UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

29 de março de 2016

DJANGO, O BASTARDO (DJANGO, IL BASTARDO) – O ESPECTRO VINGADOR


Sergio Garrone e
Antonio De Teffé.
Foram produzidos aproximadamente 50 westerns spaghetti apropriando-se do nome ‘Django’, personagem criado pelos irmãos Corbucci (Sergio e Bruno) e imortalizado por Franco Nero em 1966. Entre os muitos atores que personificaram ‘Django’ está Anthony Steffen, que por três vezes usou o famoso nome, respectivamente em “Poucos Dólares para Django” (Pochi Dollari per Django), de 1966; “Django, o Bastardo” (Django Il Bastardo), de 1969; e “Um Homem Chamado Django” (W Django!), de 1971. O brasileiro Antonio De Teffé (Steffen), nascido na Embaixada Brasileira em Roma, foi provavelmente o ator principal que mais atuou em westerns spaghetti, num total de 37 filmes do gênero. E para o autor Howard Hughes “Django, o Bastardo” é o melhor faroeste da filmografia de Steffen. O mesmo Hughes afirma que “Django, o Bastardo” é um dos quatro melhores westerns que fizeram uso da ‘Franquia Django’, sendo os demais “Django”, de Sergio Corbucci, “Django Mata por Dinheiro” (10.000 Dollari per un Massacro), de Romolo Guerrieri, e “Viva Django!” (Preparati la Bara!), de Ferdinando Baldi. Não bastassem essas duas razões para assistir “Django, o Bastardo”, há ainda a propalada influência deste filme dirigido por Sergio Garrone e escrito por Garrone e pelo próprio Anthony Steffen sobre “O Estranho Sem Nome” (High Plains Drifter), realizado por Clint Eastwood em 1973. É pouco provável que Eastwood, já com a carreira norte-americana a pleno vapor, a partir de seu retorno a seu país, tenha assistido a “Django, o Bastardo”, que só veio a ser exibido nos Estados Unidos em 1974. Mas são inegáveis os pontos comuns entre os dois filmes.


Três cruzes, três mortes - Alguns anos após o término da Guerra Civil surge numa cidade do Oeste um estranho de nome Django (Anthony Steffen), vestido de preto e com um enorme poncho cobrindo seu corpo. O estranho finca na rua principal uma cruz contendo uma inscrição que indica que Sam Hawkins (Giancarlo Sisti) morreu naquele dia. Assustado Hawkins sai à rua e Django o executa, bem como a seus comparsas. A próxima vítima do estranho é Howard Ross (Jean Louis), com o mesmo ritual da execução anterior. Tais mortes preocupam Rod Murdock (Paolo Gozlino), o homem mais rico da cidade, fortuna conseguida por meios ilícitos entre esses extorsão. Murdock sabe que será o seguinte na lista de Django porque há 13 anos, durante a Guerra de Secessão quando ele, Hawkins e Ross eram oficiais confederados, os três traíram todo o regimento que comandavam. Covardemente tramaram para que o regimento fosse vítima de uma armadilha que terminou com a aniquilação total da tropa, exceto, aparentemente, Django. Murdock reúne um pequeno exército de homens para se defender de Django que é surpreendido por Hugh Murdock (Luciano Rossi), irmão de Rod. Hugh fere o estranho no ombro, fazendo-o sangrar e mais tarde o embosca e tenta enforcá-lo pendurando-o numa viga da igreja local, mas é Django que consegue matar o oponente. Acreditando que Django é um ser sobrenatural, os homens de Murdock se dividem e travam um grande tiroteio, restando vivos poucos homens para ajudar o temeroso chefe. O duelo final ocorre na rua principal da cidade e Murdock vê uma cruz com seu nome fincada no chão; baleado em duelo por Django, Murdock sucumbe próximo à cruz que indica que ele morrera naquele dia. Do mesmo modo discreto que chegou à cidade Django vai embora.

Na terceira foto Luciano Rossi.
Ambientação fantasmagórica - Sergio Garrone havia dirigido três westerns spaghetti antes de “Django, o Bastardo”, o último deles em 1968, “Uma Longa Fila de Cruzes” (Una Lunga Fila di Croci) estrelado por Anthony Steffen. Foi quando em parceria desenvolveram o roteiro do novo ‘Django’ concebendo o filme sob uma atmosfera gótica, ou seja, lúgubre e mórbida, pouco comum à estética dos spaghetti. Cruzes proliferavam nos faroestes europeus uma vez que não poderiam faltar cemitérios para tantas mortes a cada filme realizado e exemplo disso é justamente o título anterior da filmografia de Garrone. O mérito maior do diretor é dar a “Django, o Bastardo” uma ambientação diferente, mais próxima dos filmes de horror, especialidade de cineastas como o inglês Terence Fischer e o norte-americano Roger Corman. Quem mais, senão um diretor italiano imaginaria uma sequência de enforcamento de extremado atrevimento e violência passada dentro de uma igreja, respeito à parte, cenário dantesco perfeito para uma tragédia dessa proporção. A primeira metade de “Django, o Bastardo” tem desenvolvimento primoroso, perdendo um pouco sua força na metade final unicamente pela repetição de confrontos com as intermináveis mortes resultantes, a maior parte delas pelo Colt de Django. O anti-herói vingador, que por características intrínsecas ao personagem é indestrutível, surge aqui protegido por sua condição sobrenatural.

