UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

29 de janeiro de 2020

BRAVURA INDÔMITA (TRUE GRIT) – O REMAKE DOS IRMÃOS COEN COM JEFF BRIDGES



Charles Portis;
os irmãos Coen;
John Wayne
Refilmar um western de sucesso é sempre um desafio e esse desafio se torna ainda maior quando o protagonista do original foi John Wayne. Os destemidos irmãos Joel e Ethan Coen, logo após o êxito e prêmios de “Onde os Fracos Não Têm Vez”, decidiram se aventurar em um faroeste de verdade e escolheram provocantemente o remake de “Bravura Indômita”. Não houve quem não ficasse desconfiado dessa empreitada, não por duvidar do talento mais que comprovado dos irmãos Coen (em outros gêneros), mas porque o western de Henry Hathaway é daqueles que ganharam importância com o passar dos anos. Foi com ele que John Wayne, afinal, ganhou um prêmio Oscar e “Bravura Indômita” se transformou em um dos maiores sucessos de bilheteria do Duke. Mas cá pra nós, seria mesmo necessário refilmar a clássica história de Charles Portis? No livro de Portis o caolho Reuben J. Cogburn tem 40 anos e John Wayne estava com 62 quando o convenceram a aparecer com um tapa-olho na tela; escolhido para o mesmo papel, Jeff Bridges acabara de completar 60 anos, praticamente a mesma idade do Duke e, ao contrário deste, se caracterizou muito mais próximo do marshal que vivia embriagado, colocando não só o tapa-olho, mas deixando crescer barba, bigode e uma barriga ainda maior que a de Wayne que usou espartilho para disfarçar a incômoda barriguinha. Outro problema a ser enfrentado na nova versão seria a escolha de quem seria ‘Mattie Ross’, a menina de 14 anos da história, isto porque um dos pontos negativos do filme de Hathaway foi a interpretação de Kim Darby. No fim tudo deu certo nesta refilmagem que praticamente tudo supera em tudo o western de quatro décadas atrás.


Hailee Steinfeld
A garota vingativa - No roteiro de autoria dos próprios irmãos Coen, o pai da menina Mattie Ross (Hailee Steinfeld) é assassinado e a garota de 14 anos procura o marshal ‘Rooster’ Cogburn (Jeff Bridges) para que este capture Tom Chaney (Josh Brolin), o criminoso. Mattie consegue juntar certa quantia em dinheiro e oferece cem dólares a Cogburn para que este aceite prender o assassino de seu pai. O bandido já era procurado pela morte de um senador e um Texas Ranger chamado LaBoeuf (Matt Damon) junta-se a Cogburn no encalço de Chaney. Tudo fica mais difícil porque Chaney agora faz parte do bando liderado por Lucky Ned Pepper (Barry Pepper). No primeiro encontro com a quadrilha LaBoeuf é ferido e em seguida Mattie é atacada por Tom Chaney conseguindo disparar contra ele matando-o. Cogburn se vê então frente a frente com Pepper e mais três bandidos, enfrentando-os e liquidando a quadrilha com a providencial ajuda de LaBoeuf.

Jeff Bridges
Jeff Bridges melhor que o Duke - John Wayne teve uma das mais gloriosas carreiras em Hollywood, mesmo não precisando se esforçar nas suas interpretações. Wayne criou uma persona cinematográfica de extraordinário apelo junto ao público e em quase todos seus filmes o personagem é quem se adaptava à figura do ator. E justiça seja feita, nas poucas vezes em que deixou de ser ele próprio foi quando o Duke proporcionou suas melhores performances, como os inesquecíveis ‘Tom Dunson’ em “Rio Vermelho” e ‘Ethan Edwards’ em “Rastros de Ódio”. O Duke se apresentou um pouco diferente como ‘Rooster’ Cogburn mas não deixou de ser o eterno John Wayne. Jeff Bridges, por sua vez, demonstrou ser, através de inúmeras performances memoráveis, um dos grandes atores de sua geração e, inegavelmente, mais versátil que John Wayne. Seu ‘Rooster’ Cogburn é, como afirmam aqueles que leram o livro de Charles Portis, a perfeita imagem do protagonista da história descrito pelo autor, enquanto Wayne, como já foi dito, mais uma vez foi ele mesmo apesar do tapa-olho e de viver um personagem pouco condizente com o íntegro herói de tantos westerns.

