedade do índio passara então para as mãos de Cal Moore (Charles McGraw), homem desonesto e que mais tarde descobriu petróleo no terreno do índio ‘Joe Dakota’. Este não tinha esse nome, mas ao assinar um documento no registro de imóveis escreveu no papel oficial as únicas palavras que aprendera a rascunhar e que formavam o nome de seu amigo e protetor, o Capitão Joe Dakota do Exército Americano. O verdadeiro Joe Dakota tem que enfrentar a hostilidade do povo de Arborville sob a liderança de Carl Moore, até que desmascara o espertalhão. Joe Dakota traz à tona a verdade sobre a tentativa de estupro cujo autor não foi seu amigo índio que acabou pagando com a vida pela acusação e Moore perde a posse do terreno.

Claude Akins, Lee Van Cleef e Charles McGraw
Habitantes assustados - Quem não conhece ou não se recorda de “Conspiração do Silêncio” vai se deixar envolver pela trama de “A Desforra do Estranho” e consequente mistério que envolve a presença de Joe Dakota em Arborville. Por outro lado, quem logo perceber a semelhança da história com o filme de John Sturges, nem por isso perderá o interesse em ver como os fatos irão se encaixar para determinar o final. Pesa ainda a favor deste “Joe Dakota” o fato de se estar diante de um western de baixíssimo orçamento e ainda assim o diretor Joe Bartlett realizar um filme conciso e com boa carga de emoção. Jock Mahoney visivelmente manca quando caminha, levando a crer que pudesse ter alguma dificuldade com uma das pernas, assim como Spencer Tracy havia perdido um braço na guerra em “Conspiração do Silêncio”. Mas ao contrário do já envelhecido Tracy, Jock Mahoney é o tipo de personagem imbatível, perfeito para intimidar o assustado povo da pequena cidade, inclusive o vilão que tramara a morte do velho índio.

Lee Van Cleef e Claude Akins
Preconceito forte - O forte preconceito do pós-guerra contra os japoneses é a tônica de “Conspiração do Silêncio”, transformado, em “Joe Dakota”, na execução sumária, través de enforcamento, do índio, figura igualmente perseguida pelo preconceito pelos homens brancos do Velho Oeste. O Capitão, no entanto, representando o Exército, é humilde e justo na amizade e respeito pelo índio. Essa ilação, porém, não resiste à lembrança de como os túnicas azuis trataram os nativos atendendo aos interesses de Washington e dos homens brancos. Porém ainda não era, em 1957, tempo para se rever em maior profundidade essas questões e menos ainda em um pequeno western.

Lee Van Cleef, Anthony Caruso e Claude Akins

Jock Mahoney
Um ator com bela biografia - Jock Mahoney é dos menos conhecidos atores que fizeram westerns B, ainda que sua carreira seja digna de uma bela biografia sem o final feliz de ter ele se transformado em astro verdadeiro. Desde os tempos de dublê de atores famosos (Gregory Peck, John Wayne, Errol Flynn), até ser o Durango Kid das ações mais arriscadas em lugar de Charles Starrett, Mahoney era conhecido apenas por aqueles cinéfilos que gostam de saber de tudo sobre todos que atuam nos filmes. Certo que chegou até a entrar na lista dos atores que personificaram ‘Tarzan, o Rei das Selvas’, mas Mahoney nunca atingiu a categoria que fazia por merecer, especialmente nos faroestes. E como ‘Joe Dakota’ Mahoney está ótimo e seu melhor momento de ação neste filme é quando luta, numa divertida sequência, contra Claude Akins e Lee Van Cleef. Em outra sequência Mahoney é jogado numa enorme poça de petróleo e só é reconhecido porque ele jamais aceitaria ser ‘dublado’.