Anthony Steffen
Espectro vingador - Foge, no entanto, o roteiro de Garrone-De Teffé, da simplificação comum ao gênero ao propor que Django não é um fantasma, mas um ser de carne e osso que sofre e sangra quando ferido. Quem ‘descobre’ que Django é um simples mortal é Hugh Murdock, personagem mentalmente perturbado e inconformado com a liderança do irmão Rod. O outro personagem que vê Django como homem comum é Alida Murdock (Rada Rassimov), esposa de Hugh, mulher cética e materialista, a quem só o dinheiro interessa. Na sequência derradeira do filme, Alida convida Django a ficar ao lado dela porque “nós seremos ricos para sempre”, tendo como resposta do estranho que “nós não viveremos para sempre”. Antes, perguntado quem ele é, Django responde ser “o diabo vindo do inferno”. Este Django de Sergio Garrone (e Antonio De Teffé) é um personagem impressionante e único dos spaghetti, juntando-se anos depois ao ‘Stranger’ que visita Lago no citado “O Estranho Sem Nome” e ao ‘Pregador’ de “O Cavaleiro Solitário” (Pale Rider), ambos criações igualmente sobrenaturais de Clint Eastwood. Voltando um pouco mais no tempo, “No Reino das Sombras” (The Moonlighter), dirigido por Ray Nazarro em 1953 trata igualmente do retorno e vingança de um homem (Fred MacMurray) dado como morto. Em “Django, o Bastardo” a sorte dos três traidores do pelotão confederado é irreversivelmente traçada com a aparição do fantasma vingador de Django, cuja imagem arrepiante ao longo da rua principal, com seu poncho aberto que o assemelha a um morcego, animal que como nenhum outro representa o sinistro, o tétrico e a morte.

Bandidos com cruzes às costas.
Criatividade inesgotável - Imagina-se o quanto os roteiristas tinham que se esforçar para criar sequências inusitadas para um western spaghetti, visto que em seus anos mais produtivos chegava a uma centena o número de filmes do gênero. Mais ainda com uma mente criativa como a de Sergio Leone inovando sequência após sequência em seus filmes. Porém a dupla Garrone-De Teffé foi inspirada ao criar o tenso momento do quase enforcamento de Django dentro de uma igreja. Mesmo o anúncio das mortes feito através das cruzes com os nomes da lista do vingador é inusitado. Outro momento marcante é o retorno de três capangas de Murdock à cidade, mortos sobre seus cavalos, cada um com uma cruz às costas, bem como a câmera rente ao chão com Django em primeiro plano atingindo certeiramente um homem que desaba de sobre o balcão. Dignas de Luchino Visconti são as tomadas de Hugh Murdock fingindo dormir e olhando de soslaio as escapadas da esposa. O próprio ator Luciano Rossi aparenta ser um personagem viscontiano em “Django, o Bastardo”.

Anthony Steffen e a sequência de enforcamento na igreja.

Luciano Rossi e Rada Rassimov
O minimalismo de Anthony Steffen - Creditado como ‘Lu Kamante’, Luciano Rossi procura, como o psicótico mais novo dos irmãos Murdock, fazer uma pálida imitação de Klaus Kinski, sem jamais se aproximar da natural insanidade que o ator polonês incutia em seus personagens. Quanto a Anthony Steffen, chegou-se a comentar que ele escreveu um roteiro com o personagem principal que favorecesse seu estilo ‘minimalista’ de atuar. De fato o ator pouco se expressa, exceção aos momentos em que é ferido ou fica pendurado a uma corda pelo pescoço, mas o filme nada exige de Django, além de surgir e desaparecer misteriosamente e fincar cruzes pela rua da cidade. Cobrava-se muito de Anthony Steffen, mais que de outros atores do subgênero (mesmo Clint Eastwood), porque os press-releases divulgados ressaltavam ter tido ele, Steffen, experiência de teatro shakespeariano quando viveu na Inglaterra. Vendo o ator em “Django, o Bastardo”, isso é mais que duvidoso. O grande personagem do filme é Alida Murdock, vivida por Rada Rassimov, que faz esquecer as centenas de mulheres que participam inexpressivamente de faroestes. Alida é incansável em sua busca por dinheiro e leva o espectador a esperar que mantenha um caso com o cunhado, isto pelas vezes que se evade do quarto para se encontrar com Rod Murdock enquanto o marido finge dormir mas espreita as saídas da esposa. Garrone sequer explorou os belos atributos físicos de Rada Rassimov e o filme não poderia terminar sem Alida arriscar conquistar Django, com quem, imagina, faria uma parceria invencível em seus intentos. Atenção para a presença de Celso Faria, também ator brasileiro, como soldado confederado morto na emboscada.

Anthony Steffen
Silver nugget’ - “O Estranho Sem Nome” ressente-se de uma mais eficiente trilha musical e o mesmo ocorre com “Django, o Bastardo”. Toma como modelo o estilo de Ennio Morricone, com direito inclusive a vocal feminino lembrando a extraordinária Edda Dell’Orso, evidentemente sem a força e brilho desta e sem acrescentar a transcendência do modelo maior que foi a trilha composta para “Era Uma Vez no Oeste” (C’Era Una Volta Il West). Neste filme de Sergio Garrone a trilha sonora musical ficou a cargo de Elsio Mancuso e Vasili Kojucharov. Grande parte de “Django, o Bastardo” tem sua ação em sequências noturnas, sendo Gino Santini o cinegrafista responsável pelas excelentes imagens que compensam o que a música deixou de acrescentar. Produção claramente de orçamento reduzido, demonstrado na sequência da emboscada que dizima o pelotão confederado, ainda mais se comparado com as sequências de Guerra Civil de “Três Homens em Conflito” (Il Buono, Il Brutto, Il Cattivo) dirigidas por Leone três anos antes. Garrone consegue fazer com que este importante detalhe (orçamento) passe quase despercebido, imprimindo ótimo andamento ao filme, excetuados, como foi dito, os excessivos e prolongados tiroteios. Mesmo aqueles que entendem ser o western spaghetti uma região de árduo garimpo, terão a certeza que “Django, o Bastardo” é uma pepita valiosa que merece ser olhada com atenção.

No chão Paolo Gozlino observado por Anthony Steffen.

Os três oficiais traidores; Rada Rassimov e Anthony Steffen.


