UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

30 de maio de 2016

OS IMPERDOÁVEIS (THE UNFORGIVEN) – PRIMOROSO WESTERN DE CLINT EASTWOOD


David Webb Peoples e
Clint Eastwood
Clint Eastwood pretendia encerrar sua trajetória em westerns em 1985, quando estava com 55 anos de idade. Havia dois projetos possíveis, “The Cut-Whore Killings” (Os Esfaqueadores de Prostitutas), roteiro original de David Webb Peoples, e um outro denominado “Pale Rider” (O Cavaleiro Solitário), cujo enredo muito se aproximava de “Os Brutos Também Amam” (Shane). Eastwood entendeu que ainda não estava suficientemente velho para interpretar o ex-pistoleiro, personagem central da história de David Webb Peoples e decidiu atuar e dirigir aquele que seria seu último faroeste, “O Cavaleiro Solitário”, magnífico filme que custou quatro milhões de dólares e rendeu mais de 40 milhões de dólares. Os filmes seguintes de Eastwood não foram tão bem nas bilheterias, especialmente “Coração de Caçador”, de 1990, que ele dirigiu e atuou, resultando em retumbante fracasso. Nesse mesmo ano de 1990 Kevin Costner dirigiu “Dança com Lobos” (Dances with Wolves), western que recebeu sete prêmios Oscar e foi estrondoso sucesso de público. O êxito do filme de Costner motivou Clint Eastwood a reler o roteiro de Peoples, que havia alterado o título para “The William Munny Killings” (Os Assassinatos de William Munny) e filmá-lo, com o título para “Unforgiven” (Os Imperdoáveis). Para compor o elenco a Malpaso de Eastwood contratou Gene Hackman, Richard Harris e Morgan Freeman, atores consagrados, respeitados e caros, o que não era comum nas produções da Malpaso, nos quais Eastwood era sempre o único grande astro. Com “Os Imperdoáveis”, Clint Eastwood a quem a crítica e parte do público sempre torceram o nariz, foi, finalmente, reconhecido como diretor talentoso e ótimo ator.


Acima Tara Frederick, Anna Thomson e
Frances Fisher; nas demais fotos
Morgan Freeman e Clint Eastwood
Recompensa incomum - Em Big Whiskey, cidade dominada com mão de ferro pelo xerife Little Bill Daggett (Gene Hackman), dois cowboys estão em um bordel com prostitutas. Um deles agride a meretriz Delilah (Anna Tomson) e retalha com faca o rosto da moça. As demais prostitutas do bordel, lideradas por Strawberry Alice (Frances Fisher) se revoltam por Little Bill não ter punido devidamente os dois cowboys e resolvem dar um prêmio a quem executá-los. A notícia se espalha e o jovem The Schofield Kid (Jaimz Woolvett) se interessa pelos mil dólares oferecidos pelas mulheres do prostíbulo. The Schofield Kid procura um parceiro para a empreitada e vai até a fazenda de William Munny (Clint Eastwood), criador de porcos que foi no passado um violento pistoleiro responsável por muitas mortes. Munny aceita a proposta e convida seu amigo Ned Logan para se juntar a eles. Logan é um negro, companheiro de Munny nos tempos de vida criminosa. Ao chegar em Big Whiskey, Munyy é surrado por Little Bill que o expulsa da cidade. Recuperado do brutal espancamento, Munny reencontra os dois companheiros e conseguem executar a dupla de cowboys. Ned Logan é capturado e chicoteado por Little Bill até a morte, tendo seu corpo colocado num caixão e exposto à porta da taverna-prostíbulo. William Munny decide retornar a Big Whiskey e vingar a morte do amigo, matando Little Bill e seus assistentes, além de Skinny (Anthony James), dono do prostíbulo.

Morgan Freeman e Gene Hackman; Morgan Freeman sendo açoitado.

Clint Eastwood
Reação à violência - Considerado um western ultraviolento, em “Os Imperdoáveis” nenhuma sequência brutal acontece gratuitamente pois as ações decorrem como reação ao comportamento autoritário e soberbo de Little Bill. Mesmo a reação do cowboy que corta o rosto da prostituta Delilah, ocorre por esta ter achado graça do tamanho do pênis do vaqueiro a quem ela deveria satisfazer. Após concretizar a missão, Will Munny quer retornar para sua fazenda, onde deixou sozinhos o casal de filhos (Munny é viúvo há três anos), momento em que fica sabendo Ned Logan foi assassinado. Daí em diante nada mais importa para Munny, a não ser vingar Ned Logan, ainda que isso lhe custe a vida. Decreta assim a sentença de morte de Little Bill, ou a sua própria. Para desgraça do xerife e dos que estão com ele, ressurge no velho pistoleiro a frieza e pontaria de outros tempos fazendo com que sejam todos imperdoáveis para William Munny.

Frances Fisher com Anna Thomson e Liisa-Repo Martell; à direita Frances
Fisher, Anna Thomson, Liisa-Repo Martell, Tara Frederick e Anthony James.

Jaimz Woolvett
“Você só usa as mãos?” - Contraponto à exacerbada violência, “Os Imperdoáveis” tem momentos de delicadeza expressos na sincera amizade entre Ned Logan e Will Munny, nas vezes em que este se detém ao lado do túmulo de sua esposa Cláudia e ainda quando renascem as esperanças das prostitutas em ver punidos os cowboys que cortaram Delilah. Mesmo a morte de Davey (Rod Campbell) é um hiato na bestialidade que o filme exibe, com a dolorosa agonia do cowboy alvejado por Munny e com a recusa de Logan em disparar seu rifle Spencer contra a presa indefesa que se tornara o jovem cowboy. A bizarra figura do jactancioso fanfarrão Schofield Kid é convertida num infeliz e quase cego pseudopistoleiro que confessa jamais haver matado alguém. E notável a encantadora franqueza de Ned Logan perguntando a Munny como ele se virava sem mulher há três anos: “Você só usa as mãos?”

