UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

30 de julho de 2013

RIO GRANDE – JOHN FORD COMPLETA SUA MAGNÍFICA TRILOGIA DA CAVALARIA


Ao se falar em ‘Trilogia da Cavalaria’ cria-se a falsa idéia que esse era um projeto de John Ford, realizado no anos de 1948/49/50, o que não é verdade. O projeto que o diretor tinha em mente nesses anos era conseguir recursos para filmar “The Quiet Man” (Depois do Vendaval), na querida Irlanda de seus antepassados. Para isso Ford assinou um contrato com a Republic Pictures, estúdio para onde foi levado por John Wayne que lhe assegurou que, na Republic, Ford finalmente realizaria seu sonho de filmar na Irlanda. O dono daquele estúdio especializado em faroestes ‘B’ e seriados era o esperto (melhor seria dizer espertalhão) Herbert J. Yates. Após o sucesso da série de westerns que Ford filmou no pós-Guerra, especialmente “Sangue de Heróis” e “Legião Invencível”, Yates condicionou em contrato com Ford o financiamento de “Depois do Vendaval” a mais um western sobre a Cavalaria. Yates sabia que repetir a fórmula de filmes sobre a Cavalaria significava dinheiro em caixa. Ford aceitou o trato e saiu atrás de uma história.

Três clássicos roteirizados por
James Kevin McGuinnes.
Da Coréia para o Rio Grande - Nada mais natural que o novo filme sobre a Cavalaria fosse baseado em outra história de James Warner Bellah, autor das duas outras histórias sobre o tema. E foi escolhida ‘Mission With No Record’, publicada na revista The Saturday Evening Post que foi às bancas em 27/09/1947. Bellah havia lutado nas duas Guerras Mundiais antes de se descobrir um bem sucedido escritor. Suas histórias, no entanto, necessitavam ser adaptadas para o cinema (curiosamente anos mais tarde James Warner Bellah seria um dos roteiristas de “O Homem que Matou o Facínora”). A adaptação de ‘Mission With No Record’ ficou a cargo do ultradireitista James Kevin McGuinnes. Nascido na Irlanda, McGuinnes chegou criança aos Estados Unidos, tornando-se roteirista ainda no cinema mudo. Entre as dezenas de roteiros que McGuinnes escreveu estão os roteiros de “A Companheira de Tarzan”, “Viva Villa” e “Uma Noite na Ópera”. Mal visto na categoria por seu radicalismo político, McGuinnes estava há quase dez anos ‘na geladeira’ sem conseguir escrever. Mas McGuinnes, que tinha amizade com John Ford, era o homem certo para roteirizar aquela história de Bellah pois em 1949 vivia-se a Guerra Fria e ‘Mission With No Record’ poderia servir de metáfora para a política exterior norte-americana com o uso de suas forças armadas. Assim como a Alemanha havia sido dividida, também a Coréia passou a ser ocupada ao Norte pelas forças soviéticas enquanto ao Sul a ‘proteção’ caberia aos Estados Unidos. As escaramuças na dividida Coréia se sucediam e nada melhor que um western para ajudar a justificar ao público a razão da intervenção norte-americana naquele país asiático. James Kevin McGuinnes viria a falecer 20 dias após o lançamento de “Rio Grande”, em 1950, aos 56 anos de idade.



Duke,Victor McLaglen e Maureen O'Hara na
obra-prima "Depois do Vendaval".
‘Aquecimento’ para o próximo filme - A elaboração do roteiro começou com a mudança do título de ‘Missão Sem Registro’ para “Rio Grande”, uma vez que a ação da missão não reportada se passava na divisa do México com os Estados Unidos. Para filmar “Rio Grande” John Ford retornou ao Monument Valley em novembro de 1949, onde passou o próximo mês rodando o filme que teve o orçamento de exatos 1.238.000 dólares. Esse valor era menos da metade do que custara “Sangue de Heróis” dois anos antes. Para o elenco Ford chamou John Wayne, que era contratado da Republic Pictures, Victor McLaglen e a irlandesa Maureen O’Hara. Os três fariam em seguida os papéis principais em “Depois do Vendaval” e o que John Ford pretendia mesmo era fazer uma espécie de ‘aquecimento’ para o filme que seria rodado a seguir na Irlanda. Ford já havia dirigido Wayne e McLaglen inúmeras vezes e dirigira Maureen O’Hara em “Como Era Verde o Meu Vale”. Duke e Maureen ainda não haviam atuado juntos.

John Ford e John Wayne durante os
preparativos para "Rio Grande";
abaixo Yorke pai (Wayne) e Yorke
filho (Claude Jarman Jr.)
Um recruta e seu pai comandante - Retornar ao Monument Valley era como tirar férias para John Ford que se cercou dos muitos atores e técnicos que normalmente o acompanhavam em seus filmes. Entre eles estava Harry Carey Jr., que décadas depois escreveria o excelente livro de memórias “Company of Heroes”, no qual conta vária histórias de bastidores de “Rio Grande”, testemunhando o raro feliz estado de espírito do diretor durante as filmagens. E o resultado disso foi o mais descompromissado western daquela que passaria a ser conhecida como ‘Trilogia da Cavalaria’. Em “Rio Grande” o Coronel Kirby Yorke (John Wayne) comanda o Forte Starke, onde recebe o reforço de 18 recrutas ao invés dos 180 homens que solicitara a Washington. Entre os recrutas estão Travis Tyree (Ben Johnson), Daniel ‘Sandy’ Boone (Harry Carey Jr.) e Jefferson ‘Jeff’ Yorke (Claude Jarman Jr.). Este último filho do Coronel Yorke. De surpresa chega em seguida ao forte Kathleen Yorke (Maureen O’Hara), mãe de Jeff, com a intenção de obter a dispensa do filho. Kathleen e Kirby Yorke estão separados há quase 16 anos, desde que, cumprindo ordens como oficial nortista durante a Guerra Civil, Yorke queimou a propriedade pertencente à família da esposa Kathleen em Bridesdale, próximo ao Vale de Shenandoah. Nem o Coronel Yorke e nem Jeff aceitam o desligamento deste da tropa como pretendia Kathleen. Entrementes, índios promovem ataques contra uma pequena caravana que deixara o Forte, sequestrando uma dúzia de crianças. Mesmo sem autorização do Estado Maior o Coronel Yorke faz uma incursão contra o local onde estão os índios e resgata as crianças. O General Philip Sheridan (J. Carroll Naish) decide não reportar o fato ao Estado Maior, evitando assim uma punição ao Coronel Yorke que reata seu casamento com Kathleen.

