UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

30 de julho de 2012

O LAÇO DO CARRASCO (Hangman’s Knot), GRANDE SUCESSO DE RANDOLPH SCOTT


Alguns westerns de Randolph Scott são subestimados apenas porque não fazem parte do aclamado lote dirigido por Budd Boetticher. Os sete faroestes da associação entre Scott-Boetticher são considerados, em bloco, como excelentes, o que não implica que outros westerns do veterano mocinho deixem de merecer igual reputação, nada ficando a dever aos melhores títulos da cultuada série. “O Laço do Carrasco” (Hangman’s Knot) é um significativo exemplo disso.


CONFRONTO EXTEMPORÂNEO - Roy Huggins dirigiu apenas um filme em toda sua vida e foi justamente “O Laço do Carrasco”, do qual foi ainda o autor da história. Depois Huggins passou a criar e produzir séries para a TV, as principais delas “Maverick”, “O Fugitivo” e “Arquivo Confidencial”. A história de “O Laço do Carrasco” foge do convencional e passa-se em 1865 quando a Guerra Civil já havia acabado há um mês. Porém essa informação ainda não chegou a um grupo de soldados liderados pelo Major Matt Stewart (Randolph Scott), incumbido de resgatar algumas barras de ouro em poder de um destacamento da União. Após o sucesso da missão o grupo descobre que houve a rendição do Sul e passa a discutir o que fazer com o ouro. São então atacados por bandidos chefiados por Quincey (Ray Teal) que querem se apossar do ouro e encurralam o Major Stewart, seus homens e outras quatro pessoas num posto de diligência situado em local isolado. Os ex-confederados resistem e conseguem liquidar o bando de Quincey. No entanto os comandados pelo Major Stewart são também mortos. Stewart e um jovem soldado, únicos sobreviventes, decidem por questão de honra não ficar com o produto do roubo.

Randy Scott
NORTE X SUL EM TEMPOS DE PAZ - Certamente foi lenta a transição para os tempos de paz após a rendição ocorrida em 9 de abril de 1865 em Appomatox. As notícias demoravam a chegar a pontos mais remotos e muitos confrontos mortais ocorreram após aquela data. Finda a guerra, era hora de contabilizar os prejuízos, monumentais para a quase arrasada Confederação Sulista e, na medida do possível, contar com qualquer tipo de indenização. “O Laço do Carrasco” apresenta essa situação-dilema que é o que fazer com barras de ouro que poderiam garantir um recomeço para o pequeno grupo de ex-soldados sulistas, possibilitando mais um inevitável estudo sobre a cobiça dos homens. Se o Major Matt Stewart (Scott) é apresentado como bravo e digno, seus comandados Cass Browne (Frank Faylen), Rolph Bainter (Lee Marvin) e Egan Walsh (John Call) não pensam como ele. Apenas o jovem Jamie Groves (Claude Jarman Jr.), ainda não corrompido pela ambição, tem dúvidas sobre qual procedimento tomar. A sanha do bando de Quincey (Ray Teal), despida de escrúpulos e de ideais é que acaba demonstrando que o ouro não deve ficar de posse dos vencidos, de aventureiros como Lee Kemper (Richard Denning) e menos ainda em mãos de bandidos.

Acima o laço do carrasco no pescoço
de Frank Faylen; abaixo Jeanette
Nolan e Clem Bevans.
PEQUENO MAS NUNCA VAZIO FAROESTE - O enredo enxuto de Roy Huggins permite ainda reflexões sobre variadas questões como as perdas morais e danos psicológicos da guerra, especialmente com a presença da viúva Margaret Harris (Jeanette Nolan). Privada do marido e filhos que lutaram pelo Norte, Margaret é uma mulher traumatizada e naturalmente revoltada contra a presença de sulistas em sua casa (um posto de troca de cavalos). Molly Hull (Donna Reed), uma ex-enfermeira do Exército da União é obrigada a permanecer dentro da casa sitiada do posto. Lá ela cuida de um soldado ferido que antes de ser sulista é um ser humano, exemplo fácil mas funcional de altruísmo no enredo de Huggins. E a nova América surge ao final promissora na figura do inocente soldado sulista Jamie (Claude Jarman Jr.) que ao lado de Margaret Harris e do idoso agente (Clem Bevans) da estação de diligências se compromete a reconstruir o bem maior que é o país, agora sem irmãos inimigos. Um faroeste de Randolph Scott com 81 minutos de duração não é o ideal para se aprofundar esses temas, mas mesmo assim “O Laço do Carrasco” não faz feio e mais que isso, se integra perfeitamente à ação quase que intensa no decorrer do filme.

A linda Donna Reed.

O bando chefiado por Ray Teal;
Monte Blue atrás da moita.
A COMPETÊNCIA DE YAKIMA CANUTT - O western de Huggins se inicia, sem o clássico logotipo da Columbia e sem os créditos que só aparecem no terceiro minuto de filme. Ao invés deles o filme se começa com uma cena de emboscada, seguindo-se perseguições, tiroteios, tentativa de enforcamento e uma violenta briga entre Randolph Scott e Lee Marvin, ou seja, tudo que o fã de faroestes quer. As excelentes sequências de ação sob responsabilidade de Yakima Canutt são interrompidas por diálogos concisos, inteligentes e tensos. Tudo isso distribuído por um elenco dos melhores em que se sobressaem as ótimas Donna Reed e Jeanette Nolan. Além delas há Richard Denning, Clem Bevans e Frank Faylen, bastante bons, ficando Claude Jarman Jr. em plano inferior. Guinn ‘Big Boy’ Williams, Frank Yaconelli e principalmente Monte Blue formam o quase patético bando de celerados comandados pela expressiva atuação de Ray Teal.

Lee Marvin assediando Donna Reed.
LEE MARVIN GANHAN-DO RESPEITO - Há uma tese segundo a qual os westerns de Randolph Scott são bons ou ruins dependendo dos vilões escalados, que fazem crescer não só o filme mas também a atuação de Randy. Com sua imagem de integridade, fibra e lealdade, mesmo quando em papéis ambíguos, Scott domina a tela com sua persona, menos quando entra em cena Lee Marvin. Ainda em início de carreira, Lee já era reconhecido como ladrão de cenas, mas em “O Laço do Carrasco” o famoso durão está bastante contido, o que não o impede de criar alguns dos melhores momentos do filme. Seu personagem Rolph Bainter é praticamente isento de complexidade psicológica, distante, por exemplo do inesquecível Bill Masters de “Sete Homens Sem destino”, rodado quatro anos depois. Cruel, sempre pronto a disparar sua arma com sádico prazer, Lee Marvin faz seu personagem crescer e de sexto nome nos créditos deixa entrever facilmente o estupendo ator que o cinema ganhava.

