UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

13 de dezembro de 2019

O RENEGADO DO FORTE PETTICOAT (THE GUNS OF FORT PETTICOAT) – AUDIE MURPHY E SEU REGIMENTO DE SAIAS


George Marshall
jovem e idoso
Historias reais ou não tendo como pano de fundo a Guerra de Secessão, Cavalaria contra índios, heroísmo de um ou mais soldados ou de todo um regimento e defesa de forte sitiado por índios, isso tudo já havia sido levado à tela incontáveis vezes por Hollywood. Vez ou outra alguma mulher se destacava em uma historia escapando de ser apenas um complemento romântico e até pegando em armas. Nada porém que chegue perto de “O Renegado do Forte Petticoat”, western em que as mulheres é que formam um pequeno e destemido exército defendendo-se numa espécie de ‘Álamo’ feminino. Nem o autor da historia original (C. William Harrison) ou o roteirista (Walter Doninger) demonstraram através de seus trabalhos maior afinidade com o faroeste, daí a surpresa maior desta emocionante e insólita aventura dirigida por George Marshall. Este veterano diretor, que iniciou sua carreira em 1916, passou por diversos gêneros de filmes até que em 1939 chamou a atenção com o hoje clássico “Atire a Primeira Pedra” (Destry Rides Again), mesclando com maestria ação, romance e comédia. A seguir Marshall dirigiu mais alguns faroestes mas nunca se tornou um especialista no gênero. Mesmo assim Marshall foi designado para dirigir um dos segmentos mais difíceis do épico “A Conquista do Oeste” (How the West Was Won), o segmento intitulado ‘A Estrada de Ferro’. George Marshall já havia dirigido Audie Murphy no ótimo “Antro da Perdição”, justamente uma refilmagem de “Atire a Primeira Pedra”, mas foi com “O Renegado do Forte Petticoat” que realizou um dos melhores westerns estrelados por Audie Murphy.


Audie Murphy
O heroico desertor de dois exércitos - Durante a Guerra Civil um Coronel do Exército da União, comandante do Forte Petticoat, ordena o massacre de Sand Creek, no Colorado. O Tenente Frank Hewitt tenta a todo custo evitar a ação de seu comandante mas o extermínio dos Cheyennes acontece. O Tenente Hewitt (Audie Murphy) é texano e, tendo recebido voz de prisão por criticar seu tresloucado superior, deserta do Forte e ruma para Jonesville, sua cidade no Texas, tencionando avisar a população que os Comanches atacarão os brancos após o massacre no Colorado. Nessa cidade texana restam apenas velhos, mulheres e crianças uma vez que os homens estão todos no Exército Confederado. Hewitt é mal recebido porque é considerado traidor por defender o Norte e usar a desprezível farda azul inimiga. Hewitt decide levar as mulheres até uma missão abandonada para evitar que elas sejam vítimas do iminente ataque Comanche. Relutantes elas acabam acompanhando Hewitt que na missão as treina com seus conhecimentos militares ensinando-as a atirar e até mesmo técnicas de combate corpo-a-corpo. Três bandidos ficam sabendo que as mulheres estão na missão e decidem tirar proveito das mesmas considerando-as indefesas. São, no entanto rechaçados por elas, afastam-se e são emboscados pelos comanches, a quem contam que na missão há mulheres e ouro. Os Comanches atacam a missão e bravamente o exército feminino se defende liderado pelo Tenente Hewitt secundado pela Sargento Hannah Lacey. Após uma violenta batalha onde ocorrem muitas baixas entre as mulheres, Hewitt captura o feiticeiro Comanche e isto faz com que os supersticiosos guerreiros índios batam em retirada.

Audie Murphy entre Kathryn Grant
Patricia Tiernan
Mulheres lutando e amando - “O Renegado do Forte Petticoat” é um daqueles filmes que se assiste com prazer do começo ao fim e ainda se lamenta quando termina. Muita ação de excelente qualidade com pequeno show dos stuntmen Charles Horvath, Al Wyatt Sr. e Jack N. Young. Como Evelyn Finley foi creditada no elenco, muito provavelmente ela tenha dublado algumas mulheres em sequências de lutas. Sim, porque as mulheres fazem de tudo neste western, inclusive duas delas (Kathryn Grant e Patricia Tiernan) disputam o amor de Murphy. A historia pode soar inverossímil, assim como o desfecho, quando tudo parecia perdido com os índios cada vez mais ferozes dentro da missão, mas a simpatia irradiada pelo exército de saias minimiza esses aspectos discutíveis.

Hope Emerson e Peggy Maley; Peggy maley e Audie Murphy

Charles Horvath e Willard W. Willingham
Comanches supersticiosos - O roteiro foi bastante feliz ao situar a historia no período da Guerra Civil e colocando o Tenente Hewitt como desertor de ambos os lados. E mais ainda por ser ele um texano e também por a ação se passar numa missão abandonada, certamente uma referência ao Álamo onde houve a heroica e conhecida resistência. Sem nenhum pudor foi ainda inserido na historia o massacre de Sand Creek lembrando a que ponto pode chegar a insanidade de um oficial neurótico, contestado, é certo pelo Tenente Hewitt. Para um western rodado em 1957, quando o revisionismo era ainda incipiente, é bastante louvável esse achado do roteiro. Por outro lado, se os Cheyennes foram dizimados no Colorado, os Comanches no Texas são mostrados como impiedosos e só não ocorreu um segundo massacre no filme, o das mulheres que se encontravam na missão, devido à superstição dos Comanches, o que não deixa de ser uma solução inteligente. Até porque não haveria como a Cavalaria tocar sua corneta e arremeter contra os índios uma vez que havia uma guerra se desenvolvendo e praticamente todos os soldados dela participando.

