UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

30 de março de 2015

POR UNS DÓLARES A MAIS (PER QUALCHE DOLLARI IN PIÙ) – PRIMEIRO CLÁSSICO DE LEONE


Acima Sergio Lone; abaixo Luciano Vincenzoni
e Sergio Donati.
Assombroso foi o sucesso de “Por um Punhado de Dólares” (Per un Pugno di Dollari), primeiro western de Sergio Leone produzido com orçamento de míseros 200 mil dólares. Inevitável seria uma continuação, desta vez com recursos conseguidos junto a um consórcio europeu (Itália, França, Alemanha) de 700 mil dólares, 50 mil deles para convencer Clint Eastwood a repetir o personagem ‘sem nome’ do filme anterior. Mas nem passava pela cabeça de Leone filmar uma continuação, até porque Akira Kurosawa estava dando uma grande dor de cabeça ao diretor romano, exigindo pagamento pelos direitos pela adaptação de “Yojimbo”. Sergio Leone e Fulvio Morsella escreveram uma sinopse da história a ser filmada, texto que foi entregue a Luciano Vincenzoni para que desenvolvesse o roteiro. Depois de pronto o roteiro de Vincenzoni, Leone não gostou dos diálogos e pediu a Sergio Donati que refizesse boa parte deles. Na história havia ainda dois personagens destacados, além do Monco (Manco no Brasil) que ficaria com Clint Eastwood. Com tantos dólares à disposição, Leone contatou Charles Bronson, como já havia feito por ocasião de “Por um Punhado de Dólares”, e mais uma vez Bronson desdenhou da proposta dizendo que a história era muito ruim. Sergio Leone foi atrás de Lee Van Cleef, cuja carreira andava, ou melhor, desandava num declínio aparentemente irreversível. 17 mil dólares foi o salário oferecido e prontamente aceito pelo ator norte-americano. E para interpretar o vilão El Índio, Leone não abria mão de Gian Maria Volonté, o Ramón Rojo de “Por um Punhado de Dólares”. A primeira vez que a palavra ‘dólar’ entrou num western exibido na Itália foi “Un Dollaro d’Onore”, título italiano de “Onde Começa o Inferno” (Rio Bravo), a obra-prima de Howard Hawks. Gostaram tanto que, perto de uma centena de vezes a moeda norte-americana entrou nos títulos dos westerns spaghetti. A princípio o filme deveria se chamar “Two Magnifici Sconosciuti” (Two Magnificent Strangers), porém o diretor não resistiu à tentação de evocar o título anterior e a palavra mágica ‘dólar’ e o novo western foi chamado de “Por uns Dólares a Mais” (Per Qualche Dollari in Piú). Ennio Morricone compôs os temas principais e como de hábito Leone neles se inspirava durante as filmagens. E a equipe rumou para a Espanha para as locações.



Clint Eastwood e Lee Van Cleef;
abaixo Gian Maria Volonté.
Razões para matar – Manco (Clint Eastwood) é um caçador de recompensas que é surpreendido pela presença na cidade de White Rocks de um segundo bounty hunter, o desconhecido, para ele, Coronel Douglas Mortimer (Lee Van Cleef). Ambos tomam conhecimento que o temido bandido El Índio (Gian Maria Volonté) fugira da cadeia e uma recompensa de 10 mil dólares foi fixada por sua captura vivo ou morto. E a recompensa poderia ser ainda maior se somados os prêmios pelo bando de treze homens comandado por El Índio. Manco e Mortimer concluem que precisam juntar forças para enfrentar tantos bandidos sanguinários e fortemente armados. Mortimer tem uma razão especial para caçar El Índio pois este matara seu cunhado e estuprara sua irmã que comete suicídio durante o estupro. Manco se faz passar por fora-da-lei e consegue ser aceito no bando de El Índio que tenciona assaltar o fortemente guarnecido banco de El Paso. Após o bem sucedido assalto o bando se refugia em Água Caliente, onde é descoberto que Manco é um caçador de recompensas. Novamente reunidos, Mortimer e Manco dizimam a numerosa quadrilha, com Mortimer concretizando a vingança pessoal e matando El Índio.

Lee Van Cleef  despertando a ira em
Klaus Kinski.
O mais seminal dos westerns spaghetti - Se em “Por um Punhado de Dólares”, realizado um ano antes (1964), Sergio Leone havia indicado os caminhos renovadores da linguagem do faroeste, com “Por uns Dólares a Mais” ficou evidente o talento criativo do diretor ao contar, com estilo personalíssimo, uma história que a cada situação mais surpreende o espectador. A simplicidade do roteiro se torna nas mãos de Leone uma inesgotável fonte de acontecimentos inusitados e muitas vezes revestidos de humor cáustico. O Coronel Mortimer acendendo o fósforo na corcunda do bandido Wild (Klaus Kinski) sem que este, no limite extremo do ódio, possa reagir; o flashback do estupro que culmina com a moça pegando o revólver de El Índio e cometendo suicídio enquanto o bandido satisfaz seu desejo sexual; Mortimer e Manco exibindo suas habilidades com armas, tendo seus chapéus alvejados voando. num jogo de quase infantil intimidação; o inexpugnável banco de Yuma, lembrando a arquitetura de Fort Knox (fortificação norte-americana edificada em 1861 e que abriga grande parte do ouro do país); El Índio comentando que Água Caliente se assemelhava a um necrotério, anunciando assim o confronto entre os caçadores de recompensa e o bando que ocorreria em seguida; Manco contando os corpos inertes e calculando a soma das recompensas a receber pelas tantas mortes; a carroça conduzida por Manco carregada com os bandidos amontoados uns sobre os outros. A morbidez de algumas das sequências de “Por uns Dólares a Mais” delineariam para sempre o western spaghetti.

O banco-fortaleza em Yuma; uma carroça cheia de cadáveres.

