UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

30 de outubro de 2012

DALE EVANS, A RAINHA DO OESTE – CENTENÁRIO DE NASCIMENTO


Não foi difícil para Dale Evans receber os apelidos de Rainha do Oeste (Queen of the West) e Rainha das Cowgirls (Queen of the Cowgirls). Dale cantava, dançava, compunha, montava e para completar a realeza, era casada com Roy Rogers. O casal foi, durante várias décadas, a maior referência da cultura country do país e mesmo passados mais de dez anos de suas mortes continuam sendo idolatrados pelos fãs. Roy e Dale foram casados por 51 anos e eram o melhor exemplo de felicidade e amor entre pessoas famosas, o que é pouco comum no mundo do cinema. Mas antes de se encontrar com Roy, a vida de Dale Evans não foi tão colorida quanto eram suas roupas e as do Rei dos Cowboys.

Acima Dale Evans em um de seus primeiros filmes;
abaixo com Don Ameche e o boneco McCarthy
com o ventríloquo Edgar Bergen atrás.
Três casamentos em sete anos -  Dale Evans nasceu em 31 de outubro de 1912 na cidade de Uvalde, no Texas, com o nome Lucille Madeira Smith. Ainda pequena seu nome foi mudado para Frances Octavia Smith. A infância de Frances foi bastante pobre e com muitas mudanças de residências. Aos nove anos, quando morava no Arkansas Frances fez sua primeira apresentação como cantora numa rádio local. Aos 15 anos Frances já estava casada com Thomas Frederick Fox, grávida naturalmente. Dois anos depois, em 1929, divorciou-se do marido e se casou novamente nesse mesmo ano com Wayne August Johns, com quem viveu até 1935. Durante esse casamento Frances se mudou para Memphis, Tennessee, onde trabalhou numa empresa de seguros e onde cantava nas rádios de Memphis. Divorciada do segundo marido, Frances retornou ao Texas, passando a morar em Dallas, onde se casou pela terceira vez, em 1935, com Robert Butts Dale, músico e arranjador que deu maior impulso à carreira artística da esposa. A primeira providência foi a mudança de nome para Dale Evans e a segunda uma mudança para Chicago, onde Dale passou a cantar com big bands de jazz As apresentações da jovem cantora chamaram a atenção dos agentes e em 1942 Dale Evans conseguiu um contrato com a 20th Century-Fox onde não foi bem aproveitada, tendo participado da comédia “Girl Trouble”, estrelada pelo galã do estúdio Don Ameche. A garota do título não era ela e sim a linda Joan Bennett. Um dos programas de maior sucesso do rádio nos anos 40 era o do ventríloquo Edgar Bergen (pai da atriz Candice Bergen) e durante algum tempo Dale Evans participou do programa de rádio de Bergen, o que permitiu que seu nome se tornasse mais conhecido. 

Dale Evans em foto do filme "Quando a Mulher se Atreve", estrelado por John Wayne.


Mary Lee, Roy Rogers e Dale Evans.
Faroeste com John Wayne - Sem maiores chances na Fox, Dale Evans assinou contrato com a pequena Republic Pictures estúdio que fazia outros tipos de filmes, além dos famosos pequenos faroestes. No seu primeiro ano na Republic, Dale atuou em cinco comédias, até que teve a oportunidade de contracenar com o maior astro do estúdio, John Wayne, no western-comédia “Quando a Mulher se Atreve” (In Old Oklahoma), em que a atriz principal era Martha Scott. No filme seguinte, em 1944, Dale foi escalada para um filme com o segundo maior astro da Republic, Roy Rogers, já conhecido como ‘O Rei dos Cowboys’. Era apenas mais um faroeste da série que Roy Rogers filmava em não mais que cinco dias cada um. O título do filme era “Cowboy and the Señorita”, exibido no Brasil como “Pulseira Misteriosa”. Mesmo interpretando a ‘señorita’ do filme, nos créditos o nome de Dale Evans vinha depois do nome de Mary Lee, atriz em quem a Republic apostava para virar estrela.

Roy Rogers e Mary Hart (Lynne Roberts).
O Cowboy e a Senhora Evans - Roy Rogers era ‘O Rei dos Cowboys’ e Dale Evans nem senhorita era pois continuava casada com Robert Butts Dale. Seguiram-se outros faroestes com Roy Rogers, agora tendo sempre a companhia de Dale Evans como sua mocinha. Quando Roy passou à condição de mocinho na Republic, o estúdio tentou fazer de Lynne Roberts, a sua leading-lady, mudando o nome da atriz para Mary Hart para combinar os nomes Rogers-Hart. A dupla ‘Rogers-Hart’ da Republic estrelou sete faroestes seguidos [leia neste blog a postagem “O Gênio que Separou Dale Evans de Roy Rogers"]. Depois de Lynne Roberts, Roy Rogers teve como mocinhas em seus filmes muitas atrizes, entre elas Penny Edwards, Joan Woodbury, Helen Talbot, Adrian Booth, Carol Hughes, Jacqueline Wells, Sheyla Ryan, Ruth Terry e até mesmo uma chamada Doris Day, homônima da maravilhosa cantora e atriz de “Ardida como Pimenta” (Calamity Jane). Depois de “Pulseira Misteriosa” veio “Rosa do Texas” (Yellow Rose of Texas) e tanto Herbert J. Yates, o dono da Republic Pictures, quanto os fãs de Roy Rogers perceberam que Dale era a mocinha ideal para Roy Rogers. E ‘O Rei dos Cowboys’ também percebeu isso.

O casamento do ano de 1947 em Hollywood.
O casamento do ano - A atração mútua foi inevitável e nos momentos de descanso entre as filmagens em Iverson Ranch, Roy e Dale se tornaram grandes amigos. Roy havia se casado duas vezes e com Arlene, sua segunda e então esposa, tinha os filhos Linda e Roy Rogers Jr. (Dusty), além de Cheryl que era adotiva. A Republic escondia como podia o filho de Dale (Thomas F. Fox Jr.) um rapagão de 17 anos , dizendo que ele era irmão da atriz, isto para não envelhecê-la diante dos fãs. Dois fatos importantes ocorreram nas vidas de Roy e Dale em 1946: a esposa de Roy faleceu, deixando-o viúvo com três filhos; Dale divorciou-se do marido, de quem estava há tempos separada. Aproximaram-se inevitavelmente e 13 meses depois da morte da esposa, Roy e Dale se casaram numa cerimônia que foi o evento mais importante do ano na comunidade cinematográfica. Por ocasião da cerimônia Roy Rogers fez questão de apresentar Tommy, o filho de Dale, ao público, dizendo que agora ele era também filho dele. Roy Rogers não era somente o mais rentável mocinho da Republic, mas ficou, em 1946, entre os dez astros de maior bilheteria nos Estados Unidos, ao lado de Bing Crosby, Ingrid Bergman, Gary Cooper, Bob Hope, Humphrey Bogart, Betty gable e outros. Detalhe: John Wayne não estava na lista, o que fazia de Roy Rogers o maior nome da Republic Pictures.