Chuck Roberson como apache e a flecha
sem ponta; abaixo Ken Curtis puxa a
cantoria ao lado de Claude Jarman Jr.,
Harry Carey Jr. e Ben Johnson.
A quase mortal flecha sem ponta - “Rio Grande” é em geral considerado o menos importante dos três filmes da Trilogia da Cavalaria, o que em absoluto não significa que não seja um excelente western. E isso mesmo sendo feito sem maiores cuidados por John Ford, um diretor que nunca primou pela meticulosidade, mas sim pela densidade emocional de seus filmes. Um descuido exemplar de “Rio Grande” é a cena em que um apache dispara uma flecha que atinge o Coronel Yorke no peito. O mal disfarçado índio é ninguém menos que Chuck Roberson, que em várias outras cenas aparece como um oficial da Cavalaria. Se isso não fosse bastante, a flecha do ‘índio’ não possui ponta, o que é bizarro para um faroeste norte-americano, filmado no Monument Valley e dirigido por John Ford. Teria Chuck Roberson ficado temeroso em avisar o irritadiço Mestre sobre a flecha sem ponta? Outro fato que não passa despercebido é a gritante incapacidade dos índios em alvejar soldados da Cavalaria, como se os túnicas azuis fossem inatingíveis. E “Rio Grande” não nega sua origem, de ter sido produzido pela Republic Pictures, o mesmo estúdio dos tantos faroestes musicais com Roy Rogers e Gene Autry. O que não falta em “Rio Grande” são momentos em que surgem os menestréis da Cavalaria interrompendo a trama para mais uma canção. Isto quando os não 'cantores' Ben Johnson, Claude Jarman Jr. e Harry Carey Jr. se juntam a Ken Curtis para se divertir cantando “San Antone”, de autoria de Dale Evans. Porém canções demais e algumas falhas não são suficientes para comprometer mais este belo filme de John Ford sobre a Cavalaria norte-americana.

Maureen O'Hara e Claude Jarman Jr.;
abaixo Claude, Carey Jr. e Ben Johnson.
Norte e Sul em paz - Duas metáforas são desenvolvidas em “Rio Grande”. A Cavalaria, sob o comando do Coronel Yorke, não deve agir além do Rio Grande, fronteira norte-americana com o México e para onde se refugiam os índios após suas violentas incursões. Devido às provocações e sequestro de crianças não resta outra alternativa ao Coronel Yorke senão ultrapassar o Rio Grande com a missão de resgatar inocentes. O Rio Grande aqui seria o Paralelo 38 que dividiu em 1945 a Coréia em dois países, situação que gerou a Guerra da Coréia em 1953. “Rio Grande” justifica, portanto, as possíveis ações bélicas norte-americanas então prestes a ocorrer na Ásia. E há o Sul, derrotado na Guerra Civil, eternamente merecedor de simpatia, representado neste filme de John Ford por bravos soldados como Travis Tyree, Jeff Yorke e principalmente por Kathleen Yorke. A Guerra e a lealdade ao dever do Coronel Yorke separaram Kirby da esposa e filhos. Ela aparentemente jamais o perdoaria, mas a chegada ao Forte Starke reaproxima os dois. Kathleen descobre que seu marido, apesar de escravo do dever, é um homem justo (e romântico), permitindo que Yorke lhe faça a corte possibilitando ao final que os dois voltem a viver juntos e em paz. Além do motivo pessoal entre os Yorkes, “Rio Grande” mostra o personagem sulista Tyree (mais uma vez Ben Johnson) como possuidor de caráter e nobreza incomuns.

Contendores de uma luta desigual: Claude Jarman
Jr. e Fred Kennedy; atrás Harry Carey Jr.
Conflito familiar - Se a trama que provoca as ações da Cavalaria não é inteiramente convincente, a história de amor é desenvolvida com sensibilidade, bem como a relação conflituosa entre o Yorke pai e o Yorke filho. Reprovado em Matemática em West Point, Jeff quer provar seu valor a seu pai que através de palavras duras e claras o avisa que ele será tratado como um soldado qualquer e até com mais rigor. Kathleen, por sua vez, passados mais de 15 anos da separação vê o rancor e a repulsa darem lugar ao antigo amor, amor que o solitário Coronel Yorke nunca deixou de sentir. Essa espécie de ódio-amor entre os personagens vividos por John Wayne e Maureen O’Hara atingiria sua culminância em “Depois do Vendaval”, mas John Ford com maestria e humor dá uma dimensão perfeita à trama romântica de "Rio Grande".

J. Carrol Naish (General Sheridan) com
John Wayne e Maureen O'Hara; abaixo a
paz entre marido (Norte) e mulher (Sul).
Final do agrado do público - John Ford continua em “Rio Grande” a mostrar sentimentalmente como seria a vida num Forte e para isso contou com o inesgotável humor de Victor McLaglen, aparentemente sempre o mesmo e nunca menos engraçado personagem. E aproveitando as qualidades de cavaleiros de Ben Johnson e Harry Carey Jr., Ford cria uma antológica sequência em que esses atores e ainda Claude Jarman Jr. mostram que são capazes de montar à romana, como pretende o Sargento Quincannon (Victor McLaglen). Outra sequência criada para mostrar como se forma soldados é a briga entre o jovem sulista Jeff e o soldado Heinze (Fred Kennedy), arbitrada pelo parcial Sargento Quincannon. Esses episódios ilustram bastante melhor a vida na caserna que os muitos intervalos musicais de “Rio Grande”. Em um deles, no entanto, aquele em que menestréis do Forte entoam a singela “I’ll Take You Home Again, Kathleen”, é impossível não conter a emoção. O final de “Rio Grande” foi mudado à última hora por John Ford que percebeu que a transferência do Coronel Yorke para a Inglaterra, como estava no texto original, não agradaria ao público. Ford preferiu que o General Sheridan entendesse a desobediência de Yorke como algo necessário e ao som de “Dixie”, ocorre um final feliz em pleno Forte Starke. Final feliz e engraçado com o heróico soldado Tyree roubando mais uma vez a montaria de um oficial (desta vez a do próprio Sheridan) para fugir do xerife burocrata que deve prendê-lo.

Sequências espetaculares de "Rio Grande" com
os próprios atores cavalgando à romana.
A vez dos dublês - Com “Rio Grande” John Ford mais uma vez exercita seu domínio como narrador de histórias. E através de imagens que sua genialidade concebe nos dá um filme bonito nas imagens capturadas pelo cinegrafista Bert Glennon. A música original de “Rio Grande” foi composta por Victor Young. Além do belo tema de abertura há três canções de Stan Jones compostas para o filme, cantadas pelo conjunto Sons of the Pioneers. Victor Young incluiu na trilha sonora inúmeras canções tradicionais do Oeste norte-americano. Stan Jones tem pequena participação como ator e este filme é notável por John Ford ter possibilitado as presenças em pequenos papéis de stuntmen como Cliff Lyons, Chuck Roberson, Chuck Hayward e especialmente de Fred Kennedy, o infeliz dublê que morreria em ação, durante uma queda de cavalo, em “Marcha de Heróis”. Nunca se esclareceu a razão da semelhança de nomes entre o Capitão ‘Kirby York’ de “Sangue de Heróis” e o Coronel ‘Kirby Yorke’ de “Rio Grande”, personagens inteiramente diferentes. Mesmo os nomes dos personagens interpretados por Ben Johnson - Sargento ‘Tyree’ em “Legião Invencível” e Soldado ‘Travis Tyree’ em “Rio Grande” – não possuem relação, ainda que sejam bastante parecidos. Foi durante as filmagens de “Rio Grande”, que Ben Johnson não aceitou o tratamento grosseiro de John Ford, o que valeu ao ator passar longos 13 anos sem ser chamado por Ford para outro filme (ler a biografia de Ben Johnson neste blog).

