UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

30 de julho de 2015

O ÚLTIMO PISTOLEIRO (THE SHOOTIST), O COMOVENTE ADEUS DE JOHN WAYNE


Nenhum outro epitáfio poderia ser mais apropriado a John Wayne que seu código de honra expresso pelo personagem John Bernard Books em “O Último Pistoleiro” (The Shootist): “Ninguém me engana, ninguém me insulta, ninguém bota a mão em mim; não faço essas coisas com outras pessoas e exijo delas o mesmo”. Não só a partir dessa epígrafe, mas e principalmente pelas tristes semelhanças entre o filme de Don Siegel com o final de vida de John Wayne, este seu derradeiro trabalho no cinema se tornou a mais perfeita, sincera e condoída homenagem que um ator poderia receber. E se o western de Siegel é amargo e doloroso, não o é menos admirável ao mostrar o crepúsculo de um tempo que criou homens lendários que o cinema ajudou a mitificar.



James Stewart e John Wayne
A morte do pistoleiro - J.B. Books (John Wayne) chega a Carson City (Nevada) para se consultar com o Dr. Hostetler (James Stewart), médico que há tempos lhe salvara a vida após um tiroteio. Books se queixa de fortíssimas dores na vértebra lombar e após ser examinado o diagnóstico indica que ele tem poucas semanas de vida, seis, se tanto. Muito famoso pelos mais de 30 homens que matou em confrontos, o pistoleiro Books chegou incógnito a Carson City e é orientado pelo médico a se instalar na pensão da viúva Bond Rogers (Lauren Bacall) à espera da morte. Inicialmente Books esconde sua verdadeira identidade, mas logo toda cidade toma conhecimento da sua presença. O jogador Pulford (Hugh O’Brian), o estourado Cobb (Bill McKinney) e o rancheiro Sweeney (Richard Boone) se interessam por desafiar Books, os dois primeiros pela fama que eventualmente irão obter ao matar Books. Já Sweeney tem motivos pessoais pois seu irmão foi uma das vítimas de Books. O pistoleiro adoecido pede ao jovem Gillom (Ron Howard), filho da senhora Rogers, que avise aos três homens que os encontrará, com hora marcada, no Metropolitan Saloon. Inicialmente Books enfrenta e mata Cobb; no instante seguinte é alvejado por Sweeney, a quem também mata; Pulford consegue ferir Books porém tem a mesma sorte dos outros dois desafiantes. Ferido mas vitorioso Books é vítima do bartender do saloon que o alveja mortalmente para, em seguida, com a própria arma de Books, Gillon matar o traiçoeiro bartender.

Crepúsculo de um tempo - “O Matador” (The Gunfighter), 1950, foi o primeiro western a mostrar o lado obscuro e perverso acarretado pela fama de um pistoleiro. Outros filmes foram feitos na esteira desse clássico de Henry King, destacando-se “Gatilho Relâmpago” (The Fastest Gun Alive), de Russell Rouse, de 1956). Nos anos 60 Sam Peckinpah deu forma ao que se convencionou chamar de ‘faroestes crepusculares’, com “Pistoleiros do Entardecer” (Ride the High Country), de 1962, “Meu Ódio Será Sua Herança” (The Wild Bunch), de 1969, e “A Morte não Manda Recado” (The Ballad of Cable Hogue), de 1970. Escrito em 1974 por Glendon Swarthout e lançado em 1975, o livro “The Shootist”, junta esses dois temas ao contar a história do pistoleiro que em seus últimos dias de vida quer apenas morrer em paz porque como o próprio personagem diz “minha morte é assunto que me pertence”. John Wayne, melhor que qualquer outro ator personificou o íntegro, destemido e aparentemente indestrutível homem do Oeste norte-americano. E é Wayne, através de John Bernard Books quem lembra à ex-amante Serepta (Sheree North) que “todos nós temos o nosso próprio tempo”. O Velho Oeste, os pistoleiros e mesmo John Wayne tiveram seu próprio tempo e Don Siegel, poética e brilhantemente, fez esse registro em “O Último Pistoleiro”.

John Wayne à esquerda com Lauren Bacall e à direita com Sheree North.