Esta cópia de “Django, o Bastardo” foi gentilmente cedida pelo cinéfilo e colecionador Marcelo Cardoso.

25 de março de 2016

CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DE STERLING HAYDEN, ‘UM HOMEM INCOMUM’


Sterling Hayden como Johnny Guitar.
Houve um ator em Hollywood que poderia ter atingido o pleno estrelato no mesmo nível de Marlon Brando, John Wayne, Robert Mitchum, Errol Flynn e outros. Alto, forte, louro e carismático, foi lançado no cinema como ‘O homem mais bonito do cinema’, não obtendo, no entanto, o mesmo brilho que aqueles astros e sem poder se queixar da ‘sorte’. Ele próprio traçou seu caminho e orientou à sua vida o rumo que bem quis, virando as costas para aquilo que tantos perseguem: fama e dinheiro. Chegou a dizer que passava três semanas fazendo filmes horríveis para poder navegar por três meses com seu barco mundo afora, o que lhe dava verdadeira satisfação. Pouco lhe importava restaurantes caros, roupas de griffe, automóveis de luxo, assim como as capas de revistas especializadas, assédio de fãs ou abraços e beijos das mulheres mais desejadas. Esse ator teve, como Errol Flynn, o espírito aventureiro e como Marlon Brando um notório desprezo pela indústria cinematográfica. Sua pronunciada personalidade vista nas telas era um misto da rudeza de John Wayne com a displicência de Robert Mitchum. Ele era Sterling Hayden, ator menos lembrado que estes grandes astros mas cuja presença marcante em alguns grandes filmes jamais será esquecida pelos cinéfilos de verdade.

Sterling Hayden acima como navegador e
abaixo com Madeleine Carroll.
Deus louro - Sterling Hayden nasceu em Upper Montclair, Nova Jersey, em 26 de março de 1916, portanto há exatos cem anos. Foi batizado como Sterling Relya Walter, mas após a morte de seu pai, em 1925, adotou o sobrenome de seu padrasto (James Hayden), passando a se chamar Sterling Walter Hayden. Sua família se mudou para o Maine, onde tomou gosto pela vida de marujo e aos 17 anos o jovem abandonou os estudos e saiu de casa para nunca mais voltar. Aprendeu os truques da navegação trabalhando em navios de vários tipos e aos 20 anos já comandava uma embarcação, dando sua primeira volta ao mundo. Com 1,96m de altura, físico de atleta e uma estampa de fazer inveja aos astros de cinema, os amigos diziam a Sterling que ele estava perdendo tempo com aquele trabalho. Devia mesmo era aportar em Hollywod e logo produtores de cinema, ao receber fotos do já respeitado capitão, foram atrás dele quando atracou seu navio em um porto em 1940. A Paramount logrou convencê-lo a assinar contrato, lançando-o no filme “Virgínia Romântica”, em 1941, como terceiro nome do elenco, atrás de Madeleine Carroll e Fred MacMurray. A publicidade citava o novo ator chamando-o de ‘O bonito deus louro viking’ e Madeleine Carroll logo descobriu os encantos de Sterling. Madeleine era uma das atrizes de maior sucesso do cinema e entre seus êxitos de bilheteria estava “Legião de Heróis” (North West Mounted Police), com Gary Cooper. A louríssima Madeleine, acostumada a ter nos braços galãs como Cooper, Fred MacMurray, Ronald Colman e Douglas Fairbanks Jr., se apaixonou por Sterling Hayden, com quem se casou. Sem perda de tempo a Paramount colocou o novo casal em “A Ilha dos Amores” (1941) e havia a certeza que o estúdio tinha em mãos o mais promissor jovem galã das telas. Vivia-se, porém, tempos de guerra.

Sterling Hayden em duas fotos; à direita com Cecil Kellaway
em "A Ilha dos Amores".

Acima o Marechal Tito e abaixo
Sterling Hayden na U.S. Navy.
Amizade com o Marechal Tito - Com sua experiência como navegador, Sterling Hayden foi recrutado pela Marinha, sendo encaminhado para o COI (Agência de Inteligência) que se transformaria em OSS, Serviço Secreto da U.S. Navy. Uma das missões de Hayden era levar armamentos e suprimentos para a Iugoslávia, onde os partisãs comandados por Tito lutavam contra as forças do Eixo no Mar Adriático. Hayden ficou amigo do líder militar revolucionário comunista Josip Broz Tito. Finda a II Guerra Mundial, Hayden retornou a seu país com a patente de capitão e a comenda ‘Silver Star’ recebida por sua participação no conflito. Os longos períodos distantes de Madeleine Carroll esfriaram a união com Hayden e o retorno dele aos Estados Unidos e ao cinema aconteceu ao mesmo tempo em que se divorciaram, em 1946. A Paramount contava, então com novos galãs como William Holden e Alan Ladd e Sterling Hayden não manifestou grande interesse em disputar com estes atores os melhores papéis. Sua paixão era mesmo o mar, paixão que dividiu com a nova esposa Betty Ann De Noon, com quem se casara em 1947. Entre uma viagem e outra Sterling Hayden fazia algum filme como o western “Barreiras de Sangue” (El Paso), estrelado por John Payne e o policial noir “Numa Noite Sombria”, ao lado de Dan Duryea.