Acima Roy com Jane Frazee.
Separação nas telas - Antes de se casarem Roy e Dale haviam feito 15 faroestes juntos, com crescente sucesso. Foi então que Herbert J. Yates entendeu que, casados de verdade, Roy-Dale não seriam bem aceitos pelo público que preferia ver o mocinho ao lado de outras atrizes e não da esposa. Yates escalou Jane Frazee cinco vezes para ser a mocinha de Roy, além de Adele Mara, Gail Davis e até Lynne Roberts. Mas depois das toneladas de cartas que não paravam de chegar ao estúdio protestando contra o afastamento de Roy e Dale nos filmes, eles voltaram em 1949 em “Mistério do Lago” (Susanna Pass). O estrondoso sucesso de bilheteria não deixou nenhuma dúvida mais na cabeça dura de Yates e Roy e Dale voltaram a compor o mais famoso casal dos faroestes. Quando Dale engravidou, em 1950, ela foi substituída por Penny Edwards. Dale Evans foi a mocinha nos dois últimos filmes que Roy Rogers filmou para a Republic Pictures, antes de ambos se aventurarem com enorme sucesso na nova mídia chamada televisão.

O best-seller escrito por Dale Evans e outros livros
que ela escreveu.
Dale e sua preocupação com as crianças deficientes - A filha de Dale e Roy, chamada Robin Elizabeth, nasceu com Síndrome de Down e veio a falecer antes de completar dois anos. Mais tarde o casal adotou quatro outras crianças, as meninas Mimi, Dodie, Sandy e Debbie, sendo que duas delas faleceram ainda pequenas. Essa sucessão de tragédias aproximou Dale e Roy da religiosidade e inspirou Dale a escrever livros e a compor canções também. Entre as mais de 200 músicas compostas por Dale Evans, uma se tornou imortal e foi “Happy Trails (to you until we meet again)”. Essa bela canção que é um hino à espiritualidade acabou sendo utilizada como tema da série de TV produzida e estrelada por Roy Rogers, sendo conhecida e muito executada até hoje, não havendo quem não a conheça. “Angel Unaware”, um dos livros escritos por Dale Evans tornou-se best-seller. Dale Evans é uma dessas pessoas que ao invés de se abater com tragédias pessoais, faz delas uma razão para crescer como ser humano. Paralelamente a isso, Dale Evans e Roy Rogers ganharam muito dinheiro com a série de TV, somando-se aos valores recebidos com as publicações de livros e músicas. Foi quando o casal passou a destinar grande parte desses recursos na criação e manutenção de centros para atendimento de crianças com deficiências mentais, o “Dale Rogers Training Center”.

A elegância de Dale Evans ao lado de Buttermilk.
Dale e seu Buttermilk - Na série de TV que fizeram para a TV surgiu um rival para Trigger, o cavalo mais inteligente do Oeste. Era Buttermilk, o cavalo que Dale Evans montava e que se tornou parte integrante da família e do “The Roy Rogers Show”. Em 1960 Roy e Dale tentaram voltar à TV com um programa de variedades que permaneceu apenas três meses no ar, sendo esse talvez o único fracasso do casal no meio artístico. Muito requisitado para participar de eventos por todo o país, o casal Rogers, que morava em Victorville, na Califórnia, criou o ‘The Roy Rogers and Dale Evans Museum’, onde durante muitos anos recebiam visitantes do mundo todo que queriam ter contato com Roy, Dale e ainda Trigger, Buttermilk e Bullet, expostos juntamente com as roupas, botas e revólveres de Dale e Roy. Assim como os meninos queriam se vestir como seu ídolo, as meninas compravam as roupinhas com a griffe ‘Dale Evans’, sentindo-se a própria ‘Rainha das Cowgirls’.



Acima o museu de Victorville; abaixo o de
Branson, Missouri. Nenhum sobreviveu.
O fim do Museu, fim de uma era - Roy Rogers veio a falecer em 6 de julho de 1998, depois de 51 anos de casamento com sua adorada Dale. Bastante adoentada, com problemas cardíacos, Dale submeteu-se a uma delicada cirúrgia. Participando cada vez menos dos eventos para os quais era convidada, Dale Evans faleceu de insuficência cardíaca em 7 de fevereiro de 2001. Posteriormente à sua morte, o filho Dusty Rogers transferiu o ‘The Roy Rogers and Dale Evans Museum’ para a cidade de Branson, no Missouri. Lamentavelmente, em 2009 Dusty Rogers encerrou as atividades do museu fazendo leilão dos pertences de Roy e Dale. Uma instituição tão importante como essa não deveria conhecer dificuldades financeiras e, se necessário fosse, deveria ser mantida pelo próprio Governo em nome da cultura do Velho Oeste.  A extinção e a exata localização do ‘The Roy Rogers and Dale Evans Museum’ foram gentilmente lembradas a WESTERNCINEMANIA pelo leitor Mário Peixoto Alves. Com duas estrelas na Calçada da Fama de Hollywood, uma por seu trabalho no rádio e outra por sua atuação na televisão, Dale Evans recebeu em vida todos os grandes prêmios que uma artista poderia desejar. Entre eles sua introdução, junto com Roy, no Hall of Great Western Performers of the National Cowboy and Western Heritage Museum, em 1976. Em 2002, o nome de Dale Evans estava entre os homenageados entre as grandes mulheres da música country, ao lado de Emmylou Harris, Dolly Parton, Linda Ronstadt, Loretta Lynn, Patsy Clyne e outras igualmente talentosas. Justo reconhecimento para quem foi a mais famosa mocinha do cinema, a ‘Queen of the Cowgirls’, Dale Evans.



Na foto menor à direita Glenn Ford, Dale Evans, Roy Rogers e Gene Autry,
por ocasião da condução de todos ao Hall da Fama dos Grandes Artistas do
National Cowboy and Western Heritage Museum, de Los Angeles.


28 de outubro de 2012

SÉRIES WESTERNS DE TV – “ROY ROGERS”, SÉRIE CAMPEÃ DE AUDIÊNCIA NOS ANOS 50


"Reduto de Assassinos", último western
da série de Roy Rogers na Republic.