John Carradine
Abutres humanos - O roteiro divide o filme em oito dias e em cada um deles mais se acentua o drama de J.B. Books, atormentado pela saúde que se esvai. O primeiro vidro de láudano (linimento à base de ópio e álcool) dado pelo dr. Hostetler acabou e, desiludido, Books desiste de repetir outro vidro. Em seus últimos dias o velho homem do oeste é assediado por oportunistas que tentam tirar proveito de sua morte: o jornalista que pretende escrever sobre sua vida acrescentando detalhes inverossímeis; o agente funerário que lhe promete um enterro de primeira mas que quer mesmo é fazer um espetáculo circense com o cadáver  de Books; o barbeiro que não lhe cobra pelo corte de cabelo mas que recolhe os fios cortados do chão sentindo-se tentado a vendê-los após a morte do pistoleiro. Pior que todos é a presença de Serepta, mulher que um dia Books amou e que ressurge em sua vida pedindo-lhe que se case com ela, forma legal da interesseira mulher se apoderar dos direitos sobre suas valiosas memórias. Cobb, Pulford e Sweeney não são menos desprezíveis que essas biltres, com a diferença que o que lhes interessa é a notoriedade de haver matado J.B. Books.

Acima John Wayne com Sheree North e com Harry Morgan;
abaixo Wayne com Rick Lenz e à direita Alfred Dennis.

‘Até um touro morre’ – O destino tornou os últimos dias de J.B. Books mais amenos com seu encontro com a viúva Bond Rogers, com quem o pistoleiro mantém uma platônica amizade. O filho de Bond admira Books de quem recebe em poucos dias de convívio talvez lição de vida maior que a deixada por seu pai falecido há um ano. Uma das magistrais sequências de “O Último Pistoleiro” é quando Gillom Rogers, após matar o bartender, deixa o Metropolitan Saloon: havia entrado um jovem adolescente e quem sai do local do tiroteio é um homem, duro no olhar e no caminhar em direção à sua vida que parece começar ali. Simplesmente primorosas são todas as sequências entre Books e a viúva Rogers, pela delicadeza dos contatos nunca físicos, mas de alma, ela que se compadece daquele homem rude que está cada vez mais próximo da morte. Igualmente magníficos são os diálogos entre Books e o dr. Hostetler, este direto, falando sem rodeios do mal incurável do amigo que veio de longe para lhe procurar. “Você disse para mim que eu era forte como um touro...”, questiona Books, que ouve a resposta seca do clínico: “Até um touro morre”.

John Wayne e James Stewart

Books como John Wayne – Siegel, que sempre primou pela economia de tomadas e diálogos, desenvolve “O Último Pistoleiro” de forma lenta, mas jamais arrastada. O clímax passado dentro do saloon, mesmo com cinco mortes, é rápido e emocionante, com direito a um singular momento dos tempos de Wayne na Monogram, Mascot e Republic, quando Books vê a movimentação de Pulford refletida em um copo no balcão. E num tempo em que Sam Peckinpah levava a extremos a violência com banhos de sangue, Books encontra a morte ao receber dois disparos de grosso calibre, o máximo que Siegel se permitiu para se aproximar da tendência daqueles dias. Contraponto a esse momento são as imagens iniciais em preto e branco com um pseudo J.B. Books sendo mais rápido que adversários em sequências extraídas de “Rio Vermelho” (Red River), “Caminhos Ásperos” (Hondo), “Onde Começa o Inferno” (Rio Bravo) e “El Dorado”. Esse incrível achado, com John Wayne em fases diferentes de sua carreira, reforça inequivocamente a intenção de confundir o fictício John Bernard Books com o real John Wayne.

Nos clips exibidos no início do filme, em preto e e branco, John Wayne aparece
respectivamente nos filmes "Rio Vermelho" (Red River), "Caminhos Ásperos"
(Hondo), ""Onde Começa o Inferno" (Rio Bravo) e "El Dorado".

Ron Howard
Personagem sublime – No livro de Glendon Swarthout o pistoleiro J.B. Books é um homem sem escrúpulos, capaz de atirar, pelas costas, nas nádegas de um desafeto. Grosseiro, sua linguagem é sempre blasfema e poucas frases suas não contém impropérios. John Wayne exigiu que o personagem fosse substancialmente alterado para que sua imagem permanecesse a mesma cultivada nas mais de duas centenas de filmes. Gillom Rogers, o personagem de Ron Howard, é no livro “The Shootist” um jovem a um passo de se tornar fora-da-lei e sua admiração por J.B. Books advém justamente da falta de princípios do pistoleiro. No tiroteio no saloon é Gillom quem atira em Books pelas costas matando-o para saborear a reputação de ter liquidado o célebre pistoleiro. Essa alteração também foi imposta por Wayne que entendeu ser Gillom Rogers um exemplo negativo para os jovens norte-americanos. Paul Newman era a primeira opção para interpretar J.B. Books, que no livro tem 51 anos de idade (o personagem de Wayne tem 58 anos). Com Newman, que certamente não pediria para alterar o texto original, “O Último Pistoleiro” seria um filme diferente. E a diferença é que nem Newman, nem ninguém é John Wayne, e o Duke com seu carisma único criou um dos personagens mais sublimes de todos os westerns. 