Hailee Steinfeld; Jeff Bridges
A menina eloquente - Crianças e adolescentes em filmes por vezes chegam a ser irritantes, mas nada é pior quando se pretende convencer o público que uma atriz de 20 anos, como Kim Darby, possa passar por uma menina de 14 anos. E vale recordar que Mia Farrow (então com 24 anos) recusou o papel por não simpatizar com John Wayne. Para a versão dos irmãos Coen foram testadas 1.500 adolescentes e a produção optou por Hailee Steinfeld, então com 13 anos apenas e experiência somente com a participação em dois episódios de séries de TV. Incomparavelmente mais convincente que Kim Darby, Hailee formou com Bridges uma dupla harmoniosa e quem ganhou com isso foi o faroeste dos Coen que teve esmerada produção a cargo nada menos de Steven Spielberg, nome que dispensa apresentação. A história é contada em flash-back por Mattie Ross adulta, aos 40 anos (Elizabeth Marvel) e se há algo que mereça uma crítica negativa no filme é o impróprio linguajar da menina. Poucas mulheres naqueles tempos de quase nenhuma instrução no Velho Oeste, exceto algumas professoras, seriam capazes de elaborar frases que melhor ficariam se pronunciadas por loquazes advogados mas que saem de modo pouco convincente da boca da corajosa e obcecada menina de 14 anos. Em alguns momentos o próprio Cogburn debocha das inusitadas palavras pronunciadas com tanta facilidade por Mattie. Mas este “Bravura Indômita” é tão bom que isso não chega a ser um problema.

Jeff Bridges; Matt Damon
‘Rooster’ Cogburn, o homem certo - Centenas e centenas de histórias já foram escritas para faroestes tendo como tema a vingança, muitas vezes perpetrada por alguma criança que viu um parente (ou toda sua família) ser assassinado por um bandido. Mais tarde, já adulto, a criança encontra o assassino e ocorre a vingança. O autor Charles Portis fez com que a menina Mattie Ross não esperasse o tempo passar e sim, de imediato, exigisse que fosse feita justiça e não necessariamente com a prisão de Tom Chaney. Ao sair no encalço do assassino ao lado de ‘Rooster’ Cogburn, Mattie se depara direta e pessoalmente com a brutalidade dos homens maus do Velho Oeste, o que não a abate e, afinal, é ela quem tira a vida de Tom Chaney. Dito assim parece que é para Mattie Ross que ficam os melhores momentos do filme, o que não é verdade, uma vez que eles são divididos entre a garota e o relaxado marshal apelidado de ‘Rooster’ (galo). Laboeuf, o Texas Ranger é mostrado de forma jocosa com sua vestimenta de franjas e fanfarronice que esbarra no sarcasmo sempre presente do experiente Cogburn. O marshal é ouvido pela primeira vez praguejando ao ser interrompido em suas necessidades quando está dentro de uma casinhola, um daqueles fétidos banheiros externos. Sua verdadeiramente primeira aparição, digna dos grandes momentos de John Ford, se dá em uma sessão de tribunal na qual é acusado de ser um mero e impiedoso exterminador de bandidos. Exatamente o que Mattie, presente, procura. Esse é o homem.

Hailee Steinfeld e Barry Pepper
Versão realista e crua - Este “Bravura Indômita” comprova a importância de um bom roteiro que é desenvolvido magnificamente, ao contrário da primeira versão, à qual os maiores elogios ficaram para a cinematografia de Lucien Ballard. A introdução de cada personagem é perfeita e as sequências de ação, se não chegam a tirar o fôlego do espectador, impressionam bastante. Em 2010 a violência era exibida de modo diferente de 40 anos antes e o filme mostra de dedos cortados a um ninho de cobras dentro de um cadáver. E mesmo Mattie Ross sem o braço esquerdo amputado pela necrose que se formou reforça a crueza da história e que a versão de Hathaway edulcorou. Embora o filme seja dos Coen, a sequência em que Mattie Ross é atacada pelas serpentes é puro Steven Spielberg, o grande diretor da série ‘Indiana Jones’ na qual os repulsivos répteis tinham sempre lugar garantido.

