UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

30 de janeiro de 2012

CINETESTEMANIA N.º 8 - OS ATORES DE "SETE HOMENS E UM DESTINO"


CINEWESTERNMANIA vai testar o conhecimento dos cinéfilos com
este Cinetestemania lembrando dos atores que atuaram em
"Sete Homens e um Destino". Nas dez perguntas abaixo,
todas têm três alternativas mas apenas uma alternativa
em cada questão é verdadeira. Cada acerto vale um ponto.





29 de janeiro de 2012

A SAGA DOS “SETE HOMENS” – CAPÍTULO N.º 4 – JOHN STURGES DIRIGE UMA GUERRA DE EGOS


O Hotel Jacarandas em Cuernavaca, México jamais havia recebido uma equipe cinematográfica tão numerosa e com tantos astros de cinema, como aconteceu em março de 1960. Certo que nem todos eram muito conhecidos, mas a presença de Yul Brynner com sua reluzente careca já causava sensação. Os artistas e técnicos ocuparam todos os apartamentos do hotel onde passariam os próximos dois meses quando não estivessem na cidade de Morellos, bem perto de Cuernavaca. Em Morellos foram edificados o povoado de Ixcatlán e a cidadezinha de Los Toritos, locais onde seria filmada a produção norte-americana "The Magnificent Seven". Alguns dos artistas trouxeram suas esposas, como o alemão Horst Buchholz (Miriam), Steve McQueen (Neille Adams) e Eli Wallach (Anne Jackson). Yul Brynner trouxe a noiva Doris Kleiner com quem se casaria na semana seguinte. Além deles o luxuoso, bucólico e muito confortável Hotel Jacarandas abrigou os solteiros Brad Dexter, Robert Vaughn, Charles Bronson, James Coburn e o diretor John Sturges, cuja esposa Dorothy também foi ao México mas preferiu não permanecer. Foram necessários poucos dias de trabalho para que surgissem as diferenças entre alguns membros do grupo por vezes no próprio hotel, mas principalmente nos locais de filmagem.



Acima foto do dia do casamento de Yul
Bryner  com Doris,  ambos ao lado de
 Sturges; abaixo o Hotel Jacarandas.
A REALEZA EUROPÉIA - Como verdadeira prima donna, Yul Brynner bem cedo decidiu mostrar aos demais atores que ele era a grande estrela do filme. Brynner estava sempre cercado pela sua 'entourage' composta por uma secretária, um barbeiro para diariamente raspar sua cabeça e ainda um faz-tudo sempre pronto a acender sua cigarrilha presa entre os dedos anular e mínimo. Yul quase só conversava com Horst Buchholz e ambos eram tratados diferenciadamente até por John Sturges. Começaram a ser chamados de 'Realeza Européia', mas Charles Bronson só tratava Horst por 'Hoss', corruptela para cavalo. McQueen abertamente perguntava o por que daqueles europeus num western. Horst Buchholz e sua esposa Miriam até que tentaram uma aproximação maior promovendo uma pequena festa em volta da piscina para a qual ela preparou moussé de chocolate. Nessa noite Yul Brynner passou quase todo o tempo dedilhando seu violão. A divisão entre o grupo ficou bastante visível e Bronson, Coburn e principalmente McQueen simplesmente não conseguiam conviver com o esnobismo de Yul Brynner. O povoado de Ixcatlán, construído em Morellos para as filmagens, foi o local escolhido para a festa de casamento de Yul Brynner, o que também poderia ajudar numa maior aproximação entre todos. Porém, para a cerimônia Brynner mandou que fosse armado um tablado estreito onde ele e Doris permaneceram o tempo todo e de onde o casal recebeu altivamente os cumprimentos. McQueen perguntou a Neille: “Que merda que é essa?” e se afastaram logo dali seguidos pelos outros. Brynner queria impor sua superioridade a todo custo e não perdia em nenhum momento a conhecida pose exibida nos palcos e na tela como o Rei do Sião.


Horst Buchhlz e Yul Brynner; Rosenda
Monteros e a senhora Yul Brynner;
McQueen e Neille;
Brynner participando do pôquer
O TAJ-MAHAL DE YUL BRYNNER - Em Morellos, durante as filmagens, a situação só piorava pois enquanto todos tinham de esperar a vez para serem maquiados no trailler de maquiagem, Yul Brynner era maquiado em seu próprio trailler. James Coburn apelidou o enorme trailler do ator russo de 'Taj-Mahal'. Além de duas palmeiras na porta de entrada, o 'Taj-Mahal' tinha um grande aquário e um luxuoso sofá, e havia ainda cozinha própria com frigobar. Brynner nunca deixava de lembrar a quem estivesse próximo a sua superioridade dizendo que o conhaque que tomava e seu queijo preferido eram importados da França e os filés que comia vinham especialmente de um rancho do Texas. McQueen, em tom de brincadeira disse que quem quisesse falar com Brynner deveria antes marcar uma 'audiência' para ser solenemente recebido no 'Taj-Mahal'. Robert Vaughn foi um dos poucos, além de Buchholz, que conseguiu manter uma conversação mais longa com Brynner. Quando a conversa acabou James Coburn perguntou sobre qual assunto haviam conversado e Vaughn respondeu: “Sobre teatro russo!” À noite no Hotel Jacarandas o grupo gostava de jogar pôquer mas sem a presença de Brynner, até que certa noite Brad Dexter conseguiu convencer o soberbo ator a participar do pôquer. Nas noites seguintes ficavam os dois (Dexter e Brynner) sempre jogando 'gin rummy'. Anos depois das filmagens de "The Magnificent Seven", Brad Dexter contou que ganhou mais dinheiro de Brynner jogando 'gin rummy' do que o salário que recebeu para participar do filme. John Sturges pouco era visto com o grupo e Steve McQueen sempre dizia que o diretor estava ensaiando com a mexicana Rosenda Monteros ('Petra'). E certa noite os inseparáveis Robert Vaughn (feito Napoleon Solo) e James Coburn (como se fosse Derek Flint), em meio às sombras das árvores do Hotel Jacarandas, viram perfeitamente Sturges e Rosenda subindo juntos para o quarto do diretor. Steve McQueen tinha razão a respeito dos ensaios...


McQueen e Brynner (acima);
Sturges e Brynner (abaixo),
OS TRUQUES DE McQUEEN - Se o relacionamento dos atores com Brynner durante os momentos de folga não era dos melhores, durante as filmagens poderia ter levado à loucura um diretor menos experiente. John Sturges, no entanto, já havia lidado com atores difíceis como Kirk Douglas e Burt Lancaster e soube bem como usar a estratégia psicológica certa. Nos primeiros dias de filmagem Steve McQueen pediu uma reunião a três com Sturges e com o roteirista William Roberts. McQueen reclamou que pelo que havia lido do roteiro ainda incompleto de "The Magnificent Seven", ele não passava de mero coadjuvante pois Horst Buchholz ficara com todas as melhores sequências. Com indisfarçável ciúme, McQueen listou a cena da cantina em 'Chico' que aparecia bêbado, a da imitação de toureiro e principalmente porque 'Chico' ficava com a mexicana 'Petra'. Sturges respondeu a McQueen que ele era bastante talentoso para se sobressair em qualquer sequência que aparecesse e elas eram muitas. Foi como apagar fogo com gasolina pois McQueen, que havia sido aluno de Stella Adler no Actor’s Studio, passou a tentar roubar com pequenos truques todas as cenas em que aparecia com Brynner. Um exemplo é a cena em que estão na carruagem de defuntos e McQueen começa a testar cartuchos junto aos seus ouvidos. E foram tantas as cenas com McQueen mexendo no próprio chapéu que um dia Yul Brynner exasperado reclamou com Sturges. O diretor respondeu a Brynner exatamente o mesmo que havia dito a Steve. Yul Brynner então falou para McQueen em tom de ameaça: “Steve, se eu tirar o meu chapéu, faço você desaparecer de cena...” McQueen tinha 1,77 de altura e Yul Brynner 1,79, mas para parecer ainda maior Brynner sempre fazia morrinhos de terra para ficar sobre eles. McQueen distraidamente sempre chutava os morrinhos de Brynner.