Dos 'Bs' para a TV - Em 1950 havia 5.343.000 televisores nos Estados Unidos. Mocinhos que estrelavam séries de westerns B no cinema iniciaram o processo de migração para a televisão com enorme sucesso. Entre eles estavam Hopalong Cassidy, The Lone Ranger, The Cisco Kid e Gene Autry. Enquanto isso a produção de faroestes 'B' dos pequenos estúdios agonizava lenta e inexoravelmente. Em 1951 foi a vez de Roy Rogers se despedir da sua série na Republic Pictures com os cinco últimos faroestes que foram “Foguete Misterioso” (Spoilers of the Plains), “Acusação Injusta” (Heart of the Rockies), “O Paladino da Lei” (In Old amarillo), “Ao Sul de Caliente” (South of Caliente) e “Reduto de Assassinos” (Pals of the Golden West). Nesse mesmo ano de 1951 o número de televisores nos Estados Unidos passou para 13 milhões e em 4 de setembro desse ano ocorreu a primeira transmissão costa-a-costa (do Pacífico ao Atlântico), com um discurso do então presidente Harry S. Truman. Em 15 de outubro de 1951 estreava na rede CBS a série “I Love Lucy”. Em 30 de dezembro de 1951 os telespectadores assistiram ao primeiro episódio de uma nova série western, o “The Roy Rogers Show”, transmitido pela rede NBC.

Roy Rogers, Pat Brady, Dale Evans e, no quadrinho,
Harry Harvey, o sheriff de Mineral City.
A turma de Roy Rogers - Nessa série Roy Rogers vivia no seu rancho, o ‘Double R Bar Ranch’ enquanto Dale Evans gerenciava o ‘Eureka Hotel and Cafe’ em Mineral City, uma cidade próxima do rancho de Roy. Pat Brady era o cozinheiro do 'Eureka' e quando era necessário Pat pegava seu jipe chamado Nellybelly e ia atrapalhar Roy no ‘Double R Bar Ranch’. Roy montava seu palomino Trigger e Dale Evans montava Buttermilk, seu belo quarto-de-milha. Roy tinha também um cão pastor alemão chamado Bullet. Harry Harvey interpretava o xerife gordinho de Mineral City que invariavelmente recorria a Roy Rogers para manter a paz na cidade. Myron Healey, Reed Howes e até Chuck Roberson também interpretaram o xerife de Mineral City algumas vezes, todos sempre dependentes de Roy. Os homens-maus que mais vezes ameaçaram a cidadezinha foram John L. Cason, Gregg Barton e Fred Graham. Outros bandidos famosos que tentaram tirar a tranquilidade de Mineral City foram Robert J. Wilke, Tom Tyler e George J. Lewis. Um jovem ator chamado Charles Bushinky que ficaria famoso como Charles Bronson atuou na série “The Roy Rogers Show” no episódio “The Knockout”, exibido em 28 de dezembro de 1952, interpretando um boxeador. No episódio “Bullets and a Burro”, que foi exibido em 15 de novembro de 1953, o convidado especial era Raymond Hatton. [Assista ao episódio completo abaixo]







Bullets and a Burro - O episódio “Bullets and a Burro” é um excelente exemplo de como era a série “The Roy Rogers Show”. Três bandidos (Gregg Barton, Norman Levitt e Terry Frost) tentam por duas vezes assaltar o velho Raymond Hatton, sendo impedidos por Roy Rogers que por duas vezes entrega os bandidos ao xerife Chuck Roberson. E não é que por duas vezes 'Bad Chuck' se deixa ludibriar pelos foras-da-lei, até que estes são capturados pela terceira e última vez, até porque não havia mais tempo para nova fuga... O burro da história é o animal de estimação de Raymond Hatton. Dale Evans e Pat Brady aparecem pouco no episódio, mas Bullett e Trigger mostram que eram mais inteligentes que Pat Brady, ajudando bastante Roy Rogers. O Rei dos Cowboys troca socos com os bandidos por duas vezes, até ficando desacordado em uma delas.

Sete temporadas no ar - A série “The Roy Rogers Show” teve um total de 102 episódios ao longo dos seis anos e meio em que foi exibida, de 1951 a 1957, todos os episódios com 25 minutos de duração. Nesse tempo as cores ainda não haviam chegado às séries de TV. Assim como Gene Autry e Hopalong Cassidy, Roy Rogers decidiu produzir a sua própria série, criando a Roy Rogers Productions, que lhe rendeu muito mais que os quase cem filmes que fez para o cinema, 90 deles para Herbert J. Yates, o dono da Republic Pictures. Como se sabe, Yates pagava a seu atores salários irrisórios diante do que arrecadava com eles. Roy Rogers, que desde 1940 era “O Rei dos Cowboys” talvez tenha sido o ator mais explorado por Yates. No Brasil a série de TV era chamada apenas de “Roy Rogers” e era exibida pela TV Record com legendas. Outros canais continuaram a exibir a série no Brasil até o advento da TV em cores, quando finalmente os fãs de Roy Rogers não mais puderam vê-lo pela TV. Sorte mesmo tiveram aqueles fãs como Lázaro Narciso Rodrigues, o 'Roy Rogers Brasileiro', que teve o privilégio de ver os filmes do Rei dos Cowboys inicialmente nas matinês dominicais dos cineminhas do interior e mais tarde assistiu a série na TV. Atualmente Lazinho Kid Blue e outros fãs podem dispor tanto dos filmes da Republic Pictures como dos 102 episódios da série “The Roy Rogers Show”, lançada em vídeo nos Estados Unidos.

O 'Eureka' da série de TV e um dos restaurantes
da extensa rede espalhada pelos EUA.
A rede ‘Roy Rogers Restaurant’ - Assim como ocorreu no Brasil, a série “The Roy Rogers Show” continuou a ser exibida nas décadas de 60, 70 pela rede CBS e nas décadas seguintes pelos canais a cabo especializados em séries e em faroestes. Anos depois de finda a série “The Roy Rogers Show” e talvez inspirados pelo ‘Eureka Hotel and Cafe’ gerenciado por Dale Evans, Roy Rogers emprestou seu ainda famoso nome à Marriott Corporation que criou uma rede de lanchonetes com a marca 'Roy Rogers Restaurant', com lanchonetes distribuídas por todos os Estados Unidos. Em 1982 a Marriott adquiriu outra rede de lanchonetes que passou também a ostentar o nome 'Roy Rogers Restaurant'  num total de quase 200 lanchonetes. Infelizmente, em 1994 a rede McDonald’s comprou a maior parte da rede Roy Rogers que foi aos poucos sendo vendida. O último 'Roy Rogers Restaurant' foi fechado em novembro de 2010, em Long Island, NY. Uma pena pois os fãs de  Roy Rogers que viajavam para os Estados Unidos deixaram de ter o prazer e emoção de comer num restaurante que tinha a marca do Rei dos Cowboys.



O boboca Pat Brady e seu Nellybelle
Tempo dos ‘Televizinhos’ - A série “The Roy Rogers Show” não atingiu o status artístico de outras séries como “Gunsmoke”, "Paladin" e "Wanted, Dead or Alive" por exemplo, mas teve sua importância por ter sido uma das séries pioneiras da TV e por levar Roy Rogers aos lares de tantos fãs. Campeã de audiência das séries faroestes nos anos 50, nos saudosos tempos dos ‘televizinhos’, as poucas residências brasileiras que possuíam televisores recebiam grupos de amiguinhos do filho do dono da casa para assistir a uma nova aventura de Roy Rogers. E nos pequenos aparelhos de 21 polegadas Roy Rogers propiciava a cada episódio uma aula de integridade, educação, simpatia e elegância. Isto, claro, além da habilidade como cavaleiro e vigor no trato com os malfeitores. E uma pena que a série não fosse em cores para ressaltar as estilosas indumentárias do Rei dos Cowboys. Roy Rogers estava sempre acompanhado de Dale Evans, do atrapalhado Pat Brady e dos igualmente queridos Trigger, Buttermilk e Bullet, que se despediam a cada episódio, ao som de “Happy Trails”, tema da inesquecível série que fez feliz milhões de crianças e adolesentes.