A morte de John Wayne.

Lauren Bacall
Bacall fenomenal – Normalmente menosprezado como ator, John Wayne demonstrou inúmeras vezes o quanto os críticos lhe foram injustos. Afinal lhe deram um Oscar com sabor de consolação por uma interpretação menor, um canyon distante de Ethan Edwards (“Rastros de Ódio”/The Searchers) ou de Tom Dunson (“Rio Vermelho”/Red River). Em seu derradeiro trabalho no cinema Wayne tem atuação extraordinária compondo um personagem que enternece e que, assistido após sua morte em 1979, provoca um nó na garganta mesmo àqueles espectadores menos sensíveis. Lauren Bacall em seu segundo filme com John Wayne faz jus ao apelido ‘Bacall Fenomenal’ pois está soberba como a mulher madura que se compadece do pistoleiro. Incrivelmente sincera tira qualquer dúvida quanto a ter sido ótima atriz. Ron Howard excelente como o jovem que se deixa influenciar por Books. James Stewart perfeito como o médico acuado pela atroz revelação a ser feita. Uma falha deste filme de Don Siegel é não ter delineado melhor os três personagens que se defrontam com Books. Hugh O’Brian ainda tem oportunidade de relembrar os tempos de Wyatt Earp usando traje igual, enquanto Richard Boone é um talento dos maiores para fazer pouco mais que uma modesta participação especial. Bill McKinney, morto por Wayne, iguala-se a Robert Duvall, também morto em westerns pelo Duke e por Clint Eastwood. Apesar de pequenas, muito boas as participações de Sheree North, Scatman Crothers e Harry Morgan, enquanto John Carradine com paletó da época, colete e cartola é o mais perfeito agente funerário do cinema.

Lauren Bacall com John Wayne

John Wayne
Despedida do grande cowboy – Em sua bela filmografia, “Estrela de Fogo” (Flaming Star) destacava-se como o melhor dos westerns que Don Siegel havia dirigido, entendendo-se que “O Estranho que Nós amamos” (The Beguiled) não seja exatamente um faroeste. Com “O Último Pistoleiro” Siegel realizou um dos grandes filmes do gênero dos anos 70 e um dos cinco melhores westerns estrelado por John Wayne, excetuadas as obras-primas dirigidas por John Ford. Filmado parcialmente em Carson City, cidade que ainda mantinha prédios da virada do século XIX para o século XX, “O Último Pistoleiro” conta com excelente cinematografia de Bruce Surtees e eficiente mas discreta trilha sonora musical composta por Elmer Bernstein, de quem sempre se espera o mesmo brilho e inspiração da clássica trilha de “Sete Homens e Um Destino” (The Magnificent Seven). “O Último Pistoleiro” foi o adeus triste e melancólico de John Wayne, num western comovente e digno do maior cowboy do cinema que foi John Wayne.

John Wayne e Ron Howard

Bill McKinney e John Wayne (McKinney no espelho).

Richard Boone e John Wayne (Boone no espelho).

Hugh O'Brian e John Wayne (O'Brian no espelho).

John Wayne

A cidade de Carson City como se fosse 1901, já com postes de eletricidade, bonde
com tração animal; na foto à direita Carson City recriada em Burbank.


