UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

20 de fevereiro de 2017

ERA UMA VEZ NO OESTE (C’Era Una Volta Il West) – A ‘MAGNUM OPUS’ DE SERGIO LEONE


Sergio Leone
Estudioso da história do Velho Oeste norte-americano e de tudo que se relacionava com o gênero cinematográfico que muito o influenciou quando criança (o faroeste, claro), Sergio Leone certamente não levou em consideração a máxima do historiador William K. Everson que dizia: “Os westerns são melhores quando mais simples”. Antes o crítico André Bazin já havia alertado para o fato de superwesterns descaracterizarem o gênero, citando “Os Brutos Também Amam” (Shane) como exemplo de faroeste excessivamente elaborado. Mas em 1967, após o estrondoso sucesso de bilheteria de sua ‘Trilogia dos Dólares’, Sergio Leone pouco estava se importando com opiniões como essas. E com o orçamento de três milhões de dólares que a Paramount colocou à sua disposição Leone entendeu que era o momento de mostrar ao mundo com “Era Uma Vez no Oeste” que seu nome decididamente merecia figurar no panteão dos maiores diretores do gênero. Para se conhecer detalhes da pré-produção, escolha de elenco e outros pormenores deste filme sugiro a leitura da postagem, aqui no WESTERNCINEMANIA do link http://westerncinemania.blogspot.com.br/2013/07/era-uma-vez-um-western-dirigido-por.html


Esperança e morte no Monument Valley.
Um sonho e uma vingança - Jill McBain (Claudia Cardinale) é uma ex-prostituta de New Orleans que chega à cidade de Flagstone, no Arizona, para conhecer seu marido, o irlandês Brett McBain (Frank Wolff), com quem se casara um mês antes em New Orleans. McBain é proprietário de terras por onde passará a estrada de ferro pertencente a Morton (Gabriele Ferzetti). Este quer as terras de McBain e contrata o pistoleiro Frank (Henry Fonda) para intimidar o irlandês, mas Frank assassina friamente McBain e seus três filhos. A princípio Jill pensa em se desfazer da propriedade chamada Sweetwater, porém após conhecer o bandido mexicano Manuel ‘Cheyenne’ Gutierrez (Jason Robards) e ainda um estranho apelidado ‘Harmônica’ (Charles Bronson), Jill muda de ideia. A mulher passa então a acalentar o sonho do marido de transformar Sweetwater não apenas em uma mera estação, mas em uma pequena cidade. Cheyenne acaba de fugir de uma prisão e Harmônica quer se vingar de Frank que havia matado seu irmão há muitos anos, quando Harmônica era ainda adolescente. Morton atraiçoa Frank que então mata o magnata. Morton porém havia antes ferido mortalmente Cheyenne. Frank e Harmônica se defrontam num duelo vencido por Harmônica que só então revela a Frank quem ele é. Jill permanece em Sweetwater, vendo a cidade florescer.

Henry Fonda e  (abaixo) Charles Bronson
Western como se fosse ópera - Esta história relativamente simples, escrita por Dario Argento, Bernardo Bertolucci e pelo próprio Sergio Leone rendeu um roteiro de 420 páginas das quais somente 14 eram de diálogos. Leone costumava citar uma frase de John Ford na qual o Mestre das Pradarias afirmara que “um bom filme de ação não pode ter muitos diálogos”. Contraditoriamente, “Era Uma Vez no Oeste” não foi concebido por seu diretor para ser um filme de ação, mas sim uma espécie de ópera onde pudesse exercitar sua criatividade cinematográfica. Assim como em muitas óperas, cada personagem é caracterizado por um tema musical e disso se encarregou magistralmente Ennio Morricone. Com a música do maestro-compositor somada às ideias que tinha para as não muito numerosas sequências que o roteiro indicava, Leone contou com a preciosa colaboração do diretor de arte Carlo Simi para construir os impressionantes cenários para a magna ópera-western que o delirante diretor imaginou. Não se canta em “Era Uma Vez no Oeste”, mas este monumental e compassado western é um espetáculo que bem poderia ser encenado no Scala de Milão ou no Metropolitan Opera de Nova York.