Acima John Huston; abaixo
Lauren Bacall e Humphrey Bogart.
Perseguição política - A política nunca foi o forte de Sterling Hayden que, apenas por simpatia ao amigo Tito que se tornava cada vez mais importante na Iugoslávia onde viria a ser presidente entre 1953 a 1980, aceitou um convite para participar de reuniões com comunistas em Los Angeles. Hayden esteve presente a meia dúzia de reuniões e quando soube que deveria ler obras sobre materialismo dialético, se perguntou “o que eu estou fazendo aqui no meio desta gente?” E nunca mais retornou, às reuniões. Posteriormente, quando o senador Joseph McCarthy deu início ao movimento de “Caça às Bruxas”, que era para expurgar o cinema de todo e qualquer comunista, Hayden foi convidado para presidir uma reunião do Comitê da Primeira Emenda, formado por diversos artistas famosos. O objetivo do Comitê era angariar fundos para ajudar artistas e escritores que começavam a ser presos por serem comunistas. Nessa reunião estavam Humphrey Bogart e Lauren Bacall, Judy Garland, James Mason, os irmãos George e Ira Gershwin, Ida Lupino, Danny Kaye e John Huston, entre outros. Estranhamente, Ronald Reagan apareceu nessa reunião, participando da mesma. A Primeira Emenda da Constituição Norte-Americana proíbe que se limite o direito de livre associação pacífica, bem como a liberdade de expressão. Sterling Hayden entendia como justo o movimento pelos colegas que se viram de um momento para outro impedidos de trabalhar.

Cenas de "O Segredo das Jóias", com
Sterling Hayden com Jean Hagen.
“O Segredo das Jóias” e o FBI - John Huston, então um dos mais prestigiados diretores de Hollywood, chamou Sterling Hayden para ser o ator principal de seu novo filme, o policial noir “O Segredo das Jóias”, que se tornaria um clássico e poderia dar status de astro verdadeiro a Hayden, inclusive por sua grande atuação como o pistoleiro ‘Dix Handley’. Pouco depois de o filme ser lançado o FBI bateu à porta de Hayden e ele teve que prestar depoimento que seria confidencial, segundo orientação do chefe do FBI, J. Edgard Hoover. Não demorou e Hayden foi intimado a prestar ‘testemunho amigável’ no HUAC (Comitê de Atividades Antiamericanas), em Washington. Lá foi ameaçado com a perda da guarda dos filhos que viviam com ele, com impedimento de trabalho como ator e corria ainda o risco de ser preso. Isso tudo implicava em não poder navegar por um bom tempo e Hayden aquiesceu em dar ‘testemunho amigável’, citando em seu depoimento as pessoas que lembrava terem frequentado as tais reuniões de comunistas. Não citou ninguém do meio cinematográfico e disse apenas que ouvira dizer que John Garfield seria um ator simpático ao comunismo. Assim Sterling Hayden escapou da ‘Lista Negra de Hollywood’ mas sabia de antemão que os novos tempos seriam difíceis para ele.

Sterling Hayden em "Johnny Guitar",
abaixo com Joan Crawford.
O inferno de “Johnny Guitar” - O casamento de Hayden com Betty lembrava mais as batalhas da II Guerra, isto apesar dos quatro filhos que o casal teve. Se sua vida pessoal estava atrapalhada, a carreira de ator também não andava bem e Hayden somente conseguia trabalho em filmes de baixo orçamento, muitos deles westerns. Quando Lex Barker deixou a série de filmes “Tarzan”, Hayden foi convidado para substituí-lo, não aceitando pois sabia que se sentia melhor como cowboy ou em filmes policiais que nas selvas usando tanga. Em 1953 foi contratado para protagonizar “Johnny Guitar”, faroeste dirigido por Nicholas Ray e com Joan Crawford como produtora mandando em tudo e em todos. Hayden contou que o período de filmagens foi um dos piores momentos de sua vida pois em casa vivia em guerra com a esposa Betty e na Republic Joan Crawford transformava o filme em verdadeiro inferno. “Johnny Guitar” não fez sucesso nos EUA, sendo, no entanto, saudado como obra-prima na França. Perguntado o que achava desse faroeste que denunciava o macarthismo, Hayden respondia sempre que nunca o havia assistido, como, de hábito, não via nenhum dos filmes em que trabalhava. O ator divorciou-se de Betty em 1953 e nunca trabalhara tanto quanto nesses anos, tempos do ótimo “Meu Ofício é Matar” (com Frank Sinatra), “O Príncipe Valente” (com Robert Wagner e Janet Leigh) e “A Última Barricada” (The Last Command), versão da Republic Pictures do cerco do Álamo que muitos reputam ser melhor que o épico de John Wayne.

Sterling Hayden com Frank Sinatra em "Meu Ofício é Matar"; com Robert Wagner
(de costas) em "O Príncipe Valente"; como Jim Bowie em "A última Barricada".

Sterling Hayden em "O Grande Golpe". acima com
Marie Windsor; abaixo com Ted De Corsia,
Joe Sawyer, Elisha Cook Jr. e Jay C. Flippen.
Tridivorciado - O próximo filme de Sterling Hayden foi “O Grande Golpe”, pelo qual recebeu 40 mil dólares por três semanas de trabalho. Lançado em programa duplo com “O Bandido” (com Robert Mitchum), este policial B dirigido pelo jovem diretor Stanley Kubrick tornou-se clássico imediato, com brilhante interpretação de Hayden. O ator havia se reconciliado e casado novamente com Betty Ann De Noon em 1954, segundo casamento entre os dois que durou um ano apenas, terminando em novo divórcio. E o que parecia impossível tornou a acontecer em 1956 quando se casaram pela terceira vez, continuando a guerra conjugal por mais dois anos, até que em 1958 veio o divórcio definitivo. Sterling estava atolado em dívidas com advogados, pensões alimentícias e ainda devendo ao fisco mais do que recebia pelos westerns que fazia. Entre estes “Valerie”, “E o Morto Venceu” (Gun Battle at Monterey) e “Reinado do Terror” (Terror in a Texas Town), com roteiro de Dalton Trumbo e mais uma denúncia ao macarthismo. Sem pensar nas consequências, Hayden pegou os quatro filhos, desamarrou seu barco e desapareceu pelos mares do sul onde ninguém o conhecia ou nada cobrava dele. Navegar é preciso, mas para navegar é necessário ter dinheiro e eis que, após seis anos longe do cinema Stanley Kubrick lembra de Sterling Hayden.