26 de julho de 2015

O DERRADEIRO, REAL E DOLOROSO EMBATE CINEMATOGRÁFICO DE JOHN WAYNE


Acima o livro 'The Shootist' e seu autor,
Glendon Swarthout; abaixo Paul Newman
e George C. Scott.
“O Último Pistoleiro” (The Shootist) foi um fecho perfeito para a extraordinária carreira de John Wayne. Muitos acreditam mesmo que o roteiro tenha sido feito de encomenda para que o Duke desse adeus ao cinema após mais de 200 filmes, quase a metade deles deles faroestes. Mas a história desse western é bem diferente e teve início com a publicação do livro “The Shootist”, de autoria de Glendon Swarthout. Desde o lançamento do livro, no início de 1975, Hollywood de imediato vislumbrou as enormes possibilidades de realizar um filme e mesmo John Wayne, sem ler o livro, se interessou em adquirir os direitos cinematográficos da obra. Porém a Paramount se antecipou e o autor vendeu ao estúdio o direito de filmar “The Shootist”, impondo uma condição: que seu filho Miles Hood Swarthout fosse o responsável pela adaptação para o cinema, condição aceita pelo estúdio. Miles acabara de se formar e o pai viu naquele contrato a possibilidade de impulsionar a carreira de escritor-roteirista do filho. A Paramount saiu então em busca do ator certo para interpretar o pistoleiro que é vítima de doença fatal. O primeiro nome lembrado foi o de Paul Newman, um dos atores que mais público atraía em meados da década de 70. Newman, porém, apostou em um filme dirigido por Robert Altman, western intitulado “Oeste Selvagem” (Buffalo Bill and the Indians), enorme fracasso de bilheteria apesar dos nomes de Paul Newman e Burt Lancaster no elenco. O segundo nome em pauta foi o de George C. Scott, ator que impressionou o mundo em “Patton – Rebelde ou Herói?”, mas que francamente não levava jeito como cowboy. Só então foi considerado o nome de John Wayne.

Clint Eastwood e Don Siegel
‘Ninguém melhor que John Wayne’ - Havia dois problemas com John Wayne: em 1975 ele já deixara de frequentar a lista dos Top-Ten Money Making Stars, como o vinha fazendo ininterruptamente desde 1949 (exceto 1958) e não era mais uma grande atração de bilheteria; o segundo problema era a saúde de John Wayne que não ia nada bem e era impossível esconder dos jornalistas que em seus últimos filmes ele atuava com a desagradável companhia de um cilindro de oxigênio para compensar sua dificuldade respiratória. Hollywood sempre pensou em primeiro lugar em dinheiro e John Wayne, aos 69 anos de idade, significava altíssimo risco para investimentos em produções por ele estreladas. Mesmo assim e até por falta de outras opções, o Duke foi o escolhido para estrelar “The Shootist”, sendo a palavra final tendo sido dada pelo produtor Dino De Laurentiis que foi taxativo: “Ninguém melhor para um western que John Wayne”. Para dirigir a Paramount contratou Don Siegel, cujo nome foi aprovado por Wayne, menos pelos bons filmes do diretor, mas principalmente pela bem sucedida ligação de Siegel com Clint Eastwood. Wayne e Eastwood se admiravam mutuamente, ainda que John Wayne acreditasse que os filmes de Eastwood tivessem violência em excesso e diálogos onde predominava a linguagem vulgar com o uso de palavras obscenas. Essa imagem de Eastwood foi desfeita por Siegel no primeiro encontro do diretor com John Wayne.

John Wayne
Câncer na próstata - Don Siegel não gostou do roteiro de Miles Hood Swarthout e disse ao produtor executivo Mike Frankovitch que haveria necessidade de algumas alterações e indicou Scott Hale, colaborador constante de Siegel. Após Hale alterar bastante o roteiro sob a orientação de Siegel, chegou a vez de John Wayne, numa reunião com o diretor exigir outras modificações. No livro de Glendon Swarthout, o pistoleiro J.B. Books (personagem de Wayne) sofre de câncer na próstata. O autor havia descoberto que cowboys morriam mais de câncer na próstata do que qualquer outro tipo de doença, incluídas as feitas por balas de revólver, e que isso se devia ao fato de permanecerem por longo tempo sobre a sela montado nos cavalos. Jamais uma história passada no Velho Oeste havia abordado essa questão e ao ler o roteiro John Wayne teve um verdadeiro sobressalto. De forma alguma o Duke poderia conceber que seu personagem sofresse de um câncer na próstata, por mais normal que isso pudesse ser. De nada adiantaram as ponderações do autor, dos roteiristas, da produção e do diretor. O câncer passou da próstata para a espinha.