Eastwood e Van Cleef.
O acerto da improvável dupla - A primorosa primeira parte deste western de Sergio Leone apresenta as três personagens principais. A mais marcante delas é a composição do ex-Coronel Confederado Douglas Mortimer com sua aparência sinistra acentuada pela vestimenta preta na qual se sobressai a intimidadora capa e sobrecapa. Mortimer carrega um incrível arsenal com uma arma para cada situação, incluída uma Derringer escondida na manga direita. Ainda que prefira uma Buntline Special com coronha dimensionada e removível, Mortimer usa com extrema perícia rifles e Colts de sua coleção. Inteligente, calculista, frio, rude e provocador, ainda assim o Coronel é um personagem simpático mesmo antes de ser descoberto que o que o movia era o desejo de vingança. Manco é a tradução da ganância pelos dólares que um dia lhe proporcionarão uma imaginária tranquilidade. Ríspido, maltrata tanto um velho e simplório telegrafista quanto um temido bandido a quem prostra com golpe de karatê. Uma pequena reserva moral faz com que o bounty hunter da cigarrilha não aceite hipocrisia e arranque a estrela de um xerife sem honradez. Juntos Mortimer e Manco formam a mais improvável dupla até então apresentada num western, mesmo considerados os parceiros de “Vera Cruz” (Joe Erin/Burt Lancaster e Ben Trane/Gary Cooper), confessadamente os inspiradores de Leone.


Manco e Mortimer.
Duelo inovador - O sadismo de El Índio é mostrado em sua primeira sequência, quando ainda na cadeia mata friamente o companheiro de cela ‘de quem gostava’. Exacerba sua perversão ao assassinar esposa e filho de um ex-companheiro de crimes que o havia traído, matando-o também. O retrato do vilão é completado com a marijuana que ele nunca deixa de fumar. A série de mortes que ocorrem durante “Por uns Dólares a Mais” preparam o espectador para o confronto final, precedido pela dúvida de qual caçador de recompensas enfrentará El Índio. E mais uma vez Leone foge das convenções dos westerns, mesmo daqueles que tanto estudou, como o próprio “Vera Cruz” de Robert Aldrich. O duelo final ocorre numa arena com Manco como privilegiado espectador, pronto para executar El Índio caso este vença o Coronel, o que evidentemente não ocorre. O mesmo Lee Van Cleef que encontra a morte em “Estigma da Crueldade” (The Bravados) olhando para a foto na tampa de um relógio volta a se encontrar com relógios, outra referência (ampliada) de Leone a um clássico norte-americano. O diretor explora até o limiar possível a emoção que precede o duelo, examinando com a câmara detalhes e principalmente os olhares em close-ups dos contendores.

O drogado El Índio (Gian Maria Volonté);
a irmã do Coronel Douglas Mortimer.
Duelo particular – Lee Van Cleef estava com 40 anos quando filmou “Por uns Dólares a Mais” e Clint Eastwood tinha seis anos a menos que Lee. Porém o personagem do Coronel Mortimer, aos 50 anos de idade, é bastante mais velho que Manco que não perde oportunidade para farpar seu rival. Curiosamente Mortimer é um homem mais voltado à modernidade que Manco, viajando confortavelmente de trem enquanto o jovem cavalga pelas pradarias poeirentas. Mortimer está atualizado com a modernização das armas de fogo, utilizando desde uma Derringer até a Buntline Special com maior alcance de tiro. E é o ex-Coronel Confederado quem conhece e possui os artefatos (químicos) necessários para abrir um cofre sem danificar o dinheiro e os documentos nele contidos. O destaque maior de Manco são as cigarrilhas, sua marca registrada, que ele retira dos bolsos. E Mortimer é mais cerebral que Manco, como comprova quando segue ao encontro do ‘parceiro’ em Água Caliente seguindo sua própria intuição. E Mortimer vence o duelo pessoal ao se defrontar com El Índio, enquanto Manco liquida Groggy (Luigi Pistilli), segundo em importância no bando.

Preparo para o confronto final.

Diálogos sarcásticos.
Diálogos memoráveis - Criar imagens e sequências arrojadas não são suficientes por si só para resultar em um grande filme se o diretor não impor o ritmo ideal. E Leone mescla brilhantemente as insólitas cenas de ação com outras mais lentas e com diálogos saborosos que deleitam o espectador. “O que sugere para eu entrar no bando de El Índio” pergunta Manco a Mortimer, completando: “Um buquê de rosas?”. Em outro momento Manco pergunta a Mortimer: “Você já foi jovem?” ouvindo a resposta: “Sim, já fui imprudente como você”. Depois de humilhado por Mortimer, Wild acredita ser chegado o momento da vingança e oferecendo a corcunda ao Coronel, que está jantando, ouve a resposta deste: “Eu só fumo depois de comer. Volte em dez minutos”. Vincenzoni, Donatti ou o próprio Leone, qual deles teria escrito essa antológica fala, puro Billy Wilder? Provavelmente Vincenzoni que chegou a trabalhar com o diretor vienense. Impossível resistir à graça e leveza dos diálogos combinados com as imagens criadas pelo fecundo Leone, que fazem de “Por uns Dólares a Mais” um filme prazeroso de ser assistido, na mesma linha de “Onde Começa o Inferno”. E se naquele havia a música de Dimitri Tiomkin temperando o filme de Hawks; neste há a música de Ennio Morricone.

Manco ironizando Douglas Mortimer.

O álbum com a trilha sonora de
"Por uns Dólares a Mais".
Menos música e mais ruídos - Sem atingir o fulgor de outras trilhas, entre elas a etérea trilha musical de “Era Uma Vez no Oeste” (C’Era Uma Volta Il West), Morricone compôs uma trilha que pode ser chamada de eficiente. O destaque fica para o tema “The Colonel” e alguns momentos em que as guitarras tocam ao estilo imortalizado pelo grupo inglês The Shadows. Em “Por uns Dólares a Mais” a música do grande compositor italiano está mais ruidosa e menos melodiosa, interferindo menos na concepção fílmica. Com os interiores rodados em Cinecittà, as locações foram feitas na Espanha, onde a cidade de El Paso foi construída em Tabernas; White Rock é a cidade western de Colmenar Viejo, que já existia; Água Caliente é, na realidade a vila toda branca de Los Albaricoques e o Deserto de Almería serviu de cenário para as demais sequências. “Por uns Dólares a Mais” foi filmado em 12 semanas e sacramentou o talento de Sergio Leone, pavimentando o caminho para seus projetos mais pretensiosos que filmaria a seguir.

O cenário de Los Albaricoques; à direita a cidade de Yuma construída em Tabernas.