John Wayne; Jeff Bridges
Rédeas nos dentes - O ‘Rooster’ Cogburn de Wayne enfrentou bandidos interpretados por atores do porte de Robert Duvall, Dennis Hopper e Jeff Corey, que não chegam a ser tão amedrontadores como Barry Pepper e Josh Brolin nos mesmos papeis. E a inevitável comparação final é a da sequência que ficou na memória de todos e que se tornou a mais simbólica imagem do John Wayne em final de carreira, tão altiva quanto ele jovem atirando com o rifle em cima de uma diligência em disparada em “No Tempo das Diligências” ou mesmo elevando a sobrinha Debbie ao reencontrá-la em “Rastros de Ódio”. Refilmada praticamente quadro a quadro pelos Coen tendo como modelo a sequência de Henry Hathaway, é nesse momento que se sente inevitavelmente que John Wayne é insubstituível. Mas neste “Bravura Indômita” de 2010 a mesma sequência não faz feio e completa bem os momentos de ação do western. E quanto as aspecto politicamente correto da vingança, o filme em momento algum condena a obsessão da garota, justificada pela brutalidade daqueles tempos e que pouco diferem dos atuais.

O confronto como se fosse uma disputa entre cavaleiros nos tempos medievais

Ignorado pelo Oscar e sucesso de público - Jeff Bridges está excelente como o marshal desleixado mas nunca descuidado em mais uma de suas grandes interpretações. Hailee Steinfeld é a boa surpresa do filme e assim como Bridges foi indicada ao Oscar, ela estranhamente como Melhor Atriz Coadjuvante quando seu personagem é, para a história, até mais importante que o próprio ‘Rooster’ Cogburn. Além dessas duas indicações “Bravura Indômita” teve outras oito indicações, inclusive nas categorias de Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Roteiro e Cinematografia (Roger Deakins). E a Academia, mais uma vez, ignorou um faroeste não premiando o “Bravura Indômita” dos Coen em nenhuma das categorias nas quais concorreu. Matt Damon destoa no elenco com fraca participação e Josh Brolin bem poderia ter sequências mais longas. Se a Academia não fez jus à qualidade do western dos Coen, o público gostou e muito. Tendo custado 38 milhões de dólares, o filme arrecadou só nos Estado Unidos 171 milhões de dólares. Apenas a título de comparação, “Django Unchained” de Quentin Tarantino, lançado dois anos depois, em 2012, custou cem milhões de dólares e arrecadou 162 milhões, ou seja, “Bravura Indômita” foi um grande sucesso de bilheteria, perdendo em valores totais apenas para “Dança com Lobos” entre os westerns de melhor bilheteria nos Estados Unidos.

Elizabeth Marvel; Josh Brolin



19 de janeiro de 2020

RIO CONCHOS (RIO CONCHOS) – RICHARD BOONE COMO BRUTAL VINGADOR


Clair
Huffaker

A maior parte das histórias escritas por Clair Huffaker era voltada para o Velho Oeste e elas fugiam do lugar comum. Foi ele o autor de “Estrela de Fogo” (Flaming Star), “Gigantes em Luta” (The War Wagon) e deste “Rio Conchos”. Como roteirista, tiveram também a assinatura de Huffaker “Os Comancheiros”, “100 Rifles”, “Valdez, o Mestiço” (Valdez is Coming), entre outros westerns. “Rio Conchos” é uma das histórias mais inspiradas de Huffaker e a 20th Century-Fox, percebendo o potencial da mesma, não poupou recursos para produzir, em 1964, um faroeste de primeira. Richard Boone era então um dos grandes nomes da TV após as seis vitoriosas temporadas interpretando “O Paladino do Oeste” em 225 episódios, de 1957 a 1963. Seu prestígio era tamanho que ganhou em seguida sua série própria que foi “The Richard Boone Show”. Foram chamados para o elenco Stuart Whitman que era um astro em ascensão e Jim Brown o mais famoso jogador de American Football, estreando no cinema. O experiente Joe MacDonald foi escalado como diretor de fotografia e o já respeitado Jerry Goldsmith, aos 35 anos de idade, comporia a trilha sonora musical. “Rio Conchos” merecia ter como diretor algum nome do porte de Howard Hawks, Raoul Walsh ou Henry Hathaway, mas a Fox houve por bem entregar a direção a Gordon Douglas, prolífico diretor que, apesar de alguns bons filmes, jamais galgou à condição dos três aqui citados. O maior problema com Gordon Douglas é que por ser o chamado ‘pau para toda obra’ dirigia de modo impessoal, obedecendo cegamente aos roteiros. “Rio Conchos” é um de seus melhores filmes e certamente o melhor dos muitos westerns que dirigiu e só não é melhor exatamente por culpa justamente do roteiro de autoria de Clair Huffaker e Joseph Landon.