Luana Patten e Barbara Lawrence

Jock Mahoney
Pequeno e simpático western - O eficiente Charles McGraw é o homem mau da história enquanto Luana Patten, aos 19 anos, é um par amoroso jovem demais para Jock Mahoney. Além de Lee Van Cleef e de Claude Akins, dois dos mais consagrados vilões de Hollywood, o elenco traz ainda Anthony Caruso, desta vez como um imigrante italiano de boa índole e o único na história com essa característica, até por não ser norte-americano, a discordar da hostilidade a Joe Dakota. Quando se está diante de um western de pequeno orçamento que resulta em bom filme sempre se fica a imaginar como seria ainda melhor se realizado com outro padrão. Mas aí a exigência do espectador seria maior e roubaria o gosto que só simpáticos pequenos faroestes têm, como este “A Desforra do Estranho”.

Charles McGraw; Jock Mahoney


27 de maio de 2020

O IRRESISTÍVEL FORASTEIRO (THE SHEEPMAN) – CLÁSSICO DO WESTERN-COMÉDIA COM GLENN FORD



Acima George Marshall e Glenn Ford; abaixo
William Bowers e James Edward Grant
Estes foram os astros do cinema campeões de bilheteria no ano de 1958: Elizabeth Taylor (2.ª), Jerry Lewis (3.º), Marlon Brando (4.º), Rock Hudson (5.º), William Holden (6.º), Brigitte Bardot (7.ª), Yul Brynner (8.º), James Stewart (9.º) e Frank Sinatra (10.º). Quem foi o ator que mais público levou aos cinemas naquele ano? Não, não foi John Wayne, por sinal a única vez ao longo de 26 anos que o Duke ficou fora da seleta lista. Ah, quem então foi o ator que mais público levou aos cinemas em 1958? Foi o canadense Glenn Ford que, pode ser dito, substituiu muito bem John Wayne e que naquela década teve uma incrível sequência de ótimos filmes, em sua maioria westerns consolidando seu nome como um dos cowboys preferidos do gênero. Com o diretor Delmer Daves, Glenn Ford fez uma marcante parceria em três faroestes, mas era com George Marshall que Ford se dava melhor do que com qualquer outro diretor e por quem o ator foi dirigido nada menos que seis vezes. “O Irresistível Forasteiro” é o melhor momento da parceria Marshall-Ford, western-comédia que faz rir bastante e que se Billy Wilder tivesse um dia dirigido um faroeste, teria sido este. Roteiro incrivelmente inspirado com diálogos sarcásticos e um elenco capaz de provocar risos até no mais rabugento dos espectadores. William Bowers e James Edward Grant foram os autores do roteiro a partir de uma história do próprio Grant, narrando de modo inusitado a disputa entre criadores.


Glenn Ford; Glenn e Leslie Nielsen
Um estranho mudando uma cidade - Jason Sweet (Glenn Ford), chega de trem a Powder Valley, pequena cidade do Velho Oeste, com seu rebanho de ovelhas e, mesmo mal recebido porque naquela região todos criam gado, o forasteiro impõe respeito surrando logo que chega o valentão da cidade, Jumbo McCall (Mickey Shaughnessy) capanga do Coronel Stephen Bedford (Leslie Nielsen), o mais poderoso entre os criadores. Criar ovelhas era algo visto com preconceito e estes criadores eram sempre ‘convidados’ a levar seus rebanhos para bem distante de Powder Valley. Sweet e Bedford são velhos conhecidos, dos tempos em que o Bedford ainda se chamava Johnny Bledsoe. O impostor mudara de nome, de cidade, ganhara respeito e estava de casamento marcado com Dell Payton (Shirley MacLaine), não contando porém com a chegada do teimoso ex-amigo que insiste em dividir pastos e rios dos criadores de gado com seu rebanho de ovelhas. Bedford contrata um trio de assassinos de aluguel para colocar um fim à valentia de Sweet mas este não só vence em duelo Choctaw Neal (Pernell Roberts), um dos bandidos, como também acerta as contas com o Coronel. Para completar Sweet conquista Dell, e decide vender seus rebanho de ovelhas e passar a criar gado como marido dela ali mesmo na cidade onde há pouco era um estranho.