Foto da missão com Audie Murphy e as defensoras, lembrando o Álamo

Audie Murphy na defesa da missão sitiada
Audie Murphy, astro único entre as mulheres - Este western foi produzido pela associação de Audie Murphy com Harry Joe Brown, o produtor mais conhecido por sua parceria com Randolph Scott. Faroeste quase inteiramente rodado no Arizona, em belíssimas locações, deixa um pouco a desejar quanto à preocupação com a autenticidade, a começar pela farda de Audie Murphy cujo modelo não era ainda usado durante a Guerra de Secessão, bem como alguns fuzis utilizados nas sequências de batalha. Sem falar nos penteados de algumas das ‘soldados’ que jamais poderiam se manter tão bem arrumados naquela situação em que salvar a vida era a prioridade. Mas num filme movimentado e emocionante como este, quem vai se preocupar com esses detalhes, até porque não é uma superprodução e sim um faroeste com orçamento médio e no qual Murphy é a única grande estrela. Das duas ou três dezenas de mulheres que contracenam com o ator nenhuma era estrela capaz de atrair maior público. O mesmo vale para os coadjuvantes masculinos, muito bons por sinal, mas apenas isso. Mesmo assim não se pode dizer que Audie Murphy carrega o filme sozinho porque entre ‘seus homens’, como ele chama o exército de saias estão as ótimas Hope Emerson, Jeanette Nolan e a boa surpresa que é Peggy Maley.

Hope Emerson e Audie Murphy;
abaixo Jeanette Nolan
A gigante ‘Sargento Lacey’ - Confesso que não sou o maior fã de Audie Murphy e isso tem ficado patente nas inúmeras resenhas nas quais não raro lembro das limitações interpretativas do pequeno ator. E Audie possui muitos defensores não só de seus faroestes, alguns de fato muito bons, mas também dele dele como intérprete. Em “O Renegado do Forte Petticoat” Audie se sai esplendidamente, ele que nasceu no Texas assim como o Tenente Frank Hewitt da historia. Audie é discreto como soldado, enérgico como líder das mulheres e tímido o suficiente quando é disputado por duas soldados. Ray Teal, James Griffith e Nestor Paiva, nenhum deles um vilão do porte de Dan Duryea, por exemplo, formam um trio de bandidos assustadores pela frieza e maldade. John Dierkes tem uma pequena participação e Sean McClory não desaponta como o texano covarde. Entre as muitas mulheres deste faroeste o destaque fica, como não poderia deixar de ser para Hope Emerson, a ‘Sergeant Lacey’, ela que do alto dos seus 1,88m impõe respeito e é muito engraçada. A ótima Jeanette Nolan desta vez como uma fanática religiosa que irrita a todos na missão. Kathyn Grayson (esposa de Bing Crosby na vida real) e Jeff Donnell desperdiçam os dois melhores papeis femininos permitindo que Peggy Maley se destaque como a saloon girl de coração de ouro.

Diversão garantida - Distante das tantas historias com os costumeiros enredos, “O Renegado do Forte Petticoat” merecia ser muito melhor lembrado na filmografia de Audie Murphy. E é um ponto alto na carreira do diretor George Marshall, mesmo tendo sido produzido para os saudosos programas duplos dos antigos cinemas de bairro e do interior. Diversão garantida para quem gosta do gênero, mesmo aqueles que não estão entre os maiores fãs de Audie Murphy.

Acima e abaixo dois belíssimos trabalhos de arte para
promover "O Renegado do Forte Petticoat"



11 de dezembro de 2019

QUADRILHAS DOS FAROESTES - O bando de "O Renegado de Forte Petticoat"


A maior parte da ação em “O Renegado do Forte Petticoat” (Guns of Fort Petticoat) se passa dentro de uma missão abandonada onde o Tenente interpretado por Audie Murphy comanda um pequeno regimento formado por... mulheres. Audie e seus homens, digo, mulheres, defendem-se como podem do ataque dos índios mas antes são alvos de uma quadrilha formada por três facínoras que não hesitam em matar para alcançar seus intentos. Eles acreditam que haja ouro escondido na missão, além das mulheres que também os interessam. Mas o trio se dá mal, primeiro com o exército de saias e depois com os índios. Liderados por James Griffith, Ray Teal e Nestor Paiva completam o terceto assassino, todos velhos conhecidos de faroestes e de outros gêneros de filmes.