SUCESSO DE BILHETERIA - “O Laço do Carrasco” foi o maior sucesso de bilheteria entre os filmes produzidos por Randolph Scott em parceria com Harry Joe Brown, computados inclusive os westerns dirigidos por Budd Boetticher. Esse sucesso é bastante merecido uma vez que “O Laço do Carrasco” é um daqueles westerns B quase perfeitos e o quase fica por conta de merecer ser um pouco mais longo e poder contar com uma produção mais elaborada. Culpa exclusiva de Roy Huggins que realizou um pequeno e belo western com características de Classe A.



29 de julho de 2012

QUADRILHAS DOS FAROESTES (IX) – OS BANDIDOS POUCO CONHECIDOS DE “O LAÇO DO CARRASCO”


Em “O Laço do Carrasco” Ray Teal chefiou uma quadrilha que era integrada pelo veterano Monte Blue, por Guinn ‘Big Boy’ William e por Frank Yaconelli. Poucas vezes um faroeste mostrou um grupo de bandidos tão simpáticos, ainda que neste filme de Roy Huggins eles estejam distante dos tipos que normalmente interpretavam no cinema. O personagem de Ray Teal só é menos cruel que o de Monte Blue. O bandido interpretado por Guinn ‘Big Boy’ Williams pertence à galeria dos sádicos e Frank Yaconelli é o menos desalmado de todos. Curiosamente, o quarteto está contra Randolph Scott e consequentemente contra Lee Marvin, este sim, um dos maiores vilões que o cinema já mostrou. Vale à pena conhecer esse bando que encurrala Randolph Scott e seus comandados em “O Laço do Carrasco”.


MONTE BLUE foi galã do cinema mudo, tendo feito par romântico com as principais estrelas daqueles tempos, entre elas Norma Shearer, Clara Bow, Gloria Swanson e Marie Prevost. Monte Blue estreou no cinema numa ponta em “Nascimento de uma Nação”, sendo depois dirigido por David W. Griffith também em “Intolerância” e em “Órfãs da Tempestade”. Amigo de Cecil B. DeMille, Blue participou de inúmeros filmes do famoso diretor. No cinema falado o ex-galã passou a ser um disputado coadjuvante, como em “Os Lanceiros de Bengala” (com Gary Cooper). Monte atuou em diversos seriados, entre eles “O Império Submarino”, “Agente Secreto X-9” e “G-Men Contra o Império do Crime” e em muitos faroestes como “As Aventuras de Bill Hickock” (com Bill Elliott) e “Cidade Sem Lei” (com Erroll Flynn). O derradeiro trabalho de Monte Blue no cinema foi interpretando ‘Gerônimo’, em “O Último Bravo”, com Burt Lancaster. Monte Blue nasceu em 1887, em Indiana, tendo sido criado em orfanato e antes de ser ator foi lenhador, bombeiro, mineiro e jogador de futebol americano, graças a sua altura de 1,92. Monte Blue foi casado três vezes e faleceu em 1963, aos 76 anos de idade após sofrer um ataque das coronárias. Seu nome verdadeiro era Gerard Montgomery Blue, sendo descendente de índios Cherokee.

FRANK YACONELLI foi o menos conhecido dos sidekicks de Cisco Kid, mesmo tendo a sorte de atuar com Gilbert Roland, o melhor de todos os atores que encarnaram o famoso mocinho mexicano. Yaconelli interpretou o personagem ‘Baby’ em três filmes da série “Cisco Kid”: “Bandidos do Deserto”, “O Bandido e a Dama” e “Povoado Violento”. Nascido na Itália em 1898, Francesco Yaconelli imigrou com seus pais para os Estados Unidos quando tinha apenas um ano de idade. O mais velho de 12 irmãos, Francesco tocava acordeão nas ruas, quando adolescente, para ajudar a família. Mesmo menor de idade se alistou no Exército e participou da I Guerra Mundial, tendo então se naturalizado cidadão norte-americano. Passando a se chamar Frank Yaconelli, fundou com um irmão uma pequena produtora de filmes que acabou falindo. Resolveu então somente atuar, fazendo seu primeiro filme em 1927 e interpretando sempre personagens de origem latina. Em 1942 Yaconelli voltou a se alistar nas Forças Armadas e participou também da II Guerra Mundial, desta vez não nos fronts de batalha, mas acompanhando as troupes de artistas que se apresentavam nos acampamentos miltares. Assim como ocorreu em “O Laço do Carrasco”, Frank Yaconelli raramente tinha seu nome creditado, nos filmes, mas era um rosto simpático e bastante conhecido. Yaconelli era casado com Ruth Findlay e faleceu em 1965, de câncer do pulmão.

GUINN ‘BIG BOY’ WILLIAMS fazia jus ao apelido pois era alto e muito forte. Nascido em 1899 no Texas, seu nome verdadeiro era Guinn Terrell Williams Jr., filho de um ex-oficial do Exército que queria ver o rapagão formado em West Point. Mas Guinn, apesar de se formar em Direito, passou a ganhar a vida como cowboy em rodeios. Num dos rodeios em que participou conheceu Will Rogers que o apelidou de ‘Big Boy’ e o levou para o cinema. ‘Big Boy’ estreou como ator num filme estrelado pelo próprio Will Rogers, em 1919, demonstrando talento para a comédia. Porém o enorme texano era excelente cowboy e logo passou a atuar indistintamente em westerns ‘A’ e ‘B’. Entre os muitos westerns de melhor orçamento que participou estão “Uma Cidade que Surge” e “Caravana de Ouro” (ambos com Errol Flynn), “Terra do Inferno” (com Randolph Scott), “Renegado Heróico”, com Gary Cooper. ‘Big Boy’ possuía uma fazenda em Brackettville, e como era amigo de John Wayne, participou de “O Álamo”, ocasião em que já estava doente sofrendo de uremia. Mesmo assim John Wayne conseguiu um pequeno papel para Guinn em “Os Comancheiros”, seu último filme, em que Guinn aparece bastante debilitado. Guinn ‘Big Boy’ Williams faleceu em 1962, aos 63 anos de idade, tendo sido casado três vezes.