Shirley MacLaine e Glenn Ford;
Mickey Shaughnessy e Glenn Ford
A linguagem da ironia - Geralmente são feitas enquetes para listar os melhores westerns de todos os tempos, mas caso o objetivo fosse conhecer os faroestes mais faroestes este teria seu lugar garantido e entre os primeiros da relação. “O Irresistível Forasteiro” é uma interminável sucessão de diálogos irônicos mais parecendo terem sido elaborados para serem ditos por Groucho Marx. No entanto, é o cowboy Jason Sweet quem tem quase sempre uma resposta sarcástica, isto quando não é Milt Masters (Edgar Buchanan), o amigo ‘fiel’ que Jason consegue na cidade e quem o ajuda a rebater à altura ou descompor os vilões da história. Milt Masters mostra a Sweet como alguém pode ser fiel desde que lhe pague um dólar por informação e outro dólar extra por uma informação mais valiosa. A mocinha Dell, prestes a se casar com o desonesto Coronel Bedford, também não deixa por menos quando precisa ser zombeteira, assim como o esbirro Jumbo ou o mexicano Ângelo (Pedro Gonzalez-Gonzalez). Mais circunspecto, até por força da afetação que pretende demonstrar, o Coronel é quem menos chance tem de ser mordaz, não deixando, claro, o cinismo de lado.

Edgar Buchanan e Glenn Ford; Shirley
MacLaine e Glenn Ford; Mickey Shaughnessy
Elenco afinado e divertido - Um filme com um roteiro assim inspirado não poderia ter elenco mais adequado. Glenn Ford não era um ator cômico por natureza, mas sabia como divertir o público com personagens menos sérios e prova disso é como superou, com vantagem, Marlon Brando em “Casa de Chá do Luar de Agosto”. Nessa comédia militar passada no Japão e que fez enorme sucesso no teatro (mais de mil apresentações), o personagem ‘Sakini’ de Brando era o mais importante, perdendo, porém, no decorrer do filme para o ‘Capitão Fisby’ interpretado por Glenn Ford. Edgar Buchanan, apropriadamente chamado ‘Masters’ neste western era sim um mestre da dissimulação e Ford tem que se esforçar para que seu grande amigo pessoal Edgar Buchanan não lhe roube as cenas nas quais participam juntos. Shirley MacLaine ainda não se firmara como grande estrela mas seu talento cômico aparece em cada expressão facial que ela faz. Mickey Shaughnessy é hilário como o fanfarrão Jumbo que vai a nocaute na luta contra Sweet e espera ansioso pela vingança a todo momento. Curiosamente, Leslie Nielsen é o menos engraçado do elenco principal, ele que mais maduro fez sucesso quando passou a fazer comédias interpretando o desastrado ‘Tenente Frank Drebin’. “O Irresistível Forasteiro” deixa de atingir a perfeição como western-comédia pelo não aproveitamento da habilidade de Slim Pickens em ser engraçado, ou melhor, engraçadíssimo. Pickens surge na tela por pouco mais de um minuto como um xerife lambe-botas do Coronel Bedford e mesmo nessa rápida sequência provoca risadas. Imagina-se o quanto esse personagem acrescentaria de diversão se tivesse maior participação na trama, como teria no ano seguinte como o assistente de Karl Malden que passa maus bocados com Marlon Brando em “A Face Oculta”.