Clint Eastwood e Morgan Freeman; Eastwood.

Gene Hackman
A mitificação de fraudes - Conta-se que Clint Eastwood levou sua mãe a Sonora, para que ela aparecesse como figurante em uma tomada, cena que acabou sendo não utilizada. Clint desculpou-se com sua genitora dizendo que o filme havia ficado um tanto longo e ele teve que cortar algumas sequências. Com 130 minutos de duração, “Os Imperdoáveis” é um daqueles raros filmes com roteiro apurado e encadeamento perfeito das ações, mesmo com diversos personagens importantes. English Bob (Richard Harris) é um vaidoso e pernóstico inglês, acompanhado do escritor Beauchamp (Saul Rubinek), que mitifica o pretenso exímio e destemido atirador que é Bob afirma ser. Até que o inglês é espancado, preso e humilhado por Little Bill que o expulsa de Big Whiskey devolvendo-lhe o Colt com o cano entortado, degradação suprema para o pedante britânico. Esse episódio, que pouco tem a ver com a trama central, é fundamental para delinear mais completamente o sadismo de Little Bill. Esse comportamento aparentemente desnecessário reflete o ódio que o xerife nutre pelas fantasias criadas no Velho Oeste mitificando fraudes transformadas em lendas. Permite-se até o trocadilho com o título da história escrita para glorificar English Bob, título que Little Bill insiste em chamar de “The Duck of Death” (O Pato da Morte), ao invés do original “The Duke of Death” (O Duque da Morte). E até mais que isso, a primorosa e meticulosa descrição das reações dos assistentes de Little Bill, todos tensos empunhando seus rifles e revólveres mirando o indefeso English Bob.

Richard Harris e Saul Rubinek; Gene Hackman, Richard Harris e Saul Rubinek.

Gene Hackman
Estilo personalíssimo - Dedicado a Sergio Leone e a Don Siegel, este western de Clint Eastwood sofre zero de influência do estilo rebuscado de Leone, primando pela simplicidade quase austera presente nos filmes de Siegel. Sem floreios ou malabarismos de câmara, Eastwood cria momentos de invulgar lirismo ao som da guitarra de Laurindo de Almeida, resultando em imagens de singela beleza, o que Siegel jamais seria capaz de conceber. Num elenco que destaca atores renomados como Gene Hackman, Morgan Freeman e Richard Harris, a direção de Eastwood extrai de cada coadjuvante impecáveis desempenhos. As prostitutas expressam medo, dor e indignação; os olhares dos assistentes demonstram o temor às reações sarcásticas e violentas de Little Bill; o silêncio da índia Sally (Charrilene Cardinal) é altamente significativo, apenas menos que os olhares que Ned Logan lança a cada bravata contada por Schofield Kid. Se o roteiro norteia as sequências com os diálogos econômicos e exatos, à irrepreensível direção de atores somam-se as bem acabadas e igualmente despidas de desnecessário requintes das sequências de ação. Esse estilo despojado de Eastwood que tanto impressionou em “Josey Wales, o Fora-da-Lei” e “O Cavaleiro Solitário”, atingiu a perfeição neste “Os Imperdoáveis”. A matança final dentro da taverna de Skinny pode soar façanha excessiva, mas o sutil roteiro antecipa através de Little Bill como agem os verdadeiros pistoleiros. O xerife didaticamente explica que uma arma só funciona eficientemente se quem a usa tiver o necessário sangue frio para matar. É o que acontece na antológica sequência, com os assistentes de Little Bill (que já havia sido baleado) atônitos e incapazes de mirar em Munny enquanto este certeiramente os atinge nos 24 segundos que dura o claustrofóbico confronto.

Clint Eastwood; Gene Hackman

Anna Thomson e Clint Eastwood;
Clint Eastwood.
Forçado sentimentalismo - Imperfeições há neste estupendo trabalho de Clint Eastwood, como quando ele se mostra incapaz de montar sua velha égua que o acompanha de longa data, desacostumada em ser cavalgada. Ênfase desnecessária no envelhecimento do pistoleiro que erra um alvo a três metros de distância e que chafurda na lama ao tentar sem sucesso agarrar um dos porcos. Retirar-se do mundo dos pistoleiros, mesmo com a dor da ausência da esposa amada e redentora, não implica em se arruinar fisicamente dessa maneira. Sentimental e forçado o contato entre Will Munny e Delilah, com esta se oferecendo de graça para o pistoleiro que recusa a proposta para não trair a falecida mulher que o redimiu da vida de quem matava tudo que andasse ou rastejasse. Mais realista seria Munny aceitar os favores da agradecida e infeliz prostituta.

Clint Eastwood
Brilhantíssima atuação - Atuar e dirigir é uma tarefa para poucos e Clint Eastwood  tem neste western uma das melhores interpretações de sua carreira, mais que merecendo ser premiado com o Oscar de Melhor Ator. Clint concorreu com Robert Downey Jr. como Charles Chaplin; com Stephen Rea em “Traídos pelo Desejo”; e com Denzel Washington como Malcom X. Clint perdeu para Al Pacino (vencedor por “Perfume de Mulher”) em uma atuação que pouco exigiu do pequeno grande ator, concretizando mais uma injustiça da Academia que acreditou que dar o prêmio de Melhor Diretor e de Melhor Filme a Eastwood já estava de bom tamanho. Gene Hackman foi premiado como Melhor Ator Coadjuvante com seu ‘Little Bill’, láurea merecida numa interpretação aquém daquela de Eastwood. Morgan Freeman excelente como sempre e Richard Harris excessivo como de hábito. Frances Fisher, que então vivia com Clint Eastwood, de quem engravidou em seguida ao filme e Anna Thomson, igualmente ótimas.

