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30 de julho de 2013

RIO GRANDE – JOHN FORD COMPLETA SUA MAGNÍFICA TRILOGIA DA CAVALARIA


Ao se falar em ‘Trilogia da Cavalaria’ cria-se a falsa idéia que esse era um projeto de John Ford, realizado no anos de 1948/49/50, o que não é verdade. O projeto que o diretor tinha em mente nesses anos era conseguir recursos para filmar “The Quiet Man” (Depois do Vendaval), na querida Irlanda de seus antepassados. Para isso Ford assinou um contrato com a Republic Pictures, estúdio para onde foi levado por John Wayne que lhe assegurou que, na Republic, Ford finalmente realizaria seu sonho de filmar na Irlanda. O dono daquele estúdio especializado em faroestes ‘B’ e seriados era o esperto (melhor seria dizer espertalhão) Herbert J. Yates. Após o sucesso da série de westerns que Ford filmou no pós-Guerra, especialmente “Sangue de Heróis” e “Legião Invencível”, Yates condicionou em contrato com Ford o financiamento de “Depois do Vendaval” a mais um western sobre a Cavalaria. Yates sabia que repetir a fórmula de filmes sobre a Cavalaria significava dinheiro em caixa. Ford aceitou o trato e saiu atrás de uma história.

Três clássicos roteirizados por
James Kevin McGuinnes.
Da Coréia para o Rio Grande - Nada mais natural que o novo filme sobre a Cavalaria fosse baseado em outra história de James Warner Bellah, autor das duas outras histórias sobre o tema. E foi escolhida ‘Mission With No Record’, publicada na revista The Saturday Evening Post que foi às bancas em 27/09/1947. Bellah havia lutado nas duas Guerras Mundiais antes de se descobrir um bem sucedido escritor. Suas histórias, no entanto, necessitavam ser adaptadas para o cinema (curiosamente anos mais tarde James Warner Bellah seria um dos roteiristas de “O Homem que Matou o Facínora”). A adaptação de ‘Mission With No Record’ ficou a cargo do ultradireitista James Kevin McGuinnes. Nascido na Irlanda, McGuinnes chegou criança aos Estados Unidos, tornando-se roteirista ainda no cinema mudo. Entre as dezenas de roteiros que McGuinnes escreveu estão os roteiros de “A Companheira de Tarzan”, “Viva Villa” e “Uma Noite na Ópera”. Mal visto na categoria por seu radicalismo político, McGuinnes estava há quase dez anos ‘na geladeira’ sem conseguir escrever. Mas McGuinnes, que tinha amizade com John Ford, era o homem certo para roteirizar aquela história de Bellah pois em 1949 vivia-se a Guerra Fria e ‘Mission With No Record’ poderia servir de metáfora para a política exterior norte-americana com o uso de suas forças armadas. Assim como a Alemanha havia sido dividida, também a Coréia passou a ser ocupada ao Norte pelas forças soviéticas enquanto ao Sul a ‘proteção’ caberia aos Estados Unidos. As escaramuças na dividida Coréia se sucediam e nada melhor que um western para ajudar a justificar ao público a razão da intervenção norte-americana naquele país asiático. James Kevin McGuinnes viria a falecer 20 dias após o lançamento de “Rio Grande”, em 1950, aos 56 anos de idade.



Duke,Victor McLaglen e Maureen O'Hara na
obra-prima "Depois do Vendaval".
‘Aquecimento’ para o próximo filme - A elaboração do roteiro começou com a mudança do título de ‘Missão Sem Registro’ para “Rio Grande”, uma vez que a ação da missão não reportada se passava na divisa do México com os Estados Unidos. Para filmar “Rio Grande” John Ford retornou ao Monument Valley em novembro de 1949, onde passou o próximo mês rodando o filme que teve o orçamento de exatos 1.238.000 dólares. Esse valor era menos da metade do que custara “Sangue de Heróis” dois anos antes. Para o elenco Ford chamou John Wayne, que era contratado da Republic Pictures, Victor McLaglen e a irlandesa Maureen O’Hara. Os três fariam em seguida os papéis principais em “Depois do Vendaval” e o que John Ford pretendia mesmo era fazer uma espécie de ‘aquecimento’ para o filme que seria rodado a seguir na Irlanda. Ford já havia dirigido Wayne e McLaglen inúmeras vezes e dirigira Maureen O’Hara em “Como Era Verde o Meu Vale”. Duke e Maureen ainda não haviam atuado juntos.