John Wayne e Maureen O'Hara no
primeiro dos cinco filmes em que
atuaram juntos.
A parceria Duke e Maureen - Com Harry Carey Jr. e Claude Jarman Jr., Ben Johnson completa trio de ótimos novos atores. Nenhum deles sabia montar à romana e Ford deu a Carey e a Ben um mês para que aprendessem. Ao final de duas semanas não só Carey e Ben, mas também Claude Jarman Jr. haviam aprendido a galopar em pé sobre dois cavalos, para felicidade total de John Ford. Victor McLaglen praticamente sozinho responde pelos momentos de comicidade. John Wayne atua com um bigode, uma penugem no queixo e com uma peruca menor que a usual que lhe dão um ar mais maduro, próprio de um Coronel da Cavalaria. E em “Rio Grande” John Wayne encontra seu mais perfeito par romântico, primeiro de cinco encontros na tela, com Maureen O’Hara. A atriz irlandesa criou o mais forte personagem feminino em um western de John Ford, diretor que sempre ressaltou a importância da mulher na formação do Velho Oeste. “Rio Grande” foi bem recebido pelo público sendo um dos grandes sucessos de bilheteria de 1950 e fazendo com que John Wayne se tornasse (pela primeira vez) o campeão de bilheterias daquele ano nos Estados Unidos. “Rio Grande” recebeu na Itália o título de “Rio Bravo”, escolha imitada no Brasil, onde foi lançado também como “Rio Bravo”. A confusão formou-se anos depois com o lançamento de “Rio Bravo” de Howard Hawks, que no Brasil teve que ser intitulado como “Onde Começa o Inferno” para evitar possível confusão com o outro filme de John Wayne que havia recebido o mesmo título. Depois de “Rio Grande” John Ford somente voltaria a dirigir um faroeste seis anos depois, com “Rastros de Ódio”, a incontestável obra-prima do maior diretor do gênero western.

Acima uma arriscada ação do stuntmen Cliff Lyons. 

O apache que cai espetacularmente de seu cavalo é o stuntmen Frank McGrath.

Pôsteres alemão, italiano, espanhol e norte-americano de "Rio Grande".

No pôster da esquerda (espanhol ou mexicano) vemos John Wayne sem bigode
e ao invés da ruiva Maureen O'Hara o Duke abraça uma loura.
abaixo John Wayne em poses para a publicidade.

28 de julho de 2013

UMA CANÇÃO DE AMOR IRLANDESA PARA MAUREEN O'HARA EM "RIO GRANDE"


"Rio Grande" é um filme recheado de canções, porém uma delas se destaca das demais. É aquela executada quando os cantores do regimento fazem uma serenata cantando "I'll Take You Home Again, Kathleen" à frente da tenda onde estão Coronel Kirby Yorke e sua esposa Kathleen. Os cantores são, de fato, o grupo Sons of the Pioneers, com Ken Curtis, então membro do grupo, fazendo o vocal. A emoção sentida tanto por Kathleen (Maureen O'Hara) quanto pelo Coronel Yorke (John Wayne) é transmitida aos espectadores do filme através dessa pungente canção. "I'll Take You Home Again, Kathleen" é sempre lembrada como uma canção irlandesa, o que não é verdade, pois foi composta em 1875 por Thomas Paine Westendorf, nos Estados Unidos. Além do Sons of the Pioneers, a bela canção foi gravada também por Bing Crosby, Elvis Presley, Willie Nelson, Johnny Cash e muitos outros cantores.
No western "Rio Grande" a canção acaba sendo uma homenagem à maravilhosa Maureen O'Hara, neste seu primeiro encontro com John Wayne nas telas. O vídeo abaixo tem fotos extraídas do filme e lembra especialmente de Maureen, que completará 93 anos no próximo dia 17 de agosto. Mais abaixo a letra da canção "I'll Take You Home Again, Kathleen".


I'll take you home again, Kathleen / Across the ocean wild and wide
To where your heart has ever been / Since first you were my lovin' bride
The roses all have left your cheek / I've watched them fade away and die
Your voice is sad when e'er you speak / And tears bedim your loving eyes
Oh, I'll take you back, Kathleen / To where your heart will feel no pain
And when the fiels are fresh and green / I will take you to your home, Kathleen


25 de julho de 2013

LEGIÃO INVENCÍVEL (SHE WORE A YELLOW RIBBON) – 2.ª PARTE DA TRILOGIA DA CAVALARIA


John Wayne, John Ford e Ben Johnson, num
intervalo das filmagens de "Legião Invencível".
Jim Kitses em seu indispensável estudo sobre faroestes ‘Horizons West’ finaliza a análise de “Legião Invencível” (She Wore a Yellow Ribbon) dizendo que “É impossível alguém amar o faroeste e não amar o filme She Wore a Yellow Ribbon. E Kitses tem razão pois esse segundo western da Trilogia da Cavalaria de John Ford é enternecedor, admirável e apaixonante mesmo. Curiosamente é um filme com alguns senões e mesmo assim é assistido sempre com enorme prazer. Lançado em 1949, “Legião Invencível” chegou até a ser rotulado de peça da propaganda norte-americana durante a Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética. E a imagem do filme ficou de certa maneira abalada quando o General Douglas MacArthur afirmou que, comandando tropas norte-americanas durante a Guerra da Coréia, exibia mensalmente “Legião Invencível” para elevar o moral dos soldados com o espírito nacionalista do filme de John Ford. E imaginar que Ford queria apenas glorificar a Cavalaria no cinema, continuando o que havia iniciado um ano antes com “Sangue de Heróis”, fazendo westerns, o que para ele era apenas uma forma de trabalho como outro qualquer.