RAY TEAL será sempre lembrado como o xerife Roy Coffee de Virginia City na série “Bonanza”. Roy Coffee foi introduzido na segunda temporada, em 1960, permanecendo na série por mais sete temporadas, até 1967. Apenas Lorne Greene (429), Michael Landon (426), Dan Blocker (415), Pernell Roberts (199) e Victor Sem Young (105) atuaram mais vezes que Ray Teal em “Bonanza” que como ‘Roy Coffee’ esteve com a estrela de xerife de Virginia City no peito em 96 episódios. Coadjuvante dos melhores, Ray Teal foi um dos atores coadjuvantes que mais atuou em filmes importantes, desde sua estreia no cinema em 1937 até “Chisum” (com John Wayne), sua despedida das telas. A relação quase completa dos trabalhos de Ray Teal como ator está na biografia que WESTERNCINEMANIA publicou dele em 5 de abril de 2012 com o título “Ray Teal, o Querido Xerife Roy Coffee de Bonanza”. Ray Teal, que nasceu em 1902 em Grand Rapids, no Michigan, era band-leader antes de se tornar ator. Um dos mais estimados atores coadjuvantes de Hollywood, Ray Teal faleceu de causas naturais aos 74 anos de idade.


27 de julho de 2012

CINE SAUDADE - ROY ROGERS, O REI DOS COWBOYS, EM "MARIANA FOI AO CINEMA"


As lembranças dos heróis de infância insistem em permanecer
nas recordações de tantos senhores que, quando meninos,
corriam cheios de felicidade para as matinês aos domingos.
No cineminha pequeno e sem luxo eles se encontravam com os mocinhos
que preenchiam seus imaginários de emoções nos outros seis dias da semana.
Socos bem dados nos Roy Barcrofts e Harry Woods faziam delirar os garotos.
Mas só eles, os meninos, vibravam com galopes, tiros e afagos nos amados
corcéis? Engana-se quem pensa sim e o texto "Mariana foi ao Cinema",
de Cibele Rocha, liricamente nos mostra como meninas também gostavam
dos inesquecíveis faroestes e deles se lembram com a mais doce das nostalgias.

Elas desceram para a sessão das três. É a matinée. Uma tem trinta e nove anos, a outra oito. Eu as vejo conversar de igual para igual. A mais alta carrega a boneca na mão direita, presa pelo pés. A pequena diz que boneca é gente, vomita se continuar de cabeça para baixo. A argumentação entre as duas engata:
-- Então, Mariana, quem deve carregá-la, aninhada, é você que é a mãe.
-- E eu carrego como? Você gruda em mim. Na minha outra mão, essa que vai na parede, não consigo segurar, escorrega. Posso mudar de lado?
-- Não. Perto da sarjeta passam os carros. Na pressa, esbarram em você.
-- E se esbarrarem na boneca? A Rosa, mãe! Você salva?
Sei bem que a pequena não desistiu – boneca é no colo. Mas, eu perdi a conversa de vista. Atravessaram para a segunda quadra e, da minha janela que tem venezianas à antiga, falta-me o ângulo. Mais abaixo, depois do Colégio da Praça, está o cinema. Elas vão entrar lá. Foi promessa que a mais velha me contou:
-- Mariana, se você aprender a ler as horas, levo-a ao cinema. Estando comigo o bilheteiro deixa. Vamos ver filme de mocinho e bandido. O mocinho sofre, mas ganha.
-- Pode ser o Roy Rogers, mãe?
-- Claro que pode. Gosto dele.
Mais tarde, eu já dentro da sala de casa, ouvi a criança, de volta. Tinha voz de queixa:
-- Muito tiro, mãe. Podiam ter acertado um na Rosa. Ela já tinha andado ao contrário na sua mão, não podia sofrer de novo. Ia sair sangue. O Roy Rogers é mais bonito na revista. Gostei do cavalo dele. É alazão, não é mãe?
-- Alazão sim. E se chama Silver.
-- Mãe, quê isso? Silver é o cavalo do Zorro. É branco, inteirinho.
-- Ah! É.
-- Domingo que vem a gente volta? É filme de espada. O mocinho luta sem barulho de tiro. Daí a boneca pode dormir no cinema. Você compra entrada para ela?
-- Filha, filme assim se chama: de capa e espada.
Há pouco tempo, Mariana adulta, desenhista de quadrinhos, carreira longa e reconhecida, eu lhe contei essa sua primeira ida ao cinema: ela, a boneca Rosa e a mãe Camila, minha irmã caçula. Mariana se lembrava de tudo, mais do que eu.
Repetiu-me cada passo da caminhada das duas. Descreveu a sala de espera do Cine Odeon, piso de granilite e bancos de mármore. As cadeiras da platéia, em madeira que estalava quando o público se movimentava. O tapete bege por debaixo dos assentos, a passadeira em vermelho estampado nos corredores.
Contou-me, cena a cena, o Roy Rogers na tela vencendo os bandidos do assalto ao Trem Pagador. Ouvi o filme inteiro com direito à sonorização de boca. Junto da sobrinha, entusiasta dos heróis bons e inimigos maus, tive que assistir uns cinco DVDs: Cavaleiro Mascarado, Don Chicote, Roy Rogers, Zorro, Fantasma. Quase todos com muito tiroteio, é claro. E sem pipoca, pois ela não autoriza:
-- Mocinho e bandido, tia? Nada de comer. Silêncio e muito respeito.
Pedi Shane, um trecho que fosse. Nada feito.
-- Serve No Tempo das Diligências?
Justo eu que vejo primeiro a truculência e, só depois, o chapéu do John Wayne. E que gosto mesmo é do cinema de arte. Europeu de preferência. Na hora de eu me ir embora Mariana acrescentou:
-- Tocavam o Concerto de Grieg até que saísse a última pessoa da sala do Odeon. Aprendi uma transcrição para piano solo. Quer ouvir? É ótima.



