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20 de janeiro de 2012

ROBERT MITCHUM DIRIGINDO MARILYN MONROE EM "O RIO DAS ALMAS PERDIDAS"


Robert Mitchum nunca dirigiu um filme, não é mesmo? Oficialmente não, mas foi Mitchum quem dirigiu a maior parte das cenas com Marilyn Monroe em "O Rio das Almas Perdidas", western creditado ao austro-prussiano Otto Preminger. O que levou a isso foi uma incrível sucessão de fatos e encontro de personalidades tão diversas como as de Marilyn, Mitchum e Preminger.

Preminger arrancando
uma grande interpreta-
ção de Sinatra e Kim
Novak observa; abaixo
Otto como ator em
"Inferno 17"
DER GENERAL - Tudo aconteceu após o início das filmagens em 1953, em locações no Banff National Park, em Alberta, no Canadá. O diretor Otto Preminger gostava de se comportar como um verdadeiro general prussiano durante as filmagens e depois do terceiro grito que deu com Marilyn, esta avisou que não conversaria com o diretor. Preminger tinha uma filosofia de trabalho bastante estranha pois ele entendia que deveria tratar os atores da mesma forma que ele trataria Hitler, se isso fosse possível. Informado da decisão de Marilyn, Preminger ligou para Darryl Zanuck, o chefão da 20th Century-Fox exigindo a imediata substituição da estonteante atriz. Zannuck respondeu ao diretor: "Se alguém tiver que sair do filme será você pois Marilyn Monroe significa dinheiro no banco, muito dinheiro. Você que se vire por aí." Preminger ainda estava sob contrato com a Fox e teve que obedecer. A fase não era boa para Preminger e seus últimos filmes não haviam dado boas bilheterias (entre eles "Almas em Pânico" de 1952, com Robert Mitchum e Jean Simmons). Preminger precisava mesmo era de um grande sucesso de bilheteria, assim como fora "Laura", em 1944 e ele sabia que Zanuck estava certo quanto a Marilyn. Preminger ainda procurou reatar relações com a então namorada de Joe Di Maggio, mas esta estava inflexível na sua decisão de não mais falar com aquele homem tão grosseiro. Foi então que Preminger procurou Bob Mitchum e pediu a ele para servir de mediador na comunicação com a temperamental atriz. Robert Mitchum e Otto Preminger já se conheciam e bastante bem pois ator havia trabalhado sob suas ordens em "Alma em Pânico". Preminger nunca mais se esqueceu de Robert Mitchum e jurou que nunca mais trabalharia com ele após o que se passou durante as filmagens desse drama noir da RKO.

A suave beleza de Jean Simmons e o conquistador Howard Hughes;
abaixo Otto Preminger; Jean Simmons e o marido Stewart Granger

Mitchum e Jean Simmons em cena
JEAN SIMMONS, UMA ALMA EM PÂNICO - Otto Preminger, que era contratado da 20th Century-Fox, foi emprestado à RKO a pedido de Howard Hughes que havia adquirido a Radio-Keith-Orpheum Pictures. Hughes era um insaciável conquistador de mulheres, tendo especial predileção pelas morenas. O playboy milionário usava seu poder como dono do estúdio para facilitar seus assédios aumentando sua interminável lista de amantes, entre elas Katharine Hepburn, Jane Russell, Ava Gardner, Faith Domergue, Terry Moore e mais tarde Jean Peters, entre outras. Após ver Jean Simmons em "O Narciso Negro", Hughes logo sonhou em um dia levá-la para a cama. Como Jean Simmons era inglesa e se casou em 1950 com o ator Stewart Granger, esse sonho parecia difícil de acontecer. Porém o obstinado Hughes conseguiu comprar o contrato de Jean Simmons da Rank Organization, cujo dono, J. Arthur Rank 'vendeu' a atriz para a RKO como se ela fosse uma mercadoria. Não precisou de mais de um contato de Jean Simmons com Howard Hughes para que ela o achasse o mais repulsivo dos homens, porém quanto mais Jean o rejeitava mais crescia a obsessão de Hughes. Stewart Granger chegou até a pensar em manda assassinar o milionário, mas optou por processá-lo por assédio, única maneira de conter Hughes. Este então começou a tramar uma cruel vingança contra Jean Simmons. Escalou-a para estrelar "Alma em Pânico" ao lado de Robert Mitchum, que não era nenhum anjo e para dirigir a atriz emprestou da Fox um dos mais sádicos diretores de cinema, justamente Otto Preminger. Hughes orientou Preminger para ele tratar Jean Simmons do mesmo modo que trataria Adolf Hitler, se pudesse. E a crueldade de Preminger parecia não ter fim e Jean Simmons chorava praticamente todos os dias, até que chegou a filmagem da sequência em que Mitchum deveria esbofeteá-la.