Duelo entre Leslie Nielsen e Glenn Ford
Duelo em dose dupla - Westerns em tom de comédia não são levados à sério pelos críticos porque a ação geralmente é farsesca, o que também é o caso deste faroeste. Jason Sweet enfrenta o fortão Jumbo McCall quase destruindo o restaurante chinês. E vale lembrar que o mesmo Mickey Shaughnessy (Jumbo) testemunharia dois anos depois uma das maiores brigas em saloons dos westerns, aquela em que John Wayne e Stewart Granger provocam briga em “Fúria no Alasca”. Shaughnessy estava lá, bêbado, é certo, mas estava. Não poderia faltar o duelo, neste caso em dose dupla pois Jason Sweet primeiro enfrenta na rua o covarde Chocktaw, um Pernell Roberts irreconhecível atrás da barba por fazer de homem mau, ele que logo depois seria o galã ‘Adam Cartwright’, personagem preferido do público feminino na série “Bonanza”. Por fim Sweet se defronta com o astucioso Coronel Bedford que acredita poder enganá-lo com a pistola antiga que enfeita sua mesa, arma que ele carregou com a pólvora mortal. E ainda há as cavalgadas que o excelente cavaleiro Glenn Ford, cowboy autêntico e que como poucos atores se sentia confortável como homem do Oeste. A produção, como de hábito, nem precisava se preocupar com seu vestuário pois o seu surrado chapéu e jaqueta eram os trajes que ele gostava de usar nos westerns. Só não vamos falar do estranho penteado que Glenn passou a usar...

Duelo entre Pernell Roberts e Glenn Ford

Glenn Ford e o truque da ficha sobre o copo
Glenn Ford, sempre um gatilho relâmpago - Este western que, como foi dito, tem diálogos primorosos e é também engenhoso na construção da trama e introdução de cada personagem. Jason Sweet tem uma razão a mais para acertar as contas com Chocktaw Neal uma vez que este foi quem matou sua noiva anos atrás num assalto a banco. E Dell Payton, cada vez atraída por Sweet,  se alegra ao saber que ele não é casado, embora tenha passado pelo momento triste da morte da noiva. Algumas sequências são primorosas como quando Sweet vai comprar uma sela experimentando-a e mais tarde quando impressiona o povo da cidade com sua habilidade no uso do Colt, algo que Glenn Ford também fez no magnífico “Gatilho Relâmpago” (The Fastest Gun Alive), dois anos antes. Para não perder a piada Jumbo tenta  repetir a destreza de Sweet e o que consegue é fazer a plateia rir. São muitos os momentos e frases marcantes deste western, mas a primeira delas, quando Sweet faz uma aposta consigo mesmo sobre a figura de folclórica de Milt Masters é definidora de tudo que se seguiria durante o filme.

Os 'old timers' com Edgar Buchanan ao centro
Álbum de veteranos - O ótimo elenco tem ainda uma atração a mais que é ver surgir na tela rostos e mais rostos conhecidos de tantos westerns B. Parece que a MGM recrutou todos os veteranos disponíveis para fazer figuração ou ter pequenas participações. Reconhece-se entre tantos Franklyn Farnum, o bandidão Harry Wood, o engraçado Roscoe Ates, Lane Bradford, Tom London, Kermit Maynard (inclusive sem chapéu e calvo), Richard Alexander, Norman Leavitt, Chet Brandenburg e muitos outros. Uma festa para quem os viu bem mais jovens nos inesquecíveis westerns B da Republic, PRC e Monogram.

Glenn Ford
Um ator injustiçado - Glenn Ford não era o tipo de ator que procurava impressionar com truques interpertativos. A sobriedade era sua marca, ainda que a ela pudesse ser somada a correção na composição dos personagens. Glenn jamais foi indicado ao Oscar e entre os prêmios que recebeu na carreira destaque-se o Golden Globe de ‘Melhor Ator de Comédia’ por sua atuação em “Dama por um Dia”. Sequer aquele Oscar Honorário que tantos outros artistas receberam Glenn foi contemplado, o que é uma das muitas injustiças da Academia de Cinema Hollywood. Mas eis que o Bafta, o mais importante prêmio cinematográfico inglês reconheceu seu belo trabalho em “O Irresistível Forasteiro”, indicando-o como Melhor Ator Estrangeiro naquele ano de 1958. Nos States a atuação de Glenn passou despercebida, assim como o próprio filme de George Marshall nunca mereceu o devido reconhecimento.