Ray Teal (1902-1976) é o mais conhecido do bando, não só por ter interpretado por anos a fio o Xerife Roy Coffee, de Virginia City, na série “Bonanza”, mas também pelos muitos grandes filmes que contou com sua participação. Teal fazia com igual facilidade papeis de homem da lei ou de malfeitor. Antes de se tornar ator Ray Teal foi o band-leader de uma orquestra e começou a atuar no cinema em 1937. Em seu início de carreira Teal apareceu também em diversos seriados. Entre os filmes mais importantes em que apareceu merecem destaque “A Montanha dos Sete Abutres”, “O Selvagem”, “Horas de Desespero” e “Julgamento em Nuremberg”. Nos faroestes Ray Teal atuou ao lado de Kirk Douglas em “Embrutecidos pela Violência” e “A Um Passo da Morte”. Com Randolph Scott, Ray Teal atuou em “O Laço do Carrasco”, “Homens que São Feras” e “Entardecer Sangrento”. A última aparição de Teal em um western foi em 1970 em “Chisum, Uma Lenda Americana”, com John Wayne. Na série “Bonanza” Ray Teal participou de 98 episódios, mas praticamente não houve série de TV dos anos 60 que não tenha contado com a participação desse querido ator.

James Griffith (1916-1993) é o cérebro da quadrilha com sua eterna imagem de bandido frio e calculista. Usando uma Deringer, Griffith deixa que os outros dois bandidos usem da violência que ele consuma com a pequena pistola que traz no bolso do elegante casado que usa. Assim como Ray Teal, James Griffith atuou bastante na televisão, isto quando o cinema já não mais lhe oferecia maiores oportunidades. Griffith estreou em filmes no ano de 1948 e se notabilizou pelo tipo assustador que era capaz de compor apenas com o olhar e sua figura esguia. Porém seu tipo físico possibilitou a James Griffith interpretar diversos personagens importantes do Velho Oeste, entre eles Pat Garrett em “O Último Matador”; Doc Holliday em “Ases do Gatilho”; Davy Crockett em “O Homem do Destino”. Griffith foi ainda Abraham Lincoln no western B “Emboscada Apache”, estrelado por Bill Williams. Nem sempre creditado nas muitas pequenas participações, James Griffith jamais escapa dos olhares de espectadores mais atentos em filmes como “O Grande Golpe”, “Spartacus”, “Honra a um Homem Mau” e “Fúria no Alasca”. James Griffith despediu-se do cinema em 1977 no policial “Caçada Alucinante”.

Nestor Paiva (1905-1966) – Ao contrário do que se possa imaginar devido às muitas vezes em que interpretou latinos no cinema, esse ator característico nasceu na Califórnia. Nestor Paiva será sempre lembrado como o brasileiro ‘Lucas’ que comanda o barco ‘Rita’ em “O Monstro da Lagoa Negra”, clássico de ficção-científica rodado em 3.ª Dimensão e que se tornou um Cult. Ainda como ‘Lucas’, Nestor Paiva esteve na continuação “A Revanche do Monstro” e ainda nessa série de sci-fi que a Universal produziu nos anos 50, Paiva foi o xerife da cidade em “Tarântula”. No cinema desde 1937, Nestor Paiva atuou em praticamente todos os gêneros, não escapando nem mesmo uma participação em um filme de Johnny Weissmuller que foi “Tarzan em Terror no Deserto”. Nestor Paiva estava sempre à mão quando se necessitava de alguém para interpretar um tipo étnico e alguns nomes de seus personagens demonstram bastante bem essa sua qualidade: ‘Cardoso’, ‘Don Carlos Montalvo’, ‘Gino’, ‘Manuel’, ‘Martinelli’, ‘Gnocchi’, ‘Marouf’, ‘Lorenzo’ e ‘Tortilla’, este em “O Renegado do Forte Petticoat”, são apenas uma pequena parte deles. Nestor Paiva faleceu vítima de câncer aos 61 anos de idade.



Acima o trio de bandidos planejando uma maldade
e abaixo os três assassinos perseguidos pelos índios.

20 de novembro de 2019

VINGADOR IMPIEDOSO (DALLAS) – GARY COOPER COMO UM VINGADOR NOTURNO


Gary Cooper

John Twist foi um prolífico escritor e roteirista de Hollywood. Prolífico e versátil pois escreveu roteiros originais ou adaptados para todo tipo de filme, merecendo ser lembrados, entre os mais de 50 roteiros que escreveu “Inferno nos Trópicos” e “Mares Violentos” (ambos com John Wayne), “Floresta Maldita” (com Kirk Douglas), “A História do FBI” (com James Stewart), “Os Bravos Morrem Lutando” (com Frank Sinatra), “Ricardo, Coração de Leão” (com Rex Harrison) e “Helena de Tróia” (com Brigitte Bardot). No gênero western John Twist deixou sua marca no excelente “Golpe de Misericórdia” (Colorado Territory), com Joel McCrea. Randolph Scott estrelou dois westerns com roteiros de John Twist: “De Arma em Punho” (The Man Behind the Gun) e “Domador de Motins” (Fort Worth); Robert Ryan foi “O Melhor dos Homens Maus” (Best of the Badmen), outro roteiro de Twist que realizou seu último trabalho nos westerns com “Um Clarim ao Longe” (A Distant Trumpet). Em 1950 John Twist escreveu a história original de “Vingador Impiedoso” (Dallas), produzido pela Warner Bros. com Gary Cooper como protagonista. Foi o primeiro western da gloriosa década de Cooper no gênero em que estrelou nada menos que dez faroestes, alguns deles clássicos como “Vera Cruz” e “O Homem do Oeste” (Man of the West) e a obra-prima “Matar ou Morrer” (High Noon). Ainda que esteja longe desses melhores filmes, “Vingador Impiedoso” não desaponta.