Sterling Hayden com Anita Ekberg em "Valerie" e pronto para o duelo usando
um arpão contra um revólver em "Reinado do Terror".

Sterling Hayden como Jack D. Ripper
com Peter Sellers (abaixo).
O alucinado General Jack D. Ripper - Stanley Kubrick fazia poucos filmes, mas cada vez que dirigia impressionava como em “Glória Feita de Sangue”, “Spartacus” e um pouco menos com “Lolita” que dividiu a crítica. Seu próximo filme seria “Dr. Fantástico”, desde logo o evento cinematográfico mais aguardado daqueles tempos de guerra fria. Com Peter Sellers se desdobrando em três papéis, coube a Sterling Hayden interpretar o alucinado General Jack D. Ripper. A comédia de humor negro de Kubrick fez relativo sucesso e o público se lembrou do esquecido Sterling Hayden. Mas por pouco tempo pois somente em 1969 ele concordaria em ancorar seu barco e ganhar mais algum dinheiro quando atuou no policial “Sou Pago para Matar” (com James Coburn). Em 1970, quando estava no Panamá, Hayden atuou em “Ternos Caçadores”, dirigido por Ruy Guerra, filme em que também atua Andrew Hayden, um dos filhos de Sterling. Em 1960 o ator havia se casado pela quinta vez, com Catherine McConnell, com quem teve mais dois filhos. Durante esse afastamento do cinema Hayden se dedicou a escrever um relato autobiográfico intitulado “Wanderer”, mesmo nome de seu barco. O livro foi muito bem recebido pela crítica, vendendo razoavelmente bem e possibilitando ao ator-escritor passar mais tempo em alto-mar. Na França, em 1971, Hayden atuou no policial “O Cobra” e foi quando um diretor de 32 anos fez questão de tê-lo no elenco de seu próximo filme baseado no Best-seller “ The Godfather”, de Mario Puzzo.

Acima Al Pacino dispara contra Sterling
Hayden, cena de "O Poderoso Chefão".
Policial corrupto em “The Godfather” - Para formar o elenco de “O Poderoso Chefão”, Francis Ford Coppola testou centenas de atores e atrizes e diversos foram cogitados para interpretar Don Vito Corleone (Anthony Quinn, Ernest Borgnine, Orson Welles, Edward G. Robinson, Richard Conte e outros), mas para o papel do corrupto e brutal Capitão McCluskey, Coppola não pensou em ninguém mais a não ser Sterling Hayden. Foi uma participação pequena mas inesquecível que levou uma nova geração de cinéfilos a conhecer e não se esquecer desse ator que tão pouco atuava. O próximo trabalho que Hayden aceitou fazer foi sob a direção de Robert Altman, o policial “Um Perigoso Adeus”, um dos filmes menos conhecidos desse também celebrado diretor. Quando chegou aos 60 anos e filmando esporadicamente, Sterling Hayden foi chamado por Bernardo Bertolucci para interpretar um líder camponês no drama “1900” (Novecento), filme de mais de cinco horas de duração e que cobre um período 45 anos. Pelos próximos cinco anos pode se dizer que Hayden trabalhou bastante para seu padrão pois atuou em nada menos que um filme por ano, nenhum deles importante. Mas são marcantes suas participações na comédia “Como Eliminar Seu Chefe” (com Jane Fonda) e no terror “Venom” (seu último filme), ao lado de Klaus Kinski e Oliver Reed. Hayden faria ainda uma pequena participação na minissérie para a TV “The Blue and the Gray”, sobre a Guerra Civil norte-americana, produção de 1982.

Sterling Hayden com Burt Lancaster em "Novecento"
e à direita em "Como Eliminar seu Chefe".

Sterling Hayden com o visual dos
últimos anos de vida.
Drogas e sentença insólita - Em 1976 Hayden lançou “Voyage – A Novel of 1896”, seu segundo livro e um episódio curioso chamou a atenção para o nome de Sterling Hayden. Foi quando ele foi preso em Toronto, no Canadá por porte de maconha e haxixe, com porções acima da permitida pela lei. Deveria ser julgado e condenado, de acordo com a legislação local, mas o juiz que conhecia a vida do ator o fez apenas pagar uma multa e o liberou, justificando na sentença: “Este julgamento é incomum porque estamos diante de um homem incomum”. Claro que houve muitos protestos por parte daqueles que não aceitaram o tratamento desigual que o ator recebeu por parte do juiz. Hayden costumava argumentar que usava maconha desde que deixara de beber, alcoólatra que foi por décadas, até ser obrigado a parar com a bebida devido a problemas cardíacos. Segundo o ator, a maconha o tranquilizava e impedia que ele voltasse ao vício do álcool, tendo usado a droga pelo resto da vida.

Sterling Hayden em "Venom", seu último filme.
Misto de Wayne e Mitchum - No início de sua carreira Sterling Hayden chegou a ser comparado a John Wayne e, de fato, havia muito do Duke no comportamento de Hayden dentro e fora dos filmes. Assim como Wayne, Hayden não dispensava uma boa garrafa e gostava (muito mais que o Duke) do mar. Na tela seu tipo era, no mais das vezes, grosseiro, batendo portas, chutando cadeiras ou qualquer outro objeto, ou seja, seus personagens não primavam pelas regras de etiqueta. Outro ator, cujo comportamento muito se parecia com o de Hayden era Robert Mitchum. Conhecido por seu jeito ‘não estou nem aí’ (e por não abrir mão de um cigarro de maconha), Mitchum teve em Sterling Hayden quase uma cópia, diferente apenas pela personalidade própria deste último com seu vozeirão grave, inconfundível e autoritário. Morando nos últimos anos de sua vida em Sausalito, na baia de São Francisco, na Califórnia, Hayden só saía de casa para passar semanas no mar a bordo de seu barco. Esse final de vida feliz ao lado da esposa Catherine (Kitty) foi interrompido em 23 de maio de 1986 quando o ator sucumbiu a um câncer de próstata. Perdia o mundo do cinema um ator que como poucos deixou forte marca seja nos filmes, seja na sua incrível vida pessoal.