Clint Eastwood
O violão de Laurindo de Almeida - Filmado em 39 dias, cinco acima do programado, “Os Imperdoáveis” não foi um filme fácil de ser feito, tendo locações em Alberta e Calgary no Canadá e em Sonora, na Califórnia. Eastwood usou muitas sequências noturnas, como gosta de fazer e com chuva (artificial), criando uma atmosfera sombria, típica de filme noir com a cinematografia de Jack N. Green. O filme recebeu ainda um Oscar de Melhor Edição (Joel Cox) e a música, creditada a Lennie Niehaus, teve a colaboração de Clint Eastwood que também compôs parte da trilha musical. O músico brasileiro Laurindo de Almeida tocou a guitarra que singelamente se escuta em diversas sequências com o tema de abertura e final, tendo sido este seu último trabalho para o cinema. Laurindo emprestou sua arte, entre muitos outros filmes, a “O Álamo”, “Os Comancheiros” e “Onde Começa o Inferno” (Rio Bravo).

Clint Eastwood
Merecido reconhecimento - “Os Imperdoáveis” custou 14 milhões de dólares, arrecadando nos cinemas 101 milhões de dólares (185 milhões em valores atualizados), sendo o filme mais rentável de Clint Eastwood depois das duas comédias em que ele atuou ao lado do orangotango Clyde. Foi também, infelizmente para o gênero, o derradeiro western da carreira do grande ator-diretor, sendo considerado pelo American Film Institute o quarto entre os dez melhores faroestes de todos os tempos. Em 2007 o mesmo American Film Institute classificou “Os Imperdoáveis” como o 68.º melhor filme de todos os tempos. Se Clint Eastwood sempre foi sinônimo de extraordinário cowboy das telas, com este filme o ator gravou com letras de ouro seu nome na história do western.

Clint Eastwood no set de "Os Imperdoáveis" e vista da cidade de Big Whiskey
construída especialmente para o filme.

Clint Eastwood dirigindo "Os Imperdoáveis", no centro com Richard Harris.

28 de maio de 2016

QUAL O MAIS PREMIADO WESTERN DO CINEMA? “OS IMPERDOÁVEIS” OU “DANÇA COM LOBOS”?


"Cimarron", Oscar em 1931.
Produzidos em anos muito próximos, “Dança com Lobos” (Dances with Wolves) e “Os Imperdoáveis” (Unforgiven), respectivamente 1990 e 1992, esses dois faroestes juntos ganharam uma penca de prêmios Oscar como jamais o gênero western imaginou receber. Foram onze, no total, sete para o filme de Kevin Costner em doze indicações; e quatro para o de Clint Eastwood em nove nominações. Quem chegou mais próximo desses números foi “Butch Cassidy”, em 1969, que conquistou quatro Oscars tendo sido indicado para sete categorias. Porém “Dança com Lobos” e “Os Imperdoáveis” venceram em categorias consideradas mais importantes, como as de Melhor Filme e Melhor Diretor, tendo ainda “os Imperdoáveis” propiciado a Gene Hackman o de Melhor Ator Coadjuvante. Anteriormente apenas “Cimarron” (1931) havia recebido o Oscar de Melhor Filme e foi necessário esperar quase seis décadas para um faroeste voltar a receber o cobiçado prêmio. Além do Oscar, “Dança com Lobos” e “Os Imperdoáveis” receberam lauréis em muitas outras premiações e festivais em diversos países.


Cada um desses dois filmes têm fãs ardorosos e não raro cinéfilos discutem qual deles seria o melhor, contenda cujo consenso é quase impossível pois os argumentos de lado a lado são muito convincentes. Uma possibilidade de se chegar a uma conclusão seria ver qual desses dois westerns recebeu mais láureas, não apenas da Academia de Cinema de Hollywood, mas mesmo assim o resultado é pouco objetivo pois eles concorreram em anos distintos, enfrentando concorrentes igualmente distintos. De concreto fica a certeza que muito dificilmente um outro western voltará a conquistar tantos prêmios em academias, associações e sindicatos de categorias específicas como “Dança com Lobos” e “Os Imperdoáveis”. Mesmo porque a produção de westerns é cada vez menos frequentes e os de qualidade são verdadeiras raridades. Contados os prêmios recebidos no mundo todo, “Dança com Lobos” abocanhou nada menos que 50 prêmios, enquanto o faroeste de Clint Eastwood levou para casa 40 lauréis. Em caso de dúvida, o melhor que o westernmaníaco faz é rever os dois excepcionais filmes e fazer seu próprio julgamento, numa muito prazerosa tarefa.

26 de maio de 2016

O MAU HUMOR DE JOHN WAYNE E A INFELIZ VÍTIMA FOI DUB TAYLOR


Não são poucas as características que fizeram de John Wayne um dos mais marcantes astros de Hollywood e o principal entre os atores do gênero western. Ninguém empunhava uma Winchester como ele, seja para disparar certeiramente ou arrebentar a cabeça de algum fora-da-lei. Seu andar inimitável era outra dessas características particulares, assim como a rudeza tão perfeitamente expressa em tantos personagens inesquecíveis, entre eles e mais que todos, Ethan Edwards. O riso aberto e franco se transformando em sonora gargalhada era outra marca do Duke. Porém, mesmo em comédias, era comum John Wayne se irritar e derrubar copos ou garrafas de balcões de saloons, empurrar pessoas e até mesmo cavalos ou ainda sair chutando o que estivesse à sua frente. Em “Jamais Foram Vencidos” (The Undefeated), John Wayne se superou na irritação e a vítima foi o pobre Dub Taylor, o cozinheiro dos cowboys nesse western. Após a perda de 500 cavalos, Dub oferece comida ao Duke que dá um violento tapa no prato jogando o rango todo na cara do simpático coadjuvante. Pela reação de Dub Taylor e dos demais participantes da sequência (Ben Johnson, Jerry Gatlin e Harry Carey Jr.), fica a impressão que Wayne exagerou na força, para azar do cozinheiro. Assim era John Wayne, insuperável, algumas vezes, até mesmo no mau humor.