Richard Boone; Edmond O'Brien
Rifles para um tresloucado - O ex-Major do Exército Confederado James Lassiter (Richard Boone) teve sua família massacrada por Apaches e vinga-se matando todos os Apaches que encontra. Para isso usa um rifle que foi subtraído de um lote de 200 rifles roubados de um carregamento da Cavalaria. O Capitão Haven (Stuart Whitman) era quem comandava esse transporte e ele mesmo encontrou Lassiter com o rifle, levando-o preso para o Fort Davies. Para reaver os rifles o Capitão Haven consegue autorização para ir rumo ao Sudeste, em direção à fronteira com o México, onde se concentram os Apaches liderados pelo chefe Bloodshirt (Rodolfo Acosta). Sob as ordens do Capitão Haven estão Lassiter, o Sargento Franklyn (Jim Brown) e Rodriguez (Anthony Franciosa), um mexicano que se torna amigo de Lassiter. Junta-se a eles Sally (Wende Wagner) uma índia apache.  Como isca para atrair os Apaches o quarteto leva uma carroça carregada com dinamite e descobrem que os rifles estão em poder de Theron Pardee (Edmond O’Brien), Coronel do Exército Confederado que aliciando os Apaches intenta formar um exército para retomar a guerra perdida para o Norte. O tresloucado Pardee e o sanguinário Bloodshirt fazem Haven, Franklyn e Lassiter prisioneiros mas estes conseguem explodir a carroça com dinamite e exterminar o exército Apache comandado por Pardee.

Richard Boone; Boone e Rodolfo Acosta
Ódio, ressentimento e desprezo - Uma história contada em um livro será sempre diferente dessa mesma história levada ao cinema. Mesmo sem ter lido “Rio Conchos”, que possui muitas ressonâncias com “os Comancheiros”, percebe-se que Clay Huffaker escreveu uma aventura interessante e por isso mesmo envolvente. Estão expostos e se cruzando na narrativa diversos tipos de sentimentos: o ex-Major Lassiter nutre o ressentimento natural dos confederados que perderam a guerra; tem ele ainda ódio maior pelos apaches que dizimaram sua esposa e filhos; Lassiter vê o negro Sargento Franklyn com o desprezo natural dos sulistas que sabem ter sido a causa abolicionista um dos pivôs da guerra fratricida que dividiu o pais. Mesmo sem a carga de ódio de Lassiter, o Capitão Haven é um homem moralmente abatido por ter sido o responsável pela perda dos rifles ora em mãos dos inimigos. Os Apaches que não se resignaram a aceitar as ordens vindas de Washington cultivam ódio mortal pelos brancos que os desalojaram de suas seculares terras. O tresloucado Coronel Pardee que sonha com a reconstrução do Sul derrotado é movido também pelo ódio represado. E os mexicanos, mais uma vez mostrados como pessoas desprovidas de caráter, são todos bandidos, sejam os assaltantes de estrada ou o dissimulado Rodriguez que não pensa duas vezes em matar com sua faca certeira e com maior prazer se a vítima for um ‘americano’. Huffaker joga com todas essas motivações pessoais em torno do eixo da trama que são as armas e o desfecho grandioso. O filme, no entanto, não aproveita devidamente a história de “Rio Conchos”.

Edmond O'Brien
Final empolgante - O que há de errado com o roteiro do próprio Clay Huffaker em parceria com James Landon são algumas situações criadas para facilitar o desenvolvimento da história e que a acabam por torná-la monótona. Some-se a isso a inverossimilhança de outras sequências, a mais gritante delas o desfecho com a derrota do exército de Pardee, composto por centenas de Apaches e ainda por muitos mexicanos. A trama toda transcorre criando a expectativa de um final empolgante e o que se tem é o extermínio incrivelmente simples dos guerreiros e dos demais homens com as explosões da dinamite, como se estas tivessem poderes de radiação atômica para atingir um raio de centenas de metros. Porém se o roteiro filmado por Gordon Douglas é inconvincente em muitos momentos, as sequências de ação, inclusive a final, são magníficas e de grande impacto cênico. A imponente fachada da mansão colonial que Pardee constrói às margens desertas do Rio Conchos é incendiada e, qual um delirante Nero, o megalomaníaco Coronel não se move diante do mundo que desaba sobre ele. Outras sequências de ação foram igualmente bem realizadas por Douglas e são o ponto alto deste western, como a morte do mexicano Rodriguez e a tortura imposta a Lassiter, Haven e Franklyn.