Gary Cooper
Da Geórgia para Dallas - Durante a Guerra Civil o coronel confederado Blayde ‘Reb’ Hollister (Gary Cooper) teve sua fazenda na Geórgia queimada e sua família dizimada pelos três irmãos Marlow. São eles Will (Raymond Massey), o mais velho e líder dos irmãos, Bryant (Steve Cochran) e Cullen (Zon Murray) que se mudaram para Dallas, no Texas. Procurado pela Justiça acusado de ser um rebelde guerrilheiro, ‘Reb’ Hollister chega a Dallas onde urde um plano para adotar o nome de um delegado federal (Martin Weatherby) e vingar-se dos irmãos Marlow que não o conhecem. O verdadeiro Martin Weatherby (Leif Erickson) se torna seu ajudante e, à chegada de Hollister, os irmãos Marlow estão ocupados roubando gado pertencente ao criador mexicano Don Felipe Robles (Antonio Moreno). Descoberta sua identidade, ‘Reb’ Hollister abate um a um os três irmãos e afinal decide se estabelecer em Dallas casando-se com Tonia Robles (Ruth Roman), filha de Don Felipe.

Gary Cooper e Leif Erickson;
Cooper e Reed Hadley
Mocinho envelhecido - “Vingador Impiedoso” é um dos westerns menos comentados de Gary Cooper e mesmo seus maiores fãs não tem este filme em muito alta conta. Este faroeste é bastante movimentado, tem direção quase irrepreensível de Stuart Heisler e trilha sonora inspirada de Max Steiner. O que há de errado então com ele? Por coincidência ‘twist’ em Inglês significa ‘torcer’ e o problema maior de “Vingador Impiedoso” reside justamente nas inúmeras reviravoltas que o roteiro de John Twist impõe à história. Isto sem falar no risível episódio em que Wild Bill Hickok (Reed Hadley) simula ter matado ‘Reb’ Hollister possibilitando a este assumir uma nova identidade. Outro pecado do roteiro é a sucessão interminável de nomes que desfilam na tela gerando alguma dificuldade para o espectador saber quem é quem. O triângulo amoroso formado entre Hollister, Tonia e Martin não funciona muito bem e por culpa exclusiva de Gary Cooper que, aos 49 anos de idade aparenta estar muito mais velho que isso. A coluna do veterano ator já o incomodava visivelmente e se torna difícil acreditar que apenas o charme de Cooper fosse suficiente para ficar com a mexicana interpretada por Ruth Roman. Em filmes seguintes o mesmo viria a acontecer e Grace Kelly, Audrey Hepburn e Sara Montiel não eram as melhores escolhas para formar par romântico com Gary Cooper. Há ainda, outros aspectos que tornam “Vingador Impiedoso” um western imperfeito.

Nonsense no Velho Oeste - Embora a vingança de ‘Reb’ Hollister seja o ponto de partida da história, a maior parte da trama se desenvolve entre em uma disputa por posse de terras entre os Marlows e o mexicano Don Felipe Robles e ainda no triângulo amoroso vivido pelo estranho que chega e toma o lugar e a noiva de Martin Weatherby. Este, enciumado, trai Hollister sonegando a informação do perdão do amigo procurado pela Justiça, documento expedido pelo Governo de Washington. Fica-se sem saber ao certo como Hollister descobriu que foram os Marlows os responsáveis pela destruição de sua família e de sua propriedade. Menos ainda como Hollister e Wild Bill Hickok engendraram a farsa que culmina com a ‘morte’ do coronel confederado, enquanto Hickok opta sumir de Dalla e enveredar pela carreira... teatral. O nonsense prossegue com Hollister vestido como um janota com fraque e cartola.

Slim Talbot como se fosse Gary Cooper
Muito trabalho para Slim Talbot - Assistir a “Vingador Impiedoso” pode ser um belo exercício de como desfazer a magia do cinema, algumas vezes perpetrada pelos dublês. Gary Cooper salta de um balcão de quatro metros de altura e ao melhor estilo dos mocinhos dos westerns B cai sobre seu cavalo; o herói detém cavalos em disparada em uma carroça mais lembrando Yakima Canutt saltando sobre as parelhas como na sempre imitada sequência de “No Tempo das Diligências”; troca socos com bandidos fortes e mais jovem que ele; sai ileso de um incêndio na cadeia onde está preso; no duelo final Cooper atravessa uma vidraça para surpreender o vilão que está escondido. Pena que tudo isso se passe em sequências noturnas e certamente por exigência do astro para que seu dublê oficial (e amigo particular) Slim Talbot possa passar por ele sem ser notada a substituição. O excesso de situações noturnas acaba cansando o espectador e roubando uma das principais características de um western que é justamente a beleza dos cenários.