Sterling Hayden com uma das filhas e com a família a bordo do seu barco
"Wanderer", com o qual viajava pelo mundo.

Sterling Hayden já envelhecido, com seu barco na Europa.


TODOS OS WESTERNS DE STERLING HAYDEN

A filmografia de Sterling Hayden contêm diversos títulos que pouco enobrecem sua carreira, no entanto possuía ele uma espécie de atração para atuar em alguns filmes verdadeiramente memoráveis. Seu faroeste mais famoso é sem dúvida “Johnny Guitar”, mas merecem ser lembrados todos os filmes do gênero aos quais Hayden emprestou sua imagem inconfundível.

1949 – Barreiras de Sangue (El Paso) – D.: Lewis R. Foster; com John Payne e Gail Russell
1952 – Flechas Incendiárias (Flaming Feather) – D.: Ray Enright;
                com Forrest Tucker e Barbara Rush
1952 – A Garganta do Diabo (Denver and Rio Grande), 1952 – D.: Byron Haskin;
                com Edmond O’Brien e Lyle Bettger
1952 – Vivendo no Inferno (Hellgate) – D.: Charles Marquis Warren;
                com Ward Bond e James Arness
1953 – Abrindo Horizontes (Kansas Pacific) – D.: Ray Nazarro; 
                com Eve Miller e Barton McLane
1953 – Mulher de Fogo (Take me to Town) – D.: Douglas Sirk; 
                com Ann Sheridan e Lee Aaker
1954 – Flechas em Chamas (Arrow in the Dust) – D.: Lesley Selander; 
                com Coleen Gray e Lee Van Cleef
1954 – Johnny Guitar (Johnny Guitar) – D.: Nicholas Ray; 
                com Joan Crawford e Scott Brady
1955 – Os Tiranos Também Morrem (Timberjack) – D.: Joseph Kane; 
                com Vera Ralston e David Brian
1955 – A Última Barricada (The Last Command) – D.: Frank Lloyd; 
                com Arthur Hunnicutt e Ernest Borgnine
1955 – Escreveu Seu Nome a Bala (Shotgun) – D.: Lesley Selander; 
                com Yvonne De Carlo e Zachary Scott
1955 – Ágil no Gatilho (Top Gun) – D.: Ray Nazarro; com William Bishop e John Dehner 
1957 – O Xerife de Ferro (The Iron Sheriff) – D.: Sidney Salkow; 
                com Constance Ford e John Dehner
1957 – Valerie (Valerie) – D.: Gerd Oswald; com Anita Ekberg e Anthony Steel
1957 – E o Morto Venceu (Gun Battle at Monterey) – D.: Sidney Franklin Jr.; 
                com Ted De Corsia e Lee Van Cleef
1958 – Reinado do Terror (Terror in a Texas Town) – D.: Joseph H. Lewis

À esquerda Sterling Hayden em "Johnny Guitar" com Scott Brady e Joan Crawford
em um dos diálogos politizados do filme; à direita Hayden como Jim Bowie em
luta de facas com Ernest Borgnine; abaixo em "Escreveu Seu Nome a Bala".


22 de março de 2016

ESCREVEU SEU NOME A BALA (SHOTGUN) – STERLING HAYDEN, O XERIFE DA ESCOPETA


Rory Calhoun e Lesley Selander
Lesley Selander é reputado como o diretor que mais faroestes dirigiu, num total de 106 filmes do gênero, a maior parte deles westerns ‘B’ com Tim Holt, Hopalong Cassidy, Gene Autry, Bill Elliott e outros. Os faroestes de Lesley Selander eram, invariavelmente, acima da média e longe da rotina, mas trabalhando nesse desprezado segmento nem sempre seu talento foi notado. Selander começou sua carreira como assistente de direção em filmes de Fritz Lang, Howard Hawks, Sam Wood, sem dúvida, um aprendizado respeitável. Rubens Ewald Filho, em seu ‘Dicionário de Cineastas’ (1977), escreveu sobre Lesley Selander: “Na época em que Hollywood produzia faroestes Classe C em massa, Selander era um dos melhores diretores do gênero. Competente e discreto, está para ser descoberto pela maior parte da crítica”. Um bom filme para se ‘descobrir’ o talento de Lesley Selander é “Escreveu Seu Nome a Bala” (Shotgun), produção caprichada da pequena Allied Artists com 80 minutos de duração. A história foi escrita por Rory Calhoun e roteirizada por Clark Reynolds, tendo, mais uma vez, a vingança como tema central.


Disparos de escopeta e Sterling Hayden.
Um homem contra uma quadrilha - O bandido Ben Thompson (Guy Prescott) após cumprir pena de seis anos retorna a uma cidadezinha do Arizona com quatro capangas para se vingar do xerife Mark Fletcher (Lane Chandler), responsável por sua prisão. Thompson assassina Fletcher com dois tiros de escopeta (shotgun) disparados a queima-roupa. Clay Hardin é o assistente do xerife morto que sai no encalço do bando de Thompson. Durante a perseguição Hardin encontra o caçador de recompensas Reb Carlton (Zachary Scott) que pretende ganhar algum dinheiro matando membros da quadrilha perseguida, todos com a cabeça a prêmio. Por seu lado, Clay Hardin não se interessa pelas recompensas e sim por consumar a vingança. Hardin encontra Bentley (Robert J. Wilke), um dos assassinos, e junto com ele uma mulher de nome Abby (Yvonne De Carlo). Bentley tenta escapar mas é morto por Hardin, ficando com a incômoda incumbência de levar Abby junto com ele. Thompson é encontrado num acampamento Apache, onde está negociando armas com o chefe Delgadito (Paul Marion). Delgadito decide que os dois antagonistas se defrontem num duelo a cavalo, cada um com uma escopeta e uma única bala. Hardin mata Thompson e ao final leva Abby junto consigo para uma vida comum em seu rancho.