Nova história de James Warner Bellah - Após o êxito alcançado com “Sangue de Heróis” (seguido de “O Céu Mandou Alguém”), Ford decidiu produzir com sua Argosy Productions mais um filme baseado em uma das muitas pequenas histórias de James Warner Bellah. Ford escolheu “War Party” e assim como havia feito com “Fort Apache” entregou a história a Leonard Stallings que inseriu no texto duas sequências importantes, as cenas do Capitão Brittles na campa onde sua falecida esposa e filhas estavam enterradas e a sequência do relógio presenteado pela tropa a Brittles quando este se aposenta. O roteiro passou então para as mãos de Frank S. Nugent que construiu como só ele era capaz de fazer os diálogos e as piadas com que Ford gostava de interromper o dramatismo das histórias. Reclamara-se muito que “Sangue de Heróis” deveria ter sido filmado a cores e desta vez, mesmo com um orçamento menor – um milhão e oitocentos mil dólares – a Argosy produziria o novo filme em Technicolor. O diretor de fotografia escolhido foi Winton C. Hoch que trabalhara com Ford em “O Céu Mandou Alguém”. Se Ford dirigira “Sangue de Heróis” com uma ou duas imagens de pinturas de Frederic Remington na mente, para “Legião Invencível” ele estudou bastante os quadros do pintor juntamente com Winton C. Hoch. A intenção era reproduzir não apenas os enquadramentos das telas, mas e principalmente as nuances pictóricas que Remington harmonizava brilhantemente .



John Wayne e Joanne Dru em "Rio Vermelho".
Outra vez um maduro John Wayne - Com o relativamente reduzido orçamento, Ford só teria uma estrela de verdade em “Legião Invencível”, mas uma estrela chamada John Wayne que brilhava cada vez mais. O restante do elenco foi todo ele composto com atores de menor expressão ainda que um dos coadjuvantes fosse vencedor de um Oscar, o simpático brutamontes Victor McLaglen. Atores veteranos com presença constante em outros filmes de Ford mesclavam-se com novatos e entre estes estavam John Agar, Harry Carey Jr., Ben Johnson e Joanne Dru. A jovem atriz havia se destacado bastante em seu segundo filme, “Rio Vermelho”, ao lado de John Wayne. Para interpretar o Capitão Nathan Brittles, John Wayne teria que usar maquiagem que o envelhecesse, uma vez que Wayne estava com 41 anos quando “Legião Invencível” começou a ser rodado. John Ford teve a certeza que John Wayne poderia interpretar um personagem mais velho após assistir “Rio vermelho” e ter exclamado a frase famosa “Esse filho da puta é capaz de atuar”. Se Ford criou John Wayne, Howard Hawks foi quem viu nele qualidades reais de ator que Ford iria explorar como ninguém.

A fachada do Goulding's Lodge
em Moument Valley; abaixo o
set de filmagem do Forte Starke.
Três em cada quarto - A precária estalagem Goulding’s Lodge, em Monument Valley, recebeu mais uma vez o já freguês John Ford e sua equipe. No pequeno hotel apenas Ford e John Wayne tinham quartos individuais; atores do elenco principal e técnicos mais importantes dividiam, em grupos de três, os demais quartos. Sem banheiros privativos, as toiletes nos corredores atendiam indistintamente todos os hóspedes. A água racionada era apenas fria, tornando-se morna devido ao calor intenso, entre 30 graus à noite e mais de 40 graus durante o dia. E a maior parte da equipe dormia mesmo em tendas à frente do Goulding’s Lodge. Menos problemas teve a tribo Navajo contratada em sua quase totalidade para participar de “Legião Invencível”. Mais de uma centena de cavalos foram levados para a inóspita região e boa parte do orçamento do filme foi gasto com transporte e alimentação de pessoal e animais. Mas John Ford estava ‘em casa’ e lá a equipe permaneceu por 31 dias entre novembro e dezembro de 1948. O forte e os sets que serviram de cenário a “Legião Invencível” foram construídos aos pés dos monumentos naturais conhecidos como Mitten Butte e Merrick Butte, avistando-se um pouco mais distante o conjunto chamado Castle Rock. Ford entregou “Legião Invencível” antes do prazo e gastando apenas um milhão e meio do orçamento, economizando consideráveis 300 mil dólares com sua forma simples de rodar um filme mesmo em locações sujeitas às intempéries naturais como o Monument Valley.

John Wayne como o Capitão Nathan Brittles.
Legião da paz - A história de “Legião Invencível” narra a última semana de atividades do Capitão Nathan Brittles (John Wayne) no Forte Starke, antes de sua indesejada aposentadoria do Exército norte-americano. Há poucos dias ocorrera o desastre de Little Big Horn, com o extermínio das tropas comandadas pelo Coronel George Armstrong Custer. As diversas nações indígenas reunidas animaram-se com a vitória em Little Big Horn e armadas com rifles contrabandeados cometem ataques a diligências e a postos avançados. A última missão do Capitão Brittles é reconduzir os Arapahoes à reserva na qual estavam confinados e de onde haviam saído, evitando assim novas batalhas. Dificuldades surgem quando se juntam às tropas duas mulheres (Joanne Dru e Mildred Natwick) que serão conduzidas de Forte Starke a um posto de diligência que foi destruído pelos índios. Lutando contra o tempo, o Capitão Brittles comanda, em seus últimos minutos como militar em atividade, a dispersão da manada de cavalos dos índios, impedindo-os assim de novos ataques. Os índios são conduzidos a pé de retorno à reserva e o Capitão Brittles permanece no Forte Starke após ser nomeado Batedor do Exército com a patente de tenente-coronel.

Acima Harry Carey Jr., Joanne Dru e
John Agar; abaixo Victor Mclaglen,
John Wayne e Ben Johnson.
Tristeza dissimulada - O estranho título “She Wore a Yellow Ribbon” faz referência a uma tradição da vida militar. Ao ornamentar seus cabelos com uma fita amarela, moças comprometidas lembram que seus amores estão distantes em campanha. Essa é a tática de Olivia Dandridge (Joanne Dru) para provocar ciúmes no Tenente Cohill (John Agar), fazendo de conta que namora o Tenente Pennell (Harry Carey Jr.). Esse triângulo amoroso é um dos poucos pontos consistentes de “Legião Invencível”, filme que aparentemente transcorre sem que nada de importante aconteça. O dia da aposentadoria do Capitão Brittles parece chegar monotonamente enquanto ele se empenha em corrigir, com ensinamentos, pequenos erros de conduta de seus comandados. Dito assim fica a impressão que este filme de John Ford é desinteressante, o que não é verdade. “Legião Invencível” tem um roteiro de rara felicidade num faroeste com frases e situações deliciosas que dão ao filme uma leveza ímpar. O humor se encaixa de forma espontânea e é quase sempre desenvolvido pelo Sargento Quincannon (Victor McLaglen) num prolongamento do Sargento Mulcahy de “Sangue de Heróis”. E mesmo John Wayne provoca um saboroso momento cômico ao autorizar a saída (sozinho) do Tenente Pennell para um piquenique pretensamente romântico. Mas não se iluda o espectador porque “Legião Invencível” é um filme que alegremente dissimula uma profunda tristeza.