A sequência em que John Wayne esbraveja e mostra que ninguém
consegue ser mais mal humorado que ele.


Dub Taylor
Dub Taylor teve uma longa carreira no cinema, estreando na comédia clássica “Do Mundo Nada se Leva”, de Frank Capra, em 1938. A década seguinte Taylor passou quase toda ela como o engraçado ‘Cannonball’, sidekick de Durango Kid. Encerrada a fase das séries de westerns B, Dub Taylor podia ser visto como coadjuvante em inúmeros filmes, de westerns a comédias, passando pelos dramas. Dois filmes fizeram com que o nome de Dub Taylor passasse a ser mais conhecido: “Uma Rajada de Balas” (Bonnie and Clyde) e “Meu Ódio Será Sua Herança” (The Wild Bunch). No final de carreira Dub esteve nos elencos de “De Volta para o Futuro III” e “Maverick”, de 1994, mesmo ano em que Dub Taylor faleceu, quando estava com 87 anos de idade.

23 de maio de 2016

JAMAIS FORAM VENCIDOS (THE UNDEFEATED) – JOHN WAYNE VOLTA À CAVALARIA


John Wayne foi, de modo peculiar, um extremado patriota e tentou se expressar politicamente também pelo cinema. Em plena Guerra do Vietnã Wayne dirigiu o polêmico “Os Boinas Verdes” que lhe custou uma quase totalidade de críticas negativas. Após essa sua segunda aventura na direção (a primeira havia sido “O Álamo”), Wayne atuou, em seguida, no grande sucesso que foi “Bravura Indômita (True Grit) e recebeu a unanimidade de elogios e ainda um Oscar de Melhor Ator. Foi então que a 20th Century-Fox fez uma proposta irrecusável a John Wayne para um novo western, oferecendo a ele, além do normal um milhão de dólares que recebia por filme, participação nos lucros e liberdade para aprovar diretor, elenco e roteiro. O filme se chamaria “The Undefeated” (Os Imbatíveis) e, mais que tudo, tinha uma história que muito interessou ao Duke pois o filme possibilitaria nova manifestação indireta à Guerra do Vietnã, segundo sua visão. Assim como havia acontecido com “Os Boinas Verdes”, a maioria da crítica norte-americana (e brasileira, por tabela), detestou “Jamais Foram Vencidos” (título nacional), forma de se vingar do reacionarismo de John Wayne. Hoje, à distância dos tempos em que a Guerra do Vietnã dominava as manchetes e assistido com isenção, este western de Andrew V. McLaglen está entre os bons filmes da fase final da carreira do Big Duke.
À direita o roteirista James Lee Barrett na foto menor
e o diretor Andrew V. McLaglen.




Acima John Wayne e Rock Hudson; abaixo
Antonio Aguilar, Wayne e Hudson.
Norte e Sul alinhados - Finda a Guerra de Secessão, o Coronel do Exército da União John Henry Thomas (John Wayne) retorna à vida civil e reagrupa ex-soldados que ele comandava, todos antigos cowboys, para voltar ao trabalho de capturar e vender cavalos selvagens. Enquanto isso, alguns confederados derrotados não aceitam a rendição, entre eles o Coronel James Langdon (Rock Hudson) que, após incendiar sua casa e plantação para que não caiam em mãos de especuladores, lidera um grupo de ex-soldados, mulheres e crianças numa jornada rumo ao México. Thomas e seus cowboys capturam três mil cavalos que serão negociados, inicialmente com o Exército norte-americano. As tratativas não dão certo e a manada é então negociada com representantes do exército de Maximiliano, o vienense Imperador do México que está em luta com os revoltosos fiéis a Benito Juarez. No trajeto para o México, Thomas e Langdon se reencontram, eles que haviam tido rápido contato ao final da Guerra Civil. Isso ocorre quando a caravana sulista é atacada por bandidos mexicanos, sendo salva com a ajuda dos homens de Thomas. Ao chegar ao quartel onde se encontra o General Rojas (Antonio Aguilar), este revela que está do lado dos juaristas, necessitando de cavalos. Rojas faz reféns os sulistas e ameaça matá-los caso Langdon não convença Thomas a entregar a manada aos juaristas, o que é feito e os confederados libertados. Thomas e seus cowboys retornam aos Estados Unidos sem os cavalos e sem dinheiro enquanto a caravana de Langdon também retorna ao país, com destino a Oklahoma. As diferenças entre irmãos do Norte e do Sul desaparecem quando se fez necessário que estivessem do mesmo lado.