Shirley MacLaine
Atriz a caminho do estrelato - Shirley MacLaine magrinha ainda já permitia antever a excelente atriz de comédias que viria a ser, mas como suspeitar que se tornaria também a grande atriz de dramas num futuro tão próximo. Seu filme seguinte foi “Deus Sabe o Quanto Amei”, que lhe valeu a primeira das sete indicações para o Oscar. Edgar Buchanan é um ator incrivelmente perfeito para papeis de tipos bonachões, aqui acrescentando o cinismo e um certo mau-caratismo necessários ao personagem. Leslie Nielsen passou de galã canastrão a vilão mas viria a dar certo mesmo como cômico. Pedro Gonzalez-Gonzalez está muito mais engraçado que em “Onde Começa o Inferno” (Rio Bravo). E Slim Pickens aparecer tão pouco é de se lamentar, enquanto Pernell Roberts, estava a um passo de se tornar famoso com a série “Bonanza”, tem pequena mas boa participação.

Pernell Roberts e Leslie Nielsen

Afirmação de um diretor veterano - “O Irresistível Forasteiro” é relativamente curto nos seus 85 minutos de duração, suficientes no entanto para que seja comparado com “Atire a Primeira Pedra” (Destry Rides Again), clássica western-comédia filmada em 1939 e dirigida pelo mesmo George Marshall (na foto à direita), não sem razão o diretor preferido de Glenn Ford. Marshall mesmo com idade avançada trabalhava sem parar e um de seus próximos trabalhos foi com o segmento ‘The Railroad’ do épico “A Conquista do Oeste” (How the West Was Won), demonstrando sua versatilidade e eficiência. “The Sheepman”, que teve também o título original “Stranger with a Gun” é daqueles faroestes que lamentamos quando termina, mas ainda bem que o DVD está à mão para que seja visto e revisto de tão bom que é.


O pôster com título diferente; Mickey Shaughnessy;
 o stuntman Robert 'Buzz' Henry, dublê de Glenn Ford

12 de maio de 2020

O CÉU À MÃO ARMADA (HEAVEN WITH A GUN) – UM DOS ÚLTIMOS WESTERNS DE GLENN FORD



Glenn Ford
Aos 53 anos de idade, em 1969, a carreira de Glenn Ford como astro de Hollywood começava a entrar em inevitável decadência. À falta de melhores filmes e com o gênero western tendo cada vez menos público e consequentemente com os estúdios produzindo cada vez menos faroestes, logo o cowboy canadense iria experimentar uma temporada na TV com a série ‘Glenn Ford é a Lei’ (Cade’s County). Tendo a série sido encerrada após produzidos apenas 24 episódios, esta era a prova irrefutável que os melhores dias de Glenn Ford como ator haviam ficado para trás. Afinal por mais de 30 anos que ele fora um dos grandes nomes da constelação cinematográfica e, merecidamente, um dos atores preferidos entre os fãs de westerns. Quando os King Brothers (três irmãos conhecidos por produzirem filmes de pequeno orçamento) lhe ofereceram a oportunidade de trabalhar em “O Céu à Mão Armada” (Heaven with a Gun), Glenn tentou fazer com que esse faroeste fosse dirigido pelo veterano George Marshall com quem o ator havia trabalhado inúmeras vezes. No entanto o diretor escolhido foi Lee H. Katzin, oriundo da televisão e que faria sua estreia como diretor no cinema. O roteiro original foi escrito por Richard Carr, roteirista que acumulava larga experiência em histórias para séries de TV. Curiosamente o tema de “O Céu à Mão Armada” é a disputa entre criadores de gado e de ovelhas, o mesmo de “Irresistível Forasteiro” (The Sheepman) que Ford estrelara em 1958 sob a direção de George Marshall.