Serling Hayden e Zachary Scott;
abaixo Hayden e Yvonne De Carlo.
Recompensa e determi-nação - Impossível imaginar um faroeste lançado com o título ‘Escopeta’, tradução para ‘shotgun’ e o nome nacional “Escreveu Seu Nome a Bala” é muito mais atraente. E sorte daqueles que, atraídos pelo título nacional, assistem a esse western de Lesley Selander, filme que, se dirigido por Budd Boetticher e estrelado por Randolph Scott, receberia maior atenção. O filme se desenrola em torno da determinação de Clay Hardin para executar a vingança, capturando ou matando os assassinos de seu amigo xerife, mas a história de Rory Calhoun possui ainda outros elementos que a tornam mais interessante. A presença do ‘bounty hunter’ Reb Carlton cuja intenção conflita com a de Hardin não só em relação ao prêmio pelos bandidos, mas também em relação a Abby. (Nenhum outro ator consegue como Sterling Hayden demonstrar maior desinteresse por uma mulher como ele, mesmo que essa mulher seja a provocante Yvonne De Carlo com calças justíssimas e até despindo-se para um banho solitário. Solitário mas que não escapa aos olhares sôfregos de Zachary Scott.) Reb quer não só a recompensa mas também possuir Abby, o que acaba incomodando Clay Hardin.

Sterling Hayden e Guy Prescott na sequência do
duelo final.
Selander como Anthony Mann - Abby é uma mulher capaz de qualquer sacrifício para alcançar seus intentos, mesmo ligar-se momenta-neamente a um tipo asqueroso como Bentley. Uma das marcantes sequências de “Escreveu Seu Nome a Bala” é quando este bandido interpretado por Bob Wilke se vê prestes a ser mordido por uma cascavel, o réptil livrando-se da amarra que a prende a um toco e ele também preso no chão. Abby a tudo assiste também amarrada a uma árvore. Salvos por Hardin, Abby revolta-se com o tratamento recebido do homem da lei e tenta ajudar o bandido que é morto, com seu corpo desaparecendo ao boiar num rio. Sequência digna de Anthony Mann! O ódio de Abby se transforma em atração e, uma pena, de maneira não muito bem resolvida por Selander, mais preocupado com as sequências de ação. Sterling Hayden trava uma luta violenta contra Zachary Scott e o realismo da cena deve-se bastante à performance do dublê de Hayden, Bob Morgan, então marido de Yvonne De Carlo. Outra sequência espetacular de luta, mais lembrando os memoráveis seriados da Republic, é travada entre os atores Rory Manlisson e Ward Wood contra John Pickard e Al Wyatt (Sr.). O final de “Escreveu Seu Nome a Bala” reserva o emocionante confronto entre Hardin e Thompson, insólito para um western, e que demonstra ainda que os apaches são justos em seus julgamentos.

À esquerda Robert J. Wilke e Yvonne De Carlo (amarrada na árvore);
abaixo Wilke e uma cascável.

Sterling Hayden esbofeteia Yvonne De Carlo em ambas as faces.

Rory Mallinson em luta contra John Pickard.

A morte de Zachary Scott.
Cinismo e antipatia - Nos anos 50 Sterling Hayden era ainda um ator marcado por seu discutido envolvimento nos episódios que convulsionaram Hollywood sob o comando do senador Joseph McCarthy. Pairava o medo dos estúdios de contratar esse ator para produções mais ambiciosas, certos que o público mais bem informado não pagaria para vê-lo nos cinemas. Restou a Hayden pequenos projetos para ‘double features’ (programas duplos) como este “Escreveu Seu Nome a Bala” que o ator ajudou a transformar num quase perfeito western. Deixa a desejar a indecisão entre dia e noite da sequência da morte do xerife Fletcher, que ocorre à noite para na continuação Hardin atirar nos bandidos à luz do dia.  Yvonne De Carlo deixa de lado a simpatia que a fez famosa e interpreta uma mulher oportunista e irascível. Sua interpretação excessiva conflita com o estilo desleixado de Hayden.  Zachary Scott com o cinismo de sempre não foi uma boa escolha para o caçador de recompensas e sua melhor sequência, quando agoniza com uma flecha cravada em seu peito é pouco convincente. Robert J. Wilke morre na primeira meia hora do filme mas não precisava de mais tempo para se destacar com uma morte magnificamente encenada, entre tantas que esse ator viveu em sua carreira. Ressalte-se a ótima trilha musical de autoria de Carl Brandt que colabora para que “Escreveu Seu Nome a Bala” seja mais um merecido triunfo do diretor Lesley Selander.

Sterling Hayden e Yvonne De Carlo entre tapas e beijos.

A nudez de Yvonne De Carlo refletida na água; enfim juntos...


Esta cópia de “Escreveu Seu Nome a Bala” foi gentilmente cedida pelo cinéfilo e colecionador Marcelo Cardoso.


21 de março de 2016

ÁGIL NO GATILHO (TOP GUN) – PEQUENO WESTERN DE STERLING HAYDEN, O COWBOY DISPLICENTE


Charles Starrett, o Durango Kid
dos westerns de Ray Nazarro.
Em 1955, um ano após protagonizar “Johnny Guitar” Sterling Hayden atuou em dois pequenos westerns com títulos próximos: “Top Gun” (Ágil no Gatilho) e “Shotgun” (Escreveu Seu Nome a Bala). O primeiro, com 73 minutos de duração, foi dirigido por Ray Nazarro, mais lembrado pelos 38 faroestes ‘B’ da série “Durango Kid”, com Charles Starrett que ele dirigiu para a Columbia Pictures. Quando terminaram as séries de westerns ‘B’ dos pequenos estúdios (a série da Columbia terminou em 1952), a televisão já produzia suas próprias séries com 25 minutos de duração. Faroestes com duração entre 70 e 80 minutos passaram a ser produzidos para complementar os programas duplos de muitos cinemas, o que ocorria também aqui no Brasil. O mais influente western da década de 50 foi sem dúvida “Matar ou Morrer” (High Noon) e “Ágil no Gatilho” é mais um dos muitos filmes cuja história se aproxima bastante do clássico de Fred Zinnemann estrelado por Gary Cooper.