John  Sturges
CENAS ‘AD LIBITUM’ - John Sturges sabedor da ciumeira que dominava as filmagens deliberadamente incentivou o overacting, ou seja, cada um querendo se sobressair mais que o outro, seja nas cenas em conjunto ou isoladamente. A batalha final contra o bando de 'Calvera' não foi coreografada por Sturges que preferiu que cada um dos sete homens estilizasse como quisesse, ‘ad libitum’ (latinismo usado no meio teatral), sua própria sequência, quatro delas de morte. Coburn alterou a cena original do script atirando sua faca e Vaughn teatralizou sua morte que por sorte foi feita em uma só tomada pois ficou com o rosto arranhado na parede crespa. Bronson seguiu o roteiro e morreu junto aos pequenos mexicanos. Curiosamente Eli Wallach optou por uma morte discreta quando se sabe do que ele seria capaz. McQueen que é apenas ferido na perna parecia um menino brincando de mocinho depois de uma matinê domingueira. Essas cenas isoladas formaram o grande achado de Sturges que criou uma dinâmica espetacular para o clímax de seu western. John Sturges se orgulhava de quase todas as cenas de "The Magnificent Seven" terem sido rodadas 'a la John Ford' em take one, ou seja uma única tomada. O resultado final certamente agradou a todos, especialmente ao público que lotou os cinemas e consagrou a versão norte-americana da obra-prima de Akira Kurosawa. O diretor japonês mandou cumprimentos a Sturges pela qualidade de seu filme.

Campesinos de boutique e o roteiro com crédito
também para Walter Newman
O CENSOR MEXICANO - Outro problema sério que a produção de "The Magnificent Seven' teve foi com o Governo mexicano representado pelo censor Jorge Ferretti. Qualquer diálogo ou cena que presumivelmente denegrisse a imagem do povo mexicano deveria ser cortada e tudo isso devido ao estrago que o western "Vera Cruz", de Robert Aldrich havia feito com a imagem do povo mexicano. Condição fundamental imposta por Ferretti era que os camponeses estivessem sempre vestidos com roupas limpas e jamais rotas ou rasgadas. O resultado disso na tela é cômico pois os 'campesinos' estão sempre com roupas que parecem ter saído das lojas. A Mirisch Company teve o cuidado de contratar um grande número de atores mexicanos, dar emprego para quase toda a população de Morellos e ainda arregimentar um número enorme de técnicos para o filme. Tudo isso para agradar as autoridades mexicanas. Para piorar as coisas uma indignada Katy Jurado declarou aos jornais que o México nunca precisou de 'gringos' para resolver seus problemas internos. Deve-se lembrar que o primeiro roteirista Walter Bernstein estava na lista negra dos roteiristas comunistas e a alegoria do intervencionismo imperialista norte-americano em "The Magnificent Seven' é latente. As alterações feitas por Walter Newman definiram o roteiro que deveria ser o definitivo até que a presença de Jorge Ferretti exigiu alterações diárias no roteiro. Newman foi chamado com urgência ao México mas decidiu não desobedecer a greve dos escritores de cinema (SGW) que estava em curso nos Estados Unidos. William Roberts foi praticamente 'laçado' e instalado em Cuernavaca refez os diálogos como Ferretti exigia. Quando o filme ficou pronto os créditos indicavam como roteiristas Walter Newman e William Roberts. Newman se negou a dividir o crédito com o 'fura-greve' Roberts e pediu que seu nome fosse retirado apesar de ser dele a maior contribuição para os trechos mais brilhantes dos diálogos do filme. Newman deve ter se arrependido bastante pois "The Magnificent Seven" se tornou um monumental sucesso de bilheteria.

Sturges e Akira Kurosawa; abaixo os sete magníficos
SUCESSO NO MUNDO TODO - Alguém se lembra de Bosley Crowther, o respeitado crítico do The New York Times? Pois ele não fez a resenha de "The Magnificent Seven" quando do lançamento do filme em Nova York. Essa incumbência ficou para Howard Thompson, crítico de segundo escalão do jornal, que afirmou que o filme de Sturges era uma pretensiosa, pálida e alongada imitação do épico de Kurosawa. A United Artists imediatamente pediu à Mirisch Company que reduzisse "The Magnificent Seven' para 100 minutos, cortando nada menos que 27 minutos do filme. Nem Walter Mirisch e nem John Sturges, este principalmente, concordaram e "The Magnificent Seven' que havia sido lançado em cinemas de menor expressão passou a ser distribuído até em programas duplos pelo país a fora. Porém, como não poderia deixar de ser, o western de Sturges se transformou na maior bilheteria daquele ano no Japão e foi descoberto por Godard, Truffaut e companhia, (sempre eles!)  misto de críticos e cineastas franceses, que louvaram as muitas qualidades de 'The Magnificent Seven' saudando-o como um dos grandes filmes do gênero. O sucesso foi se espalhando pelo mundo inteiro, até aqui no Brasil. Em São Paulo esse western foi exibido no Cine República, famoso por ter a maior tela do Brasil e que comportava perfeitamente o formato Panavision de 2.35:1 do filme. Fui um dos milhares de espectadores que enfrentaram longas filas no Cine República para assistir a 'Sete Homens e um Destino' e se emocionar com os acordes iniciais da incrível trilha antecipando aquele faroeste inesquecível. A “SAGA DOS SETE HOMENS” prossegue com o 5.º capítulo, o último a falar de "Sete Homens e um Destino'.

27 de janeiro de 2012

A SAGA DOS "SETE HOMENS” – CAPÍTULO N.º 3 – BANDIDO CALVERA E ELMER BERNSTEIN


Se tivessem de ser apontadas duas razões principais que contribuíram para o sucesso de “Sete Homens e Um destino”, certamente seriam lembrados o bandido ‘Calvera’ e o escore musical. Difícil imaginar outro vilão que não Eli Wallach e impossível o impacto do faroeste de Sturges sem a música de Elmer Bernstein.


Eli acima com Carroll Baker em
"Boneca de Carne"; abaixo com
Rod Steiger e Edward G.
Robinson em "Os Sete Ladrões"
DA BROADWAY PARA UM FAROESTE - Quando fez sua estréia no teatro, em 1945, o ator novaiorquino Eli Wallach não era nenhum garoto pois estava já com 30 anos de idade. Nos dez anos seguintes Eli se transformou num dos mais aplaudidos atores da Broadway interpretando algumas vezes Tennessee Williams (Eli criou no palco o personagem 'Alvaro Mangiacavallo' na peça "A Rosa Tatuada" que foi interpretado no cinema por Burt Lancaster) e fazendo parte do grupo de teatro de Elia Kazan que foi seu professor no Actor's Studio. Mesmo assim só chegou ao cinema em 1956, pelas mãos do próprio Elia Kazan, com uma arrebatadora atuação em "Boneca de Carne" (Baby Doll), isto aos 41 anos de idade. Em seguida Wallach foi o vilão no policial "O Sádico Selvagem" de Don Siegel, em 1958. No ano seguinte Eli interpretou um saxofonista que passa por um barão alemão em "Os Sete Ladrões", de Henry Hathaway. Esses três filmes resumiam a experiência cinematográfica de Eli Wallach quando ele foi estranhamente lembrado para participar de "The Magnificent Seven", portanto sem nenhuma experiência em faroestes na sua curta carreira de apenas três filmes.

Toshiro Mifune (acima) e
El Índio Fernández (abaixo)
E NASCE 'CALVERA' - Eli havia assistido "Os Sete Samurais" de Kurosawa, e ficara fascinado com o personagem 'Kikuchiyo', o samurai amalucado interpretado por Toshiro Mifune e acreditou que esse seria seu papel na versão norte-americana. Quando John Sturges disse a Eli que ele iria interpretar 'Calvera' o chefe dos bandidos que aterrorizavam a pequena aldeia, o ator ficou desapontado pois ele lembrava que no filme japonês esse personagem tinha pequena participação. Eli se animou um pouco mais quando Sturges informou que 'Calvera' teria bastante destaque mesmo não sendo um dos sete magníficos. Contrato assinado, Eli Wallach disse a Sturges que nos muitos faroestes que assistira desde criança os bandidos roubavam bancos, assaltavam diligências, roubavam gado, mas estavam sempre mal vestidos. Eli achava que 'Calvera' devia ser um bandido com boas roupas, muitos anéis nos dedos, bastante ouro nos dentes e uma bela sela enfeitada com prata. Sturges concordou e quando chegaram ao local das filmagens, no México, o diretor logo apresentou Eli Wallach a Emílio Fernández (El Índio), o assistente de direção designado não pela The Mirisch Company ou pela United Artists, mas sim pelo Governo Mexicano. Entre outras coisas El Índio seria o responsável pela indumentária imaginada por Eli, inclusive o sombrero. (Leia mais sobre isso no post Eli Wallach e o Sombrero de Calvera, neste blog.)

