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12 de julho de 2013

SUA ÚNICA SAÍDA (Pursued) – WESTERN FREUDIANO COM ROBERT MITCHUM


O escritor e roteirista Niven Busch havia concluído, em 1945, a melodramática história de “Duelo ao Sol”. Em 1946 Busch escreveu “Sua Única Saída” (Pursued), filme lançado em 1947 e em seguida a história de “Almas em Fúria” que virou filme dirigido por Anthony Mann e que foi lançado em 1950. Todos esses três faroestes com temática fortemente voltada para as agitações da alma humana. “Sua Única Saída” é sobre uma tragédia familiar mais apropriada aos filmes noir muito em voga na década de 40. E essa película pode mesmo ser rotulado como um western-noir, bem ao estilo dos filmes noir da Warner, com fotografia onde predominam luz e sombra, história intrincada contada em flash-backs pelo personagem principal.

Monty, Kirk e Bob Mitchum.
“Outro com furo no queixo! - Niven Busch apresentou seu roteiro intitulado “Pursued” para Milton Sperling, cunhado de Jack Warner, o chefão da Warner Bros. Sperling se interessou pelo projeto e através de sua produtora, associada à Warner Bros., passou a pensar no elenco. O principal papel feminino foi reservado para Teresa Wright, então esposa de Niven Busch e atriz com três indicações para o Oscar, tendo ganho esse prêmio como Melhor Coadjuvante em 1943 por seu trabalho em “Rosa da Esperança”.  O principal personagem masculino deveria ser vivido por um ator jovem, pouco conhecido, mas que demonstrasse forte personalidade, mas não a ponto de roubar o filme de Teresa Wright. O primeiro a ser testado foi Montgomery Clift, que ficou ridículo como cowboy e foi descartado. Curiosamente o primeiro sucesso de Clift seria exatamente como um cowboy em “Rio Vermelho”. Outro teste foi feito com um novo ator chamado Kirk Douglas, que foi vetado por Jack Warner devido ao defeito que tinha no queixo (o furo que viraria a marca registrada de Kirk Douglas). David O. Selznick ofereceu então a Milton Sperling um jovem que mantinha sob contrato chamado Robert Mitchum, ator que havia participado de alguns westerns da série Hopalong Cassidy e feito pequenos papéis em diversos filmes. Quando Jack Warner viu o teste de Mitchum gritou: “Outro com furo no queixo!” Como Mitchum tinha um furo no queixo menor que o de Kirk Douglas, acabou sendo aceito. Niven Busch tinha em mente um western com ambientação noir e foi escolhido como diretor de fotografia o já célebre cinegrafista chinês James Wong Howe. Para dirigir “Pursued” ninguém melhor que Fritz Lang, mas Jack Warner disponibilizou Raoul Walsh, diretor ‘da casa’ (Warner Bros.), de indiscutível e reconhecida competência, apesar de ter apenas um olho.


O atormentado Jeb Rand criança e adulto;
abaixo o final esperado por Jeb Rand.
Tragédia em família - A emaranhada história escrita por Niven Busch começa com o menino Jeb Rand, de três anos de idade, ficando órfão pois seus pais e irmãos foram mortos dentro da própria casa. Algumas imagens difusas da chacina permaneceram na memória de Jeb, que foi adotado pela viúva Medora Callum (Judith Anderson). Na nova casa, uma fazenda, Jeb passou a conviver com Thorley e Adam os filhos de Medora. Enquanto crescia, Jeb era constantemente assombrado por clarões seguidos de botas com esporas brilhantes que se moviam assustadoramente, imagens que ele não conseguia compreender. Já adulto, Jeb Rand (Robert Mitchum) segue para lutar na Guerra Hispano-Americana ocorrida em 1898 e retorna como herói. Jeb se desentende com o irmão adotivo Adam (John Rodney), sendo atacado por ele e matando-o em seguida. Esse fato desperta o ódio de Medora Callum e da irmã adotiva Thorley (Teresa Wright), com quem Jeb pretendia se casar. Paralelamente a esses acontecimentos Grant Callum (Dean Jagger), cunhado de Medora Callum tenta de várias maneiras matar Jeb. Thorley aceita se casar com Jeb para consumar sua vingança, mas seu amor por Jeb fala mais alto e ela o ajuda a fugir do cerco de Grant Callum e seus homens. Capturado mais tarde por Grant, Jeb está prestes a ser enforcado quando é salvo por Medora Callum que atira em Grant, matando-o. É então revelado por Medora que Grant comandou a matança da família Rand por vingança. O motivo da vingança foi o pai de Rand ter sido amante de Medora Callum e ainda ter matado o marido de Medora que era irmão de Grant Callum.

Medora Callum e Jeb Rand;
abaixo Jeb e Thorley.
Amor, ódio e incesto - O que transformou “Sua Única Saída” num dos mais importantes westerns da década de 40 foi tratar de temas incomuns ao gênero. O trauma de infância represado na memória (o pequeno Jeb Rand constantemente assombrado pelas esporas que brilham ao refletir de estranhos clarões); o ódio implacável gerado por questões familiares (a traição entre cunhados); e a alusão a incesto sugerido pela possibilidade de Thorley ser irmã de Jeb. Com elementos próprios de uma autêntica tragédia grega e com personagens de grande complexidade psicológica, este western dirigido por Raoul Walsh é desenvolvido em ritmo lento, com poucos momentos de ação. Mesmo assim o filme absorve o espectador pois o roteiro de Niven Busch não permite que se descubra a verdadeira razão de Medora Callum adotar o pequeno Jeb Rand e também a razão do intenso ódio de Grant Callum. Jogando com a imaginação do espectador, “Sua Única Saída” se transforma na sua meia hora final em filme de suspense na ação e mais ainda no desdobramento psicológico. Ignorando limites de censura para a época, “Sua Única Saída” joga no ar a traição entre os cunhados com a clara possibilidade de um final feliz entre os irmãos adotivos Jeb e Thorley que cavalgam para uma vida marital.