Slim Talbot em sequências que Gary Cooper já não podia participar

Gary Cooper
A presença de Gary Cooper - Como para muitos um bom western tem que ter ação, se possível de boa qualidade, é aí que o filme de Stuart Heisler se torna satisfatório e agrada ao fã do gênero. Entre as boas sequências está aquela em que o mais violentos dos Marlows (Steve Cochran) acaba pendurado em uma árvore chamando desesperadamente por seus comparsas. Max Steiner foge um pouco de seu estilo retumbante criando nuances musicais belíssimas dignas do grande compositor que ele foi. Gary Cooper se sustenta com a força de sua presença na tela deixando para Raymond Massey as melhores expressões dramáticas. Steve Cochran, quase irreconhecível sob a barba e bigode que seu personagem usa, interpreta o vilão mais violento. Ruth Roman apática pois sabe que está no filme apenas para que haja um interesse romântico que na verdade de interesse tem pouco. Leif Erikson sempre deixa a impressão que deveria ser vilão e Reed Hadley parece querer demonstrar que é maior que seu caricatural personagem. Este é um tipo de western que ficaria ótimo se estrelado, por exemplo, por Rory Calhoun. Mas ainda bem que nos faroestes seguintes Gary Cooper teve melhores histórias e personagens para alegria de sua legião de fãs.

Steve Cochran; Raymond Massey; Leif Erickson

Fotos para publicidade: Gary Cooper com Steve Cochran e Ruth Roman;
Gary Cooper e Ruth Roman


29 de outubro de 2019

QUANDO UM HOMEM É UM HOMEM (McLINTOCK!), ÓTIMO WESTERN-COMÉDIA DO DUKE


Acima James Edward
Grant; Duke e Andrew
V. McLaglen durante
as filmagens de
"Depois do Vendaval"

John Wayne vinha de dois trabalhos sob a direção de John Ford: interpretando o General Sherman em “A Conquista do Oeste” (How the West Was Won) e em “O Aventureiro do Pacífico”. No primeiro, o segmento com Ford-Wayne foi o menor e o menos relevante da superprodução em Cinerama que se tornou imenso sucesso de bilheteria; enquanto o segundo foi um rotundo fracasso de público e crítica. Nesse tempo a Batjac, produtora de Wayne, ainda se recuperava do prejuízo com o épico “O Álamo” (The Alamo) quando o Duke decidiu investir quatro milhões de dólares em um western cômico com tema baseado em “A Megera Domada” de William Shakespeare. A história original e o roteiro foram escritos por James Edward Grant, roteirista preferido de Wayne desde “Iwo-Jima, o Portal da Glória” e “Caminhos Ásperos” (Hondo). O título escolhido foi “McLintock!”, que no Brasil se chamou “Quando um Homem é Homem”. A produção executiva ficou a cargo de Michael Wayne, filho do Duke e o elenco teve ainda Patrick Wayne, também filho de John. Boa parte do grande elenco de apoio reunido foi composto por atores que mantinham amizade de longa data com Wayne e que ele ‘convocava’ como espécie de gratidão. Esse lado humano de John Wayne ficou ainda mais patente quando chamou Yvonne De Carlo para um papel importante, ela cujo marido, o stuntman Robert Morgan, perdera uma perna durante as filmagens de “A Conquista do Oeste”, o que trouxe dificuldades financeiras para o casal. Aissa Wayne, filha caçula de Wayne teve também pequena participação nesta que foi uma produção que pode ser chamada de ‘familiar’. Para dirigi-la, outro amigo de Wayne, Andrew V. McLaglen, que vinha trabalhando em séries para a TV e que pela primeira vez dirigiria uma produção de vulto.


Acima Maureen O'Hara e John Wayne;
abaixo Yvonne De Carlo e Wayne
Homem forte e esposa também forte - A história de J.E. Grant é centrada em George Washington McLintock (John Wayne), um barão de gado proprietário de muitas terras e respeitado por todos não apenas por suas posses, mas também por sua coragem, retidão e lealdade. Chamado de ‘G.W.’ pelos amigos e empregados, McLintock vive separado da esposa Katherine Gilhooley McLintock (Maureen O’Hara) com quem sempre viveu às turras. De surpresa Katherine (Kate) reaparece no Rancho McLintock para tratar do divórcio e para requerer a guarda da filha Rebecca (Stefanie Powers), de 17 anos que concluíra estudos no Leste e também retornara para a fazenda do pai. McLintock acabara de empregar a viúva Louise Warren (Yvonne De Carlo) como cozinheira e seu filho Devlin (Patrick Wayne) como ajudante geral. Ao ver a bela Louise na casa, Kate acredita que seu marido tenha interesse nela, o que não é verdade. Por outro lado, Rebecca (Becky) e Devlin se sentem atraídos mutuamente. O ciúme de Kate e suas atitudes intempestivas, somados aos conselhos do comerciante Birnbaum (Jack Kruschen) amigo de G.W., fazem com que ele termine por domar sua esposa com quem retoma o casamento.

John Wayne
Roteiro sob medida para o Duke - James Edward Grant escreveu esta história sob medida para John Wayne e Maureen O’Hara com personagens que em muito lembram aqueles que criaram inesquecivelmente em “Depois do Vendaval”. Grant adicionou ainda uma segunda trama amorosa para que Patrick Wayne pudesse ter uma presença expressiva nesta comédia, isto claramente a pedido de Wayne que tentava impulsionar a carreira de ator do filho Pat. Grant se esmerou para agradar Wayne e o que não falta no roteiro são discursos de G.W. McLintock enaltecendo seu país, falando do capitalismo, das relações patrão-empregados, condenando políticos e estudantes universitários e até se aceitando como ‘reacionário’. Os índios (Comanches) são mostrados como vítimas da política do governo que desrespeita seus direitos e têm assim justificado até mesmo um ataque armado contra o poder instituído e defendido pela Cavalaria. Em nenhum outro western John Wayne pode externar sua filosofia de vida e mesmo sendo um tanto quanto longo e excessivamente discursivo, “Quando um Homem é Homem” é agradável de se assistir porque mescla momentos engraçados com algumas brigas muito boas, e o espectador nunca é tomado pelo tédio durante os 127 minutos deste faroeste.