ELI E O CAVALO 'FREDERICO' - Para este primeiro western de sua carreira Wallach deveria ter muitas cenas a cavalo. Eli havia dito a John Sturges que vivera alguns anos no Texas, onde aprendera a montar, mas na primeira vez que subiu num cavalo na frente de Sturges, o diretor logo percebeu que o novaiorquino Eli precisaria de muitas aulas de equitação. Sturges explicou que 'Calvera' teria aparições de grande impacto visual comandando seu bando de 40 homens, todos a cavalo, invadindo a aldeia e que ele, Eli Wallach, teria que aprender a montar muito melhor. Como 'Calvera' tinha uma participação pequena na primeira metade do filme, Sturges mandou Eli se juntar aos mexicanos de seu bando, todos excelentes cavaleiros, para ir treinando. Eli Wallach pediu para ser levado até o curral onde estavam as montarias e disse ao tratador que queria o cavalo mais bonito, mas que o animal devia ser também o mais gentil, o mais amigo e que saísse bem nas fotos. O tratador respondeu que tinha um cavalo de sete anos chamado 'Frederico' que preenchia todos aqueles requisitos. Eli e 'Frederico' passaram oito semanas juntos e pode-se dizer que se deram bem, mas segundo Eli tudo poderia ser bem melhor. Durante as filmagens ninguém tinha idéia de como seria o escore musical de 'The Magnificent Seven' e quando Eli Wallach viu o filme pronto com a música acompanhando suas cavalgadas ficou maravilhado e sempre repetiu que se pudesse ouvir aquele acompanhamento musical durante as filmagens teria cavalgado muito, mas muito melhor. Eli se referia à genial trilha sonora criada por Elmer Bernstein.


Bernstein com Sinatra (acima)
e com Cecil B. DeMille (abaixo)
O JOVEM COMPOSITOR ELMER BERNSTEIN - Aos 31 anos, em 1953 um jovem maestro chamado Elmer Bernstein compôs as trilhas musicais para dois filmes de ficção-científica de baixíssimo orçamento ("Mulheres Gato da Lua" e "O Monstro Robô"). Dois anos depois esse compositor assombrava o mundo com uma trilha sonora altamente dramática e cujo inusitado tema principal chegou às paradas de sucesso, composição para 'O Homem do Braço de Ouro', primeiro filme norte-americano a falar abertamente do tema drogas, dirigido por Otto Preminger e estrelado por Frank Sinatra. Em 1956, aos 34 anos, Bernstein foi o compositor escolhido por Cecil B. DeMille para musicar a superprodução "Os Dez Mandamentos'. Já consagrado e nome importante entre os maestros que compunham para filmes, Bernstein trabalhava sem parar com vitalidade só comparável à qualidade de sua música, compondo também para westerns como "Drango", com Jeff Chandler, "O Homem dos Olhos Frios" (The Tin Star), com Henry Fonda e "Irmão contra Irmão", com Robert Taylor. Mas Elmer Bernstein não era o compositor de preferência de John Sturges e de Walter Mirisch para criar a trilha sonora musical de "The Magnificent Seven", escolha que recaíra sobre o premiado Dimitri Tiomkin. Sturges havia trabalhado com Tiomkin em "Sem Lei e Sem Alma" (Gunfight at the OK Corral), "O Velho e o Mar" e "Duelo de Titãs" (Last Train from Gun-Hill). Tiomkin que já havia recebido três Oscar por suas trilhas sonoras queria abrir "The Magnificent Seven" com uma canção que narrasse o western, como havia feito em "Matar ou Morrer" (High Noon), em "Sangue da Terra" (Blowing Wild), em "Sem Lei e Sem Alma" e em outros filmes. Sturges não concordou e se desentendeu com Tiomkin, dispensando os serviços do maestro russo, chamando o novaiorquino Elmer Bernstein. Assim como Eli Wallach, Bernstein era também judeu e de Nova York.


Alguns dos álbuns lançados com trilhas sonoras de Elmer Bernstein:
"Os Dez Mandamentos" - "O Homem do Braço de Ouro" - "Corsário sem Pátria"
"Só Ficou a Saudade" - "Deus Sabe Quanto Amei"
"O Sol é para Todos" - "Fugindo do Inferno" - "Positivamente Millie"

STURGES FAZ UM DESENHO MUSICAL - Quando John Sturges começou a trabalhar com Bernstein, o maestro esperava que o diretor lhe mostrasse o roteiro, dando uma idéia passo a passo, do que pretendia com a música. Ao invés disso, Sturges passou toda a tarde falando do filme, dos personagens e das situações principais, indicando que haveria necessidade de passagens musicais mais vigorosas e outras que realçassem alguns personagens. Bernstein percebeu que Sturges sabia o que queria ainda que demonstrasse não conhecer quase nada de música, mas à medida que Sturges falava as idéias iam brotando na imaginação musical de Bernstein que teve total liberdade criativa. Apenas não precisava exagerar na criatividade... O cinema já havia apresentado anteriormente escores musicais verdadeiramente deslumbrantes para faroestes, sendo o mais lembrado aquele composto por Jerome Moross para "Da Terra Nascem os Homens" (The Big Country). Porém nunca se havia ouvido nada parecido com o trabalho de Bernstein para "The Magnificent Seven".

Álbuns de westerns musicados por Elmer Bernstein:
"Os Comancheiros"/"Bravura Indômita" - "Os Filhos de Katie Elder" -
"O Último Pistoleiro"/ "Jake, o Grandão"/ "Cahill, o Xerife do Oeste"
"Drango" - "Nas Trilhas das Aventuras" - "Revanche Selvagem"
"Os Insaciáveis" - "O Julgamento de Billy Jack" - "Os Três Amigos"

BERNSTEIN, UM NOME DE TALENTO - O filme se inicia com um tipo de fanfarra que lembra o tema principal de "Da Terra Nascem os Homens" ao som de cinco compassos vigorosos que se repetem enquanto surgem as cordas executando a forte melodia, passando depois para os instrumentos de sopro. A cada um dos temas como "Bandidos", "The Journey", "Battle" e "In the Trap", a música de Bernstein desce dos estrondosos tambores para a total delicadeza dos violinos e flautas. Bernstein faz uso perfeito de instrumentos nunca antes registrado em trilhas para westerns como congas, marimbas e outros instrumentos de percussão dando ao faroeste o caráter da latinidade necessário. Um ano depois o cinema teria outra trilha musical fantástica assinada por outro Bernstein (Leonard) para "Amor, Sublime Amor" com profusão de uso de instrumentos de percussão latinos. Não há nenhum parentesco entre Leonard e Elmer Bernstein, apenas o talento e a criatividade une os dois maestros. Quando assistiu a "The Magnificent Seven" pela primeira vez, antes de compor a trilha musical, Elmer Bernstein achou o filme um tanto lento sentindo a necessidade de fazer com que a música desse a idéia de um ritmo mais acelerado, o que conseguiu brilhantemente. O tema principal (main title) de "The Magnificent Seven" insistia em permanecer na cabeça de quem assistia ao faroeste, denunciando que aquela seria mais uma música que marcaria o gênero. Certamente a canção mais bonita do filme é "Petra's Declaration", o tema de 'Petra' a jovem mexicana que conquista o pistoleiro "Chico". A comovente delicadeza dessa despretensiosa canção dá ao filme o tom elegíaco que contrasta com a força dos demais temas.