John Wayne e Rock Hudson

Acima Melissa Newman, Lee Meriwheter,
Marian McCargo, Edward Faulkner e Rock
Hudson; abaixo Ben Johnson e Harry Carey Jr.
Metáfora com o Vietnã - A lição de patriotismo escrita por Stanley Hough foi roteirizada por James Lee Barrett, o mesmo roteirista do ultranacionalista “Os Boinas Verdes” e que antes havia escrito a sentimental história de “Shenandoah”. Com “Jamais Foram Vencidos” John Wayne pretendeu dar uma lição de civismo na qual norte-americanos de diferentes visões políticas se irmanam numa luta contra um inimigo comum, no caso o comunismo que o ator combateu por toda vida. Metaforicamente o México é o Vietnã invadido e dominado por estrangeiros (os franceses) e os juaristas são os bravos que resistem com a ajuda de norte-americanos que lhes cedem os cavalos para a luta contra as forças de Maximiliano. Ainda que inverossímil, a história de “Jamais Foram Vencidos” propiciou um western bastante movimentado com sequências de batalha da Guerra Civil, confronto com renegados mexicanos, captura de cavalos, longa condução de uma gigantesca manada atravessando a fronteira Estados Unidos-México e aspectos da vida nômade dos cowboys.

Rock Hudson; abaixo Dub Taylor
Influência do Mestre Ford - Pelo fato de Andrew V. McLaglen ter sido assistente de direção de John Ford em “Depois do Vendaval” e também por ter convivido, quando jovem, nos sets das filmagens em que seu pai Victor McLaglen atuava sob a direção do Mestre Ford, sempre se esperou que os westerns de Andrew se aproximassem dos clássicos do irascível diretor de “Sangue de Heróis” (Fort Apache). Essa comparação nunca foi benéfica para McLaglen que, apesar de uma filmografia irregular demonstrou inegável talento para sequências de ação, como neste western. A influência de John Ford se faz sentir em “Jamais Foram Vencidos” que tem, como fazia Ford, uma sequência de festa no acampamento dos confederados com direito a uma luta desigual entre um gigantesco soldado e um cowboy. E lá estão também o irritadiço cozinheiro (Dub Taylor) preparando refeições intragáveis e os cowboys com suas brincadeiras e, acima de todos, John Wayne, mais generoso que nunca, ainda que com as características reações intempestivas.

Acima Roman Gabriel;
abaixo Merlin Olsen.
Excesso de esportistas - Onde menos funciona este western é no romance que não poderia faltar, desta vez com o triângulo entre o índio Cherokee Blue Boy (Roman Gabriel), filho adotivo de Thomas, que se enamora (e é correspondido) por Charlotte (Melissa Newman), filha de Langdon e ainda pelo jovem soldado sulista Bubba Wilkes (Jan-Michael Vincent). A bem intencionada proposta de demonstrar que preconceitos podem ser superados para construir ‘uma nação digna’ é exemplar na pieguice. Piora ainda mais porque a adolescente interpretada por Melissa Newman é fraca como atriz e Roman Gabriel foi mais uma tentativa frustrada de transformar um famoso jogador do American Football em astro do cinema. No final do filme o casal fica junto, mas as carreiras de ambos não vingou. John Wayne, aos 62 anos de idade estava um tanto fora de forma, mais para gordo que robusto, reflexo dos quilos a mais ganhos para interpretar ‘Rooster Cogburn’ em “Bravura Indômita” e mesmo assim flerta com a bela viúva sulista interpretada por Marian McCargo, ela também ex-esportista campeã de tênis que enveredou pela carreira artística. O interesse recíproco poderia sim ser estendido e não ficar apenas no terreno platônico, culpa do respeitador Coronel Thomas. Outro ex-jogador de American Football do elenco é Merlin Olsen, que estreando como ator em “Jamais Foram Vencidos”, fez boa carreira na televisão, fazendo parte do elenco fixo de “Os Pioneiros”, a prestigiosa série criada por Michael Landon.

O exército mexicano e sequência de fuzilamento.
Epílogo sem brilho - Após inúmeras peripécias vividas pelo grupo de cowboys e pela caravana de sulistas, o final é um tanto desapontador com a aceitação da imposição do General Rojas. A chantagem praticada por Rojas, ameaçando fuzilar ex-soldados confederados, é típica de homens inescrupulosos e as figuras heroicas dos dois ex-coronéis (Wayne e Hudson) permitiriam imaginar que alguma atitude seria tomada por parte de ambos. Pelo contrário, simplesmente conduzem seus conformados grupos, cruzando o Rio Grande e voltando ao país, num final de pouco brilho para um filme que parecia caminhar para o épico. Talvez McLaglen tenha imaginado que “Jamais Foram Vencidos”, assim como se deu com a ‘Trilogia da Cavalaria’ de John Ford, dispensasse um final apoteótico em favor de um epílogo mais poético. O que ficou, no entanto foi a impressão que a produção foi encerrada às pressas por falta de recursos ou de ideias.

Rock Hudson e John Wayne
Capa e penacho - Quando a 20th Century-Fox deixou John Wayne à vontade para opinar sobre o elenco, o Duke logo reuniu um grupo de atores e dublês com quem gostava de trabalhar. A lista começa com Ben Johnson, Bruce Cabot, Harry Carey Jr., John Agar, Paul Fix, Chuck Roberson e Jerry Gatlin entre outros, todos veteranos de muitas jornadas ao lado do Duke, aos quais se juntaram os ótimos Dub Taylor e Royal Dano, forma de compensar o noviciado de celebridades do esporte como Roman Gabriel e Merlin Olsen. Sempre é bom lembrar que o próprio Wayne era jogador de American Football antes de ser descoberto por John Ford em “Salute!” (Em Continência), de 1928. Rock Hudson não foi a primeira opção para interpretar o Coronel sulista, mas sim James Arness que teve que recusar devido ao longo tempo que passaria em locações no México e o afastaria da série “Gunsmoke”. Arness foi substituído por Rock Hudson que se esforça para fazer frente a John Wayne que não se aplica nem um pouco pois sabe que sua presença na tela é mais que suficiente para dar status a um western. Hudson era um bom ator nem sempre reconhecido por seu talento dramático e como comediante e seu chapéu com penacho e esvoaçante capa neste filme, são, para dizer o mínimo, engraçadas. No quesito vestuário, Marian McCargo também surpreende ao surgir em cena vestida com um finíssimo vestido que parece ter chegado de uma elegante loja de New Orleans. A linda Lee Meriwheter um tanto apática como a esposa de Rock Hudson no filme.