26 de outubro de 2012

DON SIEGEL - CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DE UM DIRETOR COM ESTILO


Foi Don Siegel quem dirigiu o derradeiro filme de John Wayne, o excelente “O Último Pistoleiro” (The Shootist). Clint Eastwood afirmou que devia eterna gratidão a Don Siegel por quem foi dirigido nos westerns “Os Abutres têm Fome” (Two Mules for Sister Sara) e “O Estranho que Nós Amamos” (The Beguiled) e em outros três filmes. Siegel dirigiu também “Estrela de Fogo” (Flaming Star), o melhor filme de Elvis Presley. Mas o que fez de Don Siegel um diretor muito respeitado não foram esses filmes estrelados por atores famosos e sim alguns de seus filmes Bs como “Rebelião no Presídio” e “Vampiros de Almas”. Trabalhando com pequeno orçamento e com atores pouco conhecidos Siegel realizou esses dois filmes considerados entre os melhores dos gêneros ficção científica e de prisão, além de muitos outros filmes de ótima qualidade. Nascido em 26 de outubro de 1912, Siegel merece ser lembrado por ocasião de seu centenário de nascimento.

Aprendendo tudo sobre cinema - Donald Siegel nasceu em Chicago, filho de pais de origem judaica. Aos dois anos de idade o pai de Donald que era músico levou a família para Nova York. Notável bandolinista, Mr. Siegel foi contratado para tocar na Inglaterra para onde levou a família, isto quando Donald era ainda um adolescente. Donald estudou em Cambridge, aprofundando-se no estudo do Novo Testamento, pois professava o judaísmo. Curiosamente Donald gostava de tocar instrumentos musicais de percussão, o que o levou a Paris como músico, após o que retornou aos Estados Unidos quando estava com 21 anos. O espírito aventureiro de Donald fez com que ele fosse depois para Los Angeles, onde a indústria cinematográfica não parava de se expandir. Um tio de Donald chamado Jack Saper trabalhava no Departamento de edição da Warner Bros. e conseguiu emprego para o sobrinho. O também judeu Jack Warner, que dirigia o estúdio, percebeu logo o talento do jovem Donald que rapidamente se tornou um dos melhores editores da Warner Bros. Entre os principais filmes que Donald Siegel editou estão “Confissões de um Espião Nazista”, “Heróis Esquecidos”, “Irmão Orquídea”, “O Intrépido General Custer”, “O Ídolo Público” e trechos de “Casablanca”. Cansado de ‘melhorar’ filmes na moviola, Siegel pediu a Jack Warner que o deixasse dirigir. Como Warner não queria perder seu melhor montador, o chefão segurou Siegel na sala de edição, permitindo que ele estagiasse como assistente dos diretores Howard Hawks, Raoul Walsh e Michael Curtiz. Professores melhores impossível...

Don Siegel, Viveca Lindfors e Ronald Reagan
Surge um promissor diretor - Somente em 1945, a título de experiência, Warner autorizou que Donald Siegel dirigisse dois curtas-metragens intitulados “Star in the Night” e “Hitler Lives” e como resultado o estúdio recebeu dois prêmios Oscar de curta-metragem pelas duas ‘experiências’ de Donald Siegel. Hollywood ganhava um novo diretor, mas que ninguém imaginava que pudesse ser tão criativo e rápido, o que em termos de produção significa ser econômico. Para a Warner Bros. Donald Siegel dirigiu “Justiça Tardia’ e “Noite Após Noite”, este último com Ronald Reagan e uma bonita atriz sueca chamada Viveca Lindfors. Donald e Viveca se apaixonaram e se casaram durante as filmagens, em 1948. Decidido a realizar filmes mais pessoais, Siegel deixou a Warner e na RKO deu mostras de seu talento com “O Caís da Maldição”, um dos primeiros sucessos de Robert Mitchum. Dirigiu sua esposa Viveca Lindfors em “Adorável Tentação”, em 1952, mesmo ano em que estreou no western em “Onde Impera a Traição” (Duel at Silver Creek), com Audie Murphy. Veio em seguida o policial “Medo que Condena”, com Teresa Wright e “Aventura na China”, com Edmond O’Brien.

À esquerda Don Siegel dirigindo Kevin McCarthy e Dana
Winter em "Vampiros de Almas"; à direita posters  de

"Rebelião no Presídio" e de "Inimigo Público N.º 1".
Arrebatando a crítica - Foi em 1954 que Don Siegel chamou a atenção da crítica com “Rebelião no Presídio”, filme sem nenhuma estrela no elenco que tinha nomes como Neville Brand, Leo Gordon e Emille Meyer, desconhecidos até como coadjuvantes. Produzido por Walter Wanger, um dos assistentes de direção de Siegel era um jovem chamado Sam Peckinpah, cujo pai havia sido juiz e condenado muitos bandidos a cumprir pena na Penitenciária de Folson, na Califórnia, onde o filme foi rodado. Tanto o produtor Wanger quanto o ator Leo Gordon haviam também cumprido penas em prisões [Leia as biografias de Gordon e Wanger neste blog]. Os filmes seguintes de Don Siegel foram “Dinheiro Maldito” (com Ida Lupino), “Dois Corações e uma Alma” (com John Derek) e “A Rua do Crime” (com John Cassavetes e Sal Mineo). Em 1956 Don Siegel arrebataria novamente a crítica e desta vez também o público com “Vampiros de Almas” (com Kevin McCarthy). Aclamado como obra-prima da sci-fi, Don Siegel reclamou muito com a mudança do final que o produtor Walter Wanger teve que fazer para atender à censura, o que no entanto não alterou o forte impacto que “Vampiros da Alma” produz até hoje quando assistido quase 60 anos depois. A grande fase de Siegel continuou com “Assassino Público N.º 1”, pequeno clássico do cinema policial, com Mickey Rooney interpretando o bandido Baby Face Nelson. Separado de Viveca Lindfors desde 1953, Don havia se casado em 1957 com Doe Avedon, ex-esposa do famoso fotógrafo Richard Avedon.