John Ford e John Wayne durante os
preparativos para "Rio Grande";
abaixo Yorke pai (Wayne) e Yorke
filho (Claude Jarman Jr.)
Um recruta e seu pai comandante - Retornar ao Monument Valley era como tirar férias para John Ford que se cercou dos muitos atores e técnicos que normalmente o acompanhavam em seus filmes. Entre eles estava Harry Carey Jr., que décadas depois escreveria o excelente livro de memórias “Company of Heroes”, no qual conta vária histórias de bastidores de “Rio Grande”, testemunhando o raro feliz estado de espírito do diretor durante as filmagens. E o resultado disso foi o mais descompromissado western daquela que passaria a ser conhecida como ‘Trilogia da Cavalaria’. Em “Rio Grande” o Coronel Kirby Yorke (John Wayne) comanda o Forte Starke, onde recebe o reforço de 18 recrutas ao invés dos 180 homens que solicitara a Washington. Entre os recrutas estão Travis Tyree (Ben Johnson), Daniel ‘Sandy’ Boone (Harry Carey Jr.) e Jefferson ‘Jeff’ Yorke (Claude Jarman Jr.). Este último filho do Coronel Yorke. De surpresa chega em seguida ao forte Kathleen Yorke (Maureen O’Hara), mãe de Jeff, com a intenção de obter a dispensa do filho. Kathleen e Kirby Yorke estão separados há quase 16 anos, desde que, cumprindo ordens como oficial nortista durante a Guerra Civil, Yorke queimou a propriedade pertencente à família da esposa Kathleen em Bridesdale, próximo ao Vale de Shenandoah. Nem o Coronel Yorke e nem Jeff aceitam o desligamento deste da tropa como pretendia Kathleen. Entrementes, índios promovem ataques contra uma pequena caravana que deixara o Forte, sequestrando uma dúzia de crianças. Mesmo sem autorização do Estado Maior o Coronel Yorke faz uma incursão contra o local onde estão os índios e resgata as crianças. O General Philip Sheridan (J. Carroll Naish) decide não reportar o fato ao Estado Maior, evitando assim uma punição ao Coronel Yorke que reata seu casamento com Kathleen.

Chuck Roberson como apache e a flecha
sem ponta; abaixo Ken Curtis puxa a
cantoria ao lado de Claude Jarman Jr.,
Harry Carey Jr. e Ben Johnson.
A quase mortal flecha sem ponta - “Rio Grande” é em geral considerado o menos importante dos três filmes da Trilogia da Cavalaria, o que em absoluto não significa que não seja um excelente western. E isso mesmo sendo feito sem maiores cuidados por John Ford, um diretor que nunca primou pela meticulosidade, mas sim pela densidade emocional de seus filmes. Um descuido exemplar de “Rio Grande” é a cena em que um apache dispara uma flecha que atinge o Coronel Yorke no peito. O mal disfarçado índio é ninguém menos que Chuck Roberson, que em várias outras cenas aparece como um oficial da Cavalaria. Se isso não fosse bastante, a flecha do ‘índio’ não possui ponta, o que é bizarro para um faroeste norte-americano, filmado no Monument Valley e dirigido por John Ford. Teria Chuck Roberson ficado temeroso em avisar o irritadiço Mestre sobre a flecha sem ponta? Outro fato que não passa despercebido é a gritante incapacidade dos índios em alvejar soldados da Cavalaria, como se os túnicas azuis fossem inatingíveis. E “Rio Grande” não nega sua origem, de ter sido produzido pela Republic Pictures, o mesmo estúdio dos tantos faroestes musicais com Roy Rogers e Gene Autry. O que não falta em “Rio Grande” são momentos em que surgem os menestréis da Cavalaria interrompendo a trama para mais uma canção. Isto quando os não 'cantores' Ben Johnson, Claude Jarman Jr. e Harry Carey Jr. se juntam a Ken Curtis para se divertir cantando “San Antone”, de autoria de Dale Evans. Porém canções demais e algumas falhas não são suficientes para comprometer mais este belo filme de John Ford sobre a Cavalaria norte-americana.