A MÚSICA DO MARLBORO - Havia mais de dez anos que a Philip Morris tentava fazer da sua marca de cigarros Marlboro a campeã de vendas, o que só veio a conseguir quando a publicidade da figura do cowboy fumando Marlboro chegou à TV acompanhada do tema principal de "The Magnificent Seven", em 1963. Se lamentavelmente a marca de cigarros aumentou suas vendas gerando muito mais doenças fatais nos fumantes, por outro lado fez também com que ninguém mais se esquecesse daquele western. Até mesmo quem não o havia assistido sabia que aquela era a música do já famoso filme dos sete homens magníficos. Se alguma dúvida poderia existir a respeito de qual tema principal de faroeste é o mais marcante no gênero, depois do sucesso da campanha publicitária a composição de Elmer Bernstein reina soberana acima de qualquer outra criada para um western. Merecido prêmio para um dos mais criativos compositores que o cinema já teve e, por sorte, mais inspirado ainda quando compõe para faroestes.

O TEMA MUSICAL ETERNO - Outra trilha inesquecível de Elmer Bernstein no gênero western foi a igualmente vibrante, mas menos inspirada, composta para "Os Filhos de Katie Elder" (The Sons of Katie Elder). Elmer Bernstein ainda compôs para outros westerns de John Wayne, como "Bravura Indômita" (True Grit), "Os Comancheiros" (The Comancheros) e "Jake, o Grandão" (The Big Jake). Em 1961 a Academia de Artes de Hollywood apresentou os cinco indicados para o Oscar de Melhor Escore Musical que foram os seguintes: "Sete Homens e um Destino", de Elmer Bernstein; "O Álamo", de Dimitri Tiomkin; "Entre Deus e o Pecado", de André Previn; "Spartacus", de Alex North; e "Êxodus", de Ernest Gold que acabou levando o prêmio. Porém o prêmio da imortalidade ficou mesmo com Elmer Bernstein pois mais de 60 anos depois de composta, a música de "The Magnificent Seven" ainda ecoa maravilhosamente no mundo inteiro. O próximo capítulo de "A SAGA DOS SETE HOMENS" falará do que aconteceu nos bastidores deste  lendário faroeste.




26 de janeiro de 2012

A SAGA DOS "SETE HOMENS" - CAPÍTULO N.º 2 - A ESCOLHA DOS SETE MAGNÍFICOS


John Sturges
Uma das razões que fez John Sturges assinar contrato com a Mirisch Corporation foi a filosofia de trabalho dos irmãos Mirisch. Ao contrário do que faziam os tiranos proprietários dos grandes estúdios, os irmãos Mirisch passaram a admitir que os diretores fossem os verdadeiros responsáveis pelos filmes. Essa liberdade autoral fez com que alguns dos melhores diretores de Hollywood assinassem contratos com a Mirisch Corporation, entre eles Billy Wilder, John Ford, William Wyler, Michael Curtiz, Fred Zinnemann e Robert Wise. Entre os projetos ambiciosos dos irmãos Mirisch em parceria com a United Artists estavam "Amor, Sublime Amor", "Infâmia" e "Fugindo do Inferno", além do já iniciado planejamento para "The Magnificent Seven". John Sturges foi definido como diretor de "The Magnificent Seven" e pelo contrato que tinha com a Mirisch Corporation, Sturges seria também produtor associado do filme através de sua produtora a Alpha Productions. Lou Morheim não foi esquecido e teve uma compensação como produtor associado por ter sido o pai da idéia de transpor "Seven Samurai" para o Velho Oeste. Yul Brynner, por sua vez, abriu mão de qualquer direito sobre o projeto em troca de uma compensação de 112 mil dólares além, é claro, do salário que receberia para interpretar Chris Larabee Adams. Uma nova e titânica luta porém se avizinhava. A luta contra o tempo para formar o elenco daquele faroeste.


YUL BRYNNER, O PRIMEIRO MAGNÍFICO - Do personagem do Mestre Kambê Shimada, interpretado no filme de Kurosawa pelo ator Takashi Shimura, só restou a cabeça raspada que era marca registrada de Yul Brynner. Em seu filme anterior "Salomão e a Rainha de Sabá", protagonizando o Rei Salomão ao lado de Gina Lollobrigida, Brynner ostentou uma peruca negra, isto porque Brynner teve que substituir às pressas o Salomão original que era Tyrone Power, que falecera durante as filmagens. John Sturges havia ficado um pouco frustrado pois sempre imaginou Spencer Tracy como o líder dos sete homens. Sturges admirava muito Spencer Tracy, a quem dirigira em "Conspiração do Silêncio" (Bad Day at Black Rock) e em "O Velho e o Mar". Porém por força das negociações, quem interpretaria Chris seria Yul Brynner e ponto final, sem esquecer que Brynner tinha ainda por contrato o direito a vetar atores do elenco. Essa prerrogativa fazia parte dos contratos de quase todos os grandes astros de Hollywood, forma de evitar algum constrangimento durante a produção. John Ireland e Sterling Hayden foram sondados para o papel de 'Britt', o atirador de facas. George Peppard chegou a ser cogitado para interpretar 'Vin Tanner'. Esses três atores no entanto acabaram sendo descartados na formação do elenco. Durante esse processo Brynner espalhou a informação que ele próprio havia sugerido um ator novato chamado Steve McQueen para interpretar 'Vin Tanner', o segundo papel em importância entre os sete magníficos.


STEVE McQUEEN, O SEGUNDO NOME - Steve McQueen havia assinado um contrato com a Alpha Productions de John Sturges e ainda devia um filme para essa produtora. Sturges já havia dirigido McQueen no drama de guerra "Quando Explodem as Paixões" (também com Gina Lollobrigida) e sabia que McQueen era o mais carismático ator surgido em Hollywood depois de James Dean. Além disso McQueen era um nome cada vez mais forte junto ao público graças ao sucesso que fazia estrelando a série de TV "Wanted: Dead or Alive". Somando-se todos os interesses, inclusive o desejo do próprio McQueen em atuar naquele faroeste fadado ao sucesso, Steve era o nome certo para interpretar 'Vin Tanner'. Porém assim não pensava Dick Powell e a sua Four Star, produtora de "Wanted: Dead or Alive", que informou que não interromperia a série para que Steve McQueen fosse passar dois meses no México com a equipe de John Sturges. Do saudoso James Dean o ator Steve McQueen tinha não só o carisma mas também a paixão pela velocidade, além de uma boa dose de loucura e outro tanto de irreverência. Segundo confirmou Neille Adams, então esposa de McQueen, quando este soube da recusa da Four Star em liberá-lo, ele levou-a para um passeio de automóvel, disse a ela para se segurar bem e jogou seu carro esporte contra uma árvore. O veículo ficou bastante danificado, mas nem Steve e nem Neille quebraram nenhum osso. No dia seguinte McQueen foi ao escritório de Dick Powell e afirmou que teria que ficar muito tempo afastado da série produzida pela Four Star até a total recuperação... Dick Powell sabia muito bem com quem estava lidando e respondeu a McQuenn que ele não precisaria destruir outros carros e que a Four Star o liberaria para as dez semanas no México. Enquanto isso o público reveria os primeiros episódios de "Wanted: Dead or Alive". A única coisa que contrariou McQueen foi ele descobrir que não iria interpretar 'Chico', o personagem de  Toshiro Mifune em "Os Sete Samurais". No filme de Kurosawa Mifune causara sensação como o rufião 'Kikuchyio'. Mas McQueen sabia como redimensionar qualquer um dos sete homens...


CHARLES BRONSON LEMBRANDO SUA INFÂNCIA - Hollywood estava em pânico com a já iniciada greve dos escritores através da WGA (Writers Guild of America), associação que os congregava. Pior ainda que a greve dos escritores seria aquela dos atores já anunciada e promovida pela SAG (Screen Actors Guild), então dirigida por Ronald Reagan, com data aprazada para 7 de março. Dessa data em diante nenhum ator (ou atriz) poderia atuar durante a greve, a não que os contratos para os filmes tivessem sido assinados antes da deflagração da greve. John Sturges começou a estudar as sugestões para os demais papéis e, como indicava o roteiro de Walter Newman, cada um dos sete homens tinham suas peculiaridades diferenciando-os uns dos outros. Todos os dias Sturges tinha alguém para entrevistar naquela contagem regressiva em direção ao dia 7 de março. Charles Bronson foi um dos entrevistados e concordou quando Sturges lhe disse que ele teria de deixar de lado aquele seu jeito durão de homem bruto pois interpretaria um pistoleiro de bom coração. Bronson seria 'Bernardo O'Reilly', personagem filho de mexicanos com irlandeses, exatamente como Anthony Quinn na vida real. 'O'Reilly' estaria sempre cercado pelas pobres crianças mexicanas do vilarejo, a quem trataria com bastante ternura. Bronson disse a Sturges que sabia bem como era isso pois ninguém havia sido mais pobre, carente e faminto que ele na sua infância como filho dos Bushinsky, imigrantes lituanos. Agora faltavam cinco magníficos.