Charles Bronson (acima; nas demais fotos
Al Mulock, Jack Elam e Woody Strode
Sequências ultraelaboradas - Para um western de 171 minutos (como foi lançado na Europa) ou 165 minutos como a duração da edição lançada em DVD duplo, “Era Uma Vez no Oeste” possui relativamente pouca ação. Mas em cada momento em que ocorrem confrontos a bala, como na sequência inicial do duelo de Harmônica contra três pistoleiros, a câmara de Tonino Delli Colli orientada por Leone explora incansavelmente através de close-ups personagens e detalhes de tudo quanto estiver ao alcance das lentes jamais apressadas do cinegrafista. Essa sequência inicial dura na tela exatos onze minutos, menor apenas àquela do epílogo em que Harmônica mata Frank, não sem antes realizarem um vagaroso balé, entrecortado por um flashback igualmente lento, sequência que dura 13 minutos. Mais apressado é o massacre dos McBain, até porque seria de extremo mau gosto que as mortes dos irmãos adolescentes Patrick (Stefano Imparato) e Maureen (Simonetta Santaniello) e do pequeno Timmy (Enzo Santaniello) fossem exploradas com requintes de violência comuns às outras mortes. A maior parte das sequências de “Era Uma Vez no Oeste” são tão arrastadas quanto perfeitas e majestosas visualmente, com Leone mudando bastante a estética de seus primeiros dois filmes com Clint Eastwood e ensaiada com “Três Homens em Conflito” (Il Buono, Il Brutto, Il Cattivo).

Henry Fonda com Marco Zuanelli;
Lionel Stander com Jason Robards
Diálogos antológicos, outros nem tanto - O impacto visual deste western é formidável, como a primorosa e inesquecível apresentação da cidade de Flagstone ao som de “C’Era Una Volta Il West”, assim como a entrada em Sweetwater (Monument Valley). “Era Uma Vez no Oeste” faz referências a inúmeros faroestes clássicos norte-americanos (30 referências, segundo o escritor Christopher Frayling, reconhecido como o maior conhecedor da obra de Leone) e o diretor italiano não poderia deixar de fazer uma homenagem maior com locações no espaço sagrado onde John Ford rodou oito de seus westerns. Nessa sequência ouve-se “L’America di Jill”, outra admirável composição de Ennio Morricone. Aparentemente ninguém tem pressa em “Era Uma Vez no Oeste” pois todos os personagens fazem longas reflexões antes de qualquer fala, por menor e mais irrelevante que seja o que se tem a dizer. E nenhuma frase expressada por Cheyenne (um bandido mexicano lembro) deixa de ser carregada de filosofia que até o próprio Jason Robards constrangidamente é obrigado a pronunciar. Mas se os diálogos de Cheyenne parecem ser no mais das vezes inoportunos, há aqueles que entraram para o rol das frases antológicas do faroeste, como o diálogo entre Snaky (Jack Elam) e Harmônica: “Parece que há um cavalo a menos” / “Não, trouxeram dois a mais”, após o que Harmônica liquida os três oponentes. Mais tarde o mesmo Harmônica diz espirituosamente, referindo-se aos bandidos mortos: “Uma vez vi três casacos esperando um trem; dentro deles havia três homens e dentro dos homens havia três balas”. E ainda quando Frank diz para Wobbles (Marco Zuanelli): “Como confiar em um homem que usa suspensórios e cinto; você não confia nem nas suas calças...”

Jason Robards e Gabriele Ferzetti
Roteiro falho - A história escrita por Argento, Bertolucci e Leone foi roteirizada por Sergio Donatti e transcrito para o Inglês por Mickey Knox. Mesmo com tantas mãos participando do trabalho há em “Era Uma Vez no Oeste” algumas falhas no roteiro que não passam despercebidas nem pelo mais desatento espectador. Entre elas a falta de uma razão para Cheyenne ajudar Harmônica; o mortal ferimento de Cheyenne, alvejado por Morton e que não o afeta durante seu longo diálogo com Jill que antecede o duelo final entre Frank e harmônica; Jill se envolver com Frank que massacrara a família de seu marido; Cheyenne não ter se lembrado que no encontro no bar Jill estava presente, assim como Harmônica. Tantos furos no roteiro comprometem bastante este western tão elaborado de Leone e que se prolonga em close-ups após close-ups. Sabe-se que Clint Eastwood, Lee Van Cleef e Eli Wallach foram inicialmente pensados por Leone para interpretar respectivamente Harmônica, Frank e Cheyenne. Esse fato explica a forçada presença deste último personagem desperdiçado inteiramente no filme, a ponto de se imaginar que “Era Uma Vez no Oeste” ficaria muito melhor sem o bandido mexicano o qual certamente Eli Wallach tornaria muito mais interessante.

