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29 de janeiro de 2020

BRAVURA INDÔMITA (TRUE GRIT) – O REMAKE DOS IRMÃOS COEN COM JEFF BRIDGES



Charles Portis;
os irmãos Coen;
John Wayne
Refilmar um western de sucesso é sempre um desafio e esse desafio se torna ainda maior quando o protagonista do original foi John Wayne. Os destemidos irmãos Joel e Ethan Coen, logo após o êxito e prêmios de “Onde os Fracos Não Têm Vez”, decidiram se aventurar em um faroeste de verdade e escolheram provocantemente o remake de “Bravura Indômita”. Não houve quem não ficasse desconfiado dessa empreitada, não por duvidar do talento mais que comprovado dos irmãos Coen (em outros gêneros), mas porque o western de Henry Hathaway é daqueles que ganharam importância com o passar dos anos. Foi com ele que John Wayne, afinal, ganhou um prêmio Oscar e “Bravura Indômita” se transformou em um dos maiores sucessos de bilheteria do Duke. Mas cá pra nós, seria mesmo necessário refilmar a clássica história de Charles Portis? No livro de Portis o caolho Reuben J. Cogburn tem 40 anos e John Wayne estava com 62 quando o convenceram a aparecer com um tapa-olho na tela; escolhido para o mesmo papel, Jeff Bridges acabara de completar 60 anos, praticamente a mesma idade do Duke e, ao contrário deste, se caracterizou muito mais próximo do marshal que vivia embriagado, colocando não só o tapa-olho, mas deixando crescer barba, bigode e uma barriga ainda maior que a de Wayne que usou espartilho para disfarçar a incômoda barriguinha. Outro problema a ser enfrentado na nova versão seria a escolha de quem seria ‘Mattie Ross’, a menina de 14 anos da história, isto porque um dos pontos negativos do filme de Hathaway foi a interpretação de Kim Darby. No fim tudo deu certo nesta refilmagem que praticamente tudo supera em tudo o western de quatro décadas atrás.


Hailee Steinfeld
A garota vingativa - No roteiro de autoria dos próprios irmãos Coen, o pai da menina Mattie Ross (Hailee Steinfeld) é assassinado e a garota de 14 anos procura o marshal ‘Rooster’ Cogburn (Jeff Bridges) para que este capture Tom Chaney (Josh Brolin), o criminoso. Mattie consegue juntar certa quantia em dinheiro e oferece cem dólares a Cogburn para que este aceite prender o assassino de seu pai. O bandido já era procurado pela morte de um senador e um Texas Ranger chamado LaBoeuf (Matt Damon) junta-se a Cogburn no encalço de Chaney. Tudo fica mais difícil porque Chaney agora faz parte do bando liderado por Lucky Ned Pepper (Barry Pepper). No primeiro encontro com a quadrilha LaBoeuf é ferido e em seguida Mattie é atacada por Tom Chaney conseguindo disparar contra ele matando-o. Cogburn se vê então frente a frente com Pepper e mais três bandidos, enfrentando-os e liquidando a quadrilha com a providencial ajuda de LaBoeuf.

Jeff Bridges
Jeff Bridges melhor que o Duke - John Wayne teve uma das mais gloriosas carreiras em Hollywood, mesmo não precisando se esforçar nas suas interpretações. Wayne criou uma persona cinematográfica de extraordinário apelo junto ao público e em quase todos seus filmes o personagem é quem se adaptava à figura do ator. E justiça seja feita, nas poucas vezes em que deixou de ser ele próprio foi quando o Duke proporcionou suas melhores performances, como os inesquecíveis ‘Tom Dunson’ em “Rio Vermelho” e ‘Ethan Edwards’ em “Rastros de Ódio”. O Duke se apresentou um pouco diferente como ‘Rooster’ Cogburn mas não deixou de ser o eterno John Wayne. Jeff Bridges, por sua vez, demonstrou ser, através de inúmeras performances memoráveis, um dos grandes atores de sua geração e, inegavelmente, mais versátil que John Wayne. Seu ‘Rooster’ Cogburn é, como afirmam aqueles que leram o livro de Charles Portis, a perfeita imagem do protagonista da história descrito pelo autor, enquanto Wayne, como já foi dito, mais uma vez foi ele mesmo apesar do tapa-olho e de viver um personagem pouco condizente com o íntegro herói de tantos westerns.