Maureen O'Hara e Claude Jarman Jr.;
abaixo Claude, Carey Jr. e Ben Johnson.
Norte e Sul em paz - Duas metáforas são desenvolvidas em “Rio Grande”. A Cavalaria, sob o comando do Coronel Yorke, não deve agir além do Rio Grande, fronteira norte-americana com o México e para onde se refugiam os índios após suas violentas incursões. Devido às provocações e sequestro de crianças não resta outra alternativa ao Coronel Yorke senão ultrapassar o Rio Grande com a missão de resgatar inocentes. O Rio Grande aqui seria o Paralelo 38 que dividiu em 1945 a Coréia em dois países, situação que gerou a Guerra da Coréia em 1953. “Rio Grande” justifica, portanto, as possíveis ações bélicas norte-americanas então prestes a ocorrer na Ásia. E há o Sul, derrotado na Guerra Civil, eternamente merecedor de simpatia, representado neste filme de John Ford por bravos soldados como Travis Tyree, Jeff Yorke e principalmente por Kathleen Yorke. A Guerra e a lealdade ao dever do Coronel Yorke separaram Kirby da esposa e filhos. Ela aparentemente jamais o perdoaria, mas a chegada ao Forte Starke reaproxima os dois. Kathleen descobre que seu marido, apesar de escravo do dever, é um homem justo (e romântico), permitindo que Yorke lhe faça a corte possibilitando ao final que os dois voltem a viver juntos e em paz. Além do motivo pessoal entre os Yorkes, “Rio Grande” mostra o personagem sulista Tyree (mais uma vez Ben Johnson) como possuidor de caráter e nobreza incomuns.

Contendores de uma luta desigual: Claude Jarman
Jr. e Fred Kennedy; atrás Harry Carey Jr.
Conflito familiar - Se a trama que provoca as ações da Cavalaria não é inteiramente convincente, a história de amor é desenvolvida com sensibilidade, bem como a relação conflituosa entre o Yorke pai e o Yorke filho. Reprovado em Matemática em West Point, Jeff quer provar seu valor a seu pai que através de palavras duras e claras o avisa que ele será tratado como um soldado qualquer e até com mais rigor. Kathleen, por sua vez, passados mais de 15 anos da separação vê o rancor e a repulsa darem lugar ao antigo amor, amor que o solitário Coronel Yorke nunca deixou de sentir. Essa espécie de ódio-amor entre os personagens vividos por John Wayne e Maureen O’Hara atingiria sua culminância em “Depois do Vendaval”, mas John Ford com maestria e humor dá uma dimensão perfeita à trama romântica de "Rio Grande".

J. Carrol Naish (General Sheridan) com
John Wayne e Maureen O'Hara; abaixo a
paz entre marido (Norte) e mulher (Sul).
Final do agrado do público - John Ford continua em “Rio Grande” a mostrar sentimentalmente como seria a vida num Forte e para isso contou com o inesgotável humor de Victor McLaglen, aparentemente sempre o mesmo e nunca menos engraçado personagem. E aproveitando as qualidades de cavaleiros de Ben Johnson e Harry Carey Jr., Ford cria uma antológica sequência em que esses atores e ainda Claude Jarman Jr. mostram que são capazes de montar à romana, como pretende o Sargento Quincannon (Victor McLaglen). Outra sequência criada para mostrar como se forma soldados é a briga entre o jovem sulista Jeff e o soldado Heinze (Fred Kennedy), arbitrada pelo parcial Sargento Quincannon. Esses episódios ilustram bastante melhor a vida na caserna que os muitos intervalos musicais de “Rio Grande”. Em um deles, no entanto, aquele em que menestréis do Forte entoam a singela “I’ll Take You Home Again, Kathleen”, é impossível não conter a emoção. O final de “Rio Grande” foi mudado à última hora por John Ford que percebeu que a transferência do Coronel Yorke para a Inglaterra, como estava no texto original, não agradaria ao público. Ford preferiu que o General Sheridan entendesse a desobediência de Yorke como algo necessário e ao som de “Dixie”, ocorre um final feliz em pleno Forte Starke. Final feliz e engraçado com o heróico soldado Tyree roubando mais uma vez a montaria de um oficial (desta vez a do próprio Sheridan) para fugir do xerife burocrata que deve prendê-lo.