Claudia Cardinalle
Claudia Cardinale, beleza insuficiente - Henry Fonda está soberbo como o vilão Frank, ele que representou melhor que ninguém e em tantos filmes personagens íntegros. Charles Bronson menos taciturno e quem ouvir opiniões de outros participantes do filme no documentário que acompanha o filme compreenderá melhor o processo criativo de Bronson como intérprete. O bom ator Jason Robards passa o filme como estranho no ninho a proferir frases de descabida profundidade para seu personagem, o mais eloquente bandido mexicano do cinema. Gabriele Ferzetti como o fragilizado dono de ferrovia poderia ser mais expressivo. Claudia Cardinale inunda a tela com sua beleza mas deixa a desejar como atriz dramática num papel que a espanhola (de Almería) Nieves Navarro interpretaria com mais força, mas de olho na bilheteria prevaleceu o nome de Claudia. O vasto elenco de coadjuvantes traz os norte-americanos Jack Elam, Woody Strode e o canadense Al Mulock na sequência inicial. O ótimo Aldo Sambrell tem pouca oportunidade para aparecer.

Henry Fonda e Charles Bronson
Um filme dependente da musica - Se “Era Uma Vez no Oeste” acaba por ser um filme arrastado com os excessos impostos por Leone, por outro lado o espectador se extasia com a beleza das imagens que se sucedem, sequência após sequência. Essas imagens são extraordinariamente valorizadas, como foi dito, pela inspiradíssima trilha musical de Morricone, sublime em certos momentos e, sem dúvida uma das mais perfeitas já compostas para um filme. A exceção é o tema de Cheyenne “Addio a Cheyenne”, executado em banjo, tabla e o assovio de Alessandro Alessandroni, tema que nada tem de mexicano, com andamento semicômico e que destoa das magníficas demais peças musicais. A voz da soprano Edda Dell’Orso e o Coral de Alessandro Alessandroni entoando o “Finale” é, ao mesmo tempo, enternecedor e sombrio gravando as imagens indelevelmente na mente do espectador. A importância da musica neste western de Sergio Leone pode ser melhor estimada assistindo-se algumas das deslumbrantes sequências sem a trilha, o que empobrece sobremaneira o resultado final. Maiores informações sobre a trilha composta por Ennio Morricone podem ser lidas neste link:

Dino Mele
Suprema teatralização - Leone pretendeu mostrar a chegada da civilização ao Velho Oeste realizando um filme majestoso e deslumbrante. Atingiu seu objetivo pois nenhum outro western se compara a “Era Uma Vez no Oeste” quanto a impressionar pelo lirismo de suas imagens. Reconhecido tanto por sua criatividade quanto por seus excessos, Leone não dosou seu estilo e concebeu uma grande ópera-western, a suprema teatralização do gênero que mais justo seria ser creditada como um filme de Sergio Leone e Ennio Morricone.