Richard Boone; Edmond O'Brien
Exageros interpretativos - Gordon Douglas deixa a impressão de dar total liberdade criativa aos atores que dirige e só isso pode explicar o exagero das atuações de Anthony Franciosa, Richard Boone e Edmond O’Brien. Franciosa como o sarcástico conquistador mexicano se excede em todas as suas participações, por vezes duelando com o normalmente discreto Richard Boone, desta vez muito forçado nas expressões. Na meia hora final surge Edmond O’Brien que se esforça para conceber uma mítica e desvairada vítima da Guerra Civil e também por isso querendo reiniciá-la. O inexperiente Jim Brown é quem acaba se saindo melhor com suas poucas falas e ampla demonstração de músculos e força a todo momento.  Stuart Whitman comprova que sem um mínimo de carisma, o que lhe falta, a presença de um ator principal se torna irrelevante. Rodolfo Acosta ótimo como o chefe Apache num elenco que traz ainda em papeis menores Timothy Carey, Mickey Simpson, Marie Gomez, Warner Anderson e Barry Kelley. A jovem e bela índia foi interpretada por Wende Wagner, atriz mais lembrada por ser a secretária do seriado de TV “O Besouro Verde”, que se tornou Cult devido à presença de Bruce Lee como ‘Kato’.

Anthony Franciosa; Jim Brown; Stuart Whitman

Richard Boone
Boa música e melhores imagens - Filmado quase que inteiramente em locações com cenários espetaculares como o Monument Valley e diversas regiões do Utah e Colorado, este é um daqueles westerns que distraem o espectador com a beleza das imagens. Western da época pré-spaghetti western (“Por Um Punhado de Dólares” é também de 1964), não sofreu ainda a forte influência da música de Ennio Morricone e a trilha composta por Jerry Goldsmith merece atenção por sua originalidade. Mesmo a violência, que passaria a ser vista em westerns norte-americanos, ainda é contida em “Rio Conchos” apesar de o filme ter sido à época rotulado de violento. Longe do clássico que poderia ter se tornado, este faroeste de Gordon Douglas sem dúvida merece ser visto.

Richard Boone, Stuart Whitman e Jim Brown; Rodolfo Acosta


4 de janeiro de 2020

RESISTÊNCIA HEROICA (ONLY THE VALIANT) – GREGORY PECK E SEUS VALENTES SOLDADOS



Gregory Peck
Gregory Peck não era um homem de meias palavras e em sua biografia escrita por Gary Fishgal contou a este que detestou ter feito “O Ouro de Mackenna” (Mackenna’s Gold), o western realizado em 1969 como superprodução e elenco estelar. No livro Peck diz também que não gostou nada de ter atuado em “Resistência Heroica” e as razões não eram poucas. A começar porque ele vinha de atuar em filmes importantes, como o western “Duelo ao Sol” (Duel in the Sun), enorme êxito de bilheteria ou bem recebidos pela crítica como “O Matador” (The Gunfighter), que se tornaria um clássico no gênero. E Peck foi praticamente obrigado, por razões contratuais, a substituir Gary Cooper que desistiu de interpretar o heroico Capitão deste “Resistência Heroica”. Teve ainda que usar a mesma farda que havia sido utilizada anteriormente por Rod Cameron, ator fortíssimo e mais alto que Peck, sem que a Warner ao menos mandasse ajustar o uniforme de Cavalaria que, nitidamente, parece sobrar em Gregory Peck. Houve também a questão da leading-lady escalada ser a quase desconhecida Barbara Payton, o que muito contrariou o ator acostumado a contracenar com grandes estrelas. E finalmente o fato de ser dirigido por Gordon Douglas, então diretor de pouca expressão. Mesmo a soma de tudo isso não impediu Peck de se empenhar, como de hábito, para propiciar uma convincente interpretação. A produção de “Resistência Heroica” foi de William Cagney, irmão de James Cagney, também associado ao projeto. A historia original foi escrita por Charles Marquis Warren, que mais tarde se tornaria diretor e produtor de westerns para a TV (“Gunsmoke” e “Rawhide”). O roteiro foi elaborado pelos premiados Edmund H. North (“Patton, Rebelde ou Herói?”) e Harry Brown (“Um Lugar ao Sol”).