Glenn Ford
A defesa dos oprimidos - O pastor Jim Killian (Glenn Ford) chega a Vinegaroon, cidade da fronteira no Novo México, com o intuito de fundar uma igreja. Killian no passado havia sido um pistoleiro e logo se mostra contrário às injustiças praticadas pelo poderoso criador de gado Asa Beck (John Anderson). No caminho da cidade Killian se defronta com Coke Beck (David Carradine), o prepotente filho de Asa Beck e mesmo ameaçado tenta fazer de sua igreja um local irradiador da concórdia. Leloopa (Barbara Hershey) é uma jovem índia que se aproxima de Killian e passa a viver na casa do pastor. Coke Beck assedia e estupra a jovem índia, isto enquanto cada vez mais Asa Beck impõe a sua lei aos criadores de ovelhas, impedindo-os de usar pastos e água. Killian toma decididamente o partido dos criadores de ovelha e tem sua igreja incendiada pelos capangas de Asa Beck. Mace (J.D. Cannon), um temido pistoleiro que o barão do gado contratou para intimidar seus desafetos e para matar Killian, trava confronto com o pastor que leva a melhor matando Mace. Com isso Killian desperta nos pequenos criadores e na população de Vinegaroon a revolta contra Asa Beck que ao final se rende e aceita a convivência pacífica com os criadores rivais.

Ed Bakey
Violência contra criadores - “O Céu à Mão Armada”, de imediato lembra “O Irresistível Forasteiro”, seja pela disputa entre criadores de gado e de ovelhas ou e principalmente por Glenn Ford ser o herói dos dois westerns. Mas as comparações cessam por aí pois enquanto no filme de George Marshall predomina o tom de comédia, este realizado em 1969 prima pela violência. A história se inicia com o enforcamento de um índio após este ter as mãos amarradas e ser arrastado puxado por um cavalo montado por um cowboy. O cavaleiro é o filho do barão de gado e ao jovem tudo é permitido desde que siga o sonho do pai de expansão de suas terras e expulsão dos pequenos fazendeiros criadores de ovelhas. Um desses criadores é Scotty Andrews (Ed Bakey) que apenas pelo fato de atravessar as terras de Asa Beck tem seus cabelos praticamente arrancados com uma tesoura usada na lavoura. O couro cabeludo da vítima fica em carne viva depois da brutal lição que servirá de exemplo para os demais. O pregador que chega à cidade do Novo México em pretensa missão de paz se depara com o enforcamento e com o desumano corretivo dado ao infeliz Andrews. A vingança de Andrews não é menos brutal, assassinando um capanga de Coke Beck e depois matando o filho e Asa, também com uma tesoura que o atinge na jugular. Como todo homem poderoso que não hesita em alcançar seu objetivo, o método de Asa Beck é o de costume: contratar um pistoleiro capaz de amedrontar e matar se for preciso quem se antepor aos seus desígnios.

Glenn Ford
O pregador entre duas mulheres - Pastor que com a mesma facilidade com que prega a palavra de Deus faz uso de um Colt não era mais novidade nos westerns, depois da marcante presença de Robert Mithum em “Pôquer de Sangue” (5 Card Stud), de Henry Hathaway. O pastor-pistoleiro de Glenn Ford se vê não apenas diante do dilema entre impor a palavra divina e fazer justiça, mas também se vê entre duas mulheres que disputam seu afeto. Madge McCloud (Carolyn Jones) é a dona do saloon ‘Road to Ruin’, ela que em outros tempos conheceu Jim Killian, de quem foi amante. A jovem índia Leloopa, seguindo a tradição de sua tribo que diz que aquele que enterra seu pai passa ter direito sobre ela, quer a todo custo viver com o pastor, a quem admira. E a pequena Vinegaroon (nada se fala sobre o Juiz Roy Bean) acolhe com satisfação o pastor acreditando ser ele o homem que lhe indicará o caminho da salvação e ainda enfrentará Asa Beck, se for preciso.