Western clássico - Clint Eastwood repete o laconismo do ‘Estranho Sem Nome’ (Joe) de “Por um Punhado de Dólares”, enquanto Lee Van Cleef é a grande e agradável surpresa, brilhando intensamente e confirmando ser um bom ator pouquíssimo prestigiado em Hollywood após uma carreira então de 14 anos. Gian Maria Volonté antes ainda da consagração como ator, que encheria sua estante de prêmios, é perfeito como o vilão principal. Klaus Kinski nas duas sequências em que tem destaque dá uma amostra da vileza que o tornaria o mais odiado dos homens maus do cinema. Luigi Pistilli é o ardiloso bandido que tenta enganar El Índio. A grande lista de bandidos tem Mario Brega patranheiro como sempre, só que desta vez ambiguamente terno com seu chefe El Índio. Para muitos (Paulo Eduardo Amaral Lopes é um deles), “Por uns Dólares a Mais” é superior ao elaboradíssimo “Três Homens em Conflito”, reputado como o ponto alto da ‘Trilogia dos Dólares’ de Sergio Leone. Nenhuma dúvida porém existe que “Por uns Dólares a Mais” é um western fascinante, delicioso de ser assistido e clássico autêntico do gênero.

Lee Van Cleef e Klaus Kinski; Clint Eastwood e Lee Van Cleef.

A arena onde ocorre o duelo entre Mortimer e El Índio.


28 de março de 2015

‘CLINT’, ‘DÓLARES A MENOS’ E O MODESTO LANÇAMENTO DE UM CLÁSSICO


Giuliano Gemma, Clint Eastwood
O subgênero do faroeste que viria a ser conhecido por ‘Spaghetti Western’ era já bastante conhecido dos brasileiros em 1967, isto devido ao extraordinário êxito de “O Dólar Furado” (Il Dollaro Bucato). Lançado em maio de 1966, esse filme dirigido por Giulio Petroni permaneceu por surpreendentes 38 semanas consecutivas em cartaz no centro da cidade de São Paulo. Durante esses oito meses em que grande parte do público paulistano se apaixonou pelo novo estilo de faroeste, muitos outros westerns spaghetti foram lançados, entre eles “Por um Punhado de Dólares” (Per un Pugno di Dollari). Mesmo sem repetir o extraordinário êxito de “O Dólar Furado”, “Por um Punhado de Dólares” obteve respeitável sucesso, atingindo 16 semanas consecutivas nas salas lançadoras do circuito paulistano. A aceitação desses filmes pelo público gerou notória insatisfação da crítica especializada que demorou a reconhecer que na enxurrada daqueles faroestes diferentes, grande parte deles com dólar nos títulos, havia alguns de excepcional qualidade artística. E “Por um Punhado de Dólares” era um deles. Por outro lado os jornalistas descobriram logo que o diretor Bob Robertson não era outro senão o romano Sergio Leone. E não demorou para se saber que Clint Eastwood era Clint Eastwood mesmo, diferentemente de Montgomery Wood que americanizava o nome de Giuliano Gemma.

Cine Marrocos, verdadeiro palácio das
1000 e uma noites (no cinema).
O ainda luxuoso Cine Marrocos - O sucesso de “Por um Punhado de Dólares” possibilitou a Sergio Leone, um ano depois (1965), dirigir um segundo filme, que recebeu o título de “Por uns Dólares a Mais” (Per Qualche Dollari in Più). Este segundo western conseguiu a proeza de ser ainda mais bem sucedido nas bilheterias europeias que “Por um Punhado de Dólares”. Seria razoável esperar que os distribuidores brasileiros investissem em “Por uns Dólares a Mais”, mas, certamente devido ao excessivo número de westerns spaghetti aqui lançados, por vezes dois ou três por semana, não foi o que aconteceu. “Por uns Dólares a Mais” foi lançado (em São Paulo), em dois cinemas: Cine Marrocos e Cine Miami. Situado na Cinelândia Paulistana, o Cine Marrocos ainda guardava o luxo e requinte dos áureos tempos de sua inauguração, em 25/1/1951. Inaugurado com “Memórias de um Médico”, o Cine Marrocos lançou o clássico “Matar ou Morrer” (High Noon), com Gary Cooper. Passou depois esse cinema a ser lançador da 20th Century-Fox para, em meados dos anos 60, voltar a exibir filmes distribuídos pela United Artists, como foi o caso de “Por uns Dólares a Mais”. Já o Cine Miami se localizava na Praça Marechal Deodoro, distante três quilômetros da chamada “Cinelândia Paulistana”, quase ao final da Avenida São João. Assim como o Cine Marrocos, o Cine Miami era bastante luxuoso, sendo o acesso ao balcão feito por elevador e tendo sido inaugurado em 29/4/1964 com o filme “Os Nove Irmãos”, com Henry Fonda

Cartazes de "Por uns Dólares a Mais' e de "Os 9 Irmãos".

‘Clint’ e os ‘Dólares a Menos’ - O jornal “O Estado de S. Paulo”, em sua resenha publicada aos domingos assinada por Rubem Biáfora, comentando os lançamentos da semana simplesmente ignorou “Por uns Dólares a Mais”, sequer citando o western de Sergio Leone. Melhor sorte o filme teve na mesma seção publicada na “Folha de S. Paulo”, resenhas de Orlando Lopes Fassoni. Os anúncios de “Por uns Dólares a Mais” publicados nesses dois jornais ocuparam espaços modestíssimos, a metade daqueles dedicados a lançamentos daquelas semanas contemporâneas como “Ringo não Perdoa”, “Django Atira Primeiro”, “Vá com Deus Gringo”, “Os 7 Pistoleiros” e “Johnny Texas”. Os citados jornalistas provavelmente desconheciam o estrondoso sucesso desse western na Europa, mais especialmente na Itália. Tão grande foi a repercussão de “Por uns Dólares a Mais” que rápida e oportunisticamente foi produzida a comédia “Por Alguns Dólares a Menos”, com o cômico Lando Buzzanca. Por sinal essa paródia foi lançada no Brasil em 5/11/1967, simultaneamente com o faroeste estrelado por Clint Eastwood, Lee Van Cleef e Gian Maria Volonté. A cegueira dos nossos distribuidores e lançadores era ilimitada, tanto que não perceberam que houve até um euro-western intitulado “Clint, o Solitário” (Clint El Solitario). Produzido para faturar iludindo o público que poderia acreditar ser esse ‘Clint’, o já famosíssimo Clint Eastwood, que já deixara de ser ninguém, menos para os desatentos críticos e distribuidores.

Cartazes de filmes lançados simultaneamente a "Por uns Dólares a Mais"
em São Paulo.