Don Siegel conversa com Dolores Del Río antes de uma cena
de "Estrela de Fogo"; Elvis Presley, Steve Forrest e 

John McIntire (encoberto) só escutam.
Western com o Rei do Rock - Como é impossível acertar sempre, Don Siegel aceitou filmar na Espanha o drama “Cigana Espanhola”, com Carmen Sevilla, filme que o próprio Don afirmou ter se arrependido de dirigir. Ao contrário deste, “O Sádico Selvagem” com Eli Wallach foi outro trunfo de Siegel, já considerado ao lado de Samuel Fuller como os principais realizadores de filmes B nos Estados Unidos. Vieram a seguir “Contrabando de Armas”, não-western com Audie Murphy; “Covil da Morte”, com Cornel Wilde; “Uma Dívida de Amor”, lançando o cantor Fabian no vácuo de Elvis Presley que estava no Exército. Mas se era para filmar com roqueiros, o melhor era dirigir logo o maior de todos e Don Siegel foi escalado como diretor de “Estrela de Fogo” (Flaming Star), o melhor filme de Elvis Presley e com a maravilhosa Dolores Del Río e John McIntire no elenco. Agora um nome mais prestigiado em Hollywood, Don Siegel se afastou mais dos Bs ao dirigir “O Inferno é Para os Heróis”, estrelado por Steve McQueen, Bobby Darin, Fess Parker, Nick Adams e James Coburn, todos astros em grande evidência no cinema ou na TV. Esse filme não foi bem nas bilheterias e Siegel passou dois anos dirigindo série para a TV, entre elas dois episódios da clássica série “Além da Imaginação”.

Lee Marvin em "Os Assassinos";
abaixo Siegel dirigindo Henry Fonda
e Richard Widmark.
Siegel e Richard Widmark - Trabalhando para a TV, Don Siegel dirigiu em 1964 um remake de “Os Assassinos”, clássico noir de 1946. A refilmagem tinha no elenco Lee Marvin, John Cassavetes, Angie Dickinson e Ronald Reagan. Depois de pronto esse policial ficou tão bom que acabou sendo lançado no cinema e se tornando em grande sucesso. Em 1968 Siegel repetiu a dose com o também excelente “Os Impiedosos”, com Henry Fonda e Richard Widmark como policiais de Nova York. Don Siegel nunca teve temperamento para conviver com injustiças ou procedimentos arrogantes e por essa razão, em 1969, passou por uma situação desagradável. Foi quando Siegel foi chamado para concluir “Morte de um Pistoleiro” (Death of a Gunfighter), em substituição ao diretor Robert Totten que não aguentou continuar trabalhando com o astro Richard Widmark. O ator intrometia-se em todas as cenas tratando Totten com extremo desprezo. Widmark tentou fazer o mesmo com Don Siegel e por pouco não se pegaram para valer. Quando o filme ficou pronto Siegel procurou a Directors Guild Association e solicitou que seu nome não aparecesse como diretor do filme, sugerindo o nome de Richard Widmark, como diretor.

Acima Don e Clint em "Meu Nome é
Coogan"; abaixo Clint dirigindo Don
em "Perversa Paixão".
Encontro com Clint Eastwood - Don Siegel era cada vez mais respeitado como diretor, faltando-lhe apenas um estrondoso sucesso de bilheteria, que veio a ocorrer após seu encontro com Clint Eastwood recém-chegado da fase spaghetti-westerns. O filme chamou-se “Meu Nome é Coogan” e tornou amigos o ator e o diretor. Fizeram juntos em seguida os westerns “Os Abutres têm Fome” e “O Estranho que Nós Amamos”, filmes que não repetiram o êxito de bilheteria de “Meu Nome é Coogan”.  Clint e Don ficaram tão amigos que o diretor fez até uma ponta como ator no primeiro filme dirigido por Clint, o thriller “Perversa Paixão”. Dos nove filmes em que Clint Eastwood havia atuado após seu retorno aos estados Unidos, apenas “Meu Nome é Coogan” estourou verdadeiramente nas bilheterias. Clint precisava de um novo grande sucesso e ele veio com “Perseguidor Implacável”, dirigido por Don Siegel, policial em que pela primeira vez Clint interpretou o detetive ‘Dirty Harry’. Daí para a frente Clint tornou-se uma espécie de Midas, enquanto Don procurava afirmar-se como renomado diretor de filmes de ação mas que contivessem algo mais que bem filmadas cenas de perseguições a criminosos.  E foi em 1973 que Don Siegel dirigiu “O Homem que Burlou a Máfia” (Charlie Varrick), um excepcional e pouco comentado policial. Grande clássico do gênero, esse filme só não fez sucesso porque o ótimo Walter Matthau não tinha a estampa que o público gosta de ver na tela. Já elevado à categoria de diretor de filmes ‘A’, Siegel dirigiu a seguir o suspense “O Moinho Negro”, com Michael Caine e a bela libanesa Delphine Seyrig.

Duke em seu último filme.
A despedida de John Wayne - Sabia-se que John Wayne estava se despedindo do cinema depois de uma das mais brilhantes carreiras que um ator pode ter. Deveria ser um western e mais que isso um grande western. A Paramount confiou a direção de “O Último Pistoleiro” (The Shootist) a Don Siegel que realizou um faroeste com algo de sublime, digno da despedida do Duke. “O Último Pistoleiro” não raramente aparece em listas dos dez melhores westerns de todos os tempos, um pouco por razões sentimentais e muito pelo grande filme que é. No elenco ainda Richard Boone, James Stewart e Lauren Bacall. Em seguida Don Siegel dirigiu o suspense “O Telefone”, estrelado por Charles Bronson, com quem Siegel gostou demais de trabalhar, comentando mais tarde que poucos atores eram tão colaboradores como Bronson. Don e Bronson tornaram-se amigos. Por falar em amigos o novo filme de Don Siegel seria estrelado por Clint Eastwood.

Clint e Don em "Alcatraz - Fuga Impossível".
O rompimento com o amigo Clint - É uma pena que grandes amizades terminem em desentendimentos insuperáveis. Mais ainda quando grandes amizades terminam por ganância ou sede de poder. Foi o que aconteceu em “Alcatraz – Fuga Impossível”. Don Siegel havia adquirido por cem mil dólares os direitos do livro para levá-lo ao cinema. Depois procurou Clint para juntos produzirem o filme. Clint não gostou do procedimento do amigo e achou que Siegel tentara lhe passar a perna antecipando-se na compra do script e no direito de dirigir o filme. Mesmo assim o já poderosíssimo Clint Eastwood promoveu uma composição triangular entre sua Malpaso e a Paramount. Pelo acordo Siegel dirigiria o filme mas o direito à edição final ficaria com a Mapaso. As filmagens se transformaram em verdadeira batalha entre Clint e Siegel, com o ator se impondo em todos os aspectos da realização do filme.  Clint impôs ainda o seu final deixando de lado o final pretendido por Siegel. É perceptível em “Alcatraz – Fuga Impossível” o estilo que Clint vinha desenvolvendo e que está em todos seus filmes. Para piorar os críticos se referiam a "Alcatraz – Fuga Impossível” como um filme de Clint esquecendo-se da figura de Don Siegel. Sem ser um grande sucesso de bilheteria, o filme rendeu 34 milhões de dólares e pelo contrato imposto por Clint, o ator ficou com 15% do lucro bruto, ou seja, mais de cinco milhões de dólares. Por outro lado Siegel recebeu sua parte após deduzidas todas as despesas de produção, custo de negativos, publicidade e distribuição do filme, ou seja o sempre discutível 'lucro líquido'. E ninguém dúvida que os contadores dos estúdios conseguem dar nó em pingo d’água quando o assunto é despesas. O resultado foi que Don, que era o dono da história e diretor do filme, teve que se contentar com dois milhões de dólares. Don Siegel era judeu e como Clint sempre gostou demais de dinheiro, a amizade dos dois terminou por aí.