Acima Denver Pyle, Hugh Sanders e
William Bishop; abaixo Sterling Hayden
e Regis Toomey.
Uma cidade em pânico - Em “Ágil no Gatilho” o pistoleiro Rick Martin (Sterling Hayden) retorna a Casper (Wyoming), pequena cidade que deixara anos antes após ter matado três irmãos em legítima defesa. A população de Casper nunca perdoou Rick Martin que é hostilizado nesse seu retorno, sendo intimado pelo xerife Bat Davis (James Millican) a sair da cidade no dia imediato ao da sua chegada. Martin, porém, pretende acertar contas com Canby Judd (William Bishop), assassino de sua mãe e dono da maior parte da cidade. Na ausência de Martin, o desonesto Judd ficou noivo de Laura Mead (Karin Booth), antiga namorada de Rick Martin. Sabedor da fama de ‘top gun’ (maior pistoleiro) que Martin adquiriu em suas andanças, o inquieto Lem Sutter (Rod Taylor) o provoca para um duelo e acaba sucumbindo diante da rapidez e pontaria certeira do pistoleiro ‘top gun’. Martin é preso pelo xerife Bat Davis e informa ao xerife que o bandido Tom Quentin (John Dehner) tenciona invadir a cidade com seu bando composto por 15 homens. A cidade entra em pânico pois sabe que não terá condições de se defender, tendo então que pedir ajuda ao próprio Rick Martin. A quadrilha de Tom Quentin é dizimada, restando apenas o líder que duela com Martin e é morto por este. Durante o duelo Canby Judd tenta matar Martin mas é morto por Laura Mead. Martin e Laura reatam o romance e partem de Casper para viver na Califórnia.

Sterling Hayden entre dois fogos mas
salvo por Karin Booth.
Duplo enfrentamento - A cidade acuada pela chegada dos bandidos revela a face covarde de seus habitantes, antes fortes para exigir que o pistoleiro recém-chegado desapareça do lugar. Desesperados, passam a ver em Rick Martin a única chance de não ter suas propriedades pilhadas e queimadas. E é o humilhado Martin quem coordena o enfrentamento com os saqueadores liderados por Tom Quentin. Durante o confronto a inépcia dos moradores de Casper faz com que Martin tenha como único companheiro nessa luta o amigo dono do hotel Jim O’Hara (Regis Toomey). Além do roteiro próximo a “Matar ou Morrer”, há ainda algumas referências a esse western, como a própria presença de James Millican, também presente no western de 1952 e consultando seu relógio quando da chegada dos bandidos, claramente lembrando ‘Will Kane’ (Gary Cooper). A principal referência, porém, é sem dúvida quando Laura Mead dispara pelas costas em Canby Judd, da mesma forma que fizera Grace Kelly em “Matar ou Morrer”. E essa sequência final de “Ágil no Gatilho” tem um dos mais inusitados duelos dos faroestes, quando o Rick Martin tem que se haver com um bandido pronto para sacar contra ele e o outro vilão, Canby Judd, pronto para alvejá-lo pelas costas.

O provocador Rod Taylor.
O jovem provocador - Desde que o pistoleiro Jimmy Ringo (Gregory Peck) teve que reagir à provocação do imaturo pretendente à fama de gatilho mais rápido (Richard Jaeckel) em “O Matador” (The Gunfighter), muitos outros westerns repetiram a fórmula. Neste “Ágil no Gatilho” é Rod Taylor quem interpreta o jovem sequioso por se tornar ‘top gun’ desafiando o experiente e famoso pistoleiro. Montando seu filme com sequências que se tornaram clichês no gênero, Ray Nazarro demonstra perfeito domínio da narração mantendo o interesse do espectador na trama, por mais previsível que ela seja. Sterling Hayden repete seu tipo de interpretação sem nenhum excesso, parecendo mesmo desinteressado, no melhor estilo ‘Robert Mitchum’. Há o interessante duelo de vozes: a voz gutural de Hayden contra a perfeita voz de locutor de John Dehner. Este mais uma vez é o vilão da história, sempre convincente. Quem não consegue convencer como bandido é William Bishop, bem apessoado demais, ele que foi herói em alguns faroestes e vilão em outros. Penúltimo filme de James Millican, ator que faleceu em 1955 aos 45 anos de idade. E como de hábito, boa presença de Regis Toomey e, num papel menor, Denver Pyle.

O homem mau John Dehner com um cinturão mal colocado.

Hayden e Karin Booth
Figura altamente expressiva - Sem ser uma daquelas pequenas joias que, por vezes, diretores menos conceituados como Ray Nazarro costumam criar, “Ágil no Gatilho” é diversão garantida. Isto desde que seja escolhido como programa sem maiores pretensões, assim como Sterling Hayden jamais teve grandes pretensões em sua carreira de ator. Hayden é, certamente, o mais desleixado homem do Oeste, pouco se importando com os trajes largos e ensebados que combinam com seu andar, o menos elegante de todos os cowboys. Ainda assim a figura enorme e expressiva de Hayden se impõe sobre todos os demais personagens.

Sterling Hayden à esquerda em "Ágil no Gatilho" e à direita em "Escreveu
Seu Nome a Bala"; a camisa de Hayden é a mesma...