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14 de outubro de 2017

PEQUENO GRANDE HOMEM (LITTLE BIG MAN) – DUSTIN HOFFMAN ONIPRESENTE NA DESMISTIFICAÇÃO DO VELHO OESTE



O primeiro western de Arthur Penn revisitou o mito Billy the Kid como o cinema nunca havia feito até então, mesmo resultando num filme desigual e que não chegou a agradar ao público. A curiosidade maior foi a abordagem inusitada da personalidade de William Bonney feita pelo escritor Gore Vidal. Depois do extraordinário sucesso de “Bonnie & Clyde” Arthur Penn conseguiu o incrível orçamento de 15 milhões de dólares para filmar uma história revisionista sobre os mitos do Velho Oeste. Para que se tenha uma ideia do significado desse valor, “O Poderoso Chefão” filmado dois anos depois custou ‘apenas’ seis milhões de dólares. A história de autoria de Thomas Berger foi entregue a Calder Willingham, roteirista que havia trabalhado com Stanley Kubrick e responsável pela versão final de “A Face Oculta” (One-Eyed Jacks). Condensar o livro de Thomas Berger que contém longa lista de personagens em 140 minutos de filme não foi tarefa tão difícil, mesmo porque da longa existência de Jack Crabb (121 anos) o western de Arthur Penn se concentra em menos de duas décadas. Mais difícil foi não cair na armadilha de mesclar drama e comédia, o que ocorre quando Jack Crabb faz extensa narrativa a um historiador (William Hickey).
Nas fotos ao lado Thomas Berger (acima) e Arthur Penn


Dustin Hoffman com Faye Dunnaway,
Jeff Corey e Aimee Ecless
O incansável Jack Crabb - O menino Jack Crabb (Ray Dimas) e sua irmã Carolina (Carole Androsky) escapam de um ataque índio a uma caravana sendo resgatados por Cheyennes. Carolina foge do acampamento e Jack Crabb é criado como filho do cacique Old Lodge Skins (Chief Dan George), demonstrando bravura e por isso recebendo o nome nativo Little Big Man. Quando a tribo é atacada, Jack Crabb (Dustin Hoffman) já no final da adolescência é capturado por soldados e entregue aos cuidados do Reverendo Pendrake (Thayer David) que transfere a responsabilidade para sua jovem e volúvel esposa Louise (Faye Dunnaway). Crabb prossegue em suas andanças tornando-se companheiro do charlatão Merriweather (Martin Balsam) quando reencontra sua irmã Caroline que o ensina a atirar. Crabb conhece Wild Bill Hickok (Jeff Corey), de quem se torna amigo. Percebendo que nunca será como Wild Bill, Crabb tenta sem sucesso a vida de comerciante, agora casado com uma sueca de nome Olga (Kelly Jean Peters). Conhece então o General Custer (Richard Mulligan) que o aconselha a migrar para o Oeste mas no caminho a caravana é atacada por índios que sequestram Olga. Crabb reencontra Old Lodge Skins e os Cheyennes, voltando a viver com eles e se casando com a jovem índia Sunshine (Aimee Eccles) na reserva de Wishita River. A tranquilidade acaba quando a cavalaria desrespeita o tratado e massacra a tribo, matando também Sunshine. Mais uma vez Crabb escapa com vida, salvando também Old Lodge Skins, que fica cego. Junta-se então à cavalaria sob o comando do General Custer e participa da batalha de Little Big Horn, onde vê todo o Regimento da 7.ª Cavalaria ser dizimado. Crabb volta então para companhia de Old Lodge Skins, nada mais contando e encerrando a longa entrevista ocorrida em 1970.

Dustin Hoffman
Drama em tom de comédia - “O Pequeno Grande Homem” é um estudo do Velho Oeste, mais através de alguns de seus personagens principais que das batalhas entre índios e Cavalaria. Oscilando entre o tom dramático, por vezes trágico, e a comédia nada sutil, essa linha escolhida por Penn pouco contribui para a dimensão que se pretende dar à história. Quando se torna um rapaz e casualmente se reencontra com a ‘civilização branca’, Crabb conhece o Reverendo e sua infiel esposa que lhe mostram o caminho da pureza pregada pelo evangelho. O charlatão Merriweather ensina ao jovem aprendiz de charlatanice como conviver com o perigo que é enganar os incautos. Nada porém desvirtua tanto o filme quanto a caricatura de pistoleiro vestido de negro que é Jack Crabb adentrando um saloon e pedindo soda para espanto de Wild Bil Hickok que o apelida jocosamente de Sody Pop Kid.