25 de julho de 2012

MATAR OU MORRER (HIGH NOON) LANÇADO EM SÃO PAULO NO LUXUOSO CINE MARROCOS


Inaugurado no dia 25 de janeiro de 1951, o Cine Marrocos era considerado o mais luxuoso cinema da América Latina. A nova sala exibidora foi erguida na Rua Conselheiro Crispiniano, 344, ao lado do Quartel General do II Exército e a 100 metros do Teatro Municipal de São Paulo. O filme escolhido para a inauguração do Cine Marrocos foi “Memórias de um Médico”, estrelado por Orson Welles, produção da United Artists. Quase dois anos depois, os projetores do majestoso Cine Marrocos iriam colocar na tela o faroeste “Matar ou Morrer” (High Noon), filme cuja simplicidade contrastava drasticamente com a exuberância daquele palácio de inegável beleza e ostentação.


Cine Marrocos: escadarias, corredor de entrada,
fonte, laterais, salas de espera.
AUTÊNTICO PALÁCIO ORIENTAL - O escritor e jornalista Ignácio de Loyola Brandão disse certa vez que o Cine Marrocos foi construído no melhor estilo de apoteose mental... E o cinéfilo Loyola não estava muito longe da verdade. Se William Randolph Hearst resolvesse erigir um cinema talvez concebesse algo parecido com aquele cinema paulistano. O acesso ao Cine Marrocos se dava por escadarias com degraus em mármore Carrara, passando-se por um longo corredor onde o estilo mourisco nas paredes, piso e teto indicava a predominância da decoração de um palácio que em tudo lembrava as Mil e Uma Noites. O largo corredor que possuía nas paredes laterais delicadas decorações em relevo descrevendo cenas das mil e uma noites, levava ao hall de entrada. Neste havia uma pequena fonte em meio a uma estrela de oito pontas com piso ricamente decorado também em mármore. Transpondo-se um segundo e imenso portal chegava-se à ampla sala de espera com diversos conjuntos de poltronas em couro na cor bege clara, cada conjunto circundando grandes mesas de centro todas elas com os jornais do dia, parafusados em ripas de madeiras, para serem folheados pelos frequentadores. Sob os conjuntos de poltronas havia espessos tapetes com motivos obviamente orientais que juntamente com as cortinam compunham um visual apropriado para o Taj-Mahal. O principal detalhe da ampla sala de espera do Cine Marrocos era o glamuroso bar que mais lembrava aqueles espetaculares bares dos night-clubs vistos em filmes norte-americanos. Parecia até que a qualquer momento chegariam Humphrey Bogart e Claude Rains. No bar do Cine Marrocos o barmen impecavelmente vestido servia martinis e scotchs. Porém, irresistível mesmo naquele ambiente era saborear uma dose de Arak enquanto se admirava a elegância dos frequentadores, mais ainda das frequentadoras, belas e ricas mulheres habituês na coluna social do jornalista Tavares de Miranda. A sala de projeção era a mais moderna da cidade e as poltronas em couro azul escuro possuíam duas posições e largos descansa-braços para tornar as duas horas de filme o mais confortável possível. Frequentar o Cine Marrocos era algo muito próximo de um sonho, especialmente para aqueles acostumados com os cinemas dos bairros, muitos deles ainda com deformadores assentos de madeira.

Cine Marrocos, conjugação de luxo e funcionalidade na sala de projeção.

Acima Edward G. Robinson e Mervyn
LeRoy, participantes do Festival; abaixo
aspectos do interior do Cine Marrocos.
FESTIVAL DE CINEMA NO IV CENTENÁRIO DA CIDADE - Um dos mais importantes prêmios criados para o cinema nacional foi o ‘Saci’, outorgado por um júri formado por artistas, intelectuais e críticos, composto pelo jornal “O Estado de S. Paulo”. O ‘Saci’ premiava anualmente o melhor da produção brasileira na década de 50 e a grande noite de premiação ocorria sempre no Cine Marrocos. Em 1954, como parte da comemoração do IV Centenário da cidade de São Paulo, a Prefeitura Municipal organizou o I Festival Internacional de Cinema da Cidade de São Paulo. Houve durante o Festival as retrospectivas de Erich Von Stroheim, Alberto Cavalcanti e Abel Gance, que contou com as presenças dos três diretores. Além deles Federico Fellini, Billy Wilder, Mervyn LeRoy e Roberto Rosselini também marcaram presença, especialmente nos debates que ocorriam após a projeção de filmes. Entre os artistas mais famosos estiveram no Cine Marrocos Marilyn Monroe, Marlene Dietrich, Gregory Peck, William Holden, Edward G. Robinson, Bob Hope, Fred MacMurray, Joan Fontaine, Jeffrey Hunter, Barbara Rush, Rhonda Fleming, Jane Powell, Ann Miller, Michel Simon e Ninón Sevilla. Até mesmo Jorginho Guinle passou aquela semana em São Paulo. Ficaram todos os convidados hospedados no Hotel Jaraguá e à noite se reuniam no Cine Marrocos sem disfarçar o deslumbramento com a beleza do cinema. Pouco mais de um ano antes quem estivera na tela do Cine Marrocos foi Gary Cooper em “Matar ou Morrer”.

O MAIOR SUCESSO DE STANLEY KRAMER - Para muitos o Cine Marrocos está indelevelmente ligado à 20th Century-Fox, estúdio do qual foi por décadas o principal cinema lançador em São Paulo. Porém à época de sua inauguração o Cine Marrocos lançava os filmes da United Artists, estúdio que jamais esteve entre os grandes (Warner Bros., MGM, Paramount, Columbia, Universal e RKO). E “Matar ou Morrer” era uma produção relativamente barata da United Artists em associação com o jovem e já bem sucedido produtor Stanley Kramer. Com orçamento de 750 mil dólares (hoje menos de sete milhões de dólares), Kramer conseguiu contratar Gary Cooper por módicos 60 mil dólares. Mas o contrato rezava que o produtor teria que repassar ao ator 20% do lucro líquido do filme que se transformou num dos grandes sucessos de 1952. Em seu primeiro ano de exibição no mundo todo “Matar ou Morrer” faturou 18 milhões de dólares (hoje a nada desprezível quantia de 156 milhões de dólares), o que fez de Gary Cooper um homem ainda mais rico. Mas a receita brasileira de “Matar ou Morrer” certamente pouco contribuiu para o fantástico lucro do filme.