BRAD DEXTER A PEDIDO DE SINATRA - Frank Sinatra havia conhecido John Sturges quando foi por ele dirigido em "Quando Explodem as Paixões", tendo os dois ficado amigos. Certo dia de fevereiro de 1960 Sturges recebeu um telefonema de Sinatra que pedia para incluir o ator Brad Dexter no elenco de "The Magnificent Seven". Sturges conhecia Brad Dexter, a quem havia dirigido em "Duelo de Titãs" (Last Train From Gun-Hill) e aprovou a sugestão de Sinatra, reservando para Dexter o personagem do jogador Harry Luck.


BUCHHOLZ, O PISTOLEIRO ALEMÃO - O escritório de John Sturges localizado no prédio da United Artists ficava próximo ao escritório que Billy Wilder tinha naquele estúdio. Wilder sabia da urgência de Sturges em formar o elenco de seu novo faroeste, e num dos casuais encontros entre os dois sugeriu ao colega que desse um papel para Horst Buchholz em "The Magnificent Seven". Sturges perguntou a Wilder: "Hoss what?" pois ele entendera  que o nome era Hoss. Billy então explicou a Sturges que sua produtora mantinha sob contrato o bom ator alemão Horst Buchholz que era o galã favorito do cinema alemão. E Billy disse ainda que a presença de um ator de origem germânica no elenco de um filme norte-americano era certeza de sucesso junto ao público alemão. Billy prosseguiu dizendo que Horst Buchholz teria um papel de destaque numa comédia que preparava sobre a Guerra Fria e que se chamaria "One, Two, Three" (Cupido não tem Bandeira). De olho nas bilheterias de "The Magnificent Seven", Sturges entrevistou Horst Buchholz e o ator lhe disse que o sonho de todo ator alemão era atuar como cowboy num faroeste norte-americano. Buchholz não conseguia conter a alegria quando tudo ficou acertado e ele soube que seu personagem seria o mesmo de Toshiro Mifune no épico de Kurosawa. A alegria de Buchholz diminuiu um pouco quando Sturges explicou que o personagem  'Kikuchyio' havia sido transformado no mexicano 'Chico'. Como não sabia manusear um Colt 45, Sturges pediu ao ator alemão para ele tomar aulas com algum expert. O professor de Horst Buchholz foi um ator que era tão bom no manejo de armas como em conquistar mulheres bonitas, entre elas Ursulla Andress, sua atual esposa e as futuras senhoras John Derek, as espetaculares Linda Evans e Bo Derek.


VAUGHN, O PISTOLEIRO ELEGANTE - Faltavam poucos dias para o início da greve e John Sturges foi ao cinema para assistir "O Moço de Filadélfia", estrelado por Paul Newman. Um ator do filme chamou a atenção de Sturges e esse ator era Robert Vaughn. O olhar clínico de Sturges funcionou bem pois esse desconhecido ator foi indicado para o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por sua atuação em "O Moço de Filadélfia". Sturges convidou Robert Vaughn para uma conversa e Vaughn e seu agente viram no convite de Sturges a oportunidade de ouro que o jovem ator de 27 anos esperava. Era de Vaughn o papel do gunslinger 'Lee' e Sturges mostrou a Vaughn esboços de como seria seu personagem em "The Magnificent Seven": um pistoleiro com um toque de elegância mas cheio de problemas psicológicos que faziam dele um tipo medroso. Depois do contrato assinado Sturges pediu a Robert Vaughn que fosse até o departamento de vestuário, escolhesse as roupas e voltasse para mostrar ao diretor. Vaughn se aprumou como um perfeito dandy, um misto de Bret Maverick e Bat Masterson, certamente influência dos heróis das bem sucedidas séries da TV. Sturges gostou e aprovou, olhando insistentemente para o calendário na parede. De repente Sturges perguntou a Vaughn se ele conhecia algum ator que tivesse o estilo parecido com o de Gary Cooper mas que aceitasse o salário de 10% do que o veterano ator cobrava por filme. Robert Vaughn pediu a Sturges para que ele esperasse pois naquele mesmo dia iria procurar um ator que era exatamente o que o diretor queria. O nome dele era James Coburn.


O MAGNÍFICO DAS FACAS - Robert Vaughn havia sido colega de Universiade de James Coburn e começaram as carreiras de ator praticamente juntos, mantendo a boa amizade. Coburn era alto e magro, assim como Gary Cooper e tinha igualmente um ar taciturno e misterioso. James Coburn vinha atuando na TV, participando especialmente em séries westerns. Já havia participado de dois episódios da série "Wanted: Dead or Alive", estrelada por Steve McQueen, de quem também era amigo. Jim Coburn atuara ainda como coadjuvante em "O Homem Que Luta Só" (Ride Lonesome), estrelado por Randolph Scott com direção de Budd Boetticher. Há duas versões diferentes quanto ao exato local em que Robert Vaughn encontrou James Coburn. Vaughn sempre disse que achou o amigo num, quarto com uma negra muito bonita e ambos estavam deitados numa cama. Segundo Vaughn o cheiro e a fumaça de marijuana no quarto o deixou meio tonto, mas mesmo assim conseguiu passar o recado para o amigo Jim. James Coburn sempre contou uma versão diferente, dizendo que saía de um supermercado carregando algumas compras quando Robert Vaughn lhe falou sobre o encontro com John Sturges. Muito mais rica em detalhes, a versão de Robert Vaughn parece ser mais autêntica. John Sturges gostou de James Coburn e pediu que ele retornasse com seu agente no dia seguinte, o último antes da greve dos atores começar. Coburn assinou o contrato e recebeu algumas facas de John Sturges que disse a ele para ir treinando com elas pois ele interpretaria 'Britt', correspondente ao personagem Kyuzo, Mestre Espadachim  no filme de Kurosawa.

Robert Relyea
ELENCO COMPLETO - Nove horas após a reunião com Coburn teve início a greve que parou Hollywood, porém o elenco norte-americano de "The Magnificent Seven" já estava completo. Muito importante na seleção dos atores foi a assessoria do jovem Robert Relyea, assistente de direção de John Sturges. Dias antes Vladimir Sokoloff, Robert Wilke, Whit Bissell, Val Avery, Victor French, Joseph Ruskin, Jim Davis e Bing Russell haviam também sido contratados. Antes deles John Sturges havia acertado com Eli Wallach o que será contado no 3.º capítulo de "A SAGA DOS SETE HOMENS".

23 de janeiro de 2012

A SAGA DE "SETE HOMENS " – CAPÍTULO 1.º – COMO YUL BRYNNER ENGANOU ANTHONY QUINN


Um dos mais bem sucedidos faroestes da história do cinema é "Sete Homens e um Destino" (The Magnificent Seven). Realizado há mais de 50 anos o filme dirigido por John Sturges é admiradíssimo pelo público, é também bastante conceituado entre os críticos e é reconhecidamente um dos filmes mais influentes do gênero em todos os tempos. Muitas histórias do Velho Oeste são periodicamente refilmadas, como é o caso do duelo no OK Corral ou a vida dos irmãos James, mas nenhum outro western teve tantas sequências como  "Sete Homens e um Destino", que foi seguido por três continuações. Some-se a essas sequências uma série de TV, as inevitáveis paródias e ainda as oportunísticas referências em histórias com sete homens.