Ben Johnson durante o enterro de um
general confederado; abaixo Chief
John Big Tree como 'Pônei-que-Anda'.
O desalento da aposentadoria - O desalento permeia “Legião Invencível” em muitas sequências, como quando o Capitão Brittles desabafa ao Major Allshard (George O’Brien) dizendo que no dia seguinte à aposentadoria terá sorte se alguém lhe der atenção. Ou quando em muitas noites, em clima de melancolia, Brittles visita a campa onde estão sua esposa e filhas, que o filme não explica como foram mortas, questionando a própria segurança do posto militar. Brittles, aparentemente sem interlocutor no Forte, abre seu coração conversando com amargura com a falecida esposa tendo como testemunha a paisagem noturna. O encontro do soldado John Smith (Rudy Bowman) pouco antes deste falecer após um ataque índio, revela ser aquele soldado o General Rome Clay do Exército Confederado. O velho chefe índio Pônei-que-Anda (Chief John Big Tree) lamenta que os jovens não mais o obedeçam e acena com seu próprio afastamento para campos distantes, numa sequência patética. Quase tanto quanto Brittles há o tocante personagem do resignado Sargento Tyree, saudoso de seu derrotado exército Confederado e colocando pesaroso a bandeira sulista sobre o caixão de Smith/Clay. Esses variados elementos de tristeza não retiram o paradoxal prazer de assistir “Legião Invencível”, fruto da magia de John Ford.

A espetacular fuga a cavalo de Ben
Johnson; abaixo efeito conseguido
 em Monument Valley durante
marcha da Cavalaria.
Esplendoroso Monument Valley - O que faz de “Legião Invencível” um filme irresistível é sua beleza cênica juntando o esplendor do Monument Valley ao movimento magnificamente coreografado dos personagens, a cavalo ou desmontados. ‘Andalaria’, diz Olivia Dandridge ao descobrir que de hora em hora a tropa desmonta para descansar os animais. A exuberância plástica de “Legião Invencível” atinge seu ápice na cavalgada do Sargento Tyree quando este é perseguido pelos índios. Essa sequência perfeita representa para um faroeste o mesmo que a sequência de Gene Kelly cantando sob o aguaceiro em “Cantando na Chuva” é para um musical, ou seja, o cinema em seu maior esplendor. A câmara de Winton C. Hoch não filma mecanicamente, mas sim pinta telas ao registrar o Monument Valley, como fizeram os artistas Frederic Remington e Charles Russell. E curiosamente Winton C. Hoch denunciou John Ford à ASC (Associação dos Cinegrafistas) por haver o diretor o obrigado a filmar o céu escurecido pelas nuvens em condições de iluminação inaceitáveis e sob relâmpagos intermitentes. O artista John Ford intuiu a beleza das imagens que a câmara iria registrar e que são vistas no filme e que certamente decidiram o Oscar de Melhor Fotografia em Cores para o cinegrafista Winton C. Hoch. Para muitos “Legião Invencível” é até hoje o mais bonito filme não documentário feito em locação pelo cinema norte-americano.

Acima John Wayne e Ben Johnson;
abaixo 'Red Shirt' (Noble Johnson).
Viés político - A Cavalaria foi sempre um instrumento do expansionismo norte-americano, a dano único dos nativos da terra. O lider dos índios em “Legião Invencível” é Red Shirt (Noble Johnson) e evocar um chefe chamado ‘Camisa Vermelha’, seguido por seus belicosos guerreiros igualmente com camisas vermelhas em 1949 é, inegavelmente, uma ilação política. Ao mesmo tempo o mais representativo ator do pensamento nacionalista (John Wayne) diz respeitosamente que os índios devem ser seguidos de longe na sua volta à reserva porque estão à pé “e para um índio fazer longas caminhadas a pé é a suprema humilhação”. O respeito aos índios se transforma num conflito político íntimo do diretor que faz indiretamente menção ao imperialismo norte-americano. E Ford faz, ainda, inúmeras reverentes referências ao Sul que acabara de ser derrotado, a principal delas quando o Capitão Brittles cita orgulhosamente como um trinca de ases os nomes de Sheridan, Sherman e Grant a que o Sargento Tyree completa dizendo que preferia uma full hand (mão cheia) completada com o nome de Robert E. Lee. Nesse momento o correto oficial aposentado deixa de ser injustamente esquecido pelo Exército que tanto ama, numa solução que o filme bem poderia prescindir.

Frank McGrath e John Wayne.
Um ator de verdade - John Wayne domina inteiramente “Legião Invencível” com uma de suas maiores, senão a maior interpretação no cinema. Sua performance como Capitão Brittles está acima de sua interpretação como Tom Dunson  em “Rio Vermelho” e comparável ao Ethan Edwards de “Rastros de Ódio”. Sem nenhum momento maior de ação, sem par romântico e desafiado por um make-up que poderia torná-lo caricato, John Wayne dá dimensão de grandeza a seu personagem. Uma pena que Joanne Dru desaponte lembrando pouco a deliciosa malícia demonstrada antes em “Rio Vermelho” e posteriormente em “Caravana de Bravos”. Mesmo Harry Carey Jr. e John Agar não conseguem carregar os tenentes que interpretam com o espírito de verdadeiros cavalarianos. A surpresa é o excelente desempenho de Ben Johnson que se revelaria, anos depois, um ótimo ator dramático. Victor McLaglen desfila seu aguardado histrionismo pelo filme todo, que bem poderia ser dividido com Frank McGrath. Temeroso que o corneteiro da tropa (McGrath) empine seu cavalo antes do ataque ao acampamento Arapahoe, o Capitão Brittles o ameaça com o rebaixamento a ferreiro do Forte Starke. Stuntmen em inúmeros western, McGrath dá pequenos e divertidos shows de habilidade em seu cavalo, sempre à sombra do Capitão Brittles.

John Ford 'em casa'.
Sucesso de bilheteria - A trilha musical de “Legião Invencível” coube a Richard Hageman que usou de forma vibrante a tradicional canção ‘She Wore a Yellow Ribbon’ acompanhando as cavalgadas das tropas. O filme é narrado por Irving Pichel (ator-diretor) cuja voz encerra a película com uma discurso elegíaco aos soldados anônimos da Cavalaria, fala parecida com a do Capitão Kirby York (John Wayne) ao final de “Sangue de Heróis”. Certamente John Ford não tencionou fazer de “Legião Invencível” uma obra-prima, mas apenas mais um western. Conseguiu o diretor realizar um belíssimo filme que agradou ao público superando os cinco milhões de dólares nas bilheterias e que é considerado por muitos críticos um de seus melhores faroestes. E isso não é pouco em se tratando de John Ford que retornaria ao Monument Valley no ano seguinte (1950) para rodar o poético “Caravana de Bravos” e fechar sua trilogia sobre a Cavalaria com “Rio Grande”.