Clint Eastwood e Lee Van Cleef;
Gian Maria Volonté.
Com o tempo, muitos dólares a mais - Devido à péssima divulgação, “Por uns Dólares a Mais” permaneceu somente três semanas em cartaz nos Cines Marrocos e Miami. Considerada a qualidade desse filme, bastante superior a “Por um Punhado de Dólares”, é de se lamentar que ele tenha permanecido tão pouco tempo naquelas salas, sendo logo relegado ao esquecimento como se fosse apenas mais um dos tantos e medíocres westerns spaghetti que o público digeria com masoquista prazer. O conceito de “Por uns Dólares a Mais” mudaria com o lançamento posterior de “Três Homens em Conflito” e de “Era Uma Vez no Oeste”, westerns que elevariam seu diretor ao patamar dos grandes criadores do gênero. Tornou-se obrigatório assistir a “Por uns Dólares a Mais” como parte da ‘Trilogia dos Dólares’, assim como a crítica brasileira passou a falar respeitosamente de Sergio Leone. Sem esquecer que Clint Eastwood e Lee Van Cleef se tornaram astros de primeira grandeza do cinema e o premiadíssimo Gian Maria Volonté uma espécie de presença obrigatória em qualquer filme político que se fizesse na Itália. E os detentores dos direitos do segundo western de Sergio Leone recebem até hoje muitos, mas muitos dólares a mais.

Página do jornal 'O Estado de S. Paulo' do dia 19/10/967 com cartazes
dos filmes em exibição.

Alguns dos westerns spaghetti lançados ao mesmo tempo de
"Por uns Dólares a Mais", em São Paulo.


26 de março de 2015

QUADRILHAS DE FAROESTES – O BANDO DE EL ÍNDIO (POR UNS DÓLARES A MAIS)


Sergio Leone
Para seu segundo western – “Por uns Dólares a Mais” (Per Qualche Dollari di Piú) – o diretor Sergio Leone juntou a Clint Eastwood (Manco) o reforço de Lee Van Cleef (Coronel Douglas Mortimer), isto para enfrentar um dos maiores bandos até então reunido num western. No comando do pequeno exército de malfeitores composto por 14 homens, ampliado para 15 no decorrer do filme, estava Gian Maria Volonté (El Índio). Só mesmo um bandido com a personalidade de Volonté para ser obedecido por tipos sádicos como Klaus Kinski, Aldo Sambrell, Benito Stefanelli, Luigi Pistilli, Mario Brega, Frank Braña, Werner Abrolat, Antonio Molino Rojo, Enrique Santiago, Luiz Rodriguez, José Canalejas, Eduardo Garcia, Nazzareno Natale e Pano Papadopulos. Desse grupo de atores, Gian Maria Volonté confirmou-se como um dos grandes atores italianos de seu tempo e Klaus Kinski também se tornou astro de primeira grandeza. Os demais passaram a ser presença constante em outros westerns spaghetti e por essas razões merecem ser lembrados nesta série ‘Quadrilhas dos Faroestes’ que apresenta sete foras-da-lei do bando de El Índio.

Gian Maria Volonté (1933-1994) – El Índio é caçado por dois bounty hunters não só pela recompensa estabelecida (vivo ou morto), mas e principalmente no caso do Coronel Mortimer, para consumar uma vingança. O milanês Gian Maria Volonté estudou Arte Dramática na Academia Romana de Arte Dramática e antes do cinema atuou no teatro e na televisão. Estreou no cinema em “Sob Dez Bandeiras”, drama de guerra produzido na Itália por Dino de Laurentiis. Seu primeiro filme notável foi “A Moça com a Valise”, de Valério Zurlini, com Cláudia Cardinalle. Passou a ator principal em “O Terrorista”, filme político de 1963. No ano seguinte foi chamado por Sergio Leone para interpretar Ramón Rojo em “Por um Punhado de Dólares” (Per um Pugno di Dollari). Nesse tempo Volonté era já um dos mais requisitados atores italianos atuando em westerns como “Gringo” (Quién Sabe?) e comédias como “O Incrível Exército Brancaleone”. Alguns dos principais filmes políticos rodados na Itália nos anos 70 tiveram Volonté como ator principal, entre eles “Sacco e Vanzetti”, “A Classe Operária Vai para o Paraíso”, “O Caso Mattei”, “Giordano Bruno” e “Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita” (1970). Por seu trabalho neste último filme Volonté recebeu o prêmio máximo de cinema da Itália, o David de Donatello, o qual receberia ainda outra vez em 1990. Entre as dezenas de prêmio que recebeu por suas brilhantes interpretações, Volonté levou para casa por duas vezes a Palma de Ouro do Festival de Cannes como Melhor ator. Com exceção de Marcello Mastroianni e Vittorio Gassman, nenhum outro ator conseguiu se rivalizar em talento e reputação a Gian Maria Volonté.

Klaus Kinski (1926-1991) – Wild é um corcunda e dos mais aterrorizantes bandidos do bando de El Índio, entrando em conflito logo no primeiro encontro com o Coronel Douglas Mortimer. Uma frase de Klaus Kinski expressa o que ele sentia pelo cinema:  “Ser ator é uma profissão bem melhor que lavar latrinas”. Kinski escreveu um livro com a maior carga de ataques e denúncias ao mundo do cinema e, claro, o livro foi impedido pela justiça de ser lançado, tantas foram as ações contra o autor. Após a II Guerra Mundial, quando lutou por seu país, Klaus Kinski iniciou sua carreira como ator, primeiro no teatro e em seguida no cinema, no qual estreou em 1948. Seu rosto diabolicamente expressivo não podia deixar de impressionar diretores e produtores, inicialmente no cinema alemão e posteriormente no cinema internacional, inclusive o norte-americano. Fácil reconhecer sua expressão marcante em “O Falso Traidor”, suspense de 1962 com William Holden. Depois de “Winnetou” (1964), veio “Por uns Dólares a Mais” e em seguida “Dr. Jivago” e estava decretado o reconhecimento de Kinski como ator inconfundível. Mesmo com seu temperamento intratável, nunca faltou trabalho para esse ator alemão que com o dinheiro recebido em inúmeros westerns spaghetti adquiriu um castelo na Itália, palco de festas por ele promovidas dignas de Sodoma e Gomorra. Klaus Kinski ganhou novos admiradores com “O Vingador Silencioso” (Il Grande Silenzio) e atingiu o auge de sua carreira como ator ao se encontrar com o diretor Werner Herzog, tão temperamental e desatinado quanto ele próprio. O encontro de Kinski e Herzog se deu com “Aguirre, a Cólera dos Deuses”, seguindo-se “Nosferatu, o Vâmpiro da Noite”, “Woyzeck”, “Fitzcarraldo”, filmado no Brasil, assim como “Cobra Verde” (1987). Neste último filme Kinski e Herzog brigaram o tempo todo das filmagens ameaçando-se reciprocamente de morte. Nesse tempo sua filha Nastassja Kinski, lindíssima atriz, passou a ser tão famosa quanto o pai. Cada vez menos confiável para os produtores e diretores, a carreira de Klaus Kinski entrou em declínio e o ator veio a falecer em 1991. Em 2013 sua filha Pola Kinski denunciou em sua autobiografia que Klaus Kinski abusara sexualmente dela dos cinco aos 19 anos.