Akira Kurosawa dirigindo seu épico
"Os Sete Samurais"
O CLÁSSICO DE KUROSAWA - Quando algum projeto dá certo logo aparecem os muitos pais da idéia e com "Sete Homens e um Destino" não foi diferente, por isso vale à pena lembrar como foi gerado esse faroeste. Tudo começou no Japão, onde o cineasta japonês  Akira Kurosawa começou a deslumbrar o mundo com uma série de filmes importantes, entre eles "Viver", "Cão Danado", "Hakuchi, o Idiota", "Rashomon", "Trono Manchado de Sangue" e "Os Sete Samurais". Excetuando-se "Viver", o principal ator de todos esses filmes de Kurosawa era Toshiro Mifune. "Os Sete Samurais" tornou-se o mais conhecido e elogiado filme de Kurosawa no Ocidente. Como o filme é bastante longo (207 minutos), foi exibido nos estados Unidos em 1956 numa versão reduzida. Mesmo assim o influente crítico do "The New York Times", Bosley Crowther reputou "Seven Samurais" como obra-prima lembrando que havia nuances muito próximas aos westerns. A história simplificada contava como um grupo de samurais é recrutado para defender uma aldeia pobre que é sistematicamente pilhada por bandidos. Lou Morheim era um escritor e roteirista norte-americano que buscava, sem grande sucesso, um lugar ao sol em Hollywood. Ao ler a crítica de Bosley Crowter focalizando "Os Sete Samurais", Morheim vislumbrou a possibilidade de transpor aquela aventura épica oriental para o Velho Oeste. Morheim procurou então Anthony Quinn, ator mexicano, que por volta de 1958 já tinha dois prêmios Oscar de Ator na sua estante, além de ser genro de Cecil B. DeMille, fato que poderia facilitar bastante o desenvolvimento da idéia. O primeiro passo de Morheim foi obter da Toho Filmes a opção para filmar uma versão de "Os Sete Samurais", pagando aos japoneses a bagatela de 250 dólares. Para desenvolver o roteiro Morheim procurou Walter Bernstein, roteirista que havia sido colocado na lista negra de Hollywood pela HUAC, o famigerado comitê que caçava artistas e escritores suspeitos de simpatia pelo comunismo.

Toshiro Mifune

O PROJETO DE ANTHONY QUINN - Transcrito para o western, o argumento de Bernstein mostrava sete pistoleiros no lugar dos samurais e o líder dos pistoleiros recebeu o nome de Chris Larabee Adams, sendo que Bernstein, a pedido de Morheim criou o personagem para ser interpretado por Anthony Quinn. O ator russo Yul Brynner, famoso pela sua calvície, já havia dirigido alguns teledramas ao vivo para a TV, entre eles "MacBeth" interpretado por John Carradine. Brynner, porém, não possuía nenhuma experiência como diretor de cinema. Seu espaço preferido era o teatro e Brynner já havia subido ao palco 1.246 vezes para interpretar o Rei do Sião na Broadway na peça "O Rei e Eu" (até o final de sua vida Brynner interpretou esse personagem 2.132 vezes no teatro). Quando "O Rei e Eu" virou filme com o próprio Yul Brynner, ele ganharia o Oscar de Melhor Ator em 1956. Bernstein procurou Tony Quinn justamente quando Quinn estava dirigindo Yul Brynner na produção de Cecil B. DeMille intitulada "O Corsário Sem Pátria". Nessa oportunidade Quinn contou a Brynner a respeito do projeto da versão do filme de Kurosawa  e convidou Brynner para dirigir o filme que teria Quinn no papel principal. Haveria então uma curiosa troca de papéis entre Brynner e Quinn, atores virando diretores. A fase de Anthony Quinn era excelente e ele era um dos astros mais requisitados de Hollywood, tanto que depois da experiência dirigindo "O Corsário Sem Pátria" para o sogro, Quinn tinha uma lista enorme de compromissos que tomariam sua agenda nos próximos dois anos. Entre seus próximos filmes estavam três westerns: "Minha Vontade é Lei" (Warlock), "Duelo de Titãs" (Last Train from Gun-Hill) e "Jogadora Infernal" (Heller in Pink Tights). Em seguida Anthony Quinn atuaria em, (Sangue Sobre a Neve), "Retrato em Negro", "Os Canhões de Navarone" e "Barrabás". Com tanto trabalho pela frente Anthony Quinn se descuidou do projeto baseado no filme de Kurosawa, mas o mesmo não aconteceu com Yul Brynner.


Acima Lou Morheim e Walter Bernstein;
abaixo Bosley Crowther e Walter Newman
A GATUNAGEM DE YUL BRYNNER - Percebendo o potencial da versão western de "Os Sete Samurais" e sabedor dos problemas de Walter Bernstein cujo nome estava na lista negra de Hollywood, Yul Brynner pegou o roteiro que Quinn lhe havia dado para ler e repassou para um outro roteirista chamado Walter Newman. Entre os trabalhos de Newman estão a autoria da história de "A Montanha dos Sete Abutres" e roteiros de "O Homem do Braço de Ouro" e "Quem Foi Jesse James?" (The True Story of Jesse James). Walter Newman fez então diversos ajustes no roteiro escrito por Bernstein que era baseado no argumento escrito pelos japoneses Shibonu Hashimoto, Hideo Oguni e Akira Kurosawa. Brynner então marcou um encontro com Os irmãos Mirisch (Walter, Marvin e Harold) e apresentou o projeto como se fosse idéia sua e o roteiro de Walter Newman. A Mirisch Corporation, dos irmãos Mirisch, estava em alta e entre suas recentes produções e grandes sucessos estavam "Quanto Mais Quente Melhor", seguido de "Se Meu Apartamento Falasse", "Amor Sublime Amor" e "Fugindo do Inferno", sempre em parceria com a United Artists. Essa companhia encampou o projeto de Brynner sem pensar duas vezes e logo a imprensa começou a noticiar que Yul Brynner iria atuar em um faroeste baseado em "Os Sete Samurais". Anthony Quinn não conseguia acreditar no que estava acontecendo, ou melhor, na traição da qual foi vítima. O primeiro ímpeto foi rachar a cabeça de Yul Brynner e plantar um pouco de escrúpulos nela. Mas o caminho seguido por Quinn foi mais civilizado e juntamente com Lou Morheim entrou junto com uma ação judicial contra Brynner solicitando uma indenização de 650 mil dólares. Quinn e Morheim acabaram perdendo a ação porque não possuíam nenhuma prova concreta que Brynner havia usurpado o projeto. Quinn e Morheim foram negligentes e não haviam sequer registrado o roteiro na associação dos  escritores (Writers Guild of America - WGA), primeiro passo formal para que um projeto cinematográfico não passe de uma simples idéia. Deveriam ter contratado um testa-de-ferro para o roteiro de Bernstein e proceder ao registro, não o fazendo possibilitaram a Brynner mostrar que a cabeça, mesmo careca, não foi feita só para usar chapéu. Mohreim pelo menos mantinha como trunfo o contrato feito com a Toho Filmes, o que fez com que ele continuasse gravitando em torno do projeto. Quinn e Brynner não mais se encontraram para sorte do esperto ator russo mas se isso tivesse acontecido, certamente haveria um acerto de contas não regado a tequila ou vodka.

Walter Mirisch (acima);
John Sturges e Martin Ritt (centro);
Yul Brynner (abaixo)
DIRETOR: JOHN STURGES - Quando foi exibido nos Estados Unidos em 1956, o filme de Kurosawa recebeu o título de "Seven Samurais", mas houve também uma versão do mesmo filme, possivelmente com outra metragem que ficou conhecida como "The Magnificent Seven". Os irmãos Mirisch e Brynner decidiram que esse seria também o título da versaõ western e mais ainda, nomearam Lou Mohreim como um dos produtores executivos. Yul Brynner posava como o dono da idéia desse projeto mas jamais pensou em dirigi-lo. Pouco atores eram mais narcisistas que Yul Brynner e ele sabia que ficar por trás das câmaras não era uma forma eficiente de aparecer. Por essa razão Brynner se autoescolheu para interpretar o pistoleiro Chris. No contrato feito com os Irmãos Mirisch, Brynner tinha direito a aprovar o elenco e o diretor, passos seguintes da produção. Brynner queria Martin Ritt para dirigir ""The Magnificent Seven" e Ritt coincidentemente havia, em 1958, dirigido tanto Brynner ("A Fúria do Destino") como Anthony Quinn ("A Orquídea Negra"). Brynner não contava porém com o detalhe que a Mirisch Corporation tinha sob contrato um diretor chamado John Sturges, já famoso por ter dirigido alguns dos mais importantes westerns dos anos 50: "A Fera do Forte Bravo" (Escape from Fort Bravo), "Punido pelo Próprio Sangue" (Backlash), "Sem Lei e Sem Alma" (Gunfight at the OK Corral), "Irmão Contra Irmão" (Saddle the Wind), "Duelo na Cidade Fantasma" (The Law and Jake Wade) e "Duelo de Titãs" (The Last Train from Gun-Hill). John Sturges havia dirigido também a obra-prima "Conspiração do Silêncio" (Bad Day at Black Rock) que muitos classificam como faroeste. Impossível qualquer tipo de comparação com o currículo de Martin Ritt que ainda não havia feito um faroeste sequer. Mas o que determinou mesmo a escolha de John Sturges é que o contrato dele com a Mirisch Corporation estipulava o irrisório salário semanal de quatro mil dólares. Uma cláusula porém dizia que ele seria sempre produtor executivo dos filmes com direito a 20% do lucro líquido dos filmes. Faltava agora escolher o elenco para "The Magnificent Seven", assunto que será o próximo capítulo da "SAGA DOS SETE HOMENS".