John Wayne com Marian McCargo; Lee Meriwheter com Rock Hudson.

Dublês em ação;
abaixo Jerry Gatlin.
Seleção de dublês - Esta bem cuidada produção contou com a sempre magnífica cinematografia de William H. Clothier, especialista em capturar vastos panoramas como os de Sonora e Durango, no México e a vegetação de Baton Rouge, na Louisiana. Hugo Montenegro, cuja orquestra era especializada em covers de grandes sucessos nos anos 60 e 70, poucas vezes compôs trilhas para filmes, o que é de lamentar pois para “Jamais Foram Vencidos” Montenegro acertou com uma trilha vibrante que valoriza todo o conjunto. Como é do feitio de Andrew V. McLaglen, são muitas as sequências com show de quedas de cavalos em todas as posições imagináveis, trabalho das três dezenas de stuntmen, uma verdadeira seleção com a presença dos nomes famosos de Gil Perkins, Chuck Roberson, Jerry Gatlin e Tap Canutt, coordenados por Hal Nedham, o mais bem pago dublê de Hollywood. Nedham se tornou diretor de sucesso dos filmes de Burt Reynolds da série ‘Bandit’ (“Agarre-me se Puderes”).


Big Duke John Wayne
Western satisfatório - Mesmo com os muitos senões de “Jamais Foram Vencidos”, este é um western satisfatório que os fãs de John Wayne não podem deixar de assistir, esquecendo-se da críticas que não recomendam o filme. O Duke ganhou um Oscar pelo muito bom “Bravura Indômita”, comentando em seguida que ele não comia e nem bebia prêmios, mas gostava mesmo é que o público assistisse a seus filmes. E os espectadores foram em grande número assistir a este western que se transformou num grande sucesso de bilheteria.

19 de maio de 2016

A SAGA DO VALE DA MORTE (SAGA OF DEATH VALLEY) – ROY ROGERS ENFRENTA O IRMÃO


Poucos dos muitos westerns de Roy Rogers possuem título e enredo tão prometedores quanto “A Saga do Vale da Morte” (Saga of Death Valley), de 1939. Com história e roteiro de Karen DeWolf e Stuart Anthony, esta aventura, de fato, se inicia por volta de 1880, prosseguindo 15 anos depois com os personagens principais já adultos. Esqueça-se, porém, a árida depressão do Deserto de Mojave, na Califórnia, pois a Republic Pictures, produtora do filme limitava sempre as sequências externas de suas produções ao cenário de Alabama Hills, em Lone Pine, não muito distante de Hollywood, barateando o quanto pudesse o custo dos filmes. E se Roy Rogers não cavalga, de fato, no Vale da Morte, a promissora história não demora em se tornar muito próxima a tantos e tantos outros westerns ‘B’, com o mocinho lutando contra o poderoso criador. A diferença (e que diferença!) é que este é estrelado por Roy Rogers com Gabby Hayes como seu sidekick.


Roy Rogers com Doris Day
Irmão contra irmão - Um rancheiro chamado Rogers (Lane Chandler) é friamente assassinado e seu filho Tim é sequestrado pelos dois criminosos, enquanto Roy, o filho mais velho encontra o corpo inerte do pai. O assassino é o inescrupuloso Ed Tasker (Frank M. Thomas) acompanhado por seu comparsa Brace (Jack Ingram), que levam consigo o pequeno Tim. Roy abandona a propriedade que passa para o controle de Tasker. Na cidade de Sundown, o bandido controla o fornecimento de água e quando Roy (Roy Rogers) retorna ao local adulto, se depara com Tasker ainda ameaçando e vendendo proteção aos rancheiros locais. Roy adquire uma propriedade e Tasker logo tenta intimidá-lo, o que aparentemente consegue. Em Sundown, Roy reencontra Ann Meredith (Doris Day), sua namoradinha de infância que se decepciona com Roy por aceitar passivamente as ameaças. Pressionado por Ann, Roy se torna o líder dos rancheiros locais defendendo-os contra Tasker. O mais violento dos homens de Tasker é seu sobrinho Jerry (Donald Barry), a quem, numa luta corporal, Roy poderia ter matado, sendo impedido por uma inesperada e misteriosa força maior. Em verdade Jerry é o novo nome de Tim Rogers, irmão de Roy, que rebelando-se contra Tasker acaba matando-o e sendo, ao mesmo tempo morto por ele, com a paz voltando a reinar em Sundown.

Gabby Hayes e Roy Rogers
Mudança para o mal - Desenvolver o tema de irmão se confrontar com irmão não é tarefa fácil num western de 58 minutos de duração que abriga ainda perseguições a cavalo, luta corpo a corpo, romance e... um pouco de música. O diretor Joseph Kane se sai razoavelmente bem, no entanto, ao fazer de “A Saga do Vale da Morte” um faroeste invulgar na filmografia de Roy Rogers na Republic Pictures. Sacrificando muito do que poderia ser visto na tela entre os dois irmãos, em função de não tornar o filme excessivamente dialogado e sem as necessárias e tão esperadas sequências de ação, optou-se por simplificar a trama. Roy Rogers retorna para vingar a morte de seu pai, reencontrar a menina com quem sonhava se casar e de quem nunca esqueceu, além de ter um (único) momento em que se vê diante do irmão agora bandido. Donald Barry é o garoto que cresce e se torna um bandido sanguinário e que certamente transformaria este faroeste num pequeno clássico se mais maldades pudesse cometer até se redimir, ao final, enfrentando o homem que mudou (para o mal) sua vida.