Aldo Sambrell (1931-2010) – Cucillo (Aldo Sambrell) é um dos homens menos violentos do bando de El Índio, mas sua morte é violenta pois é vítima de traição. Aldo Sambrell nasceu em Madrid e a família Sambrell se mudou para o México devido à Guerra Civil Espanhola. E foi no México que Sambrell iniciou sua carreira como... jogador de futebol. Do futebol Aldo passou para a música, como cantor, ocupação que o levou de volta à Espanha onde foi contratado para uma ponta em “O Rei dos Reis”. Finalmente Aldo Sambrell encontrou a profissão que exerceria pelos próximos 50 anos. O primeiro euro-western que contou com a presença de Sambrell foi “Por um Punhado de Prata” (Três Hombres Bueños), filmado na Espanha. Sambrell participou do primeiro western de Sergio Leone e o regista o convocaria para todos os demais faroestes que realizaria a seguir. São dezenas os westerns spaghetti nos quais o simpático ator é expressivo coadjuvante.

Benito Stefanelli (1928-1999) – Chamado pelo nome Hughie (Benito Stefanelli), esse membro do bando é de confiança de El Índio que o incumbe de algumas ações. Conta-se que Sergio Leone não falava nada em Inglês, assim como quase toda a italianada no set de filmagem de “Por um Punhado de Dólares”. Quem possibilitou a comunicação entre Leone e Clint Eastwood foi um stuntman chamado Benito Stefanelli, que dominava razoavelmente o Inglês. As carreiras de Benito como ator e dublê e a de Leone como assistente de diretor e escritor seguiam paralelas e eles só foram se encontrar quando do primeiro western do diretor. Benito Stefanneli era, além de dublê perfeito, exímio conhecedor de armas de fogo e atuava como consultor nos filmes quanto à utilização de revólveres e rifles nos filmes em que participava. Tamanha era a confiança de Leone em Benito Stefanneli que a ele foi delegada a função de coordenador dos dublês em “Era Uma Vez na América”, filme de 1984 rodado nos Estados Unidos. Como ator Stefanelli participou de aproximadamente 30 westerns spaghetti.

Luigi Pistilli (1929-1966) – O único homem do bando que chega perto da inteligência de El Índio é Groggy (Luigi Pistilli), que ao final por pouco não ludibria o chefe. Ator italiano com formação teatral, Luigi Pistilli estreou no cinema em 1961 e foi em seu segundo trabalho no cinema em “Por Uns Dólares a Mais” que passou a ser notado. Pistilli foi dirigido novamente por Sergio Leone em “Três Homens em Conflito” (Il Buono, Il Brutto, Il Cattivo), interpretando um padre. No mesmo ano (1968) em que atuou em “A Morte Anda a Cavalo” Luigi Pistilli criou o bandido Pollicut no clássico “O Vingador Silencioso” (Il Grande Silenzio). Luigi Pistilli participou indistintamente de dramas e filmes policiais mesmo no auge da produção dos westerns spaghetti e entre os filmes mais importantes em que atuou com destaque está “Cadáveres Ilustres”, de Francesco Rosi. Luigi Pistilli cometeu suicídio devido à depressão resultante de uma separação amorosa.

Mario Brega (1923-1994) – Quem cuida com desvelo de El Índio, cobrindo-o quando este está sob efeito de drogas é o brutamontes Niño (Mario Brega). Mario Brega foi um dos grandes, na mais completa acepção do termo, atores característicos do cinema italiano, sendo bastante utilizado nos westerns spaghetti ainda que tenha se destacado em comédias e dramas. Do início de carreira de Mario Brega, o grande destaque é “Marcha Sobre Roma”, filme de Dino Risi, em que Brega tem um dos principais papéis ao lado de Vittorio Gassman e Ugo Tognazzi. Presente em todos os filmes da Trilogia dos Dólares de Sergio Leone, o diretor não esqueceu de Brega em “Era Uma Vez na América”. Entre os principais westerns spaghetti em que Brega atuou estão “Bounty Killer, o Pistoleiro Mercenário” (El Precio de un Hombre), “O Seu Nome Clamava Vingança” (Il Suo Nome Gridava Vendetta) e especialmente “O Vingador Silencioso” (Il Grande Silenzio). Segundo Giulio Petroni, pessoalmente Mario Brega era o autêntico romano: falastrão, abrutalhado, provocador e antipaticamente autossuficiente.

Frank Braña (1934-2012) – Blackie (Frank Braña) é um dos três bandidos escalados por El Índio para acompanhar Manco até Santa Cruz. E esta acabará sendo a última missão de Blackie que se defrontará com o caçador de recompensas da cigarrilha na boca. A primeira profissão do espanhol Francisco Braña Perez foi a de minerador, trabalho árduo que o rapaz trocou pela profissão de ator. O produtor Samuel Bronston decidiu rodar a superprodução “O Rei dos Reis” na Espanha, contratando centenas de espanhóis que levavam jeito para ator. Assim como seu conterrâneo Aldo Sambrell, Braña também fez parte do elenco desse épico, participando depois dos euro-westerns produzidos pelos espanhóis no início dos anos 60. Quando a Itália descobriu o filão dos faroestes, deu ocupação a atores que já tinham ‘experiência’ nesse gênero de filmes. Francisco Braña era um deles e, na onda dos nomes adaptados, mudou o seu para Frank Braña. Bem apessoado, Braña não teve dificuldades para continuar no cinema ao término do ciclo dos westerns spaghetti, fixando-se na Espanha e atuando até 2008, ano de seu último trabalho como ator.