22 de janeiro de 2012

O TERROR DE TOPEKA (The Topeka Terror) - ALLAN (Rocky) LANE COM LINDA STIRLING


Na sua fase inicial como mocinho da Republic Pictures o ator Allan Lane ainda não usava o apelido 'Rocky'. Essa sua primeira série de faroestes rendeu seis filmes e "O Terror de Topeka" (The Topeka Terror) foi o quarto deles. Esses faroestes foram suficientes para o ator ser escolhido pela republic para ser o novo 'Red Ryder' e posteriormente se tornar Allan 'Rocky' Lane, sem dúvida um dos mais espetaculares mocinhos de todos os tempos.


Allan (Rocky) Lane e Linda Stirling
DISPUTA SUJA PELA POSSE DE TERRA - Patricia Harper foi a autora do argumento e do roteiro (juntamente com Norman S. Hall) de "O Terror de Topeka", localizando a história numa das mais famosas 'landrushs' (corridas por um pedaço de terra) do Velho Oeste, a Corrida de Oklahoma. Em 1889 o Governo norte-americano autorizou que cidadãos oriundos de diversas partes do país conquistassem seu tão sonhado pequeno rincão localizado numa parte dos dois milhões de acres de terras disponíveis. Um território denominado Cherokee Strip, tomado dos índios foi um dos alvos da lendária corrida e William Hardy (Tom London) conseguiu seu pedacinho de terra onde viveria com as filhas June (Linda Stirling) e Midge (Twinkle Watts). Acontece que os escroques Ben Jode (Roy Barcroft) e Clyde Flint (Bud Geary) tinham planos de se apossar da possessão de Hardy e de todas as demais pessoas humildes como ele. Para isso Jode e Flint forjam um livro de escrituras e obrigam o Agente de Terras do Governo Trent Parker (Frank Jaquet) a consumar a fraude. Parker  acumulou dívidas de jogo no valor de seis mil dólares nas roletas viciadas do Saloon Red Dust, de Flint e é forçado a aceitar a troca dos livros de possessões de terras. O que o grupo desonesto não contava é com a presença do Investigador Federal Chad Stevens (Allan Lane) que secretamente chega ao lugarejo para impedir esse tipo de falcatrua. Chad Stevens torna-se amigo e protetor da família Hardy e de um esquisito amigo deles, um advogado tagarela chamado Don Quixote Martindale (Earle Hodgins), a quem Chad apelida de 'Ipso-Facto'. O valente Chad desvenda a trama e captura Jode, Flint e os demais capangas possibilitando uma vida nova e feliz para aqueles que conseguiram as concessões das terras.

Acima os badmen Bud Geary e Roy Barcroft;
abaixo Barcroft com Allan Lane
UM HILÁRIO 'LINCOLN' - Esse argumento já foi usado em centenas de faroestes mas "O Terror de Topeka" tem diversos ingredientes que tornam este western-B muito saboroso de se assistir. A começar pelo ator Earle Hodgins que, na falta de um sidekick para o mocinho Allan Lane, cria uma hilariante figura, a do advogado Martindale, emulando Abraham Lincoln com casaca e cartola. Martindale fala pernosticamente o tempo todo e recheia suas observações com latinismos. Se contrariado ameaça sempre levar o caso à Corte Suprema ou ainda mais além... Martindale enfrenta destemidamente os bandidos mesmo que eles sejam interpretados por badmen como Roy Barcroft, Bud Geary, Fred Graham e ainda um Robert J. Wilke (Bob Wilke) bastante jovem. O mocinho Allan Lane que vinha de espetaculares atuações em seriados, um deles ao lado da Mulher-Tigre Linda Stirling, demonstra em dois sensacionais fistfights que viria a ser o mocinho das melhores brigas dos faroestes nos anos 40 e 50. Numa das lutas no Saloon Red Dust, Lane enfrenta o crupier Fred Graham e mais dois ou três capangas da dupla Roy Barcroft-Bud Geary. E próximo do final é Barcroft quem sofre a força dos punhos de Allan Lane, ainda que Barcroft seja visivelmente dublado na troca de socos pelo sempre pronto para apanhar stuntmen Fred Graham. Uma pena que Linda Stirling tenha presença decorativa em "O Terror de Topeka", justamente ela que se tornaria "A Rainha dos seriados" da Republic Pictures.


Acima Earle Hodgins com Monte Hale
a seu lado; abaixo Twinkle Watts.
CRIADOR E CRIATURAS - Dirigido pelo veterano Howard Bretherton, "O Terror de Topeka" é diversão garantida com todos os clichês do gênero, não faltando sequer a carroça em disparada com o mocinho Allan Lane salvando Tom London e Twinkle Watts da morte certa. Herbert J. Yates, o dono da Republic Pictures é notável pelas apostas erradas que sempre cometeu. A mais famosa dessas apostas foi ao tentar transformar sua namorada (mais tarde se casaram) tcheca Vera Hruba Ralston em estrela. Outra malfadada invenção de Yates foi criar a própria Shirley Temple da Republic, escolhendo para isso uma menina que tinha tanta graça e talento quanto sua amada Vera Ralston. Mas a alegria de ver na tela diversos atores dos pequenos westerns acaba fazendo o espectador esquecer de Twinkle Watts. Entre esses atores estão em "O Terror de Topeka" Tom London, Hank Bell, Bob Wilke, Bud Geary e até mesmo o rosto simpático e sorridente de Monte Hale fazendo figuração, isto enquanto aguardava o momento de se tornar outro mocinho daquela fantástica fábrica de felicidade para a garotada que era a Republic Pictures.

20 de janeiro de 2012

ROBERT MITCHUM DIRIGINDO MARILYN MONROE EM "O RIO DAS ALMAS PERDIDAS"


Robert Mitchum nunca dirigiu um filme, não é mesmo? Oficialmente não, mas foi Mitchum quem dirigiu a maior parte das cenas com Marilyn Monroe em "O Rio das Almas Perdidas", western creditado ao austro-prussiano Otto Preminger. O que levou a isso foi uma incrível sucessão de fatos e encontro de personalidades tão diversas como as de Marilyn, Mitchum e Preminger.