James Stewart
Outras alterações – Na sequência final de “The Shootist”, J.B. Books atira em um dos oponentes pelas costas, o que também foi alterado por John Wayne que afirmou jamais haver atirado em alguém pelas costas num filme e que nunca o faria. Outra alteração substancial promovida por John Wayne foi quanto ao personagem do jovem Gillon Rogers (Ron Howard) que é quem, no livro, mata John Bernard Books atirando nele pelas costas. Wayne entendeu que isso seria um péssimo exemplo para a juventude norte-americana e toda a parte de Gillon Rogers foi alterada, inclusive sua participação no tiroteio no saloon. Refeito o script com essas mudanças exigidas por Wayne, este aprovou o elenco principal que contaria com velhos conhecidos que com ele contracenaram em outros filmes como James Stewart, Lauren Bacall, John Carradine, Hugh O’Brian, Harry Morgan e Richard Boone, este último amigo do Duke com quem contracenara duas vezes. Bill McKinney entrou no elenco por indicação de Clint Eastwood a seu amigo Don Siegel.

John Wayne
‘O nome do diretor é Mr. Siegel’ - Alguém dissera a John Wayne que Don Siegel era um diretor que ‘aceitava’ sugestões do ator principal e que isso sempre ocorria quando dirigia Clint Eastwood. Clint já era conhecido por intervir o tempo todo na direção dos filmes em que atuava. John Wayne, por sua vez, desde que o diretor não fosse John Ford, orientava praticamente todas as cenas nas quais participava. É bastante conhecida a história de Howard Hawks durante as filmagens de “El Dorado”, quando Wayne lhe perguntou se não estava dando palpites demais e Hawks respondeu: “Duke, você não tem feito outras coisa, o tempo todo, senão dirigir este filme...” No primeiro dia de filmagem em Carson City, Nevada, Wayne palpitou incansavelmente, até que Siegel perdeu a paciência e abruptamente dispensou toda a equipe dizendo que os trabalhos estavam encerrados naquele dia, horas antes do horário previsto. John Wayne entendeu o recado e no dia seguinte, antes de recomeçar as filmagens, pediu a atenção de todos e disse: “Quero que todos saibam que este filme tem apenas um diretor e o nome dele é Mr. Siegel, a quem peço desculpas pelas intromissões em seu trabalho que fiz ontem”. Siegel disse que todas as boas sugestões seriam aceitas, inclusive as de John Wayne. O cristal, no entanto, havia sido inevitavelmente trincado.

John Wayne e Lauren Bacall
A irritação do Duke - John Wayne havia atuado com Lauren Bacall em “Rota Sangrenta” (Blood Alley), em 1955, não tendo nascido desse encontro nenhuma grande amizade. E nem poderia ser de outro modo pois o radical republicano Wayne gostava de discutir política nos sets de filmagem e Bacall, esposa do liberal Humphrey Bogart, repudiava as posições políticas reacionárias do Duke. O reencontro de Wayne com Bacall em “The Shootist” foi frio e em poucos dias os dois mal se falavam. Wayne passou a implicar constantemente com o cinegrafista Bruce Surtees, até que Don Siegel perguntou ao ator se ele havia visto as sequências já filmadas por Surtees. Como Wayne não se interessava por ver cenas rodadas, Siegel o chamou para uma saleta onde projetou algumas das belíssimas tomadas do cinegrafista. Mais uma vez Wayne se rendeu, o que não quer dizer que tenha se comportado com melhores modos durante as filmagens. Até que certa manhã Wayne não apareceu para trabalhar pois teve que ser levado às pressas para um hospital devido a uma infecção no ouvido. Há dias o Duke vinha convivendo com dores lancinantes, insuportáveis mesmo, causa de sua constante irritação. O ator ficou internado por duas semanas, o que o levou quase ao desespero, ele que sempre foi inimigo maior daqueles que, geralmente por ataque de estrelismo, atrasavam as produções. Durante a ausência de Wayne, Don Siegel fez o que pode para não atrasar as filmagens, filmando todas sequências possíveis sem a presença do ator ou utilizando um dublê para ele.

John Wayne
O vício invencível - Situada a mais de 1.400 metros de altitude, Carson City não era o lugar mais indicado para alguém com os problemas respiratórios de John Wayne. Mesmo em sua casa em Newport, ao nível do mar, Wayne encontrava cada vez maior dificuldade para respirar e as semanas passadas em Carson City se converteram em pesadelo para o ator. Wayne era acometido de crises violentas de tosse, tendo chegado a se agachar e sentar no chão desesperado com os acessos. Muitas sequências tiveram que ser interrompidas devido a essas crises nas quais Wayne muitas vezes expelia sangue misturado ao catarro. Temia-se que John Wayne não pudesse terminar o filme e após a internação devido à inflamação do ouvido, foram completadas às pressas as sequências em Nevada. A equipe rumou então para Burbank, na Califórnia, onde nos estúdios da Warner Bros. foi rodado a maior parte do filme. Situada a 185 metros de altitude, acreditava-se que John Wayne reagiria melhor quanto ao problema respiratório, mas isso não aconteceu. Uma das causas óbvias era o cigarro que ele não conseguia abandonar, ainda que o vício tenha sido reduzido para dois ou três maços por dia, a metade do que Wayne fumava em seus tempos saudáveis.