John Wayne na lama
Enlameados até os ossos - Aproximando-se dos clássicos do pastelão em uma de suas mais elaboradas sequências cômicas, a da luta na lama, quando quase todo o elenco rola uma ribanceira caindo num depósito de lama resultante da extração de minério. Esse episódio se torna ainda mais engraçado quando se sabe o que passou durante as filmagens: os stuntmen queriam ganhar por queda na lama, como se isso fosse altamente arriscado, algo parecido com as perigosas quedas de cavalos que são pagas a cada queda. Irritado com o ‘profissionalismo’ dos dublês, Wayne decidiu ele próprio derrapar pelos seis metros de lama que levavam ao fundo do ‘lago lamacento’ e convenceu Maureen O’Hara a fazê-lo também. Depois deles Strother Martin, Jack Kruschen, Leo Gordon, Gordon Douglas e outros atores chafurdaram na lama resultando num momento impagável do filme. No entanto esse não foi o clímax da aventura, que teve lugar durante a comemoração do ‘4th July’, abrindo espaço para corridas, rodeios e outras provas, mas nada que se compare a sequência final com McLintock perseguindo Kate para mostrar a ela que quando ‘levantar a voz não resolve, a solução é levantar (e descer) o braço’ na recalcitrante e irascível esposa.

A queda de Maureen O'Hara; John Wayne e Maureen O'Hara

Maureen O'Hara;
Yvonne De Carlo e Chuck Roberson
A ciumenta Kate - Se essas sequências resultaram ótimas, menos engraçada é o momento em que os embriagados G.W. e a senhora Warren (Yvonne De Carlo) rolam várias vezes uma escada abaixo sob os olhares de Kate. J.E. Grant não se fez de rogado e perpetrou na história diversas alusões a outros filmes de Wayne, como quando Jerry Van Dyke interpreta um janota que lembra Ken Curtis de “Rastros de Ódio” (The Searchers), cantando e dançando. O janota de Van Dyke não luta contra Patrick Wayne, deixando essa tarefa para Edward Faulkner que leva uma surra de Pat. Um achado do roteiro de Grant foi fazer com que a viúva Warren fique noiva do xerife Lord (Chuck Roberson), arrefecendo assim o ciúme de Kate. Uma pena porque quanto mais ciumenta, mais Maureen torna sua Kate divertida. Muitos são os personagens e cada um deles têm oportunidade de se mostrar engraçado, uns mais, outros menos. Hank Worden, Edgar Buchanan, Chill Wills, Jack Kruschen, Strother Martin, Jerry Van Dyke e até Mari Blanchard e o chinês H.W. Gim fazem graça. Rosto conhecido de muitos westerns de John Ford, o nativo John Stanley consegue falar mais que em todos os muitos filmes dos quais participou, ainda que repetindo sempre duas frases: “Grande festa, McLintock!” e “Onde está o uísque?”

Jerry Van Dyke e Stefanie Powers; Stefanie e Pat Wayne

Maureen O'Hara
Western sem foras-da-lei - Um filme com John Wayne em estado de graça e ainda em boa forma (antes da cirurgia para retirada de um pulmão), com mulheres bonitas como Maureen, Yvonne, Stefanie e Mari Blanchard, atores coadjuvantes transbordando simpatia e situações engraçadas, além de muita troca de sopapos só pode resultar interessante. Curiosamente não há bandidos neste faroeste, isto se considerarmos que os vilões (políticos) não carregam armas, usando a caneta para perpetrar suas vilezas. E “Quando um Homem é Homem” vale mesmo pela reunião de Maureen com o Duke, ela engraçadíssima e bem à vontade como mulher forte que afinal sucumbe a um homem de temperamento ainda mais forte que ela.

Maureen O'Hara

Maureen O'Hara, Andrew V. McLaglen
e John Wayne
A boa fase de McLaglen - Filmado em diversas locações no Arizona, a bonita fotografia é de William B. Clothier, constante na filmografia de Wayne e a música de De Vol não é das mais inspiradas. Quatro canções fazem parte da trilha, todas de autoria de Bill Dunham, nenhuma delas memorável. Wayne chamava o diretor pelo estranho apelido de ‘Andy McSandy’ e quando McLaglen adoeceu por uns dias John Ford apareceu nas locações e dirigiu algumas sequências. O crédito, no entanto, de “Quando um Homem é Homem” ter sido um dos filmes mais queridos de John Wayne é todo de Andrew McLaglen que em seguida dirigiria “Shenandoah”. Quando alguém dizia que “Shenandoah” parecia ser um filme de John Ford, McLaglen exultava de alegria em seus 2,01m de altura, o que fazia o Duke erguer os olhos para falar com ele.