Robert Mitchum e Teresa Wright;
abaixo Teresa com Judith Anderson.
Primeiro grande filme de Robert Mitchum - Foi com este filme que Bob Mitchum se revelou como grande intérprete, ainda que seja difícil aceitar que um ator com a sua personalidade se deixe perturbar por traumas de infância. Mitchum chega até mesmo a dizer em “Sua Única Saída” a frase que o tornaria famoso: “I don’t care” (Não estou nem aí). Sem ter frequentado o Actors Studio, Mitchum exibe o estilo de atuar que tornou famosos Marlon Brando, James Dean e outros. Apenas com seu olhar Robert Mitchum expressa com perfeição o personagem Jef Rand, que Martin Scorsese definiu como um homem para quem “a esperança não era sequer uma possibilidade”. Teresa Wright tem talvez o mais difícil papel de sua carreira, deixando de ser a moça cativante, inocente, sonhadora e frágil de tantos outros filmes. E a menosprezada atriz sai-se bem tendo de demonstrar amor e ódio por seu irmão adotivo. A australiana Judith Anderson, das grandes vilãs do cinema norte-americano, tem oportunidade de interpretar uma mulher arrependida pelo pecado cometido por amor, desejo ou ambos. Judith, que havia impressionado bastante com sua atuação em “Rebeca, a Mulher Inesquecível”, atuaria em seguida em “Almas em Fúria”, sob a direção de Anthony Mann, com história do mesmo Niven Busch. Dean Jagger faz o vingativo irmão cuja perda de um braço mais fez aumentar seu ódio. “Sua Única Saída” marcou a estréia no cinema de Harry Carey Jr., com Alan Hale também no elenco.

Dean Jagger (Grant Callum) e Alan Hale.

A iluminação de James Wong Howe
tornando o filme ainda mais sombrio.
A técnica de Wong Howe - A excepcional fotografia de James Wong Howe torna “Sua Única Saída” fascinantemente sombrio e dá contornos apropriados ao fatalismo do personagem Jeb Rand e à resistência de Medora Callum para esquecer seu passado obscuro. Para este filme James Wong Howe desenvolveu uma técnica para filmar cenas noturnas durante o dia com um filtro que definia a luminosidade necessária. O maravilhoso trabalho de Wong Howe sequer foi lembrada nas indicações para o Oscar como Melhor Fotografia em Preto e Branco na premiação de 1948. A trilha musical de autoria de Max Steiner é por vezes excessiva no estilo sinfônico que o maestro gostava de compor. Robert Mitchum canta, enquanto cavalga, um trecho de “Streets of Laredo”. Em outra cena, numa reunião da família Callum, Mitchum canta “Londonderry Air”, canção popular na Irlanda do Norte, onde é considerada como seu Hino Nacional. Levada aos Estados Unidos pelos imigrantes irlandeses, essa canção recebeu diversas letras, entre elas a de Frederick Edward Weatherly, intitulada “Danny Boy”. Entre as muitas referências feitas a grandes faroestes em “Era Uma Vez no Oeste” está justamente “Danny Boy”, cantada antes da chacina da família McBain, assim como em “Sua Única Saída”, em que é cantada antes da desintegração da família Callum.

Raoul Walsh com o cavalo;
abaixo Niven Busch e Harry Carey Jr.
Precursor do psicologismo nos faroestes - Conta-se que o descuidado Raoul Walsh, cansado das intromissões de Niven Busch durante as filmagens, disse ao escritor que o problema dele (Busch) era se apaixonar por seus roteiros. Walsh talvez tenha sido o diretor menos exigente e tranquilo de Hollywood, mas com seu jeito distante e aparentemente desatento, Walsh realizou filmes portentosos. São do veterano Walsh os clássicos “O Intrépido General Custer”, “Um Punhado de Bravos”, “Golpe de Misericórdia” e o excepcional “Fúria Sanguinária”. A esses títulos e a muitos outros importantes, Raoul Walsh juntou “Sua Única Saída”, faroeste precursor da onda de filmes do gênero com abordagem dita psicológica que vieram a seguir. Isto se desconsiderarmos “Consciências Mortas”, de 1943, igualmente rico na análise de comportamentos humanos. Vieram a seguir “O Matador”, “Matar ou Morrer” e, para o bem ou para o mal, o gênero nunca mais foi o mesmo. Um dos filmes mais subestimados de Hollywood, “Sua Única Saída” teve cópia remasterizada paga por Martin Scorsese inconformado com o esquecimento desse filme dirigido por Raoul Walsh. Para falar de Walsh, vale lembrar Harry Carey Jr., falecido no ano passado (2012), que disse certa vez que era um ator feliz pois em seus três primeiros filmes havia sido dirigido pelos melhores diretores norte-americanos: Ford, Hawks e Raoul Walsh.

A talentosa Teresa Wright.


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