Ainda amigos, Clint 'Dirty Harry' e Don Siegel em
"Perseguidor Implacável".
O tardio arrependimento de Clint - Don Siegel faleceu em 20 de abril de 1991, antes de poder ver Clint Eastwood dedicar-lhe seu último western que foi “Os Imperdoáveis”, filmado e lançado em 1992. E Clint ainda declarou: "Se eu sou um cineasta eu devo tudo ao mestre Don Siegel. Don podia ensinar aos jovens mais do que qualquer outro cineasta. Don foi um verdadeiro guia para escolas de cinema, porque dava uma aula em cada cena que inventava." Infelizmente para Don, essa foi uma prova tardia de amizade. Em 1980 Don Siegel dirigiu Burt Reynolds em “Ladrão por Excelência”, comédia em que nada deu certo. Em 1982 Siegel dirigiu seu último filme que foi a decepcionante comédia “Jogando com a Vida”, estrelada por Bette Midler. Desgostoso com o cinema, Don Siegel encerrou sua carreira aos 70 anos de idade. Ele estava divorciado de Doe Avedon desde 1975. Antes de falecer vítima de câncer, em 1991 aos 79 anos, Don Siegel morava na Califórnia e recebeu diversas homenagens por sua brilhante carreira como diretor de filmes como um dos mais importantes diretores norte-americanos com um estilo pessoal e inconfundível de expressar o que queria, fosse nos filmes ‘A’ ou nos pequenos ‘B’.


24 de outubro de 2012

OS ABUTRES TÊM FOME (Two Mules for Sister Sara) – A FREIRA GUERRILHEIRA



O diretor Budd Boetticher, autor da
história "Two Mules for Sister Sara".
Em 1970 Budd Boetticher já havia adquirido o prestígio merecido como diretor de westerns, mas mesmo assim não conseguiu dirigir “Os Abutres têm Fome”, filme baseado na história “Two Mules for Sister Sara” que o próprio Boetticher escrevera. O produtor Martin Rackin e a Universal Pictures entenderam que Don Siegel seria o diretor ideal para consolidar o nome de Clint Eastwood no cinema norte-americano, isto depois do sucesso da ‘Trilogia dos Dólares’ na Europa. Para interpretar a freira da história o primeiro nome cogitado foi o de Elizabeth Taylor. Mesmo colecionando sucessivos fracassos, Liz pediu um milhão e meio de dólares para vestir o hábito da Irmã Sara. A Universal até aceitou pagar, mas as seguradoras pediram muito dinheiro para cobrir os crônicos problemas de saúde da atriz que atrapalhavam seus filmagens. O seguro elevaria demais o custo da produção. Shirley MacLaine foi então chamada e pediu um milhão de dólares, salário aceito sem discussões até porque a história pedia uma atriz muito mais engraçada que Elizabeth Taylor que nunca foi comediante.


Lee Marvin e Clint Eastwood no fracassado
"Os Aventureiros do Ouro".
Western sob medida para Clint - Aos 35 anos de idade, a carreira de Shirley MacLaine chegara ao auge em 1969 com “Charity Meu Amor”. Antes ela demonstrara seu grande talento em êxitos como “Se Meu Apartamento Falasse”, “Infâmia”, “Irma La Douce” e “Can-Can”. Clint Eastwood, por seu lado vinha de um grande sucesso que foi “Meu Nome é Coogan” (em que foi dirigido pela primeira vez por Don Siegel) e de um fracasso chamado “Aventureiros do Ouro”. Nada melhor então que reunir a dupla Eastwood-Siegel e fazer um western com Clint relembrando seu personagem ‘Sem Nome’ dos filmes com Sergio Leone. Quem não gostou nada foi Budd Boetticher que, além de ser preterido para dirigir um western baseado em história de sua autoria, ainda viu seu texto sofrer profundas alterações. O roteirista Albert Maltz, a pedido do produtor Rackin, expandiu bastante a parte do personagem Hogan (Clint Eastwood), igualando-o em importância ao de Sister Sara (Shirley MacLaine). Mas se “Os Abutres têm Fome” deveria ser um western de Clint Eastwood, acabou sendo mesmo um filme de Shirley MacLaine, que por sinal já atuara em “O Irresistível Forasteiro” em 1957, estrelado por Glenn Ford.

Freira provocante-mente casta - Shirley MacLaine é uma das grandes comediantes da história do cinema norte-americano e não foi difícil para ela transformar Sister Sara num personagem mais engraçado que sério. O roteiro queria assim. Ainda que não seja uma freira de verdade, fato só revelado ao final do filme, Shirley MacLaine faz de Sister Sara a mais provocante irmã do cinema. Mais até que a suave Deborah Kerr, por quem Robert Mitchum se apaixonou no limitado pela Igreja Católica “O Céu por Testemunha”. E Sister Sara carregou muito do espírito aventureiro da missionária Rose (Katharine Hepburn) de “Uma Aventura na África”. Curiosamente estes dois últimos filmes foram dirigidos por John Huston, talvez a aposta ideal para mexer com a líbido do cowboy Clint Eastwood. Se em sua fase com Leone Clint pouco falava, não tinha nome, nem passado, nem futuro e muito menos sentimento, em “Os Abutres têm Fome” seu personagem é humanizado e passam por sua cabeça os desejos naturais dos homens. Mesmo diante de uma casta freira cujo corpo parece nunca ter visto a luz do sol.

Amor e dinheiro em Chihuahua - Em “Os Abutres têm Fome” Clint Eastwood é Hogan, mercenário que salva uma mulher de um estupro prestes a ser consumado. O corpo alvo e apetitoso da vítima bem que poderia mais tarde ser dele, Hogan, após exterminar os três violadores. Quando a moça se recompõe, o que surge, para desgostosa surpresa de Hogan, é uma freira. Bonita, é certo, mas freira. Irmã Sara não é só bonita, mas também engajada na luta dos mexicanos contra as forças de Napoleão III que através do Imperador Maximiliano tentavam colonizar o México. E Hogan gosta disso. O soldado da fortuna Hogan se interessa ainda mais quando a freira lembra que há muito dinheiro em jogo. Hogan coloca sua experiência a serviço de Sara e de uma centena de juaristas. Hogan lidera o ataque a uma fortificação das tropas francesas em Chihuahua onde se apoderam de um tesouro que vai servir tanto à causa patriótica mexicana como ao mercenarismo de Hogan. Depois de conter seus desejos pecaminosos em relação à freira durante quase todo o filme, Hogan afinal descobre que Sara é uma prostituta. Como um dia bem lembrou Billy Wilder, “ninguém é perfeito” e ao final Hogan parte de Chihuahua cheio de dinheiro e comboiando duas mulas. Uma delas montada por sua desejada Sara e a outra carregando muitos vestidos, chapéus e sapatos que nenhuma freira jamais sonharia usar.