Em 1952, mesmo entre algumas obras-primas, quem fazia sucesso era Mazzaropi
com "Nadando em Dinheiro" sendo exibido em dezenas de cinemas, todos lotados.
Acima a Bolsa de Cinema da Folha de S. Paulo cotando "Matar ou Morrer"
com apenas 14,1% de ótimo e com 21,2% como um mau filme.

Gary 'Will Kane' Cooper
IMPRÓPRIO PARA MENORES DE 18 ANOS - É digno de risos, para quem passou a conviver com a violência e apelo sexual vistos nas últimas décadas não só no cinema mas também na televisão, descobrir que “Matar ou Morrer” foi liberado somente para maiores de 18 anos em 1952. Dois anos mais tarde, em 1954, o mesmo obscurantista Departamento de Censura Federal determinou que “Os Brutos Também Amam” fosse proibido para menores de 14 anos. E em 1956 aquele Departamento estipulou a censura de “Rastros de Ódio” igualmente para menores de 14 anos. Entre os três filmes, sem dúvida o estrelado por Gary Cooper é aquele com menor dose de violência, não contendo nenhuma insinuação a adultério como ocorreu nos outros dois faroestes estrelados por Alan Ladd e John Wayne. O que teria levado o censor a proibir “Matar ou Morrer” para menores de 18 anos somente sua medieval visão poderia responder. Mas o fato é que com esse tipo de censura o faroeste de Fred Zinnemann foi enormemente prejudicado, num tempo em que as famílias ainda iam juntas ao cinema. Por outro lado casais de namorados buscavam filmes mais românticos, sobrando para “Matar ou Morrer” apenas os fãs de faroestes ou aqueles que não perdiam filmes de Gary Cooper de jeito algum. Com isso “Matar ou Morrer” ficou apenas uma semana em cartaz no Cine Marrocos e nos demais cinemas da cidade que o exibiram naquela semana composta pela quinta-feira dia 30 de outubro até a quarta-feira seguinte, dia 4 de novembro.

UM WESTERN, UM SONHO - O carimbo do censor brasileiro impediu que adolescentes deixassem seus ricos cruzeirinhos nas bilheterias dos cinemas, mas a fama de faroeste superior de “Matar ou Morrer” e mais os quatro prêmios Oscar conquistados na premiação de 1953, referente ao ano anterior, obrigaram a sucessivos relançamentos desse magnífico western. Posteriormente, com a ajuda da televisão, VHS e DVD, “Matar ou Morrer” ganhou uma legião de novos admiradores de todas as idades. Nada mais justo para um filme tão influente que representou um marco no gênero. O western de Fred Zinnemman, mesmo visto hoje no mais high-tec home-theater, jamais dará ao espectador a sensação que foi tê-lo assistido no Cine Marrocos. A sensação incomparável que muitos westernmaníacos tiveram ao percorrer o longo e quase onírico trajeto entre as escadarias daquele cinema e a sala de projeção e lá chegando se refestelar nas macias poltronas azuis escuras. E continuando nesse glorioso momento, com as luzes apagadas, com o respeitoso e educado silêncio absoluto dos espectadores, ver brilhar na tela Katy Jurado, Grace Kelly, Thomas Mitchell, Lloyd Bridges, Lon Chaney Jr., Lee Van Cleef, Robert J. Wilke, Sheb Wooley. E mais que todos eles, o heróico Will Kane de Gary Cooper mostrando aos cidadãos de Hadleyville o que é ser homem de verdade, atirando ao chão sua estrela de lata e virando as costas a tanta covardia. Assim como já não há mais templos cinematográficos como o Cine Marrocos, não há mais atores como Gary Cooper e nem filmes como “Matar ou Morrer”.

Nota do Editor – O Cine Marrocos pertence atualmente à Prefeitura Municipal de São Paulo. Após haver sido tombado o prédio abrigará futuramente as instalações da Secretaria Municipal de Educação.



22 de julho de 2012

SHANE (OS BRUTOS TAMBÉM AMAM) RELEGADO A UMA SEMANA DE EXIBIÇÃO EM SEU LANÇAMENTO EM 1954


Passado mais de um ano de seu lançamento nos Estados Unidos, "Os Brutos Também Amam" (Shane) era um dos lançamentos mais aguardados no Brasil no ano de 1954.  Os ecos de seu sucesso nos States e a antecipada e contínua execução de seu bonito tema musical nas rádios brasileiras mais aumentava a ansiedade dos cinéfilos do maior país ao Sul do Equador. Alan Ladd era um astro bastante querido pelo público e George Stevens um cineasta admirado pela crítica especializada que recentemente havia sido arrebatada por “Um Lugar ao Sol”, por ele dirigido. Depois de longa espera, finalmente no dia 14 de junho de 1954 "Os Brutos Também Amam" estreou em São Paulo.

Acima a fachada do Cine Art-Palácio quando
ainda era o UFA Palácio; nas outras fotos
as modernas e funcionais linhas
arquitetônicas de Rino Levi.
O MODERNÍSSIMO CINE ART-PALÁCIO - A distribuição no Brasil dos filmes da Paramount ficava a cargo do Circuito Serrador e pode-se dizer que ocorreu uma gritante falha na escolha do cinema para o lançamento do esperado western de George Stevens. O cinema escolhido foi o Cine Art-Palácio, na Avenida São João, que era um dos principais cinemas da cidade, ainda que já tivesse perdido um pouco do seu prestígio inicial. Inaugurado no ano de 1936, o Art-Palácio recebeu o nome de UFA Palácio, concebido que fora para ser o lançador dos filmes produzidos pela distribuidora alemã Universum Film AG (UFA). Com o advento da II Guerra Mundial o cinema alemão praticamente deixou de existir e era inconcebível a manutenção de tamanho símbolo do poder germânico em pleno centro de São Paulo. Passando a lançar filmes europeus distribuídos no Brasil pela Art-Filmes, o cinema teve seu nome mudado para Art-Palácio, nome que conserva até hoje. Uma das principais distinções do Cine Art-Palácio era o exuberante design do arquiteto Rino Levi, com linhas modernistas que impressionavam pela limpeza e funcionalidade. O Art-Palácio se tornou uma referência para salas exibidoras pois o projeto de Rino Levi não só era belíssimo esteticamente mas também perfeito quanto à visibilidade, acústica, circulação de ar e acessibilidade. Rino Levi colocou um fim no estilo rococó que imperava desde o início do século nas casas exibidoras e da quais os cines Metro eram o maior exemplo de gosto duvidoso. No Art-Palácio o público se distribuía pelas 1.860 poltronas e pelos balcões que acomodavam mais 1.279 lugares, totalizando 3.119 espectadores. Nada mal para receber o cavaleiro dos vales perdidos Alan Ladd.