Acima Martin Balsam, abaixo
Dustin Hoffman com Carole Androsky
Memória circular - Conflitam esses episódios pretensamente engraçados com a poética e triste visão do destino dos nativos fadados ao desaparecimento. Durante sua narrativa a memória do idoso Jack Crabb força improváveis reencontros e o filme passa a girar em círculos. Mais velho, Wild Bill Hickok é mostrado como um obsequioso pistoleiro que antes de morrer pede a Jack Crabb que leve dinheiro a uma prostituta de nome Lulu. Esta é nada menos que Louise Pendrake, a jovem mulher que iniciou Crabb nos pecados condenados pela Bíblia. Merriwether ressurge também com menos membros do corpo, perdidos pelas armas daqueles que são enganados pelo incorrigível vendedor de poções milagrosas. A própria irmã de Crabb, Caroline, se reencontra com ele, apenas diferente e masculinizada e, por fim, o pomposo General Custer que salva Crabb de ser executado para que sirva de conselheiro invertido na sua derradeira caminhada em direção à glória eterna e à cadeira de presidente dos Estados Unidos. Findo o delírio de Custer com as flechas em Little Big Horn, o desastrado Crabb volta a ser Little Big Man na convivência com os Cheyennes.

Dustin Hoffman e Faye Dunnaway

Chief Dan George
Vivendo entre os índios - Antecipando de certa forma o sentimentalismo que Kevin Costner imprimiu a seu “Dança com Lobos” 20 anos depois, este filme de Arthur Penn inovou em inúmeros aspectos, especialmente ao mostrar a vida numa tribo. Foram sondados para interpretar Old Lodge Skins os atores Marlon Brando, Laurence Olivier e Richard Boone. Ao final a produção optou pelo nativo canadense Chief Dan George numa escolha perfeita. Como o velho cacique Cheyenne Dan George dá ao personagem a necessária serenidade de quem acumulou sabedoria através da vida sofrida. Crabb havia desposado uma sueca num casamento infeliz e perdera a esposa sequestrada por índios, nunca mais a reencontrando. Como Little Big Man entre os Cheyennes Crabb se casa com a jovem Sunshine. As três irmãs desta após perderem os maridos em batalhas acabam dividindo Little Big Man entre ela enquanto Sunshine dá à luz ao filho que tiveram. Esse momento divertido com as índias extenuando fisicamente Little Big Man é o tipo de situação que flui na história sem parecer intrusivo. E há ainda Little Horse (Robert Little Star), Cheyenne que se torna ‘Himani’, homossexual, aceito normalmente pela tribo e que em dado momento tenta conquistar Little Big Man. A eterna hostilidade entre Little Big Man e Young Bear (Cal Bellini) mostra que rivalidades ocorrem também entre os irmãos índios. Essas sequências são pitorescas e agradáveis e formam um painel inusitado sobre os índios como nunca o cinema havia mostrado.

Dustin Hoffman com Steve Shemayne e com Robert Little Star (à direita)

Jeff Corey
O massacre de Wishita River - A Guerra do Vietnã estava em curso e cineastas alinhados com a contracultura e com o anti-stablishment, invariavelmente faziam menção ao conflito. “O Pequeno Grande Homem” não podia deixar de fazer referência à guerra e a sequência da morte de Sunshine evoca a foto da menina vietnamita correndo antes de ser alvejada. Penn filmou o massacre de Wishita River com os Cheyennes dizimados em meio à neve com o solo branco manchado pelo sangue índio e o furor dos homens de uniforme azul provocando destruição poucas vezes vista na tela com tamanho horror. O massacre de My Lai, ocorrido dois anos antes ainda permanecia vivo na lembrança de quem viu as imagens mostradas pelos jornais e noticiários, foi revivido magistralmente por Arthur Penn com a carnificina de Wishita River. Menos memorável foi o episódio de Little Big Horn com a demência do vaidoso General Custer e o extermínio de todo 7.º Regimento de Cavalaria.


Chief Dan George
Um índio autêntico - Dustin Hoffman é naturalmente engraçado e não tem dificuldade para tornar divertido seu personagem, mesmo quando a mão do diretor se mostra pesada demais para a comicidade. Chief Dan George numa interpretação muito justamente lembrada para o Oscar (perdeu para o exagerado John Mills de “A Filha de Ryan”) emociona a cada vez que ressurge na tela. Faye Dunnaway linda e docemente libidinosa dando o mais memorável banho do cinema em Jack Crabb. Muito boa a presença de Jeff Corey criando o mais convincente Wild Bill Hickok levado ao cinema e uma pena que em episódio tão curto, assim com o de Martin Balsam. Richard Mulligan é o empolado General Custer, certamente próximo do que foi o alienado militar tantas vezes mitificado pelo cinema.

Dustin Hoffman
Sucesso de público - Harry Stradling Jr. foi o responsável pela impecável fotografia e o músico de blues John Hammond compôs a excelente trilha sonora musical. Preocupado apenas com a funcionalidade dos acordes, diferentemente das trilhas que querem marcar por temas melodiosos. Ignorado para prêmios de melhor filme, foi lembrado em diversas premiações devido à brilhante atuação de Chief Dan George, o primeiro nativo a interpretar um papel de proeminência em um filme norte-americano. “O Pequeno Grande Homem” é um dos grandes westerns de uma fase em que o gênero começava a agonizar, tendo sido sucesso de público apesar de sua duração longa. Tornou-se um dos westerns de maior bilheteria, ainda que tivesse custado uma pequena fortuna, merecido sucesso para um western que pode não ser uma obra-prima mas que é assistido com prazer até mais de uma vez.