3 de fevereiro de 2017

PAT GARRETT & BILLY THE KID – SAM PECKINPAH E UMA LENDA DO WESTERN



Aos 33 anos de idade Rudolph Wurlitzer escreveu o roteiro de “Corrida Sem Fim” (1971), filme que instantaneamente virou um cult-movie dirigido por Monte Hellman, diretor que era amigo de Sam Peckinpah. ‘Bloody Sam’ ficou impressionado com este filme estrelado por James Taylor e Warren Oates e acabou conhecendo Wurlitzer que lhe falou sobre uma história que acabara de escrever narrando as últimas semanas de vida de Billy the Kid antes de ser morto por Pat Garrett. Peckinpah já havia abordado esse tema quando escreveu o roteiro de “The Autentic Death of Hendry Jones”, roteiro que foi rejeitado por Marlon Brando para seu western “A Face Oculta” (One-Eyed Jacks). O tema em questão era a relação entre dois bandidos sendo que um, o mais velho (Karl Malden), passa para o lado da lei. As similitudes atraíram Sam que se interessou em dirigir o filme baseado no roteiro de Wurlitzer, western produzido pela Metro Goldwyn Mayer com orçamento previsto de três milhões de dólares e 50 dias de filmagens. O prestígio de Peckinpah estava em alta depois do extraordinário êxito artístico de “Meu Ódio Será Sua Herança” (The Wild Bunch) e do previsível sucesso comercial do excelente “Os Implacáveis” (1972). Havia no ar uma quase certeza que Peckinpah realizaria outro grande filme.

Nas fotos à direita Rudolph (Rudy) Wurlitzen com Sam Peckinpah;
abaixo Steve McQueen em "Os Implacáveis" e
William Holden em "Meu Ódio Será Sua Herança".


James Coburn e Kris Kristofferson
Amizade e morte - Pat Garrett (James Coburn) e Billy the Kid (Kris Kristofferson) haviam sido amigos quando ambos eram foras-da-lei. Billy the Kid continuou na sua vida de crimes alugando seu revólver ao barão de gado John Chisum (Barry Sullivan) durante o conflito armado entre criadores e que ficou conhecido como ‘A Guerra do Condado de Lincoln’. Garrett por sua vez passou para o lado da lei e uma das incumbências que recebeu como xerife foi a de fazer o ex-amigo sumir da região, sair do país ou até mesmo matá-lo se isso fosse necessário. Autoridades como o Governador Lew Wallace (Jason Robards) e investidores queriam ver o Novo México sem a ameaça que Billy the Kid representava. Considerando a antiga amizade, Garrett orienta Billy a fugir para o México mas diante da recusa passa a persegui-lo, emboscando-o e o prendendo. Billy consegue escapar matando dois guardas e reencontra seu bando em Fort Sumner, mesmo sabendo que Garrett está em seu encalço. Billy se descuida e após um encontro amoroso com Maria (Rita Coolidge) é morto por Pat Garrett. Este por sua vez é emboscado e morto 28 anos depois por um homem que anuncia estar vingando a morte de Billy the Kid.

Acima Sam Peckinpah com James Coburn e
Kris Kristofferson; abaixo L.Q. Jones
Desastre anunciado - Incontáveis vezes a lendária figura de Billy the Kid foi levada ao cinema e a mais respeitada (pela crítica) das versões foi a de 1957 dirigida por Arthur Penn e intitulada “Um de Nós Morrerá” (The Left-Handed Gun). Com a dinheirama disponibilizada pela MGM e o magnífico elenco reunido nenhuma dúvida havia que Peckinpah realizaria o definitivo filme sobre William Bonney, assim como ninguém duvidava que Sam criaria, como de hábito, problemas durante as filmagens em Durango no México. Havia sido assim em praticamente todos os filmes anteriores de Peckinpah, especialmente com “Juramento de Vingança” (Major Dundee) que foi destruído pela Columbia Pictures e renegado por Peckinpah. Em 1972, aos 47 anos o discutido diretor estava bebendo mais do que nunca, assustando até mesmo seus amigos mais próximos como L.Q. Jones que atua em “Pat Garrett & Billy the Kid”. Depoimento de James Coburn relata que Sam começava a beber pela manhã e às três da tarde, todos os dias, estava em estado deplorável, mal conseguindo andar ou falar. Sam trabalhava, quando muito, três, no máximo quatro horas por dia e mesmo assim piorando a cada momento, ingerindo litros de vodka ou gim. A MGM cogitou substituir Peckinpah mesmo com muito dinheiro já investido no filme, mas todos sabiam que o elenco se rebelaria solidário a Sam e o prejuízo seria ainda maior. Gordon Dawson, constante assistente de direção de Peckinpah e amigo do diretor foi quem filmou muitas sequências para não atrasar mais ainda a produção. Só mesmo um milagre poderia salvar “Pat Garrett & Billy the Kid” do desastre completo.