Filmes lançados antes e depois de "Os Brutos Também Amam"
no disputado Cine Art-Palácio, em São Paulo.

PROGRAMAÇÃO SEMANAL - Havia um problema com o Art-Palácio, problema referente à programação pois independentemente do sucesso do filme exibido, o cinema alterava sua programação semanalmente. Na semana anterior ao lançamento de "Os Brutos Também Amam" foi lançado no Art-Palácio o drama "A Um Passo da Eternidade". Com Burt Lancaster, Frank Sinatra, Montgomery Clift e Deborah Kerr, no elenco que tinha ainda o quase desconhecido Ernest Borgnine, esse filme vinha de estrondoso sucesso de público nos Estados Unidos, chegando ao Brasil com nada menos que oito prêmios Oscar recebidos num total de 13 indicações. Mesmo assim, num aparente erro de marketing "A Um Passo da Eternidade" foi lançado no Art-Palácio para a rotineira permanência semanal, sendo o lançamento concomitante com o circuito de cinemas de bairros. Em seguida "A Um Passo da Eternidade" passou a ser exibido no Cine Ópera, cinema próximo ao Art-Palácio (Rua Dom José de Barros) mas com prestígio bastante inferior. O mesmo aconteceu com "Os Brutos Também Amam" que teve direito a sua semana de lançamento no Art-Palácio e no Cine Broadway (Avenida São João) e circuito de bairros dos cinemas da Cia. Serrador. A prestigiosa resenha semanal de filmes do jornal “O Estado de S. Paulo”, destacou em sua edição de 16 de junho de 1954 “Os Brutos Também Amam” como o lançamento mais importante da semana, dizendo tratar-se de “um western de exceção, pela originalidade da narração”.

Fachadas do Cine Broadway (em maquete), situado na Avenida São João
e Cine Ópera, que ficava na Rua Dom José de Barros.

A Cinelândia Paulistana foi um festival de faroestes
em julho de 1954. Acima cartazes de alguns dos
muitos westerns exibidos.
WESTERNS E MAIS WESTERNS - Considerado quase que unanimemente um dos mais perfeitos faroestes já produzidos, "Os Brutos Também Amam" logo em seu primeiro ano de exibição havia alcançado o status de clássico. Os espectadores percebiam que não se tratava de um western comum, mas sim de um filme para ser lembrado por muitos anos, um daqueles que merecem entrar na lista dos filmes inesquecíveis. Assim como "A Um Passo da Eternidade", "Os Brutos Também Amam" certamente merecia um lançamento em sala de maior destaque que fizesse justiça a sua qualidade artística. Porém, como foi visto, a estratégia da companhia distribuidora do espanhol Francisco Serrador obedecia às exigências de mercado da época, tempos em que o número de filmes produzidos era muito grande e os lançamentos de qualidade se atropelavam. Esse saudável 'problema' fazia com que, não raro, espectadores fossem aos cinemas duas ou três vezes por semana, o que justificava a rapidez com que filmes importantes entravam e saiam de cartaz. Fãs de faroestes, por exemplo, tiveram que se desdobrar naquele mês de junho de 1954 para dar conta de assistir aos lançamentos de “Tráfico de Bárbaros” (com Rod Cameron), “A Renegada” (com Audrey Totter), “Mais Forte que a Lei” (com Dale Robertson), “Conquista de Apache” (com John Hodiak), “Sob o Comando da Morte” (com Guy Madison), “Código de Guerreiro” (com James Craig) e “Alçapão Sangrento” (com George Montgomery), sem esquecer que muitos assistiram a "Os Brutos Também Amam" repetidas vezes. 

Os campeões de bilheteria entre os faroestes nas
décadas de 40, 50 e 60.

SUCESSO ETERNO – “Os Brutos Também Amam” deu lugar no Art-Palácio ao capa-espada inglês “Entre a Espada e a Rosa” (com Richard Todd) e na sequência a “A Carga dos Lanceiros” (com Paulette Goddard), duas aventuras que praticamente ninguém mais lembra. Exibiu em seguida “Cidade Sem Lei” (com Errol Flynn), programa muito mais atraente.  O western de George Stevens custou em valores atualizados 27 milhões de dólares, tendo rendido no primeiro ano de exibição nos Estados Unidos 78 milhões de dólares. Essa quantia é duplicada com a receita obtida no resto do mundo, totalizando quase 160 milhões de dólares, o que fez de "Os Brutos Também Amam" o terceiro filme de maior bilheteria em 1953/4, atrás apenas de "A Um Passo da Eternidade" e de "O Manto Sagrado". Nos anos 40 o western de maior sucesso foi "Duelo ao Sol"; nos anos 60 "Butch Cassidy e Sundance Kid"; entre esses dois blockbusters, fulgura nos anos 50 "Os Brutos Também Amam" como o faroeste mais querido pelo grande público. Independentemente de sua qualidade artística, "Shane" fez com que os espectadores de um modo geral, passassem a respeitar esse gênero de filmes que é mais desprezado que qualquer outro e raramente elevado ao patamar de obra de arte cinematográfica.