O calendário marcando os últimos dias do Capitão Brittles na Cavalaria;
os túmulos da família Brittles; a fuga do Sargento Tyree perseguido pelos
índios; o corneteiro, interpretado por Frank McGrath.

O Sargento Quincannon (Victor McLaglen) à procura da garrafa;
alguns atores de "Legião Invencível": McLaglen com Francis Ford;
Paul Fix e Harry Woods; Mildred Natwick com Tom Tyler ferido
sendo observado por Fred Kennedy.

John Wayne e Ben Johnson

John Wayne em uma das melhores interpretações de sua carreira.

Telas de Frederic Remington que serviram de modelo para John Ford.

Pôsteres italiano, francês, alemão e norte-americano.

23 de julho de 2013

A FITA AMARELA DE JOANNE DRU EM "LEGIÃO INVENCÍVEL" (SHE WORE A YELLOW RIBBON)


A tradicional canção "She Wore a Yellow Ribbon" motivou a idéia da inserção do triângulo amoroso entre os tenentes Penell (Harry Carey Jr.) e Cohill (John Agar) que disputam o amor de Olivia (Joanne Dru) em "Legião Invencível". E durante todo o filme de John Ford a canção é executada servindo de fundo à movimentação da U.S. Cavalry pelo Monument Valley. Se a fotografia de "Legião Invencível" é esplendorosa e foi premiada com o Oscar, as imagens são valorizadas pela trepidante música-tema, cuja primeira estrofe tem os seguintes versos:

Round her neck she wore a yellow ribbon
She wore it in the springtime and in the month of May
And if you asked her why the heck she wore it
She wore it for her love who was far, far away
          Far away, far away!
          She wore it for her lover far away
          Round her neck she wore a yellow ribbon
          She wore it for her love who war far, far away

Durante os créditos na abertura e em outros trechos do filme trocou-se a frase 'Far away, far away' por 'Cavalry, Cavalry'. A trilha musical de "Legião Invencível" ficou a cargo do compositor Richard Hageman, sendo as orquestrações de autoria do maestro russo Constantin Bakaleinikoff. No vídeo abaixo a canção "She Wore a Yellow Ribbon" e imagens do filme.


20 de julho de 2013

SANGUE DE HERÓIS (FORT APACHE) – JOHN FORD INICIA A TRILOGIA DA CAVALARIA


John Ford em ação documentando
a 2.ª Guerra Mundial.
Se “Sangue de Heróis” (Fort Apache) fosse dirigido por qualquer outro diretor seria certamente reverenciado como obra-prima. No entanto, diante da incomparável filmografia de John Ford ao longo dos anos, esse faroeste, o primeiro da Trilogia da Cavalaria que Ford dirigiu entre 1948-1950, não obteve a aclamação merecida. A admiração de John Ford pela vida militar sempre existiu, mas após sua efetiva participação na 2.ª Guerra Mundial a admiração se transformou em claro fascínio. Ford foi convocado para o conflito mundial para atuar como membro do OSS (Office of Strategic Services), espécie de Serviço de Inteligência norte-americano, que o destacou para o Field Photographic, órgão responsável por cobrir missões marítimas durante a guerra. John Ford desempenhou com tamanho brilho sua função que, finda a guerra, recebeu a patente de Almirante. Seus registros durante as batalhas navais resultaram em documentários de excepcional qualidade, dois deles premiados com Oscar de Melhor Documentário.  Claro que os próximos filmes de Ford iriam refletir essa fase de sua vida e seu primeiro trabalho após o retorno foi o excelente filme sobre a guerra “Fomos os Sacrificados”, produzido pela Metro-Goldwyn-Mayer. Ford, porém, sonhava mostrar a vida militar sob o enfoque do Velho Oeste, seu gênero preferido e para isso fundou sua própria produtora, a Argosy Productions, em sociedade com Merian C. Cooper e com apoio financeiro de William Vanderbilt, herdeiro de uma das maiores fortunas do mundo. Quase dez aos depois, outro herdeiro dessa família (Cornelius Vanderbilt Whitney) iria produzir um faroeste intitulado “Rastros de Ódio”.

A pequena história de James Warner
Bellah lançada em pocket-book.
“Massacre” ganha novo título - Entre as histórias que John Ford leu visando os próximos filmes, uma chamou sua atenção. Escrita por James Warner Bellah e publicada na edição de 22/2/1947 do Saturday Evening Post, essa história foi intitulada “Massacre” e narrava a ação de um Coronel da Cavalaria que comandava um forte mais afastado ainda que o Forte Grant, no Arizona. John Ford viu no texto de Bellah aquilo que mais o interessava, a possibilidade de mostrar como era a vida dos soldados num aquartelamento. A história de James Warner Bellah precisava de alguns ajustes e para transformá-la em roteiro passou primeiro pelo escritor Laurence Stallings, cujas modificações não agradaram John Ford. Foi então chamado Frank S. Nugent. Ex-crítico do The New York Times, Nugent havia sido contratado como roteirista pela 20th Century-Fox. Conta-se que, cansado de tantas críticas negativas de Nugent aos filmes que produzia na Fox, Darryl F. Zanuck chamou o crítico para trabalhar para ele pagando-lhe cinco vezes mais do que ganhava no The New York Times. Nugent adicionou à história de Bellah o relacionamento amoroso entre um tenente recém-saído de West Point e a filha do comandante do forte, além de outras situações. A principal alteração feita por Nugent é a morte do Coronel Thursday que se dá em combate e não através de um suicídio, como constava no texto original “Massacre”. E Nugent alterou também o título que passou para o mais cinematográfico “Forte Apache”.



Shirley Temple e Victor McLaglen em
"Queridinha do Vovô".
Formação do elenco - O último western de John Ford havia sido “Paixão dos Fortes”, rodado em 1946 e que havia rendido 4,5 milhões de dólares nas bilheterias, o que entusiasmou a RKO a colocar dinheiro na produção de “Forte Apache”. Esse novo filme teve orçamento de 2,5 milhões de dólares e foi projetado para ser um sucesso maior ainda que “Paixão dos Fortes”. Para compor o elenco Darryl F. Zanuck cedeu por empréstimo à Argosy-RKO Henry Fonda e Shirley Temple, contratados da 20th Century-Fox. Após algumas interpretações soberbas, algumas delas dirigido pelo próprio John Ford, o diretor não cogitava nenhum outro ator a não ser Henry Fonda para interpretar o neurótico Coronel Owen Thursday. Shirley Temple, então com 19 anos, vivia a difícil transição de passar de estrela infantil para atriz adulta e havia se casado, aos 17 anos, com John Agar. O marido de Shirley, herói da United States Air Force na guerra, faria sua estréia no cinema justamente em “Forte Apache”. Todos apostavam que a presença do casal no elenco seria enorme atração para o público. John Wayne ainda não era o campeão de bilheterias que iria se transformar ao longo dos próximos 25 anos, mas era também garantia de público certo. Além destes nomes o filme teria a presença de inúmeros atores acostumados a trabalhar com John Ford, como Ward Bond, George O’Brien, Victor McLaglen, Ana Lee e muitos outros do grupo já conhecido como Ford Stock Company. John Ford havia dirigido Shirley Temple em “Queridinha do Vovô”, em 1937, quando a menina era a campeã de bilheteria nos Estados Unidos (1.º lugar em 1935/36/37/38). Para atuar em “Forte Apache” Shirley Temple recebeu o mesmo salário pago a Henry Fonda e a John Wayne, ou seja, cem mil dólares. Victor McLaglen recebeu 35 mil dólares, Ward Bond 25 mil, George O’Brien 15 mil, Guy Kibbee 12 mil, Grant Withers 7,5 mil, Ana Lee sete mil e John Agar cinco mil dólares.