Andrew V. McLaglen e John Wayne

Último filme de Mari Blanchard - John Wayne é sempre John Wayne, mas ao lado de Maureen O’Hara (e dos filhos) o Duke fica ainda melhor. Maureen está hilariante enquanto Yvonne De Carlo não é páreo para a irlandesa. Yvonne se revelaria boa comediante três anos mais tarde na série clássica “Os Monstros” como ‘Lily Munster’. Aos 21 anos de idade Stefanie Powers está à vontade em meio a tantos veteranos, entre eles Strother Martin, Chill Wills, Hank Worden, Jack Kruschen, Edgar Buchanan, Leo Gordon, Michael Pate, Bob Steele, Gordon Jones, Robert Lowery e outros. Uma pena que não foi expandida a parte de Mari Blanchard (na foto ao lado), lindíssima aos 40 anos de idade, e em seu último filme, ela que viria a falecer de câncer aos 47 anos.

Yvonne De Carlo; Mari Blanchard

John Wayne
Western longo mas com muitas risadas - Este filme chegou a ser exibido na TV com 90 minutos, inteiramente mutilado, coisas que aconteciam para fazer os faroestes ‘caber’ nas sessões verpertinas. Assim como “Fúria no Alasca” (North to Alaska) que tem 122 minutos, a metragem de “Quando um Homem é Homem” pode parecer um tanto longa demais, mas a exemplo do western de Henry Hathaway, as gargalhadas são tantas que nem se percebe isso. O site IMDb informa que o orçamento de “Quando um Homem é Homem” foi de dois milhões de dólares, mas biografias de John Wayne (mais críveis) falam em quatro milhões de dólares saídos do bolso do Duke. As bilheterias faturaram dez milhões de dólares o que fez deste faroeste um dos mais rentáveis entre os produzidos pela Batjac.

Maureen O'Hara, John Wayne e Yvonne De Carlo

2 de outubro de 2019

HERANÇA SAGRADA (TAZA, SON OF COCHISE) – WESTERN DE DOUGLAS SIRK


Douglas Sirk;
o autêntico Taza

Seguindo a invectiva proferida pelo General Philip Sheridan que dizia que ‘o único índio bom é um índio morto’, Hollywood em raras ocasiões tratou o índio com dignidade. Pior ainda se eles fossem Apaches. E justamente o chefe Apache Cochise é quem foi mostrado em muitos filmes como índio bom (e ainda vivo) aceitando os termos impostos pelos homens brancos. Quando se fala em Cochise vem logo à mente a figura épica de Jeff Chandler que o havia interpretado em “Flechas de Fogo” (Broken Arrow), de 1950 e em “O Levante dos Apaches/A Revolta dos Apaches” (The Battle at Apache Pass), de 1952. Chandler encarnaria Cochise ainda mais uma vez, embora em uma quase ponta, no western “Herança Sagrada” dirigido por Douglas Sirk. Reverenciado como um dos grandes diretores de melodrama do cinema norte-americano dos anos 50, o alemão Douglas Sirk dirigiu um único faroeste que foi justamente “Herança Sagrada” que ele próprio considerava seu melhor filme. A Universal Pictures tinha sob contrato o jovem Rock Hudson e vinha apostando todas suas fichas para transformá-lo em astro escalando-o em westerns, comédias e capa-e-espadas. Mas foi pelas mãos de Douglas Sirk, que dirigiu Rock Hudson em nada menos que em oito filmes em cinco anos, que o ator atingiu a condição de astro, sendo inclusive requisitado por George Stevens para compor par romântico com Elizabeth Taylor na superprodução “Assim Caminha a Humanidade”. Hudson avisou o estúdio que esta seria a última vez que interpretaria um nativo, o que já havia feito em “Winchester 73” e que não condizia com o status que começava a adquirir em sua carreira.



Rock Hudson, Rex Reason e
Jeff Chandler; 
Rock Hudson
Apache pacifista - Cochise (Jeff Chandler) antes de falecer passa a condição de chefe a seu filho Taza e o incumbe de prosseguir nas tratativas de paz feitas com Washington através do General Crook (Robert Burton). Quem não aceita a escolha de Cochise é Naiche (Rex Reason), também seu filho, que entende que os Apaches devem seguir as ordens de Gerônimo (Ian MacDonald) outro chefe Apache descontente com a vida na Reserva de San Carlos. Privados das terras de seus ancestrais ao aceitar o tratado imposto pelos políticos de Washington que os confina em local árido, os Apaches liderados por Gerônimo promovem ataques aos homens brancos e à Cavalaria. Taza não transige em obedecer à promessa feita a seu pai pois confia nos ‘túnicas azuis’, especialmente no Capitão Burnett (Gregg Palmer), comandante da Reserva de San Carlos. Burnett faz de Taza o líder de uma milícia armada formada por Apaches e incumbida de manter a ordem na Reserva. Naiche une-se a Gerônimo e atacam uma unidade da Cavalaria emboscando o Capitão Burnett e o General Crook. Quando estes pareciam prestes a ser exterminados, Taza e seus liderados defendem as tropas e dominam os Apaches comandados por Gerônimo e Naiche. Este morre em combate, Taza restabelece a aliança ameaçada mas decide abdicar do posto que lhe foi conferido, despindo a farda que vinha usando e preferindo voltar a ser somente um Apache.