22 de março de 2015

TOP-TEN WESTERNS DE RUI QUEIRÓS, CINÉFILO E BLOGUEIRO PORTUGUÊS


Rui Queirós segurando o DVD com o western
que dá título a seu blog.
Portugal é um país com muitos apaixonados por cinema e por isso mesmo com dezenas de blogs que se dedicam à 7.ª Arte. Um desses blogs é o ‘Duelo ao Sol’, que, ao contrário do que o nome do blog indica, não é específico sobre westerns. Esse espaço é editado com profundo conhecimento de cinema e muita criatividade por Rui Queirós, português nascido em Braga há 44 anos e que fez do ‘Duelo ao Sol’ um blog muito visitado pelos cinéfilos. Queirós, que usa o pseudônimo ‘Harry Maddox’, gosta muito de relações dos melhores filmes e confessa ser “viciado em listas”. O leitor vai encontrar em seu blog inúmeras listas de melhores filmes, seja por décadas ou mesmo por cineastas. Temos no ‘Duelo ao Sol’ o magnífico Top-Ten de Billy Wilder, e os Top-Tens de Woody Allen, François Truffaut, Dario Argento, François Ozon. E não poderia faltar a lista dos dez melhores filmes escolhidos pelo próprio Queirós, ecabeçada pelos westerns “O Homem que Matou o Facínora” (The Man Who Shot Liberty Valance) e “Onde Começa o Inferno” (Rio Bravo). Como não poderia deixar de ser Queirós elaborou também seu Top-Ten Westerns, seu gênero de filmes preferido. E WESTERNCINEMANIA aproveita a oportunidade para publicar a lista de Rui Queirós, o 54.º Top-Ten Westerns deste blog e o primeiro deles relacionado por um europeu. Rui Queirós faz um pequeno comentário sobre cada um dos dez faroestes de sua lista, filmes que aparecem nas ilustrações com seus títulos como lançados em Portugal.


1.º)  O Homem que Matou o Facínora (The Man Who Shot Liberty Valance), 1962 – John Ford

O rude cowboy Tom Doniphon (John Wayne) perde a cidade e a mulher que ama para o idealista advogado Ransom (James Stewart). O nostálgico adeus ao Velho Oeste de John Ford é um dos meus dois ou três filmes favoritos em qualquer gênero.



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2.º)  Onde Começa o Inferno (Rio Bravo), 1959 – Howard Hawks

Um xerife (John Wayne) tem que defender a prisão de um grupo de bandidos a soldo do senhor da cidade, contando apenas com a ajuda de um bêbado (Dean Martin), um velho (Walter Brennan) e um rapaz (Ricky Nelson). Western clássico entre os clássicos, cujo tema daria origem a inúmeras variantes (como o excelente “Assalto à 13.ª Delegacia”, de John Carpenter) também pode ser visto como um filme sobre a redenção de um homem (Martin), só aparentemente uma personagem secundária).



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3.º)  Rastros de Ódio (The Searchers), 1956 – John Ford

John Wayne persegue durante anos um bando de índios que massacrou a família do irmão e raptou a sua sobrinha (Natalie Wood). Quando finalmente a encontra, ela já é uma squaw, e ele hesita entre matá-la ou levá-la de volta. Nunca o Monument Valley foi tão belo e nunca Wayne foi tão violento como nesta obra-prima do cinema, que Godard não hesitou em comparar a Homero.



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4.º)  Os Imperdoáveis (Unforgiven), 1992 – Clint Eastwood

Ao 16.º filme atrás da câmara, Clint Eastwood recebe a consagração dos seus pares (Oscar para melhor filme e melhor realizador), ao desconstruir o seu próprio mito. A vaga dos westerns ‘revisionistas’ começou ainda nos anos 50, mas é aqui que atinge o seu ponto mais alto.



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5.º)  Duelo ao Sol (Duel in the Sun), 1946 – King Vidor

Scorsese começa o magnífico ‘Uma Viagem Pessoal pelo Cinema Americano’ a falar deste filme, que viu com a sua mãe quando tinha quatro anos e que o fascinou até hoje. Foi assinado por um dos grandes pioneiros de Hollywood, King Vidor, que se fartou de interferir até o ponto de Vidor bater com a porta (e o filme passou, em maior ou menor grau, pelas mãos de cinco outros realizadores, incluindo William Diertele e Joseph Von Sternberg). Melodramático, de forte pendor erótico e filmado em exuberante Technicolor, foi a tentativa de Selznick repetir o êxito de “E o Vento Levou”, agora com Jennifer Jones, isto é, Mrs. Selznick.



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6.º)  Johnny Guitar (Johnny Guitar), 1954 – Nicholas Ray

Não há cinéfilo português que não conheça a lenda de João Bénard da Costa à volta deste filme, o filme a sua vida, que segundo o próprio viu 68 vezes entre 1957 e 1988. (E se não me falham as contas, um dos três westerns que programou para o ciclo ‘Como o Cinema era Belo’, 50 filmes para comemorar 50 anos da Gulbenkian). Quem já o viu, não esquece um dos diálogos mais memoráveis da história do cinema.



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7.º)  Cavalgada Trágica (Comanche Station), 1960 – Budd Boetticher

Sétimo e último western protagonizado por Randolph Scott sob a direção de Budd Boetticher, um antigo toureiro convertido em grande realizador de westerns série B. Aqui Scott é um antigo oficial, um solitário que passa a vida em território Comanche resgatando mulheres raptadas pelo índios, em troca de bens. A sua persona lacônica e desencantada esconde a esperança de encontrar a sua própria mulher, raptada dez anos antes. Um belíssimo filme, enésima prova que em cinema os orçamentos têm pouco a ver com o resultado final.



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8.º)  Os Abutres Têm Fome (Two Mules for Sister Sara), 1970 – Don Siegel

Sem dúvida o filme mais divertido desta lista, juntando uma dupla mais que improvável: Shirley MacLaine e Clint Eastwood. O argumento é de Budd Boetticher, muito longe do ambiente de seus próprios filmes, e está também nos antípodas do que se esperaria de um filme de Don Siegel. Eu quando o vi lembrei-me de... Billy Wilder (que nunca filmou um western)!



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9.º)  Gringo/ Uma Bala para o General (Quién Sabe?), 1966 – Damiano Damiani

Obviamente a ausência mais notória deste Top-Ten Westerns é Sergio Leone, mas o pai do western spaghetti é um realizador que eu admiro mas não amo. Devo ser caso único à face da terra, mas a verdade é que prefiro os ‘westerns zapata’, em que bandos de revolucionários/salteadores espalham o terror pela paisagem mexicana. Este, Assinado por Damiano Damiani, com Gian Maria Volonté, Klaus Kinski e Lou Castel, é uma verdadeira pérola desse subgênero de subgênero.