Donald Barry à frente de Frank M. Thomas; Don Barry nos braços de Roy Rogers.

Don Barry; Doris Day
O diminuto vilão - Aos 28 anos de idade, Roy Rogers mostra-se no auge de sua forma cavalgando Trigger com a conhecida habilidade, além de esbanjar a simpatia e irradiar a integridade que fizeram dele ‘O Rei dos Cowboys’ no período de 1943 a 1954. George ‘Gabby’ Hayes era um boboca (sidekick) que de bobo não tinha nada, seja montando, atirando, lutando ou ainda evitando as mulheres pouco bonitas que queriam conquistá-lo. Neste filme a pretensiosa é Miss Minnie (Fern Emmett), enquanto ficou para Doris Day escutar Roy cantando para ela uma canção (uma única, ainda bem). Outras duas canções são ouvidas durante o filme sem, porém, que a trama seja interrompida para que Roy ou Jimmy Wakely e seus Rough Riders as entoasse. Ao final Roy canta a quarta e última canção para Doris Day. Don ‘Red’ Barry (Donald Barry), antes de se tornar também um mocinho da Republic (Red Ryder), mostra que se daria muito melhor como bandido a la James Cagney, não lhe faltando altura para isso, ele que tinha apenas 1,64m de altura. Em 1939 a excepcional cantora Doris Day estava com apenas 15 anos e não havia se aventurado na carreira artística que faria dela uma das grandes estrelas de Hollywood. Evidentemente a homônima Doris Day foi uma atriz de poucos predicados que desapareceu após uma dúzia de pequenas participações em filmes, sendo este seu único western.

Primeira fase de Roy Rogers - No elenco de apoio Lane Chandler e Hal Taliaferro dois dos cinco mascarados do seriado “O Guarda Vingador” (The Lone Ranger), sem contar George Montgomery que atuou como figurante e dublê neste “A Saga do Vale da Morte”, muito antes de se tornar um dos cowboys favoritos dos westerns B. Este faroeste da primeira e, para muitos, a melhor fase de Roy Rogers, agrada bastante não só aos fãs do ‘Rei dos Cowboys’, mas a todos aqueles que, entre um clássico e outro do gênero, nunca deixa de assistir aos queridos westerns ‘B’ dos pequenos estúdios.


George 'Gabby' Hayes; Roy Rogers e Doris Day; Lane Chandler.

Os cinco mascarados do seriado "O Guarda Vingador" (The Lone Ranger),
entre eles Lane Chandler, Hal Taliaferro e George (Letz) Montgomery,
quinteto completado por Lee Powell e Herman Brix.

16 de maio de 2016

TUDO POR UMA MULHER (ALONG CAME JONES) – GARY COOPER TENTANDO SER ENGRAÇADO


Arte de Norman Rockwell retratando
Gary Cooper para este western.
Em meados dos anos 40, no auge da fama, Gary Cooper decidiu se tornar produtor e achou interessante a história “Useless Cowboy” escrita por Alan LeMay (“Rastros de Ódio”/The Searchers e “O Passado Não Perdoa”/ The Unforgiven). Nunnaly Johnson (autor dos roteiros de “Jesse James”, “Vinhas da Ira” e “Um Retrato de Mulher”) foi contratado para roteirizar a história. Loretta Young, uma das mais belas atrizes de Hollywood aceitou ser a leading-lady de Gary Cooper no filme que teria também Dan Duryea, que já se destacava como um dos melhores homens maus do cinema. Com esse time de alto nível (LeMay ainda não era tão renomado), tudo que Gary Cooper conseguiu foi produzir um western em tom de comédia que acabou sendo um dos pontos mais baixos de sua brilhante carreira. A pequena International Pictures que na década de 40 produziu alguns clássicos do filme noir e depois foi absorvida pela Universal, resultando daí a Universal International, se associou a Gary Cooper para filmar “Along Came Jones”, que no Brasil foi exibido como “Tudo por Uma Mulher”. A produção da International Pictures foi de uma incomodante pobreza, assemelhando-se às produções ‘B’ da Republic, o que mais ainda prejudicou este filme com história nada criativa e roteiro que custa a acreditar tenha sido de autoria de Nunnaly Johnson.


Acima Gary Cooper com William Demarest;
abaixo Cooper com Chris-Pin Martin.
Pistoleiro por equívoco - Melody Jones (Gary Cooper) e George Fury (William Demarest) são dois cowboys que erram o caminho e chegam à cidade de Payneville. Melody, assim chamado por estar sempre cantando, é confundido com um facínora chamado Monte Jarrad e a princípio gosta do equívoco pois todos temem o violento fora-da-lei e Melody, que mal sabe sacar seu revólver, adquire um respeito nunca antes experimentado. E Payneville traz ainda outra vantagem para Melody Jones quando este descobre a beleza e vivacidade de Cherry de Longpre (Loretta Young), o que faz com que o cowboy desista de deixar a cidade, a contragosto de seu parceiro George Fury. Cherry é amante de Monte Jarrad, que está ferido, e trama com este usar o inútil cowboy fazendo com que ele caía nas mãos da Justiça e possibilite a fuga do bandido. Jarrad está de posse de 42 mil dólares roubados em um assalto e, além do xerife e seus homens, estão também atrás dele um enviado de uma agência de detetives e bandidos que sabem do roubo. Todos acreditam que Melody Jones, por ser alto e forte e ter as iniciais MJ, seja de fato Monte Jarrad que se vê repentinamente caçado nos arredores de Payneville. Embora sem nenhuma outra qualidade além de cantar, a bela Cherry simpatiza com Melody, o que faz com que Jarrad enfurecido tente matá-lo. Os dois homens duelam sem a mínima chance para Melody, mas quando Jarrad está prestes a desferir o tiro fatal, Cherry dispara mortalmente contra ele. Melody e Cherry terminam juntos e apaixonados.