Gregory Peck
A luta dupla do Capitão Lance - No Forte Winston, o Capitão Richard Lance (Gregory Peck) disputa com o Tenente William Holloway (Gig Young) o amor de Cathy Eversham (Barbara Payton), filha de um veterano capitão. É prisioneiro nesse forte o chefe Apache Tucsos (Michael Ansara), que deve ser levado para o Forte Grant por um grupo de soldados comandado pelo Capitão Lance. Porém o Coronel que comanda o Forte Winston ordena que o Tenente Holloway assuma a missão em lugar do Capitão Lance. A caminho do Forte Grant os Apaches atacam o pequeno destacamento, libertam Tucsos e torturam o Tenente Holloway até a morte. Encontrado pelo batedor Joe Harmony (Jeff Corey), o corpo de Holloway é levado de volta ao Forte Winston. Lá toda a tropa acredita que Lance tenha deliberadamente enviado Holloway para a morte para ficar com Cathy. Os Apaches novamente sob a liderança de Tucsos se mobilizam para um ataque ao Forte Winston pois o  chefe Apache sabe do número reduzido de soldados que compõe a tropa do Forte. O Capitão Lance então sugere e recebe aprovação para uma missão quase suicida que é deter os Apaches no Forte Invincible que foi semidestruído e onde Tucsos foi aprisionado. O Forte Invincible situa-se na única passagem possível para os índios que habitam as Montanhas Flinthead. O Capitão Lance reúne então sete homens, todos com algum tipo de problema pessoal e quase todos com forte antagonismo em relação ao seu modo disciplinador e rígido de agir segundo o regulamento militar. Quando chega ao Forte Invincible a patrulha descobre que não há água e que Tucsos prepara o ataque. Os soldados conseguem se defender mesmo com a perda de quase todo o grupo e um deles é destacado para buscar reforço, que chega ainda em tempo de salvar o Capitão Lance e mais dois de seus homens.

Barbara Payton com Gig Young (acima)
e com Gregory Peck
Produção ‘B’ com roteiro inteligente - Uma das queixas de Gregory Peck em relação a “Resistência Heroica” é que o filme não passava de uma mera produção ‘B’. E isso fica patente com a construção, nos estúdios da Warner Bros., do Forte Invincible e dos paredões rochosos que o cercam, visivelmente com cenários de papel e madeira pintados imitando rochas e pedras. E é nesse cenário que transcorre a segunda parte deste western com as sequências de batalha. Curiosamente, é em meio a esse cenário falso que o filme ganha força graças à boa direção de Gordon Douglas e às ótimas interpretações de Peck e do excelente elenco de apoio. Além disso, a historia de Charles Marquis Warren é engenhosa ao colocar dois oficiais disputando o amor da bela filha de um Capitão e como resultado disso criar um propício clima de motim que acaba não acontecendo. No entanto o roteiro foi infeliz com a sequência bisonha em que a moça é beijada ardentemente numa despedida pelo seu pretendente Tenente Holloway que havia sido preterido por ela em favor do Capitão Lance. Este parte para a missão com alguns de seus comandados dispostos a matá-lo, cada um com sua razão particular. Porém Lance consegue demonstrar coragem e conhecimento militar suficientes para reverter as hostilidades, situação parecida com aquela que seria excepcionalmente bem trabalhada por Robert Aldrich em “Os Doze Condenados”. Há ainda o conflito entre um rebelde sulista que aceitou renegar seu Exército Confederado para se tornar soldado ianque, não faltando o soldado covarde e um cabo bêbado, estereótipos, é certo, mas que funcionam bem nesta aventura militar.