Kris Kristofferson,
Rita Coolidge e Bob Dylan.
A música de Dylan – Desde o início do projeto Sam Peckinpah definiu James Coburn como Pat Garrett e para interpretar Billy the Kid, que foi dado como morto aos 21 anos de idade, Kris Kristoferson parecia uma boa opção apesar dos 36 anos do ator. Compositor com alguns sucessos no momento, Kristofferson apresentou seu amigo Bob Dylan a Peckinpah que pediu a Dylan uma canção falando de Billy the Kid, entregando-lhe uma sinopse do filme. Sem demora Bob fez uma música, quilométrica como era seu estilo, narrando em tom elegíaco o fim de Billy the Kid. A bela canção tinha muitas palavras em Espanhol e Peckinpah, apaixonado pelas coisas do México, gostou tanto que pediu a Dylan para compor toda a parte musical do filme. Além disso o convidou para uma pequena participação como ator, o que por certo arrastaria aos cinemas os numerosos fãs do cantor-compositor, expoente maior da contracultura musical. Quem não deve ter gostado nada foi Jerry Fielding que normalmente musicava os trabalhos de Sam. Rita Coolidge, também cantora e Donnie Fritts, compositor, foram igualmente agregados ao elenco, o que deixou o filme de Peckinpah com jeito de western-Woodstock. A história de Rudolph Wurlitzer pouco tinha de original e o roteiro não era dos mais inspirados o que levou Peckinpah a reescrever muitos dos diálogos. Durante as filmagens as músicas que Bob Dylan foi apresentando foram determinantes para a atmosfera melancólica, lúgubre mesmo do filme, ainda que o diretor tenha propositalmente concebido um western lento e triste que em momentos descamba para a pura monotonia.

Acima Jack Elam e Kris Kristofferson;
abaixo Slim Pickens e James Coburn.
Fragmentação desnecessária - A MGM queria que “Pat Garrett & Billy the Kid” fosse lançado com 95 minutos de duração, mas aceitou os 103 minutos vistos nos cinemas. Observou-se quase unanimemente que faltavam ao filme algumas sequências que provavelmente ficaram na sala de edição (o filme teve o número recorde de seis montadores). Posteriormente circulou uma versão em vídeo, tida como restaurada, com 122 minutos mas ainda assim este western de Peckinpah não conseguiu agradar apesar dos inegáveis bons momentos que apresentava em meio a outros que deixavam a desejar. Veio em 2005 a versão com 115 minutos restaurada pela Turner, que seria a mais próxima daquilo que Peckinpah queria ver exibida e mesmo essa versão não pode ser comparada aos melhores trabalhos do diretor. O pecado maior de “Pat Garrett & Billy the Kid” é o excesso de episódios desnecessários que criam hiatos no desenvolver da trama principal que é a relação entre Garrett e Kid. Muitos atores de renome, entre eles Katy Jurado, Jack Elam, Emílio Fernandez, Jason Robards, Barry Sullivan, Chill Wills, Gene Evans e Richard Jaeckel (com uma horrível peruca), participam do filme em sequências aparentemente construídas especialmente para justificar suas presenças no elenco, presenças forçadas e quase sempre prescindíveis. Paradoxalmente a sublime sequência com Katy Jurado e Slim Pickens e a da morte de Jack Elam são os pontos altos do filme, ao lado da sequência que tem a participação de R.G. Armstrong e Matt Clark quando da fuga de Billy the Kid da prisão.

Kris Kristofferson com Emílio Fernández e Bob Dylan;
James Coburn e Jason Robards.