Acima o LP com a trilha sonora de "Os Brutos Também
Amam" e foto de Victor Young; abaixo LP de dez polegadas
de Osny Silva com a faixa "Cavaleiro Errante"; LP do
grupo The Jordans com a faixa "Shane" que não é outra
senão "The Call of the Far-Away Hills".
DAS TELAS PARA A JOVEM GUARDA - A canção-tema de "Os Brutos Também Amam", de autoria de Victor Young e Mark David, intitulada "The Call of the Far-Away Hills", embora apenas orquestrada, fez enorme sucesso no Brasil em 1953 e em 1954. Sem dúvida essa foi uma música que levou o público a se identificar com o filme, o que era comum num tempo de excepcionais compositores. A gravadora Odeon acreditou que a canção teria um sucesso ainda maior se fosse feita uma letra em Português, o que aconteceu com versos de autoria de Giuseppe Ghiaroni. A canção recebeu o título de “Cavaleiro Errante” e foi gravada pelo vozeirão do cantor Osny Silva. Apresentado como “A Mais Bela Voz do Rádio Paulista”, Osny Silva não conseguiu repetir o sucesso da gravação da Orquestra de Victor Young, não conseguindo com seu “Cavaleiro Errante” chegar às paradas de sucesso. O público preferiu mesmo assoviar e cantarolar a melódica canção de Victor Young. Dez anos mais tarde, no início do movimento chamado 'Jovem Guarda', a canção "The Call of the Far-Away Hills" foi gravada em 1964 pelo conjunto The Jordans no LP 'Surfin' with The Jordans' que preferiu simplificar o título da canção chamando-a de “Shane”.

Capas do vídeo-disco, VHS e DVD de
"Os Brutos Também Amam"; abaixo
o crítico Paulo Perdigão,
apaixonado por "Shane".
SHANE DENTRO DE NOSSAS CASAS - Se os representantes da Paramount no Brasil e Francisco Serrador erraram ou não no lançamento de "Os Brutos Também Amam" é uma questão de menor importância. O certo é que o western de George Stevens se revelou posteriormente um daqueles fenômenos avassaladores e após seu lançamento em 1954 ocorreram sucessivas reprises nos anos seguintes. Na década de 60 o filme praticamente desapareceu dos cinemas não tendo direito a uma significativa reprise. Como nesse tempo a televisão já exibia filmes mais  antigos, a TV acabou se incumbindo de apresentar "Os Brutos Também Amam" aos mais jovens e presentear os saudosos com as bem-vindas revisões. O crítico Paulo Perdigão sempre foi um dos maiores admiradores de "Shane", como ele gostava de chamar "Os Brutos Também Amam", abominando esse título nacional. Guindado à função de programador da TV Globo, Paulo Perdigão programava "Shane" pelo menos uma vez por ano, chegando a dizer que se pudesse o exibiria semanalmente. As exibições de "Shane" na TV aumentaram o número de admiradores do filme e quando na década de 80 ele foi lançado em VHS, tornou-se uma das fitas inicialmente mais copiadas. “Shane” foi um dos poucos faroestes lançados também em vídeo-disc nos Estados Unidos. Com a chegada do DVD e com ele a merecida qualidade de imagem e som remasterizados o público pode então constatar a beleza das imagens de "Os Brutos Também Amam". Pode também se enternecer com o drama das famílias de rancheiros que se estabeleciam no Wyoming aos pés dos montes Tetons e com o amor e a amizade que brotou no coração de seus personagens principais. E pode descobrir a perfeição coreográfica das cenas de ação filmadas por George Stevens. Tudo isso, embalado pela música de Victor Young só não se torna um prazer maior que aquele que devem ter sentido os afortunados espectadores que entraram no Cine Art-Palácio naquela segunda-feira, 14 de julho de 1954 (e nos outros seis dias seguintes), para se emocionar com "Shane". 



19 de julho de 2012

O DISCRETO LANÇAMENTO DE “RASTROS DE ÓDIO” (The Searchers) NO BRASIL


Diferentemente de "Matar ou Morrer" e "Os Brutos Também Amam", westerns notáveis que o precederam e que ganharam imediato status de clássicos, "Rastros de Ódio" foi solenemente ignorado quando de seu lançamento. Ignorado pela quase totalidade da crítica e pelos membros da Academia de Artes de Hollywood, aquela que distribui os prêmios de melhores do ano para os filmes em diversas modalidades.


Acima Frank S. Nugent e Alan Le May;
abaixo Winton C. Hoch.
ZERO INDICAÇÕES - “Matar ou Morrer” recebeu sete indicações, vencendo em quatro modalidades (ator, edição, canção original e trilha sonora). “Os Brutos Também Amam” recebeu seis indicações e ficou com um único prêmio, o de melhor fotografia. Pois é, amigo, você que se a cada vez que revê “Rastros de Ódio” se deslumbra com os cenários naturais de Monument Valley, admiravelmente fotografados por Winton C. Hoch; você que se emociona com a interpretação de John Wayne, a melhor de toda sua carreira; você que jamais se esqueceu da inesquecível atuação de Ward Bond; você que gostou da estupenda música de Max Steiner e se enternece com a canção de Stan Jones tocada no início e ao final do filme; você que percebe que poucas vezes um western apresentou uma história tão inspirada (Alan Le May), contada por um roteiro perfeito (Frank S. Nugent); e finalmente você que considera “Rastros de Ódio” o melhor filme de John Ford, para muitos o maior diretor de cinema de todos os tempos, você sabe quantas indicações para o Oscar recebeu “Rastros de Ódio”? Isso mesmo, zero indicações.

O livro das quatro mil fotos; Clayton Moore,
The Lone Ranger;
cenário de "Rastros de Ódio".
INDIFERENÇA COM OS FAROESTES - Um excelente exemplo de como esse western de John Ford foi visto como um filme menor, é o livro “A New Pictorial History of the Talkies”, de Daniel Blum, volume com mais de quatro mil fotos de filmes e de artistas, editado em 1958 e reeditado em 1968. Esse belíssimo trabalho focaliza ano a ano os principais lançamentos do cinema norte-americano, tendo cada ano ilustrado com dezenas de fotos. No capítulo referente ao ano de 1956 o livro estampa fotos de 36 filmes produzidos naquele ano, lembrando até de “O Justiceiro Mascarado” (The Lone Ranger) e de “Ama-me com Ternura”, de Elvis Presley. Mas se esqueceu do faroeste de John Ford. E mesmo os franceses tão apaixonados por westerns também ignoraram “Rastros de Ódio” como pode ser constatado na Enciclopédia “Le Cinéma”, editada pela Larousse em 1968. Esse mamute de 400 páginas ricamente ilustrado desconhece a epopeia de Ethan Edwards passada no Monument Valley. Ora, se na terra do cinema e na Europa foi assim, aqui no Brasil não poderia ser diferente e a crítica cabocla dispensou a “Rastros de Ódio” a mesma indiferença que dispensava a faroestes de Randolph Scott, Audie Murphy, Rory Calhoun, Joel McCrea, George Montgomery, Dale Robertson e Guy Madison. É certo que todos esses queridos mocinhos fizeram muitos bons faroestes, mas estamos falando de clássicos, ou no caso de “Rastros de Ódio”, de uma obra-prima. O tempo, ajudado pelo crítico francês André Bazin, colocaram o western de John Ford no seu merecido lugar e vale à pena lembrar como foi o lançamento de “Rastros de Ódio” aqui no Brasil.