Bons diálogos, ação fraca - O assunto revoluções mexicanas já havia rendido muitos faroestes como o clássico “Vera Cruz” e a obra-prima “Meu Ódio Será Sua Herança”. E vale lembrar “Sete Homens e um Destino”, faroeste não propriamente sobre as revoluções na terra de Emiliano Zapata e de Pancho Villa. “Os Abutres têm Fome” é um western menor pois lhe faltou justamente o que sobrava nos filmes de Aldrich (humor), Peckinpah (emoção) e Sturges (coesão). Shirley MacLaine praticamente carrega o filme de Don Siegel sozinha pois a sisudez de Clint Eastwood em nada ajuda os bons diálogos do roteiro. É exemplar um diálogo para mostrar essas diferenças, quando Sara diz: “Somos humanas, por certo e quando bate aquela vontade... nós rezamos para ela passar.” E Hogan pergunta: “No seu caso, irmã, você precisa rezar muito?”. As sequências de ação de “Os Abutres têm Fome” são sempre previsíveis e o ataque ao quartel do General LeClair (Alberto Morín) parece ter sido feito com cenas de arquivo de tantos outros filmes do gênero. Sem falar na mal disfarçada miniaturização do trem despencando num vale. Se o espectador aceitar que uma notória prostituta torna-se guerrilheira e foge das patrulhas francesas pelo deserto vestida com um pesado hábito de freira, então “Os Abutres têm Fome” é perfeitamente coerente em seu roteiro.

Famosa cena de "Domínio de Bárbaros", de
John Ford com fotografia de Gabriel Figueroa.
Figueroa e Morricone - Além dos dois atores principais, outros dois nomes famosos participaram da produção de “Os Abutres têm Fome”. O cinegrafista Gabriel Figueroa, responsável pela fotografia dos melhores dramas da época de ouro do cinema mexicano e preferido de Emílio Fernández e Luís Buñuel. O grande compositor italiano Ennio Morricone compôs a trilha sonora, desta vez menos criativa que em tantos outros westerns. Morricone tornou a fazer uso insistente de instrumentos musicais indianos, como havia feito dois anos antes na inovadora trilha composta para “O Grande Silêncio”, de Sergio Corbucci. Em meados dos anos 60 o Ocidente, através de George Harrison, descobriu a música do indiano Ravi Shankar, mas ninguém fez melhor uso de tablas e cítaras que Morricone. A fotografia de Figueroa é bonita sem chegar a ser especial como fazia com a iluminação de seus filmes em preto e branco mexicanos ou em sua colaboração com John Ford em “Domínio de Bárbaros”. Inteiramente filmado no México, "Os Abutres têm Fome" chegou a sofrer interrupção nas filmagens quando muitos dos técnicos norte-americanos contraíram a doença chamada 'Vingança de Montezuma' que provoca febre alta, vômitos e fortes diarréias. Shirley Maclaine foi uma das vítimas, enquanto o vírus parece não ter gostado do sangue de Clint Eastwood. O custo final do faroeste foi de três milhões de dólares, rendendo no primeiro ano de exibição módicos cinco milhões de dólares.

Don Siegel, Clint e Shirley devidamente protegida.
O triângulo Clint-Shirley-Don - A vida de Shirley MacLaine em “Os Abutres têm Fome” não foi nada fácil pois além de acometida pela 'Montezuma Revenge' sua pele muito sensível sofreu bastante com o calor inclemente. Don Siegel se cansou logo das reclamações da atriz e providenciou um guarda-sol para proteger Shirley quando ela estava fora das cenas. Mas o diretor teve que se render ao talento da estrela do filme, cujo nome nos créditos veio antes do nome de Clint Eastwood. Se Shirley brigou muito com o diretor, com Clint ela teve muito bom relacionamento e percebe-se a química entre os dois nas imagens. Don Siegel e Clint reafirmaram a amizade começada em “Meu Nome é Coogan” e a interpretação do ator foi, segundo o próprio Clint, a melhor de sua carreira até então. A sequência em que Sara extrai uma flecha do corpo de Hogan é um grande momento dramático do filme e deve, sem dúvida, ter sido descrita minuciosamente por Budd Boetticher em seu livro. Clint e Don Siegel seriam muito melhor sucedidos no filme seguinte, “O Estranho que Nós Amamos”, primoroso drama passado durante a Guerra Civil no qual Clint Eastwood abandonou a persona do ‘Estranho Sem Nome’ e mostrou ao mundo que era de fato um excelente ator nas mãos e Don Siegel.


Sara retirando a flecha de Hogan e ajudando o pistoleiro a acertar o alvo.


Os amigões Don e Clint; Shirley cuidando das queimaduras.

23 de outubro de 2012

WESTERN CLIP MANIA - "OS ABUTRES TÊM FOME"


Mais conhecido pelas memoráveis trilhas compostas para filmes italianos,
especialmente os spaghetti-westerns, Ennio Morricone compôs também
ricas trilhas sonoras para filmes norte-americanos. Entre estas, uma
das mais criativas é a do faroeste de Don Siegel "Os Abutres têm Fome"
(Two Mules for Sister Sara). Vale à pena ver o clip abaixo.


21 de outubro de 2012

CINE SAUDADE - O IMPRESSOR QUE ERA GREGORY PECK




A Tipografia Brasil de Ernest Rothschild era uma das maiores de São Paulo, responsável por todos os impressos da Companhia Sorocabana de Estrada de Ferro e editora das famosas Agendas Comerciais Paulista e Paulistinha, presentes em quase todos os escritórios brasileiros. Situada num enorme prédio de três pisos na Rua Brigadeiro Tobias, a Tipografia Brasil possuía bem distribuídos os setores de escritório, pautação, blocagem, tipografia, linotipia e impressão. A seção de impressão ocupava boa parte do andar térreo com uma dúzia de máquinas impressoras de grande porte. Havia também muitas impressoras menores como as famosas Minervas e as então moderníssimas Original Heildelbergs. Pois era numa Heildelberg que trabalhava um impressor amalucado chamado Fernando Machado, o Gregory Peck da Tipografia Brasil.