Personagens da história dos tapas
em "Alma em Pânico"
VUNCE MORE! VUNCE MORE! - Durante as filmagens Robert Mitchum tornou-se amigo de Jean Simmons e ao dar o tapa no rosto da atriz o fez sem força para não machucá-la. Preminger se aproximou de Mitchum e disse ao ator que a câmara estava fechada no rosto de Jean e que ele deveria fazer a cena parecer real, batendo com toda força no rosto dela. Mitchum repetiu o tapa  e ouviu Preminger gritar: "Mais forte!" Mitchum deu outro tapa e Preminger deu outro grito no seu Inglês prussiano: "Vunce more" (once more/outra vez); outro tapa e outro grito "Vunce more"... "Vunce more". Depois do sexto tapa na infeliz Jean Simmons que estava com o rosto inchado, Preminger gritou novamente "Vunce more". Foi quando Mitchum falou: "Otto, você quer 'vunce more', então tome..." E desferiu uma forte e sonora bofetada no rosto de Preminger. As filmagens foram suspensas e foi quando o diretor afirmou que não continuaria a dirigir o filme com Mitchum no elenco, não retornando ao estúdio. Duas noites depois, Preminger estava em seu apartamento quando apareceram dois homens que o levaram para dar um passeio noturno por Los Angeles. Ninguém sabe exatamente o que se passou, mas na manhã seguinte Preminger estava na RKO para concluir o filme esquecendo-se de Mitchum e das bofetadas.


COMENDO O LANCHE DE NORMA JEANE - Pouco mais de um ano depois a 20th Century-Fox iniciava um projeto especial para Marilyn Monroe, um western filmado no Canadá. Zanuck contratou Robert Mitchum para contracenar com Marilyn. Para dirigir Zanuck escalou seu contratado Otto Preminger. O diretor a princípio se recusou a cumprir esse trabalho mas Zanuck ameaçou processá-lo por quebra de contrato e a contragosto e com muito medo Preminger foi para o Canadá onde se encontrou com Bob Mitchum. O ator lhe esticou a mão e o ressabiado Preminger teve que ouvir o ator lhe dizer: "No hard feelings, Otto?" (Sem ressentimentos, Otto?). Bob Mitchum e Marilyn já se conheciam indiretamente pois Bob chegou mesmo a comer comida preparada por ela. Isso aconteceu quando Mitchum trabalhava na fábrica de aviões Lockheed, antes de ser ator e tinha como colega de trabalho James Dougherty um jovem cuja esposa de 16 anos se chamava Norma Jeane. Dougherty percebeu que muitas vezes  o colega de olhar sonolento não trazia marmita pois as coisas não iam bem entre o colega Bob e a esposa Dorothy. Depois de dividir a marmita algumas vezes com Mitchum, Dougherty passou a pedir a sua esposa Norma Jeane que fizesse sempre um lanche para o amigo de trabalho. No ano seguinte Mitchum conseguiu oportunidade numa série de westerns B estrelada por Hopalong Cassidy e sua situação financeira melhorou, deixando a Lockheed e deixando de comer a bóia feita por Norma Jeanne Dougherty.

MEMORIZANDO DIÁLOGOS PARA MARILYN - Sem saída lá no Canadá, Otto Preminger não teve outro jeito senão recorrer a Robert Mitchum pedindo a ele para que transmitisse tudo que Marilyn deveria fazer nas cenas durante as filmagens. Mitchum nunca teve interesse por Marilyn, sendo ela uma das poucas atrizes com quem Bob não manteve relacionamento mais íntimo, mas se tornaram bons amigos e ele a tratava como se fosse uma irmã mais nova. Possivelmente Robert Mitchum tenha sido o ator com a maior capacidade de memorização que houve no cinema. Mesmo após as noites bebendo e fumando, no dia seguinte logo cedo dava uma rápida olhada no roteiro e dizia todas suas falas. Contracenando com Marilyn ele sabia também todas as falas dela uma vez que Marilyn sempre teve uma dificuldade enorme para decorar diálogos com mais de uma linha. Era Robert Mitchum dirigindo a estrela Marilyn Monroe. E foi assim que Preminger conseguiu chegar até o fim, não de "O Rio das Almas Perdidas" mas de seu contrato com a 20th Century-Fox. Nesse mesmo dia ele abandonou as filmagens, sendo as cenas restantes completadas pelo romeno Jean Negulesco, com quem Marilyn conversava normalmente.

WESTERN DE SUCESSO - "O Rio das Almas Perdidas" foi um dos grandes sucessos de bilheteria de 1954 e certamente o público lotava os cinemas era para ver Marilyn Monroe e não Bob Mitchum, Rory Calhoun ou o menino Tommy Rettig. Marilyn Monroe viria a ter em sua curta carreira outros diretores como o genial Billy Wilder, John Huston, Joshua Logan, Laurence Olivier e George Cukor, mas certamente nenhum deles foi tão amigo da atriz como Bob Mitchum que verdadeiramente a dirigiu no western "O Rio das Almas Perdidas".