Dan Duryea com Loretta Young.
Engraçado mas não muito... - Gary Cooper foi um dos principais galãs de Hollywood, fascinando as mulheres e ainda conseguindo o respeito da crítica e do público em geral, por suas atuações. Em alguns filmes Cooper ensaiou personagens semicômicos como nos clássicos “Adorável Vagabundo” e “Bola de Fogo”, nos quais foi dirigido por Frank Capra e Howard Hawks, respectivamente, diretores que eram mestres em comédias românticas. Ocorre que em “Tudo por Uma Mulher”, o diretor não é Capra e nem Hawks, mas sim Stuart Heisler, incapaz de dar uma identidade aos tantos filmes que dirigiu. A mão pesada de Heisler na direção e a absoluta falta de graça de Gary Cooper foram fatais para esta primeira produção do grande astro. E Heisler não poderia fazer milagres com o roteiro aborrecido de Nunnaly Johnson, partindo da batida situação da confusão de identidades. Para piorar as coisas, fica a impressão que esqueceram de dizer a Loretta Young e a Dan Duryea que o filme deveria ter o tom que os norte-americanos chamam de ‘tongue-in-cheek’, ou seja, dominado pela ironia. Loretta e Duryea, assim como alguns coadjuvantes, levaram a sério demais “Tudo por Uma Mulher” e seus personagens conflitam com a ideia de Cooper de mostrar que pode ser engraçado.

Gary Cooper com William Demarest; Cooper disparando a esmo.

Gary Cooper
Gary Cooper num western ‘B’ - E a produção em preto e branco não se esforça para disfarçar os cenários de estúdio na maior parte das externas, mais parecendo um daqueles seriados de televisão com alguma vegetação dividindo o espaço com rochas de papelão tendo ao fundo montanhas e céu pintados. O filme até que se inicia bem com Monte Jarrad assaltando uma diligência, quando é ferido na fuga. Outra boa sequência é quando o xerife (Arthur Loft) e seus dois assistentes (Lane Chandler e Ray Teal) tentam capturar Melody Jones num casebre, travando uma luta com o bandido que não é bandido. Os melhores momentos de “Tudo por uma Mulher” são aqueles em que Dan Duryea entra e ação, ainda que a sequência da troca de roupas entre ele e Gary Cooper seja forçada, culpa da falta de talento de Heisler, da nenhuma graça de Cooper e de Duryea que aparentemente não entendeu bem o que deveria fazer. O romance entre Melody e Cherry não funciona, mesmo porque o ‘useless cowboy’ da história de Alan LeMay não tem nada que possa atrair a moça, inicialmente apaixonada até o último fio de cabelo pelo bandido. Sem falar que optando em ficar com Melody, Cherry se condenará para sempre a escutar o tedioso cantor a desfilar a enfadonha centena de versos de uma das canções com que atormenta o pobre pardner George Fury. Este, durante todo o filme demonstra ser mais inteligente que Melody que deveria ser o verdadeiro sidekick...

O strip-tease de Dan Duryea e Gary Cooper.

Loretta Young
Loretta Young, escolha errada - A participação de Dan Duryea se resume a meros 15 minutos em cena, as quais domina com facilidade, ele que foi um dos grandes vilões de Hollywood, influência indiscutível no maior de todos que foi Lee Marvin. A belíssima Loretta Young desfila sua elegância e bons modos, num personagem que deveria ter muito de mulher de caráter duvidoso. Ainda que se deva a ela os momentos em que a tela fica mais luminosa com seus olhos irresistivelmente lindos, Loretta não tem a maldade na alma de atrizes como Susan Hayward ou Barbara Stanwyck, mais adequadas à personagem Cherry de Langpre.  Gary Cooper produziu um filme para mostrar um possível versatilidade que ele não possui e criou um personagem caricato na vasta galeria de heróis inesquecíveis que ele criou. William Demarest, que era então o ator preferido das ácidas comédias de Preston Sturges, não se destaca desta vez. Atenção para o ainda jovem Ray Teal que viria a ser um dos principais coadjuvantes de seu tempo, terminando a carreira como o simpático Sheriff Roy Cofee, de Virginia City, da série “Bonanza”. Presenças ainda, no elenco, dos conhecidos Frank Sully, Lane Chandler, Chris-Pin Martin e Russel Simpson.

Ray Teal com Arthur Loft; Lane Chandler, Gary Cooper e Ray Teal.

Gary Cooper
Mudança de título - Exibido no Brasil como “Tudo por uma Mulher”, título mais apropriado para um daqueles dramas de Douglas Sirk, este western foi exibido no Telecine Cult e posteriormente lançado por aqui em DVD. Como o antigo título não funciona bem para um western, optou-se pelo título mais chamativo “Pistoleiro do Destino”. Pior que o vulgar título do DVD nacional foi o escolhido em Portugal, onde este western se chamou “Aí Vem Ele” (???), numa tradução aproximada do original mas que também não funciona. Considerado um dos principais cowboys do cinema, o que não falta na carreira de Gary Cooper são clássicos do gênero nos quais ele tem brilhantes e séria interpretações. Este “Tudo por uma Mulher” deve repousar entre “Matar ou Morrer” (High Noon) e “O Homem do Oeste” (Man of the West), estes sim memoráveis westerns estrelados por Cooper.

A sequência final com o duelo entre Gary Cooper e Dan Duryea
e o disparo de Loretta Young.