Wayne, Fonda, Agar e Shirley.
Filmando no inferno - Programado para ser rodado em locações em Monument Valley (Utah) e em Corriganville (Califórnia), Ford levou, em julho de 1947, sua equipe para o local que amava, desde que lá rodara “No Tempo das Diligências”. Era praticamente nenhuma a infraestrutura para se filmar naquele local isolado e onde só havia uma espécie de hotel, o precário Goulding’s Lodge. Situado próximo das impressionantes esculturas naturais, o Goulding’s Lodge não possuía alojamentos suficientes para a enorme equipe que teve que improvisar dormindo em tendas armadas próximas àquela estalagem. A temperatura mínima à noite no Monument Valley era de 32º, atingindo até 46º durante o dia e as constantes tempestades de areia interrompiam a produção, ameaçando estourar o orçamento. Isso enervava sobremaneira John Ford que descarregava sua ira em quem pudesse, especialmente em John Agar, a quem chamava de ‘Mr. Temple’. Cansado do tratamento pejorativo Agar ameaçou abandonar as filmagens, sendo orientado por John Wayne a mudar de idéia. Wayne lembrou que passara pelo mesmo nas mãos de John Ford e John Agar acabou aceitando o conselho do amigo Duke. Uma centena de cavalos foi levada ao Monument Valley e quase toda a tribo de Navajos da região foi contratada para fazer figuração. “Forte Apache” foi concluído dentro do prazo, como era costume de John Ford que não admitia gastos além do orçamento o que fazia dele um diretor muito estimado pelos produtores. Lançado em 1948 “Forte Apache” alcançou excelentes bilheterias, rendendo 4,5 milhões de dólares, o que possibilitou a John Ford prosseguir filmando westerns e mais que isso, westerns sobre a vida dentro de um forte.

Elenco masculino de "Sangue de Heróis" à frente do alojamento em Monument
Valley: em pé vemos Dick Foran, Victor McLaglen, John Wayne, Miguel Inclán,
Henry Fonda e Pedro Armendariz; agachados: Jack Pennick, John Agar,
John Ford e Grant Withers. Faltou George O'Brien.
Almoço durante as filmagens em Monument Valley, vendo-se John Agar de
perfil, John Wayne, Pedro Armendáriz (fumando), John Ford, Miguel Inclán
e ao fundo Grant Withers (com barba); de costas Victor McLaglen.

Conferência entre o Coronel Thursday com
Cochise e entre os dois o intérprete Sargento
Beaufort (Henry Fonda, Pedro Armendáriz
e Miguel Inclán).
Ataque irracional - Durante a Guerra Civil Owen Thursday (Henry Fonda) tornara-se general, tendo ao final da guerra sido rebaixado à patente de coronel e enviado para comandar o distante Forte Apache. Humilhado, o Coronel Thursday sabia que a única forma de mostrar seu valor e ser reconhecido pelo Governo de Washington era dizimar tribos que relutavam em se manter nas reservas, desrespeitando tratados assinados. O apache Cochise (Miguel Inclán) era um dos chefes que incomodavam os militares, isto porque não aceitava o tratamento que era imposto aos índios por alguns homens brancos. Antes da chegada do Coronel Thursday, quem comandava o Forte Apache era o Capitão Kirby York (John Wayne), que mantinha boas relações com os apaches. Ao anunciar sua intenção de atacar os apaches, York tenta demover Thursday, acertando um encontro entre o Coronel e Cochise. Nesse encontro fica claro a intransigência de Thursday quanto às negociações e, mesmo sem conhecer o território ou os adversários, decide pelo ataque. Os apaches em número três vezes maior que as tropas de Thursday aniquilam com facilidade as tropas do Exército e seu comandante.

Acima Shirley Temple, Irene Rich e Anna Lee;
no centro Victor Mclaglen, Jack Pennick e
Dick Foran; abaixo prisioneiros são levados
à cadeia por beberagem.
O dia-a-dia em um forte - “Sangue de Heróis” é um filme com pouca ação, quase toda ela concentrada no ataque final e em sua primeira hora ocorre apenas uma escaramuça entre soldados e apaches. Ação era o que menos interessava a John Ford neste filme que mais se aproxima de um documentário sobre a rotina de um forte. Episódios mostram como se aprende a montar, mostram danças, serenatas, visitas, jantares, beberagem e punições, num retrato perfeito e saboroso da vida na caserna. Muito ajudou na construção desses episódios o riquíssimo roteiro de Frank S. Nugent complementado pelas interpretações do incrível grupo de atores reunidos por Ford. Através dos dois personagens principais – Thursday e York – Ford traça um perfeito paralelo demonstrando que Thursday é individualista e com modos afetados de um europeu; por outro lado o Capitão York é sua antítese prezando a vida em comunidade, colocando o dever acima de tudo e seu conhecimento vem da vida díficil na fronteira e da lida inclusive com os índios. York é o ideal, a virtude, a honra, enquanto o Coronel Thursday é mostrado como frustrado, ambicioso e disposto a atingir a glória a qualquer preço. Em seu desejo desmedido, Thursday confunde os índios com a própria terra que deve ser conquistada a qualquer preço. Thursday é, indisfarçadamente, o Coronel (General) George Armstrong Custer, até mesmo na irresponsável decisão que levou seus comandados e ele próprio à morte.