Richard Boone
Homem sem projetos - O organismo do gigante e aparentemente indestrutível John Wayne cobrava os excessos do tabagismo e das incontáveis garrafas de tequila e uísque consumidos ao longo da vida. Richard Boone contou que encontrou um Duke diferente durante as filmagens de “The Shootist”. Mais reservado, falando quase nada, diferente do John Wayne entusiasmado e sempre cheio de projetos de outros tempos. Pareceu a Richard Boone que o amigo sabia que aquele seria seu último trabalho como ator. E não podia ser de outra forma pois ninguém melhor que John Wayne conhecia os inúmeros outros problemas de saúde que tinha, além da inseparável companheira que era a tosse. Havia sido diagnosticada uma insuficiência cardíaca congestiva e problemas circulatórios. Para combater seus males físicos Wayne tomava Digitallis e Digoxina, Allupirol para seu problema de ácido úrico, além do diurético Lasix. O uso desses medicamentos acarretavam a perigosa perda de potássio. Atormentava o ator a necessidade de se levantar muitas vezes à noite para urinar, o que passou a a ocorrer também durante o dia. Por mais que Wayne fosse ao banheiro ficava sempre com a impressão de não ter esvaziado a bexiga, o que, além de tudo, o constrangia terrivelmente.. 

O drama de um pistoleiro - O drama que foi atuar em “The Shootist” chegou ao final no dia 5 de abril de 1976, quando as filmagens foram completadas. A saúde de John Wayne deteriorou-se implacavelmente tendo ele sofrido diversas internações até sucumbir em 11 de junho de 1979 com diagnóstico de câncer no pulmão e no estômago. O que se vê na tela ao assistir “The Shootist” é o drama de um pistoleiro que percebe que sua vida chegou ao fim, personagem interpretado por um ator que sabia que seus próximos anos de vida seriam de dor e de sofrimento. Outros atores passaram por situação parecida, atuando mesmo cientes que tinham seus dias contados, mas nenhum interpretou, como John Wayne, um personagem – John Bernard Books – tão próximo a ele próprio: o último grande pistoleiro.

John Wayne e sua carteira de habilitação com data de vencimento para 1981.

À direita uma das últimas fotos de John Wayne, em 1979, por ocasião da
entrega do Oscar de 1978.

23 de julho de 2015

TOP-TEN WESTERNS DE ARI CRISPINIANO, UM DOS MAIORES FÃS DE ‘O PEQUENO SHERIFF’


A história em quadrinhos ‘O Pequeno Sheriff’ marcou época no Brasil, consumida que era por incontáveis seguidores das aventuras do jovem xerife de Prairie Town, cidade do Velho Oeste norte-americano. Não são poucos os que mantêm a coleção completa das duas primeiras séries (formato 16,5 por 7,5 cm) guardadas a sete chaves, prova inconteste do carinho pelo gibizinho da Editora Vecchi. Há, no entanto, um apaixonado por essa HQ que mais que qualquer outro demonstrou verdadeiro amor pela criação dos italianos Tristano Torelli e Dino Zuffi. Ele é o engenheiro Ari Crispiniano Ferreira dos Santos, apaixonado também pelo cinema e como não poderia deixar de ser pelo gênero western.

Paixão infantil, juvenil e adulta - Soteropolitano de nascimento e vivendo sempre em Salvador, Bahia, Ari teve seu primeiro contato com as aventuras de Kit Hodgkin aos sete anos de idade. Airton, irmão mais nove anos mais velho que o pequeno Ari mostrou a ele, no início dos anos 50, um gibizinho esquisito cujo tamanho era um terço dos gibis clássicos que eram os mais vendidos naquele tempo (Flecha Ligeira, Fantasma, Buffalo Bill, Mandrake, Roy Rogers, Capitão Marvel, Rocky Lane, Super-Homem, Gene Autry, Tarzan, Cavaleiro Negro e outros). Assim como ocorreu com outros meninos, a identificação de Ari com o xerife adolescente de Prairie Town foi imediata e o novo aficionado queria agora ler todos os exemplares anteriores e não perder os próximos. A leitura daquela história em quadrinhos rica em palavras pouco conhecidas pelo menino foi determinante no aperfeiçoamento do processo de leitura e no enriquecimento de seu vocabulário. Ari Crispiniano conseguiu completar toda a coleção de ‘O Pequeno Sheriff’ com as quatro séries lançadas no Brasil, num total de 442 exemplares. Ari lia também os dois outros gibizinhos editados em tiras: ‘Xuxá’ e ‘Júnior’, este a publicação que lançou Tex Willer no Brasil.