Publicidade em jornal de "Rastros de Ódio"
quando de seu lançamento em São Paulo.
NO BRASIL EM 1957 - Rodado entre 15 de junho e 15 de agosto de 1955, “Rastros de Ódio” foi lançado nos Estados Unidos em maio de 1956. Apesar do relativo sucesso obtido junto ao público, esse faroeste teve que esperar na fila para ser lançado em outros países o que aconteceu apenas no ano seguinte, como foi o caso do Brasil. Em São Paulo “Rastros de Ódio” foi lançado no dia 6 de março de 1957, uma quarta-feira, no Cine Marabá, que naquele tempo era lançador da Companhia Distribuidora Serrador. O Cine Marabá era um dos principais cinemas da Cinelândia Paulistana, situando-se em frente ao Cine Ipiranga, ambos cinemas lançadores. O Cine Marabá diferenciava-se dos demais cinemas lançadores por exibir filmes que o português Francisco Serrador sabia que não permaneceriam muito tempo em cartaz. Eram aqueles filmes para consumo rápido de grande parte da população paulistana, pessoas que tinham no cinema sua maior diversão. “Rastros de Ódio” foi lançado no Cine Marabá e simultaneamente em oito cinemas de bairros, todos eles cinemas de referência em suas regiões. Algumas semanas depois filmes como esse eram exibidos nos poeiras e nos cinemas do interior.

Acima o crítico e teórico francês Andé Bazin; abaixo
John Wayne, Lee Marvin e Richard Widmark, presentes
na tela do Cine Marabá em março-abril de 1957.
TRINCA DE GRANDES WESTERNS - O filme que precedeu o lançamento de “Rastros de Ódio” no Cine Marabá foi “Entre o Céu e o Inferno”, estrelado por Robert Wagner. “Rastros de Ódio” permaneceu duas semanas em cartaz no Cine Marabá, sendo substituído por “Sete Homens Sem Destino” (Seven Men from Now), o belo western de Budd Boetticher, estrelado por Randolph Scott, Lee Marvin e Gail Russell e produzido por John Wayne. Curiosamente, André Bazin que faleceu em 1958, reputou “Sete Homens Sem Destino”, “Rastros de Ódio” e “O Preço de um Homem” (The Naked Spur) como os três melhores westerns que Hollywood havia produzido no pós-guerra. O faroeste de Budd Boetticher ficou em cartaz também por duas semanas e seus posteres e lobby-cards foram retirados para dar lugar a “A Última Carroça”, excelente western de Delmer Daves, com Richard Widmark e Felicia Farr. Os fãs de faroestes naquele mês de março e início de abril de 1957 fizeram do Cine Marabá o seu reduto oficial e seria muito interessante saber o que pensavam desses três filmes. Descobrir quantos deles ficaram com a certeza de haver assistido a três grandes filmes do gênero, impressão que os críticos da época certamente não tiveram.

Página do jornal 'O Estado de S. Paulo' com publicidade de filmes no mês de
março de 1957. O grande sucesso era "A Dama e o Vagabundo", de Walt Disney.


ERRO DE CINEMIN - Lançado sem maior publicidade, “Rastros de Ódio” teve como apelo maior o nome de John Wayne, ator dos mais populares. Apesar dos quatro prêmios Oscar de melhor diretor que havia ganho, John Ford nunca foi muito conhecido do grande público, pelo menos como eram Cecil B. DeMille e Alfred Hitchcock. Era comum o espectador dizer que ia ao cinema assistir um filme de Elizabeth Taylor, ou de Clark Gable, ou de Marlon Brando. No entanto quando o filme era daqueles dois diretores, os cinéfilos falavam que iam ver um filme de Hitchcock ou um filme de DeMille. Por sinal ambos gostavam de aparecer em seus filmes. DeMille fazendo um preâmbulo e Hitch mostrando seu nada esbelto corpo, sempre de surpresa, entre um caláfrio e outro. A revista Cinemin (1.ª série), em seu número 67, de abril de 1957 publicou a quadrinização de “Rastros de Ódio”, estampando Ethan Edwards (John Wayne) na capa, isto quando o filme já havia sido lançado em São Paulo. O prestígio do filme era tão pequeno que o título na capa saiu erroneamente escrito “Rastos de Ódio”. Em 1993, ‘Cinemin’ relançou a publicação, desta vez com o nome corrigido.



BOLSA DE CINEMA - É interessante notar que a Bolsa de Cinema do jornal Folha de S. Paulo publicou a cotação de “Rastros de Ódio”, que teve 77,2% de ótimo e bom e 22,8% de regular e mau. Essa cotação era feita em forma de enquete pelo jornal junto ao público que, no primeiro dia de exibição de um filme, recebia um impresso para avaliar a película. Na mesma cotação feita pelo público paulistano, “Sete Homens Sem Destino” obteve 53,9% de ótimo e bom e 46,1% de regular e fraco, enquanto “A Última Carroça” obteve respectivamente 81,9 e 18,1%, vencendo “Rastros de Ódio” na avaliação popular feita pelo jornal. Avaliação muito mais precisa “Rastros de Ódio” vem obtendo através dos 55 anos em que continua a ser assistido, agora com a opção em DVD Blu-Ray que proporciona imagens ainda mais magníficas. E cada nova resenha e cada nova descoberta por parte dos mais jovens ratifica a importância desse western de John Ford. O quase nada que se falou sobre o filme quando de seu lançamento tem sido devidamente compensado pela abundância de estudos, citações e reconhecimento de "Rastros de Ódio" como uma das maiores obras cinematográficas de todos os tempos.


Acima e abaixo páginas 2 e 3 da revista 'Cinemin' com quadrinização de
"Rastros de Ódio", publicada inicialmente em 1957.