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10.º)  O Preço de um Homem (The Naked Spur), 1953 – Anthony Mann

James Stewart persegue um conterrâneo, procurado por assassinato (grande papel de Robert Ryan), para com o dinheiro da recompensa recuperar o rancho que perdeu por causa de uma mulher. Mas vai ter que escolher entre recomeçar com dinheiro ou com recomeçar com outra mulher (Janet Leigh). Todo filmado em exteriores, sendo a paisagem uma personagem por direito próprio, “O Preço de um Homem” é o meu preferido dos famosos westerns que Super Mann filmou com Jimmy Stewart nos anos 50.



17 de março de 2015

TOMBSTONE: A JUSTIÇA ESTÁ CHEGANDO – VISITA DEFINITIVA AO EMBATE DO OK CORRAL


Com pinta de Sergio Leone, George
Pan Cosmatos dirige Buck Taylor e
Kurt Russell acima e Powers Boothe e
Michael Biehn abaixo.
É possível produzir um western com história superconhecida e inúmeras vezes levada à tela e que mesmo assim seja interessante? Alguém consegue imaginar um western baseado em fatos reais e que respeite a autenticidade dos eventos sem deixar de ser excepcionalmente movimentado? Pode um faroeste com numeroso elenco primar pela qualidade das interpretações de praticamente todos os atores? “Tombstone – A Justiça Está Chegando” (Tombstone), filme de 1993 dirigido pelo italiano George Pan Cosmatos, é a resposta afirmativa a todas essas perguntas. Cosmatos, falecido em 2005 aos 64 anos de idade, não iniciou o filme que começou a ser rodado por Kevin Jarre, também autor do roteiro. Jarre dirigiu as sequências em que Charlton Heston participa e logo ficou claro para todos que com Jarre na direção o filme teria enormes problemas. Os produtores dispensaram Kevin Jarre e tiveram dificuldade para substituí-lo, cogitando inclusive cancelar a produção. Kurt Russell filmou inúmeras sequências, fazendo com que a produção não sofresse interrupção, até que chegou George Pan Cosmatos para assumir a direção. Comenta-se que mesmo com a presença de Cosmatos, Kurt Russell continuou ‘dando as cartas’, não só como faz no filme seu personagem Wyatt Earp, mas orientando muitas sequências diante de um contrariado Cosmatos. Nas mãos de um ou de outro, o certo é que “Tombstone” resultou em um western bem sucedido artística e comercialmente.


Acima a chegada dos irmãos Earp (e esposas) em
Tombstone; abaixo Sam Elliott, Harry Carey Jr.,
Bill Paxton e Kurt Russell.
Tombstone, cidade refém de bandidos - Nesta versão dos eventos que antecederam e sucederam o tiroteio ocorrido no Curral OK, os irmãos Earp – Wyatt (Kurt Russell), Virgil (Sam Elliott) e Morgan (Bill Paxton) – chegam com suas esposas a Tombstone. Essa cidade vive um surto de crescimento devido à mineração e o jogo nos saloons oferece grandes oportunidades de enriquecimento a quem tenha visão. Tudo parece propício a um homem com as características de Wyatt Earp que logo se torna sócio do Oriental Saloon. Mesmo com a presença de um xerife e de um marshal (delegado federal), Tombstone é refém da sanha de um bando denominado ‘Os Cowboys’ liderado por Curly Bill Brocius (Powers Boothe). Entre as três dezenas de bandidos sob o comando de Brocius está o pistoleiro Johnny Ringo (Michael Biehn) e também Ike Clanton (Stephen Lang). Brocius assassina o marshal Fred White (Harry Carey Jr.) que é substituído por Virgil que designa Morgan como seu assistente. Os ânimos entre o bando dos 'Cowboys' e os irmãos Earp se acirram e ocorre um confronto no Curral OK que resulta na morte de três homens do bando dos 'Cowboys'. O jogador Doc Holliday (Val Kilmer) participa ao lado dos Earps. Estes se vingam matando Morgan, enquanto Virgil ferido no tiroteio do Curral OK parte de Tombstone. Ajudado por Doc Holliday e alguns amigos, Wyatt Earp caça os Cowboys exterminando-os e assim vingando a morte do irmão Morgan.

Montagem teatral em Tombstone com Dana
Delany interpretando o diabo.
Retrato da América - “Tombstone” é uma história que poderia ser transportada para outra época com os Cowboys atuando como uma espécie de máfia do Velho Oeste. Porém Wyatt Earp está longe de ser o policial impecável como eram os agentes do FBI. Wyatt faz uso da fama conquistada quando apaziguou Dodge City e sempre que necessário mostra que era justa a fama que carregava. Mesmo que para isso não disparasse um único tiro, preferindo que seus contendores sentissem o quanto dói uma coronhada bem aplicada no alto da cabeça. 50 anos antes dos tempos de Al Capone e outros bandidos igualmente notórios, Tombstone é uma cidade onde o único vício não é apenas a jogatina, mas um lugar onde se consome ópio, além das garrafas de whiskey esvaziadas às dúzias, boa parte delas sorvidas por Doc Holliday. Wyatt, cansado de ver a esposa dependente do láudano para aliviar suas dores de cabeça, se encanta com a frívola Josephine Marcus (Dana Delany), atriz de uma companhia que chega a Tombstone para levar um pouco de cultura àquele lugar que se expande. Aos problemas domésticos de Wyatt Earp soma-se aquele do qual ele quer se omitir, o do enfrentamento com os bandidos que aterrorizam Tombstone. Menos ambíguos que o irmão, Virgil e Morgan pensam diferentemente e não conseguem ser insensíveis à necessidade de proteção dos cidadãos da cidade. Objetivos pessoais à parte, fala mais alto o espírito fraterno e também a forte amizade de Wyatt com Doc Holliday. Os irmãos se unem, reforçados pelo jogador cuja tuberculose aparentemente apurou a destreza igual nas cartas e nas armas que carrega. Menos que ser uma história de desavença entre grupos, “Tombstone” e uma história sobre amizade, coragem e amor.

Os irmãos Earp Virgil (Sam Elliott) e Morgan (Bill Paxton; à direita Wyatt
(Kurt Russell) com o amigo Doc Holliday (Val Kilmer).