Murillo Garrett, Mariza Lizzia e Maurício Kit
Os filhos Kit, Lizzia e Garrett - Para os leitores que desconhecem as histórias em quadrinhos criadas por Torelli-Zuffi, vale lembrar que os personagens principais eram os órfãos de pai e mãe ‘Kit Hodgkin’ e sua irmã ‘Lizzie’ (nome algumas vezes grafado ‘Lizzia’). Completavam o elenco ‘Garrett’, um amigo de Kit e ‘Flozzy’, filha de Garrett e namoradinha de Kit. O amor de Ari pelo ‘O Pequeno Sheriff’ ganharia um aspecto inusitado que merece ser contado. Ari se casou e teve o primeiro filho. Em comum acordo com a esposa Maura o casal decidiu por um nome composto, sendo que que ela colocaria o primeiro nome e Ari o segundo. O primogênito nascido em 1980 se chamou então Maurício Kit. Veio a seguir uma menina que, seguindo o mesmo acordo, recebeu o nome Maria Lizzia. O terceiro filho do casal foi batizado como Murilo Garrett. Houve ainda uma menina que veio a falecer e que já tinha o nome Maria Flozzy escolhido por seus pais. De todos os filhos, 'Kit' foi mais bem aceito e como até hoje é chamado pelos pais e demais familiares o primogênito Maurício. E todos os filhos gostam dos nomes que receberam, especialmente pela grande alegria que esse fato trouxe ao papai Ari.

Última capa do número um de 'O Pequeno
Sheriff' anunciando o brinde: uma estrela de
homem-da-lei; abaixo edição de 'Júnior'.
Ressuscitando Tex Willer - Ari Crispiniano teve participação importante no relançamento de ‘Tex’ no Brasil quando procurou pessoalmente Otacílio d’Assunção Barros, responsável pelas publicações da Editora Vecchi. Nessa ocasião Ari conheceu também Renato Costa, sobrinho da viúva Anália Vecchi, proprietária da editora. Ari emprestou à editora inúmeras edições de ‘Júnior’. Publicada ao mesmo tempo que 'O pequeno Sheriff' e 'Xuxá', 'Júnior' fez sucesso menor queas outras duas séries do mesmo formato. Ari Crispiniano exultou quando foi publicada, em 1977, a edição especial de “Tex’, graças ao material que forneceu ao editor. Mesma sorte, no entanto, não teve seu herói preferido – Kit Hodgkin – que nunca despertou a atenção dos editores para um possível relançamento de ‘O Pequeno Sheriff’. Ari lembra que ‘nossos heróis não envelhecem jamais’ e que Kit Hodgkin estaria atualmente (2015) com 79 anos de idade. Muito mais ‘idoso’, Tex Willer ainda cavalga pelas pradarias das HQs.

Anotações filme a filme - Paralelamente à paixão pelas aventuras de Kit Hodgkin, Ari Crispiniano foi se tornando um cinéfilo, daqueles que (desde criancinha mesmo) fazem anotações sobre os filmes que assiste. Em seu primeiro caderno de anotações consta que no dia 3 de janeiro de 1953, no Cine Excelsior em Salvador, Ari assistiu ao primeiro filme de sua vida que foi “Alice no País das Maravilhas”, produção de Walt Disney. Nos quadros pode ser lido com relato do próprio Ari Cristiano, comentário sobre seu contato inicial com o cinema e como se desenvolveu sua paixão pela 7.ª Arte.
Na foto à esquerda o pequeno Ari Crispiniano nos tempos em que começou a fazer as primeiras anotações sobre os filmes que assistia.