Hailee Steinfeld; Jeff Bridges
A menina eloquente - Crianças e adolescentes em filmes por vezes chegam a ser irritantes, mas nada é pior quando se pretende convencer o público que uma atriz de 20 anos, como Kim Darby, possa passar por uma menina de 14 anos. E vale recordar que Mia Farrow (então com 24 anos) recusou o papel por não simpatizar com John Wayne. Para a versão dos irmãos Coen foram testadas 1.500 adolescentes e a produção optou por Hailee Steinfeld, então com 13 anos apenas e experiência somente com a participação em dois episódios de séries de TV. Incomparavelmente mais convincente que Kim Darby, Hailee formou com Bridges uma dupla harmoniosa e quem ganhou com isso foi o faroeste dos Coen que teve esmerada produção a cargo nada menos de Steven Spielberg, nome que dispensa apresentação. A história é contada em flash-back por Mattie Ross adulta, aos 40 anos (Elizabeth Marvel) e se há algo que mereça uma crítica negativa no filme é o impróprio linguajar da menina. Poucas mulheres naqueles tempos de quase nenhuma instrução no Velho Oeste, exceto algumas professoras, seriam capazes de elaborar frases que melhor ficariam se pronunciadas por loquazes advogados mas que saem de modo pouco convincente da boca da corajosa e obcecada menina de 14 anos. Em alguns momentos o próprio Cogburn debocha das inusitadas palavras pronunciadas com tanta facilidade por Mattie. Mas este “Bravura Indômita” é tão bom que isso não chega a ser um problema.

Jeff Bridges; Matt Damon
‘Rooster’ Cogburn, o homem certo - Centenas e centenas de histórias já foram escritas para faroestes tendo como tema a vingança, muitas vezes perpetrada por alguma criança que viu um parente (ou toda sua família) ser assassinado por um bandido. Mais tarde, já adulto, a criança encontra o assassino e ocorre a vingança. O autor Charles Portis fez com que a menina Mattie Ross não esperasse o tempo passar e sim, de imediato, exigisse que fosse feita justiça e não necessariamente com a prisão de Tom Chaney. Ao sair no encalço do assassino ao lado de ‘Rooster’ Cogburn, Mattie se depara direta e pessoalmente com a brutalidade dos homens maus do Velho Oeste, o que não a abate e, afinal, é ela quem tira a vida de Tom Chaney. Dito assim parece que é para Mattie Ross que ficam os melhores momentos do filme, o que não é verdade, uma vez que eles são divididos entre a garota e o relaxado marshal apelidado de ‘Rooster’ (galo). Laboeuf, o Texas Ranger é mostrado de forma jocosa com sua vestimenta de franjas e fanfarronice que esbarra no sarcasmo sempre presente do experiente Cogburn. O marshal é ouvido pela primeira vez praguejando ao ser interrompido em suas necessidades quando está dentro de uma casinhola, um daqueles fétidos banheiros externos. Sua verdadeiramente primeira aparição, digna dos grandes momentos de John Ford, se dá em uma sessão de tribunal na qual é acusado de ser um mero e impiedoso exterminador de bandidos. Exatamente o que Mattie, presente, procura. Esse é o homem.