A famosa impressora Original Heildelberg,
capaz de produzir 5.000 impressos por hora.
O fumacento revólver imaginário - Quando comecei a trabalhar na Tipografia Brasil, em 1958, Fernando Machado já trabalhava lá e logo ficamos amigos pois descobri que ele também gostava de cinema. Melhor que isso, o impressor também gostava de faroestes. Machado devia ter por volta de 25 anos, quase 1,80m de altura e o rosto ossudo como o de Gregory Peck e magro igual ao ator. A impressora Original Heildelberg que ele operava era daquelas máquinas que recolhiam automaticamente o papel do lado direito e após imprimi-lo colocava o papel já impresso no lado esquerdo. O apelido da máquina era ‘Windmill’ devido a esse movimento imitando as pás de um moinho. A Heildelberg era capaz de imprimir até cinco mil impressos por hora. E por ser totalmente automática possibilitava que o impressor até se afastasse momentaneamente da impressora. E isso era o que Machado mais fazia, caminhando em direção ao corredor central da gráfica como se estivesse se dirigindo a um duelo, pernas abertas, braços estendidos e as mãos prontas para sacar um imaginário revólver. Se alguém o chamasse nesse momento, Machado virava-se rápido como um raio e com as mãos imitava o movimento de disparar um Colt. Não satisfeito em acertar o suposto inimigo, Machado ainda soprava a ponta do dedo, fazia um gesto como se rodasse o revólver e o guardava na cartucheira. Pouco adiantava o olhar reprovador do chefe da seção.

Seu ídolo, Gregory Peck - Cada faroeste que eu assistia na matinê de domingo eu comentava na segunda-feira com Machado. Lembro de um faroeste que muito me impressionou chamado "Gatilho Relâmpago", com Glenn Ford e ao comentar o filme com Machado, ele, como sempre, passou a fazer comparações com seu ator e faroestes preferidos. Para ele Gregory Peck era incomparável, o melhor de todos os atores. E claro, os faroestes de Gregory Peck eram para Machado os mais emocionantes do cinema. O impressor não se cansava de citar "O Matador", "Céu Amarelo", "Resistência Heróica", "Estigma da Crueldade" e um western mais recente intitulado "Da Terra Nascem os Homens". Mas o filme que Machado mais admirava e sempre citava como o melhor de todos era "Duelo ao Sol". Dos filmes que Machado citava eu só havia assistido "Da Terra Nascem os Homens" e até havia gostado muito mais de Charlton Heston que de Gregory Peck. Fui falar isso para o Machado e ele com as carótidas inflamadas e o pomo de Adão querendo saltar da garganta quis me convencer que Gregory Peck era insuperável.

Fernando Machado ou Gregory Peck?
Difícil responder pois eram parecidos.
Um turbulento romance - Trabalhavam na Tipografia Brasil mais de uma centena de funcionários, metade mulheres. Havia moças de todos os tipos, altas baixas, gordas, magras, brancas, mulatas, negras, bonitas e feias. A mais bonita era Inês, 'morenaça' como diria Vinicius de Morais. Inês era morena clara, alta, com carnes fartas distribuídas por seu corpo bem torneado que atraía todos os olhares masculinos quando passava pelo corredor central em direção ao primeiro andar onde trabalhava. Machado e Inês eram namorados e aproveitavam o horário de almoço para trocarem juras de amor e carícias sentados atrás de uma das grandes máquinas impressoras. Isto enquanto os funcionários mais velhos jogavam dominó e os mais jovens jogavam futebol num pátio que servia de estacionamento. As muitas moças da gráfica passeavam pela região e gostavam de caminhar até à Estação da Luz, a menos de 500 metros da grande tipografia. Muitas vezes a tranquilidade do horário de almoço era interrompida por gritos que vinham de onde estavam Machado e Inês. O casal brigava quase diariamente, xingavam-se bastante e não raramente ocorria até troca de tapas. Findo o horário de almoço, cada funcionário ia para seu setor e Machado orgulhosamente exibia as marcas de unhas nos braços e por vezes até arranhões no rosto. Jamais saíam do rosto de Machado o eterno e cínico sorriso e o cigarro no canto da boca.

Grande western lançado em São Paulo
em abril de 1961, no Cine República.
Machado na fila do Cine República - Em meados de 1959 a Tipografia Brasil me matriculou na Escola Senai de Artes Gráficas e perdi o contato com Machado, o que muito lamentei pois deixava de ter o amigo para falar de faroestes. Numa de nossas últimas conversas ele, com seu jeito ruidoso de falar, tornou a dizer que eu deveria assistir "Duelo ao Sol" de qualquer jeito pois esse era o melhor filme do mundo. Quando retornei do Senai ao final do semestre havia ocorrido um grande corte de funcionários na Tipografia Brasil e Machado e Inês haviam sido dispensados. Ambos deixaram saudade e o horário de almoço não era mais o mesmo sem as brigas diárias do apaixonado e turbulento casal. Nunca mais se soube de Machado, até que em abril de 1961 foi lançado com grande sucesso no Cine República o western "Sete Homens e Um Destino". A cidade inteira comentava esse filme e no sábado à noite na semana de estréia, depois de enfrentar duas horas numa longa fila, eu e dois amigos chegamos à bilheteria do Cine República. Nesse momento alguém tocou em meu ombro e cumprimentou em voz alta: "Como vai, amigo Darci, tudo bem? Compre dois ingressos para mim..." Era Fernando Machado acompanhado de uma bonita moça que não era Inês e que me foi apresentada como sendo sua noiva. Um tanto constrangido olhei para trás onde as pessoas da fila faziam caras de poucos amigos. Percebendo, Machado olhou para o circunspecto senhor e sua esposa, atrás de nós na fila e falou: "Boa noite, eu conheço o Darci há muitos anos e ele gosta demais de faroestes. O senhor também gosta?" Sem interromper a conversa Machado me passou o dinheiro da entrada e quando eu lhe entreguei os dois bilhetes ele me perguntou em tom de voz que todos ao redor escutaram: "E então, já assistiu 'Duelo ao Sol'? Como! Ainda não! Darci, você tem que assistir. É o melhor filme do mundo!" Machado agradeceu e desapareceu Cine República adentro com a namorada.

Cena que Fernando Machado imitava com a
namorada Inês na Tipografia Brasil.
Tapas, beijos e unhadas - Demorou algum tempo para que eu assistisse "Duelo ao Sol", o melhor filme do mundo, segundo Fernando Machado. Só após assisti-lo é que percebi que a vida de Machado era um filme em que ele interpretava o próprio Lewt McCanles, personagem de Gregory Peck em “Duelo ao Sol”. O mesmo jeito de andar, de falar, de sorrir, de fumar e, principalmente, de namorar. Sim. E aquele selvagem namoro vivido todos os dias no horário de almoço na Tipografia Brasil era a forma de Machado assumir completamente aquela persona. Inês não namorava um amalucado impressor mas sim Lewt McCanles. E provavelmente sem saber ela era a Pearl (Jennifer Jones) na vida de Machado. Mesmo nos tapas, beijos e unhadas no rosto do Gregory Peck brasileiro.