Wyatt e Doc em ação.
Duelo como ponto central - Inconformado com a presença dos Earps, agora homens da lei, o mais intempestivo dos Cowboys é Ike Clanton que desafia os irmãos para um confronto que se mostra desigual. Buscando a autenticidade, “Tombstone” encena um duelo com Ike Clanton desarmado, com Billy Clairbone fugindo apavorado do local e o quarteto com o distintivo na lapela disparando impiedosamente contra os irmãos Tom e Frank McLaury e ainda contra o jovem Billy Clanton. Poupado apenas Ike Clanton que consegue escapar com vida. Assim como já havia ocorrido em “A Hora da Pistola” (Hour of the Gun), filme de John Sturges de 1967, o confronto no Curral OK é um momento crucial mas não o epílogo da história. É, isto sim, gerador de desdobramentos que permite uma sequência de confrontos magníficos, ainda que sem atingir a beleza cênica daquele que teve como palco o Curral OK. Nenhum outro western chegou tão perto quanto “Tombstone” da magistral coreografia encenada por Sam Peckinpah nas sequências inicial e final de “Meu Ódio Será Sua Herança”. Transcorrido em menos de 30 segundos, o tiroteio do Curral OK prolonga-se na tela por quase dois minutos, graças à primorosa encenação e posterior meticulosa edição. E “Tombstone” prossegue até seu não menos violento desfecho.

Acima a caminhada para o OK Curral; nas fotos menores flagrantes do duelo.

Dana Wheeler-Nicholson com Kurt Russell;
abaixo Joanna Pacula e Val Kilmer.
Triângulo amoroso - A cinematografia de Jack N. Green cria momentos de rara beleza com cavalgadas e perseguições com armas disparando nas mais variadas posições, evocando a arte de Frederic Remington e Charles Russell, que certamente inspiraram os realizadores de “Tombstone”. E proporciona também a alegria dos admiradores dos westerns tradicionais. Este western tem esmerada direção de arte na reconstituição de época, excedendo-se até na riqueza dos trajes masculinos e mais ainda dos femininos (afinal onde eram guardados tantos e tão grandes vestidos que não economizavam nos tecidos?). Com cenas de ação perfeitas, realistas e emocionantes, o único ponto fraco do filme assinado por George Pan Cosmatos é o romance entre Wyatt e Josephine Marcus. A paixão de Wyatt pela atriz é parte da história real, tendo ambos vivido juntos por décadas, até o fim da vida de Wyatt. Porém o romance não é bem delineado no filme, soando inconvincente e atingindo a pieguice quando do encontro de ambos num cenário campestre digno de total falta de imaginação. Algo próximo do insípido encontro entre Burt Lancaster (Wyatt Earp) e Rhonda Fleming em "Sem Lei e Sem Alma" (Gunfight at the OK Corral). A impressão que fica para o espectador de "Tombstone" é que, por fugir do machismo dos confrontos masculinos, as relações entre Wyatt-Josephine e Doc-Kate (esta num grau menor) não foram levadas a sério pelos atores que, de resto, brilham intensamente durante o filme.

Powers Boothe e Michael Biehn.
A força dos vilões - Kurt Russell interpreta um Wyatt Earp intenso, ainda que convencional e mesmo assim o melhor entre todos levados à tela, desconsiderada evidentemente a sublime composição de Henry Fonda em “Paixão dos Fortes” (My Darling Clementine). Superior é o Doc Holliday de Val Kilmer, sofrido, cínico e elegante numa marcante performance. Sam Elliott e Bill Paxton completam bastante bem o quarteto principal, Sam com a sisudez e Bill com a inocência do mais jovem dos irmãos. O melhor, porém, das interpretações de “Tombstone” fica por conta dos vilões, sendo difícil apontar qual deles o melhor entre Powers Boothe, Michael Biehn e Stephen Lang. Boothe é o bandido mais frio, menos provocador que se excede apenas quando entorpecido pelo ópio, disparando freneticamente contra a lua para em seguida assassinar o marshal vivido por Harry Carey Jr.. Michael Biehn (Johnny Ringo), rival de Doc Holliday nos provérbios latinos, denunciando uma formação cultural inesperada para homens do Velho Oeste e com quem quer tirar a prova de ser mais rápido no gatilho. Stephen Lang é o mais delirante dos três bandidos, provocador e covarde apesar de ver sempre a morte por perto pelo longo cano do Colt Buntline de Wyatt Earp. Pequenas participações de Charlton Heston e Harry Carey Jr. e a narração de Robert Mitchum dignificam ainda mais este western. Billy Bob Thornton inteiramente diferente do ator que se tornou famoso, aparece acima do peso como o gorducho chefe de saloon humilhado por Wyatt Earp. Michael Rooker finalmente num papel simpático e Billy Zane devastador com sua feminina beleza conquistando o amedrontado e apaixonado Jason Priestley. Entre as mulheres Joanna Pacula se sai bem enquanto Dana Delany desperdiça um bom papel com sua inexpressividade.


Michael Biehn à esquerda e Stephen Lang à direita.

Ike Clanton (Stephen Lang) tendo seu rosto marcado pela espora de Wyatt Earp.

Kurt Russell e seu Colt Buntline.
Versão definitiva do lendário tiroteio - Filmado quase que inteiramente na cidade cenográfica de Old Tucson, no Arizona, “Tombstone” custou 25 milhões de dólares, alcançando uma receita de 56 milhões de dólares apenas no mercado norte-americano. Lançado em VHS e depois em DVD, este western jamais parou de ser vendido, sendo item obrigatório em qualquer coleção de fãs do gênero. Sem a mesma pretensão de “Wyatt Earp” produzido um ano depois ao custo de 63 milhões de dólares (rendeu 25 milhões apenas), “Tombstone”, ao que tudo indica é a versão cinematográfica definitiva do tiroteio ocorrido em 26 de outubro de 1881 no Curral OK. Como foi dito no primeiro parágrafo, “Tombstone” é acurado, movimentado e bem interpretado. Não atinge o status de obra-prima, mas é seguramente um dos westerns que se assiste com mais prazer e que cresce a cada revisão.


Frases famosas de "Tombstone" expressas por Wyatt Earp (Kurt Russell).

O entorpecido Curly Bill Brocius (Powers Boothe) atirando contra a lua e
prestes a assassinar o marshal Fred White (Harry Carey Jr.).

Michael Rooker, Val Kilmer, Buck Taylor e Peter Serayko;
Charlton Heston e Val Kilmer.

Sequência em que Johnny Ringo (Mihael Biehn) faz exibicionismo com seu revólver.

Val Kilmer (Doc Holliday) e Wyatt Earp (Kurt Russell).