Hailee Steinfeld e Barry Pepper
Versão realista e crua - Este “Bravura Indômita” comprova a importância de um bom roteiro que é desenvolvido magnificamente, ao contrário da primeira versão, à qual os maiores elogios ficaram para a cinematografia de Lucien Ballard. A introdução de cada personagem é perfeita e as sequências de ação, se não chegam a tirar o fôlego do espectador, impressionam bastante. Em 2010 a violência era exibida de modo diferente de 40 anos antes e o filme mostra de dedos cortados a um ninho de cobras dentro de um cadáver. E mesmo Mattie Ross sem o braço esquerdo amputado pela necrose que se formou reforça a crueza da história e que a versão de Hathaway edulcorou. Embora o filme seja dos Coen, a sequência em que Mattie Ross é atacada pelas serpentes é puro Steven Spielberg, o grande diretor da série ‘Indiana Jones’ na qual os repulsivos répteis tinham sempre lugar garantido.

John Wayne; Jeff Bridges
Rédeas nos dentes - O ‘Rooster’ Cogburn de Wayne enfrentou bandidos interpretados por atores do porte de Robert Duvall, Dennis Hopper e Jeff Corey, que não chegam a ser tão amedrontadores como Barry Pepper e Josh Brolin nos mesmos papeis. E a inevitável comparação final é a da sequência que ficou na memória de todos e que se tornou a mais simbólica imagem do John Wayne em final de carreira, tão altiva quanto ele jovem atirando com o rifle em cima de uma diligência em disparada em “No Tempo das Diligências” ou mesmo elevando a sobrinha Debbie ao reencontrá-la em “Rastros de Ódio”. Refilmada praticamente quadro a quadro pelos Coen tendo como modelo a sequência de Henry Hathaway, é nesse momento que se sente inevitavelmente que John Wayne é insubstituível. Mas neste “Bravura Indômita” de 2010 a mesma sequência não faz feio e completa bem os momentos de ação do western. E quanto as aspecto politicamente correto da vingança, o filme em momento algum condena a obsessão da garota, justificada pela brutalidade daqueles tempos e que pouco diferem dos atuais.

O confronto como se fosse uma disputa entre cavaleiros nos tempos medievais

Ignorado pelo Oscar e sucesso de público - Jeff Bridges está excelente como o marshal desleixado mas nunca descuidado em mais uma de suas grandes interpretações. Hailee Steinfeld é a boa surpresa do filme e assim como Bridges foi indicada ao Oscar, ela estranhamente como Melhor Atriz Coadjuvante quando seu personagem é, para a história, até mais importante que o próprio ‘Rooster’ Cogburn. Além dessas duas indicações “Bravura Indômita” teve outras oito indicações, inclusive nas categorias de Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Roteiro e Cinematografia (Roger Deakins). E a Academia, mais uma vez, ignorou um faroeste não premiando o “Bravura Indômita” dos Coen em nenhuma das categorias nas quais concorreu. Matt Damon destoa no elenco com fraca participação e Josh Brolin bem poderia ter sequências mais longas. Se a Academia não fez jus à qualidade do western dos Coen, o público gostou e muito. Tendo custado 38 milhões de dólares, o filme arrecadou só nos Estado Unidos 171 milhões de dólares. Apenas a título de comparação, “Django Unchained” de Quentin Tarantino, lançado dois anos depois, em 2012, custou cem milhões de dólares e arrecadou 162 milhões, ou seja, “Bravura Indômita” foi um grande sucesso de bilheteria, perdendo em valores totais apenas para “Dança com Lobos” entre os westerns de melhor bilheteria nos Estados Unidos.

Elizabeth Marvel; Josh Brolin



2 comentários:

  1. Excelente crítica, Darci!
    Eu, honestamente, tenho um certo ranço com as refilmagens dos clássicos, mas este filme dos Irmãos Coen conseguiu atingir uma dignidade que muitos outros remakes não conseguiram.
    Abraço, Darci, e parabéns pelo trabalho!

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  2. Olá, Luiz Henrique, pensamos igual quanto ao remake dos Coen. Grande western mesmo!!!

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