Peckinpah em cena com James Coburn;
abaixo R.G. Armstrong e James Coburn
Apreço imerecido - O epílogo com a morte de Billy, que poderia redimir o langoroso ritmo de “Pat Garrett & Billy the Kid”, é decepcionante, frio, sem força e termina pateticamente com Garrett atirando contra o espelho no qual se enxerga após matar Kid. Obviamente Garrett seria o alter-ego de Peckinpah que freudianamente tenta expiar seus pecados. Billy the Kid se tornou uma lenda, enquanto seu matador passou para a história apenas como coadjuvante. Desde o início do filme, porém, fica claro que para Peckinpah a figura de Garrett com seu dilema pessoal é mais interessante que a de William Bonney, a quem se atribui 21 mortes, uma para cada ano que viveu. O Garrett de Peckinpah tinha admiração pelo desapego de Billy à vida e tinha ainda um apreço imerecido (e historicamente equivocado) pelo pistoleiro que matava friamente suas vítimas ignorando qualquer ética de enfrentamento. É assim que mata Alamosa Bill (Jack Elam) num duelo em que Alamosa conta só até oito ao invés de dez e depara-se com Kid virado desde a contagem ‘três’ e pronto para disparar contra o oponente. É quando ouve-se uma das melhores frases do filme com Alamosa Bill antes de morrer dizendo “Eu nunca soube contar muito bem...” Ao contrário de Billy que vive intensamente, Garrett não deixa de lembrar que quer envelhecer com seu país, terra que está sempre crescendo. Peckinpah prefere ainda ignorar o fato verídico de Garrett ter ido cobrar do Governador Wallace os 500 dólares de recompensa pela morte do ex-amigo.

Katy Jurado e Slim Pickens
Os tempos estão mudando... - “Pat Garrett & Billy the Kid” contém alguns dos diálogos mais sem sentido que um western sério poderia ter e o diálogo entre Garrett e o sheriff McKinney (Richard Jaeckel), assim como as últimas palavras do agonizante Paco (Emílio Fernández) são exemplares nonsense. Jamais se viu alguém prestes a morrer se expressar com voz tão firme quanto a de El Índio Fernández. Talvez para agradar Bob Dylan ou influenciado pela presença do grande poeta do rock, o filme traz frases como ‘how do you feel?’ e ‘the times they’re changing’, pinçadas de algumas de suas imortais canções. Nenhum erro de continuidade, diálogo risível ou equívoco factual, no entanto, neste western chega próximo à improvisadamente expandida participação de Bob Dylan. Arremedo de ator, sua pouco carismática figura na tela chega a ser constrangedora. Ainda bem que Dylan não insistiu nessa carreira. James Coburn domina todo o filme com sua presença sólida e intensa, enquanto Kristofferson está bem como Kid. No enorme elenco de coadjuvantes brilham Slim Pickens, Katy Jurado, R.G. Armstrong (eterno como fanático sempre pronto a matar em nome da Bíblia) e Jack Elam. Uma pena o desperdício de Bruce Dern, Gene Evans e Jason Robards em pontas irrelevantes. Este western foi tão mutilado que os créditos indicam as presenças de Elisha Cook Jr. e Dub Taylor que não aparecem no filme.

Kris Kristofferson e Bob Dylan;
James Coburn com Rutanya Alda (à direita)
Filme imperfeito - “Pat Garrett & Billy the Kid” foi concluído em 71 dias, 21 dias acima do planejado e o custo final atingiu 4,6 milhões de dólares, valores nunca recuperados inteiramente com as bilheterias. A paciência da MGM perdurou porque, como esperado, “Os Implacáveis” foi um estrondoso sucesso de bilheteria e havia a esperança que isso se repetisse com o novo western de Peckinpah. Hoje “Pat Garrett & Billy the Kid” é lembrado como o filme que tinha “Knockin’ on Heaven’s Door” em sua trilha musical, canção que virou sucesso através das gravações de Eric Clapton e anos depois com o Guns and Roses. Mas a principal canção é “Billy the Kid”, ouvida nos créditos e várias vezes durante o filme. Apesar dessas magníficas composições, a trilha musical de Dylan é desigual, até mesmo por não ser ele um compositor de música incidental. Não são poucos os que consideram “Pat Garrett & Billy the Kid” uma obra-prima, o que é um exagero para um filme tão imperfeito. Ainda assim, deve ser visto por ser a abordagem de um dos grandes diretores do gênero a respeito de Billy the Kid, a quem o cinema ainda deve um filme à altura da lenda que envolve a vida de William Bonney.

Sam Peckinpah e Bob Dylan; Kriss Kristofferson e James Coburn


A cópia de "Pat Garrett & Billy the Kid" foi gentilmente cedida pelo cinéfilo e colecionador Thomaz Antônio de Freitas Dantas.