Lon Chaney Jr. e Ward Bond
Os muitos inimigos do rígido Capitão - Inúmeros foram os westerns nos quais um forte é sitiado por índios possibilitando aos soldados provarem sua bravura destacando-se a liderança de um corajoso oficial. “Resistência Heroica” não foge desse clichê mas seu diferencial é o grupo de homens que o Capitão Lance comanda. Há o fanático árabe (Lon Chaney, Jr.) que não esconde o desejo de matar o Capitão, agindo pelo que entende serem desígnios dos céus. A Guerra Civil não foi esquecida e dois soldados (Neville Brand e Steve Brodie), um deles ex-sulista, reavivam as escaramuças seccionistas até que caem prisioneiros dos Apaches sendo, paradoxalmente, amarrados juntos para serem torturados. Os Apaches percebem que ambos são inimigos e, para se divertir, os libertam para que travem luta mortal como se essa violência vingasse as centenas de milhares de vidas que a guerra ceifou de Norte a Sul. O fordiano Ward Bond recria, sem a graça de Victor McLaglen, o soldado bêbado e irresponsável que enche cantis com uísque em lugar da tão preciosa água. O Capitão Lance tem nos homens que lidera inimigos tão ou mais perigosos que os próprios Apaches e Gregory Peck brilha com a dignidade que incute no personagem e que leva o grupo a respeitá-lo no momento decisivo da batalha.

Gregory Peck
Desfecho estranho para um triângulo amoroso - Como em tantos e tantos outros faroestes, mais uma vez Hollywood mostra índios com inteligência e habilidade reduzidas, em outro pecado que o filme contém. Mas não foi esquecida, no entanto, a crueldade dos nativos, quase uma norma do cinema norte-americano como que para justificar a ação exterminadora da Cavalaria e, sabe-se, os apaches eram mesmo cruéis. Pouco convincente também é a construção do triângulo amoroso, ainda que sirva como ponto de partida para o ressentimento da tropa em relação ao Capitão Lance. Rifles de soldados chegam a mirar o Capitão e uma enorme pedra por pouco não o mata de forma nada acidental. Por outro lado Gordon Douglas se mostra criativo ao, com poucos recursos e em um cenário típico de filmes de orçamento limitado, mais lembrando as cavernas dos seriados da Republic e da Universal, desenvolver a emoção necessária tornando este western acima da média.

Lon Chaney Jr.
 e Ward Bond
Fanático Lon Chaney Jr., um árabe fanático - Gregory Peck está excelente, ele que como poucos atores incute integridade a seus personagens. Embora nunca reconhecido como grande ator (chamado até de canastrão por alguns críticos), Peck raramente desaponta. Ward Bond é ótimo quando não excessivo e neste western ele se excede tentando fazer graça, o que não é necessário porque sua maior graça consiste em ser natural. O grande destaque no elenco de apoio é Lon Chaney Jr. como o soldado árabe Kebussyan, brutal e ameaçador, ele Lon Chaney Jr. que interpretou diversos tipos monstruosos nos cinema em filmes de terror, sempre à sombra do nome famoso de seu pai. Jeff Corey merecia maior participação, pequena a exemplo de Gig Young. O sírio de nascimento Michael Ansara, que se notabilizou por interpretar tipos étnicos é o chefe Apache Tucsos, enquanto Neville Brand em sua primeira aparição creditada no cinema já demonstra que viria a ser um dos mais violentos homens maus da tela.

Barbara Payton
A infeliz Barbara Payton - A atriz Barbara Payton, então com 24 anos, preocupou mais a produção quando não estava diante das câmeras por ter mantido durante as filmagens um romance com Gregory Peck. Barbara chegou a ser proibida de sair de seu camarim para não atrapalhar os trabalhos, o que pouco adiantou pois Peck saia de cena e ia direto para o camarim da atriz. Barbara Payton, que teve curta carreira como atriz, foi protagonista de uma das mais tristes historias de Hollywood, indo do cinema para a prostituição no Sunset Boulevard, para as drogas, bebida, escândalos, casamentos tumultuados e finalmente teve morte precoce aos 39 anos de idade. Como atriz pouco talentosa ela jamais chegaria longe, levada que foi ao cinema por sua beleza, de onde saiu em razão de seu comportamento tortuoso.

Western pouco lembrado - Pouco lembrado entre os westerns de Gregory Peck, a ponto de ter sido ignorado na ‘Encyclopedia of Westerns’ de Herb Fagen, “Resistência Heroica” merece ser visto não apenas por entreter o espectador, mas também por reunir um elenco de coadjuvantes dos melhores. Este faroeste é um dos destaques da filmografia cheia de altos e baixos de Gordon Douglas (na foto ao lado).


Pôsteres de "Resistência Heroica"

Barbara Payton, Gregory Peck e Gig Young; Gregory Peck e
Michael Ansara; Ward Bond com Barbara e Gregory ao fundo

Barbara Payton e Gregory Peck em foto para publicidade