Carolyn Jones; Barbara Hershey

J.D. Cannon
O pistoleiro vestido de branco - A violência dos Becks se consuma com o estupro de Laloopa por parte de Coke Beck, mostrando o desprezo deste pelos índios, ele que antes havia enforcado o pai da índia. Killian busca a paz através da pregação mas percebe que chegara à cidade errada e mesmo após surrar Coke quase o matando, decide não enfrentar Asa e seus homens, tendo este mandado atear foto ao celeiro que serve de templo para a pregação. Ao ver, porém, que a cidade precisa de sua liderança para o enfrentamento desigual, Killian faz uma caminhada à frente de homens, mulheres e crianças para enfrentar Asa e seus capangas. Todos menos Mace a quem Killian se viu obrigado a matar em legítima defesa depois de provocado. “O Céu à Mão Armada” poderia resultar num western muito melhor não fossem dois pontos fundamentais: o vilão Mace, impecavelmente vestido com uma capa branca e que desde o primeiro momento que entra em cena destoa com seu tipo mais risível que ameaçador. O outro ponto negativo é o desfecho inusitado sem ação, sem tiros, apenas pretensamente dramático e no qual o barão de gado docilmente muda de ideia passando a admitir ter que dividir pastos e rio com os criadores de ovelhas. E para completar o roteiro soluciona ingenuamente o triângulo amoroso com a dona do saloon ficando com o arrependido Asa Beck e o pastor aceitando que a jovem índia, muito mais jovem que ele, é quem o fará feliz.

David Carradine; J.D. Cannon

John Anderson
Final sem criatividade - Uma pena que um western cujo desenvolvimento que, mesmo sem ser notável, é muito bom termine com um epílogo como esse. Diversas boas sequências de ação como a luta entre Killian e Coke Beck, a do estupro da jovem índia e as duas envolvendo o criador de ovelhas que tem seus cabelos cortados, mereciam mais imaginação na conclusão da história que acaba sendo quase um desrespeito aos atores que se esforçaram para dar credibilidade à mesma. É comum, tanto o herói quanto o vilão que chega de longe se diferenciarem por seus trajes, modelo que “Os Brutos Também Amam” aperfeiçoou com as vestimentas de ‘Shane’ e de ‘Wilson’, atípicas àquela região do Wyoming. Mas é fora de propósito um pistoleiro, por mais elegante que seja, cavalgar vestido com uma longa capa alva de doer os olhos, combinando com seu chapéu e contrastando com a camisa vermelha berrante. À parte a questão dos trajes, J.D. Cannon não exibe o mínimo carisma necessário para compor um pistoleiro marcante.

David Carradine e Noah Beery Jr.
Barbara e David, par fora das telas - Glenn Ford nestes tempos já exibia alguns quilos a mais e uma certa lentidão nos movimentos, ele que gravou seu nome entre os grandes cowboys do cinema. Sem maior esforço Glenn se destaca no elenco e, ao menos sobre seu cavalo, exibe a velha perícia que fez dele um perfeito cavaleiro. Em seu segundo filme e aos 21 anos de idade, Barbara Hershey é jovem demais para fazer par amoroso com Glenn Ford, o que é evitado durante o filme e apenas ao final ambos saem abraçados rumo ao final feliz impróprio do roteiro. Carolyn Jones seria uma opção sem dúvida muito mais razoável para terminar com Glenn Ford. David Carradine tem boa presença como o jovem sádico, ele que iniciou nesse filme um relacionamento com Barbara Hersey, relacionamento que perdurou por vários anos e que resultou em um filho. Carradine aparece em muitas sequências ao lado de Noah Beery Jr., não por acaso ambos filhos de consagrados atores do passado (Noah Beery e John Carradine). John Anderson mostra que merecia ter uma carreira com melhores oportunidades, bom ator que ele era quase sempre em papéis menores.

David Carradine (cena da morte) e Barbara Hershey ( cena do estupro)

Participação de Dalton Trumbo - A trilha sonora musical ficou a cargo de Johnny Mandel que por momentos criou nuances fora do contexto, por serem mais jazzísticas. Último filme produzido pela King Brothers Productions, foi filmado em sua maior parte em Tucson Arizona. Consta na IMDb que Dalton Trumbo teria colaborado na concepção do roteiro original deste western, isto em 1960 quando ele trabalhava no extraordinário roteiro de “Spartacus”. Trumbo teria pedido posteriormente que seu nome não constasse dos créditos. Difícil acreditar que ele aceitasse coisas como o final inapropriado de “O Céu à Mão Armada”.

Glenn Ford