Gregg Palmer, Robert Burton e
Rock Hudson, este também abaixo
Discurso conformista - A Universal cortou sequências filmadas de “Herança Sagrada” que mostravam Taza já casado com Oona (Barbara Rush) e sendo pai de uma criança, o que certamente possibilitaria uma continuação da história em outro filme, e, segundo o ideário vigente em Hollywood, com Taza recomendando a seu filho a que fosse, como ele, um defensor da paz com os homens brancos. Sem essas sequências este faroeste de Douglas Sirk ficou com a duração de apenas 79 minutos, quase a metragem de um western B. Mas mesmo tão curto, o diretor alemão realizou um belo filme, independentemente da intenção de ser historicamente evasivo na questão do quanto os Apaches perderam com o Tratado de Paz assinado pelo guerreiro Cochise. E ainda refazendo a História como quando Taza tenta convencer a um guerreiro e pergunta a ele: “Você não cansou de lutar e fugir dos soldados, de roubar e matar, de sentir fome e frio?” E Taza conclui dizendo: “Na Reserva você terá cobertores quentes e alimentos”. Esse discurso conformista e distante da realidade reflete o posicionamento do filho de Cochise neste roteiro que isenta de qualquer responsabilidade a política do homem branco com sua mão armada, a Cavalaria. Tal fato, por si só poderia comprometer o western o que não acontece porque quando um filme é bom ele supera até mesmo inconsistências desse tipo. E assim como John Ford já havia feito em “Sangue de Heróis” (Fort Apache), o índio é mostrado de forma simpática, tanto que Taza luta contra seus irmãos de sangue para honrar o tratado que significaria o início do maior genocídio que a Humanidade conheceu. Ou seja, Taza subverte a frase de Sheridan e passa a ser índio bom (e vivo) porque endossa as ações do homem branco.

Rock Hudson

Rex Reason
Lanças e flechas atirados no público - Rodado em 1953 para ser lançado no processo 3.ª Dimensão, “Herança Sagrada” só chegou aos cinemas em 1954 quando a 3D já estava ultrapassada, dando lugar a outro processo, o Cinemascope, que visava defender o cinema do inimigo chamado Televisão. E o que não falta neste western são lanças, flechas e pedras sendo lançados em direção à câmera para assustar o espectador, efeitos típicos do 3D. Porém, se algo tivesse que assustar o público seria a violência de algumas sequências, violência inusitada naqueles tempos. Uma mulher branca sendo alvejada em pleno peito por uma flecha Apache é cena de raro e chocante realismo. Há ainda o assassinato frio e traiçoeiro dos traficantes de armas, igualmente brutal. As sequências de combate são excelentes, valorizadas pelo trabalho dos dublês e este faroeste é muito bonito porque praticamente todo rodado em locações em diversas regiões de Utah. A batalha final foi filmada no Jardim do Diabo, no Parque Nacional de Arches, em Utah e o cinegrafista Russell Metty foi o responsável pelas belas tomadas de “Herança Sagrada”.

Barbara Rush e Morris Ankrum
Costume Apache - Quase uma imposição hollywoodiana em westerns, temos também a presença de uma linda mulher para gerar romance na história. Ela é Barbara Rush interpretando Oona, filha de Grey Eagle (Morris Ankrum), um inimigo de Taza. Grey Eagle quer que sua filha se case com Naiche que, assim como ele, não aceita a paz oferecida por Washington e menos ainda viver na reserva. Ao lado de Gerônimo são eles os vilões de “Herança Sagrada” e é Naiche quem disputa Oona com o irmão. A subtrama amorosa um tanto frágil não rouba o interesse da história bem conduzida por Douglas Sirk e aproveita para mostrar um costume Apache que é o  de ter o pai da jovem pretendida a prerrogativa de ceder sua mão a quem lhe der os melhores presentes, ignorando a vontade da filha.

Barbara Rush e Rock Hudson; Barbara Rush

Rock Hudson
Índios brancos - Em alguns momentos são mostrados na tela índios de verdade e o contraste com os atores principais é visível. Mais que isso, quase cômico. Passam razoavelmente por índios apenas Morris Ankrum e Eugene Iglesias, este portorriquenho de nascimento. E claro, Jeff Chandler, novaiorquino filho de judeus com um tipo físico invulgar e fisionomia que lhe permitia interpretar variados tipos étnicos, entre eles índios. Mas o cinema norte-americano não tinha esses pudores e o público aceitava bem ver Rock Hudson e Barbara Rush (e uma legião de outros atores e atrizes) com a pele escurecida por cremes. Afora ser um ‘índio forçado’, Rock Hudson tem bom desempenho, mesmo deixando perceber um certo incômodo por mais uma vez passar por nativo. Não demoraria muito para Hudson comprovar que era bom ator saindo-se bem em dramas e em comédias.

O Pôster indicando 3.ª Dimensão
Único western de Douglas Sirk - Uma pena que Douglas Sirk não tenha realizado mais westerns porque certamente o gênero é quem ganharia, a exemplo de Delbert Mann, outro cineasta que incursionou pelo melodrama mas sem o êxito do alemão. A Universal, estúdio no qual Sirk trabalhou bastante, foi um dos que mais faroestes médios produziu com Audie Murphy como seu principal astro no gênero. Douglas Sirk certamente teria feito westerns próximos aos de Budd Boetticher quanto à densidade psicológica e à ação de boa qualidade como a demonstrada em “Herança Sagrada”. Acontece que Randolph Scott andava bastante ocupado...


Jeff Chandler e Rock Hudson; Barbara Burck;
Barbara Rush e Rock Hudson ladeando o cinegrafista Russell Metty