Preminger arrancando
uma grande interpreta-
ção de Sinatra e Kim
Novak observa; abaixo
Otto como ator em
"Inferno 17"
DER GENERAL - Tudo aconteceu após o início das filmagens em 1953, em locações no Banff National Park, em Alberta, no Canadá. O diretor Otto Preminger gostava de se comportar como um verdadeiro general prussiano durante as filmagens e depois do terceiro grito que deu com Marilyn, esta avisou que não conversaria com o diretor. Preminger tinha uma filosofia de trabalho bastante estranha pois ele entendia que deveria tratar os atores da mesma forma que ele trataria Hitler, se isso fosse possível. Informado da decisão de Marilyn, Preminger ligou para Darryl Zanuck, o chefão da 20th Century-Fox exigindo a imediata substituição da estonteante atriz. Zannuck respondeu ao diretor: "Se alguém tiver que sair do filme será você pois Marilyn Monroe significa dinheiro no banco, muito dinheiro. Você que se vire por aí." Preminger ainda estava sob contrato com a Fox e teve que obedecer. A fase não era boa para Preminger e seus últimos filmes não haviam dado boas bilheterias (entre eles "Almas em Pânico" de 1952, com Robert Mitchum e Jean Simmons). Preminger precisava mesmo era de um grande sucesso de bilheteria, assim como fora "Laura", em 1944 e ele sabia que Zanuck estava certo quanto a Marilyn. Preminger ainda procurou reatar relações com a então namorada de Joe Di Maggio, mas esta estava inflexível na sua decisão de não mais falar com aquele homem tão grosseiro. Foi então que Preminger procurou Bob Mitchum e pediu a ele para servir de mediador na comunicação com a temperamental atriz. Robert Mitchum e Otto Preminger já se conheciam e bastante bem pois ator havia trabalhado sob suas ordens em "Alma em Pânico". Preminger nunca mais se esqueceu de Robert Mitchum e jurou que nunca mais trabalharia com ele após o que se passou durante as filmagens desse drama noir da RKO.

A suave beleza de Jean Simmons e o conquistador Howard Hughes;
abaixo Otto Preminger; Jean Simmons e o marido Stewart Granger

Mitchum e Jean Simmons em cena
JEAN SIMMONS, UMA ALMA EM PÂNICO - Otto Preminger, que era contratado da 20th Century-Fox, foi emprestado à RKO a pedido de Howard Hughes que havia adquirido a Radio-Keith-Orpheum Pictures. Hughes era um insaciável conquistador de mulheres, tendo especial predileção pelas morenas. O playboy milionário usava seu poder como dono do estúdio para facilitar seus assédios aumentando sua interminável lista de amantes, entre elas Katharine Hepburn, Jane Russell, Ava Gardner, Faith Domergue, Terry Moore e mais tarde Jean Peters, entre outras. Após ver Jean Simmons em "O Narciso Negro", Hughes logo sonhou em um dia levá-la para a cama. Como Jean Simmons era inglesa e se casou em 1950 com o ator Stewart Granger, esse sonho parecia difícil de acontecer. Porém o obstinado Hughes conseguiu comprar o contrato de Jean Simmons da Rank Organization, cujo dono, J. Arthur Rank 'vendeu' a atriz para a RKO como se ela fosse uma mercadoria. Não precisou de mais de um contato de Jean Simmons com Howard Hughes para que ela o achasse o mais repulsivo dos homens, porém quanto mais Jean o rejeitava mais crescia a obsessão de Hughes. Stewart Granger chegou até a pensar em manda assassinar o milionário, mas optou por processá-lo por assédio, única maneira de conter Hughes. Este então começou a tramar uma cruel vingança contra Jean Simmons. Escalou-a para estrelar "Alma em Pânico" ao lado de Robert Mitchum, que não era nenhum anjo e para dirigir a atriz emprestou da Fox um dos mais sádicos diretores de cinema, justamente Otto Preminger. Hughes orientou Preminger para ele tratar Jean Simmons do mesmo modo que trataria Adolf Hitler, se pudesse. E a crueldade de Preminger parecia não ter fim e Jean Simmons chorava praticamente todos os dias, até que chegou a filmagem da sequência em que Mitchum deveria esbofeteá-la.

Personagens da história dos tapas
em "Alma em Pânico"
VUNCE MORE! VUNCE MORE! - Durante as filmagens Robert Mitchum tornou-se amigo de Jean Simmons e ao dar o tapa no rosto da atriz o fez sem força para não machucá-la. Preminger se aproximou de Mitchum e disse ao ator que a câmara estava fechada no rosto de Jean e que ele deveria fazer a cena parecer real, batendo com toda força no rosto dela. Mitchum repetiu o tapa  e ouviu Preminger gritar: "Mais forte!" Mitchum deu outro tapa e Preminger deu outro grito no seu Inglês prussiano: "Vunce more" (once more/outra vez); outro tapa e outro grito "Vunce more"... "Vunce more". Depois do sexto tapa na infeliz Jean Simmons que estava com o rosto inchado, Preminger gritou novamente "Vunce more". Foi quando Mitchum falou: "Otto, você quer 'vunce more', então tome..." E desferiu uma forte e sonora bofetada no rosto de Preminger. As filmagens foram suspensas e foi quando o diretor afirmou que não continuaria a dirigir o filme com Mitchum no elenco, não retornando ao estúdio. Duas noites depois, Preminger estava em seu apartamento quando apareceram dois homens que o levaram para dar um passeio noturno por Los Angeles. Ninguém sabe exatamente o que se passou, mas na manhã seguinte Preminger estava na RKO para concluir o filme esquecendo-se de Mitchum e das bofetadas.


COMENDO O LANCHE DE NORMA JEANE - Pouco mais de um ano depois a 20th Century-Fox iniciava um projeto especial para Marilyn Monroe, um western filmado no Canadá. Zanuck contratou Robert Mitchum para contracenar com Marilyn. Para dirigir Zanuck escalou seu contratado Otto Preminger. O diretor a princípio se recusou a cumprir esse trabalho mas Zanuck ameaçou processá-lo por quebra de contrato e a contragosto e com muito medo Preminger foi para o Canadá onde se encontrou com Bob Mitchum. O ator lhe esticou a mão e o ressabiado Preminger teve que ouvir o ator lhe dizer: "No hard feelings, Otto?" (Sem ressentimentos, Otto?). Bob Mitchum e Marilyn já se conheciam indiretamente pois Bob chegou mesmo a comer comida preparada por ela. Isso aconteceu quando Mitchum trabalhava na fábrica de aviões Lockheed, antes de ser ator e tinha como colega de trabalho James Dougherty um jovem cuja esposa de 16 anos se chamava Norma Jeane. Dougherty percebeu que muitas vezes  o colega de olhar sonolento não trazia marmita pois as coisas não iam bem entre o colega Bob e a esposa Dorothy. Depois de dividir a marmita algumas vezes com Mitchum, Dougherty passou a pedir a sua esposa Norma Jeane que fizesse sempre um lanche para o amigo de trabalho. No ano seguinte Mitchum conseguiu oportunidade numa série de westerns B estrelada por Hopalong Cassidy e sua situação financeira melhorou, deixando a Lockheed e deixando de comer a bóia feita por Norma Jeanne Dougherty.

MEMORIZANDO DIÁLOGOS PARA MARILYN - Sem saída lá no Canadá, Otto Preminger não teve outro jeito senão recorrer a Robert Mitchum pedindo a ele para que transmitisse tudo que Marilyn deveria fazer nas cenas durante as filmagens. Mitchum nunca teve interesse por Marilyn, sendo ela uma das poucas atrizes com quem Bob não manteve relacionamento mais íntimo, mas se tornaram bons amigos e ele a tratava como se fosse uma irmã mais nova. Possivelmente Robert Mitchum tenha sido o ator com a maior capacidade de memorização que houve no cinema. Mesmo após as noites bebendo e fumando, no dia seguinte logo cedo dava uma rápida olhada no roteiro e dizia todas suas falas. Contracenando com Marilyn ele sabia também todas as falas dela uma vez que Marilyn sempre teve uma dificuldade enorme para decorar diálogos com mais de uma linha. Era Robert Mitchum dirigindo a estrela Marilyn Monroe. E foi assim que Preminger conseguiu chegar até o fim, não de "O Rio das Almas Perdidas" mas de seu contrato com a 20th Century-Fox. Nesse mesmo dia ele abandonou as filmagens, sendo as cenas restantes completadas pelo romeno Jean Negulesco, com quem Marilyn conversava normalmente.

WESTERN DE SUCESSO - "O Rio das Almas Perdidas" foi um dos grandes sucessos de bilheteria de 1954 e certamente o público lotava os cinemas era para ver Marilyn Monroe e não Bob Mitchum, Rory Calhoun ou o menino Tommy Rettig. Marilyn Monroe viria a ter em sua curta carreira outros diretores como o genial Billy Wilder, John Huston, Joshua Logan, Laurence Olivier e George Cukor, mas certamente nenhum deles foi tão amigo da atriz como Bob Mitchum que verdadeiramente a dirigiu no western "O Rio das Almas Perdidas".