O manual elaborado por Ari Crispiano está prestes a ganhar sua 2.ª edição trazendo entre outros itens interessantes os 100 melhores diálogos do cinema, os 100 maiores heróis, os 100 maiores vilões, as 100 melhores músicas e uma relação, por gênero, dos dez melhores filmes de todos os tempos. Como curiosidade eis os dez melhores filmes de todos os tempos, segundo Ari Crispiniano (visto na foto à esquerda):

1 – Um Corpo que Cai (Vertigo), 1958 - Alfred Hitchcock
2 – Psicose (Psycho), 1960) – Alfred Hitchcock
3 – Testemunha de Acusação (Witness for Prosecution), 1957 - Billy Wilder
4 – Da Terra Nascem os Homens (The Big Country), 1958 – William Wyler
5 – O Sol por Testemunha (Plein Soleil), 1960 – René Clément
6 – Sete Homens e um Destino (The Magnificent Seven), 1960 – John Sturges
7 – Golpe de Mestre (The Sting), 1973 - George Roy Hill
8 – Casablanca (Casablanca), 1942 – Michael Curtiz
9 – Matar ou Morrer (High Noon), 1952 – Fred Zinnemann
10 – Fugindo do Inferno (The Great Escape, 1963 – John Sturges

TOP-TEN WESTERNS

Os leitores deste blog se acostumaram a conhecer as opiniões de diferentes cinéfilos a respeito dos melhores faroestes e Ari Crispiniano gentilmente relacionou seu Top-Ten Westerns para o WESTERCINEMANIA. Eis a lista dos melhores faroestes de todos os tempos na opinião do engenheiro, desenhista, escritor e cinéfilo Ari Crispiniano Ferreira de Souza, com comentários feitos por ele próprio:

1.º) Da Terra Nascem os Homens (The Big Country), 1958 – William Wyler

Charlton Heston
A personagem principal é a terra, os grandes latifundiários do Texas, motivo principal porque este filme de fôlego foi filmado em tela larga no processo Technirama. Faroeste de alto nível dirigido pela mão segura de Wyler, com elenco vigoroso, música excepcional de Jerome Morross e a monumental paisagem dos canyons do Rio Colorado. (Ari Crispiniano)

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2.º)  Sete Homens e um Destino (The Magnificent Seven), 1960 – John Sturges

Yul Brynner e Steve McQueen
Um dos grandes momentos do cinema japonês é quando Kurosawa mostra ao mundo o Japão em 1954 com o roteiro original de “Os Sete Samurais”. Akira tinha feito “Rashomon” e Sturges adaptou para fazer este grande faroeste. Yul Brynner lidera um grupo, que são contratados para protegê-los dos bandidos, de uma aldeia mexicana. Destaque para Brynner e Wallach (líder dos bandidos) e trilha sonora de Elmer Bernstein(Ari Crispiniano)

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3.º)  Matar ou Morrer (High Noon), 1952 – Fred Zinnemann

Gary Cooper

Faroeste antológico, feito em tempo real. 85 minutos, sua duração corresponde ao tempo efetivo em que a ação se desenrola e por conta disso o filme mostra diversos relógios, intensificando o suspense à medida que os ponteiros avançam para o meio-dia. Zinneman mostra um cenário que lembra Prairie Town. Cooper com seus 1,87m lembra a figura de Garrett nas aventuras desenhadas por Zuffi. Kelly, a eterna rainha, traz ao espectador um momento de beleza ao filme. (Ari Crispiniano)

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4.º)  Os Brutos Também Amam (Shane), 1953 – George Stevens

Alan Ladd


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5.º)  Vera Cruz (Vera Cruz), 1954 – Robert Aldrich

Burt Lancaster


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6.º)  No Tempo das Diligências (Stagecoach), 1939 – John Ford

George Bancroft, John Wayne, Thomas Mitchell e Louise Platt


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7.º)  Rastros de Ódio (The Searchers), 1956 – John Ford

John Wayne


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8.º)  A Conquista do Oeste (How the West Was Won), 1962 - Henry Hathaway / George Marshall / John Ford

Gregory Peck


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9.º)  Cimarron (Cimarron), 1960 – Anthony Mann

Robert Preston, Glenn Ford e Maria Schell


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10.º)  O Último Pôr-do-Sol (The Last Sunset), 1961 – Robert Aldrich

Carol Linley e Kirk Douglas


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Menções honrosas: Era Uma Vez no Oeste (C’Era Una Volta Il West), 1968 – Sergio Leone / Três Homens em Conflito (Il Buono, Il Brutto, Il Cattivo), 1966 – Sergio Leone.