Pedro Armendáriz, Wayne e Miguel Inclán.
O índio civilizado e o militar selvagem - Geralmente credita-se a “O Caminho do Diabo” (de Anthony Mann) e a “Flechas de Fogo” (de Delmer Daves), ambos e 1950, a primazia de ter pela primeira vez num faroeste ter mostrado o índio com dignidade. “Sangue de Heróis”, filmado dois anos antes apresenta os Apaches (poderiam ser Cheyennes, Sioux, Comanches ou qualquer outra nação) não só como homens honrados mas também como guerreiros vitoriosos. Nas negociações entre o Coronel Thursday e Cochise, o militar ouve o chefe apache falando a respeito de Silas Meachan (Grant Withers), agente designado por Washington para tratar com os índios: “Esse homem é pior que a guerra. Ele não apenas mata os homens, mas também as mulheres, as crianças e os velhos. Nós pedimos proteção ao Grande Pai Branco e ele nos manda a morte lenta através desse homem. Mande-o embora para que possamos falar de paz”. Withers fornece armamento e munição aos índios. Mas fornece muita bebida com a qual destrói lentamente o moral dos índios. O contato entre Thursday e Cochise deixa claro quem é o civilizado e quem é o selvagem entre os dois. John Ford apenas não foi mais longe porque “Sangue de Heróis” deixou de mencionar a verdadeira causa da confinação dos índios às reservas, causa que era se apropriar daquelas terras ricas em ouro e prata, atribuindo todos os males ao agente Meacham e ao Coronel Thursday.

A lenda do Coronel Thursday - “Sangue de Heróis” fez pela primeira vez menção à maior importância da lenda diante do fato, em discutida sequência que encerra o filme. Muitos analistas criticaram John Ford por esse final entendendo que, através do discurso do Capitão Kirby York (John Wayne), é preservada a imagem do Coronel Owen Thursday, mitificando sua figura de herói. Kirby diz que Thursday fez tudo correta e honrosamente, merecendo ser lembrado com glória e orgulho. O que a genialidade de Ford fez foi denunciar com “Sangue de Heróis” tragédias que personalidades doentias como a de Thursday são capazes de promover. Sempre presumivelmente em nome dos interesses norte-americanos, essas ações nada mais são que a pratica do ambicioso expansionismo que resultou no maior genocídio da História. Ford não tenta atenuar a culpa do Coronel Thursday com a mitificação de seu nome, mas sim, com finíssima ironia, desnudar o sistema criador de lendas para que os verdadeiros fatos não se tornem públicos. Ford faria o mesmo, porém de forma mais direta em “O Homem que Matou o Facínora”, consagrando a máxima da prevalência da lenda sobre o fato.

Fonda primoroso, Wayne brilhante - Em “Sangue de Heróis” John Wayne desempenha um personagem importantíssimo, ainda que não tenha uma única cena de heroísmo e sequer participe da batalha final. Mas é o Capitão York quem desafia a todo momento a arrogância e fanatismo do Coronel Thursday, a ponto de ser afastado da batalha e taxado como covarde. E nesse papel quase secundário John Wayne tem uma brilhante atuação, antecipando as grandes performances que se seguiriam em “Rio Vermelho”, “Legião Invencível”, “Iwo-Jima, o Portal da Glória” e mais que todas, em “Rastros de Ódio”. Mas “Sangue de Heróis” é, do princípio ao fim, um filme de Henry Fonda, inesquecível como o prepotente Coronel Thursday. Desumano na frieza com que humilha a todos, Fonda mantém uma quase cruel elegância em cada gesto, mesmo quando prestes a morrer cercado pelos índios. E quanto garbo e delicadeza Fonda demonstra na sequência da dança “Saint Patrick’s March”, emocionando com a contrariedade estampada em seu olhar ao ter que cumprir sua obrigação de comandante do Forte Apache. Que admirável ator!

Victor McLaglen, Jack Pennick e John Agar;
Shirley Temple, Ana Lee e Irene Rich.
Elenco cativante - O que não falta em “Sangue de Heróis” são atuações maiúsculas, destacando-se a de Ward Bond especialmente na cena magnífica em que não aceita os modos de Thursday em sua própria casa, um dos sublimes momentos do filme. Bond interpreta o Sargento O’Rourke o pai do Tenente O’Rourke (John Agar), que namora Philadelphia (Shirley Temple), filha do Coronel Thursday que não admite  o anunciado noivado. A inglesa Anna Lee igualmente se destaca com sua característica elegância e suavidade, sendo dela a frase mais emblemática de “Sangue de Heróis”, quando olhando para o horizonte exclama que não vê soldados, apenas bandeiras após ver seu marido partir para a jornada sem retorno da batalha. Shirley Temple, graciosa como dez anos antes, desempenha muito bem a sonhadora jovem recém-chegada do Leste. Victor McLaglen faz o tipo que repetiria nos demais filmes da Trilogia da Cavalaria, porém desta vez bastante feliz com as frases que o roteiro dá a seu personagem, o Sargento Festus Mulcahy. “Sangue de Heróis” permite oportunidade de ótimo desempenho ao infeliz ator Grant Withers que cometeu suicídio em 1959. Oportunidade para se rever duas conhecidas estrelas do cinema mudo, Irene Rich e Mae Marsh, alem de Movita Castañeda, que viria a se casar com Marlon Brando. Pedro Armendáriz e Miguel Inclán, dois atores mexicanos que atuaram antes sob a direção de John Ford em “Domínio de Bárbaros” têm papéis importantes em “Sangue de Heróis”.

Dick Foran, durante uma seresta
interpretando "Sweet Genevieve".
Abertura de caminho para a Trilogia - A cinematografia de “Sangue de Heróis” ficou a cargo de Archie Stout que teve a ajuda de William H. Clothier, este que seria em breve tempo um mestre das filmagens em cores. E lamenta-se que este filme com tomadas belíssimas de Monument Valley tenha sido rodado em preto e branco. Richard Hageman compôs a trilha musical no estilo sinfônico em voga para filmes de ação nos anos 30 e 40, estilo que consagrou Max Steiner. Entre as músicas que fazem parte da trilha sonora de “Sangue de Heróis” estão “Sweet Genevieve”, cantada pelo mocinho de faroestes ‘B’ Dick Foran; “The Girl I Left Behind”, “Garry Owens” e “St. Patrick’s March”. Graças ao sucesso de “Sangue de Heróis” John Ford concretizou seu sonho de filmar “Legião Invencível” e “Rio Grande”, filmes que completariam a célebre Trilogia da Cavalaria. “Sangue de Heróis” é um dos pontos altos da filmografia western de John Ford e um filme no qual se sente integralmente a magia da direção do Mestre das Pradarias.

A famosa sequência que John Ford filmou em Monument Valley,
inspirando-se em tela do pintor Frederic Remington.

O corneteiro é o ator Frank McGrath.

Dança no Forte Apache.

As espetaculares cenas de ação foram dirigidas por Cliff Lyons, que
coreografou quedas com grandes stuntmen, entre outros Richard Fansworth,
Fred Graham, Ben Johnson, Gil Perkins e Henry Wills.

Foto para publicidade, vendo-se Jack Pennick, Pedro Armendáriz, Victor
Mclaglen, Dick Foran, Henry Fonda, John Wayne, George O'Brien,
John Agar e Grant Withers.

John Wayne e Henry Fonda com o casal Shirley Temple e John Agar.
Parece que John Wayne diz a Henry Fonda: "Você é o próprio Coronel Thursday."




Posters francês, espanhol, alemão e inglês de "Sangue de Heróis".