Sequências espetaculares de "Rio Grande" com
os próprios atores cavalgando à romana.
A vez dos dublês - Com “Rio Grande” John Ford mais uma vez exercita seu domínio como narrador de histórias. E através de imagens que sua genialidade concebe nos dá um filme bonito nas imagens capturadas pelo cinegrafista Bert Glennon. A música original de “Rio Grande” foi composta por Victor Young. Além do belo tema de abertura há três canções de Stan Jones compostas para o filme, cantadas pelo conjunto Sons of the Pioneers. Victor Young incluiu na trilha sonora inúmeras canções tradicionais do Oeste norte-americano. Stan Jones tem pequena participação como ator e este filme é notável por John Ford ter possibilitado as presenças em pequenos papéis de stuntmen como Cliff Lyons, Chuck Roberson, Chuck Hayward e especialmente de Fred Kennedy, o infeliz dublê que morreria em ação, durante uma queda de cavalo, em “Marcha de Heróis”. Nunca se esclareceu a razão da semelhança de nomes entre o Capitão ‘Kirby York’ de “Sangue de Heróis” e o Coronel ‘Kirby Yorke’ de “Rio Grande”, personagens inteiramente diferentes. Mesmo os nomes dos personagens interpretados por Ben Johnson - Sargento ‘Tyree’ em “Legião Invencível” e Soldado ‘Travis Tyree’ em “Rio Grande” – não possuem relação, ainda que sejam bastante parecidos. Foi durante as filmagens de “Rio Grande”, que Ben Johnson não aceitou o tratamento grosseiro de John Ford, o que valeu ao ator passar longos 13 anos sem ser chamado por Ford para outro filme (ler a biografia de Ben Johnson neste blog).

John Wayne e Maureen O'Hara no
primeiro dos cinco filmes em que
atuaram juntos.
A parceria Duke e Maureen - Com Harry Carey Jr. e Claude Jarman Jr., Ben Johnson completa trio de ótimos novos atores. Nenhum deles sabia montar à romana e Ford deu a Carey e a Ben um mês para que aprendessem. Ao final de duas semanas não só Carey e Ben, mas também Claude Jarman Jr. haviam aprendido a galopar em pé sobre dois cavalos, para felicidade total de John Ford. Victor McLaglen praticamente sozinho responde pelos momentos de comicidade. John Wayne atua com um bigode, uma penugem no queixo e com uma peruca menor que a usual que lhe dão um ar mais maduro, próprio de um Coronel da Cavalaria. E em “Rio Grande” John Wayne encontra seu mais perfeito par romântico, primeiro de cinco encontros na tela, com Maureen O’Hara. A atriz irlandesa criou o mais forte personagem feminino em um western de John Ford, diretor que sempre ressaltou a importância da mulher na formação do Velho Oeste. “Rio Grande” foi bem recebido pelo público sendo um dos grandes sucessos de bilheteria de 1950 e fazendo com que John Wayne se tornasse (pela primeira vez) o campeão de bilheterias daquele ano nos Estados Unidos. “Rio Grande” recebeu na Itália o título de “Rio Bravo”, escolha imitada no Brasil, onde foi lançado também como “Rio Bravo”. A confusão formou-se anos depois com o lançamento de “Rio Bravo” de Howard Hawks, que no Brasil teve que ser intitulado como “Onde Começa o Inferno” para evitar possível confusão com o outro filme de John Wayne que havia recebido o mesmo título. Depois de “Rio Grande” John Ford somente voltaria a dirigir um faroeste seis anos depois, com “Rastros de Ódio”, a incontestável obra-prima do maior diretor do gênero western.

Acima uma arriscada ação do stuntmen Cliff Lyons. 

O apache que cai espetacularmente de seu cavalo é o stuntmen Frank McGrath.

Pôsteres alemão, italiano, espanhol e norte-americano de "Rio Grande".

No pôster da esquerda (espanhol ou mexicano) vemos John Wayne sem bigode
e ao invés da ruiva Maureen O'Hara o Duke abraça uma loura.
abaixo John Wayne em poses para a publicidade.

6 comentários:

  1. Olá Darci

    Excelentes relatos desta sequencia de filmes do genial Ford, que me animou a revê-los na mesma ordem em que foram feitos. Já estavam um tanto desbotados na minha lembrança e tenho certeza que agora será mais interessante vê-los, depois deste polimento "memorial", uma das boas funções deste blog. Já passei a limpo O Álamo.
    Abraços-Joailton

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  2. Olá, Joailton
    Obrigado pelo elogio. essa foi uma daquelas postagens prazerosas pois rever esses três filmes é sempre ótimo. Mesmo O Álamo é interessante rever para se perceber que o filme não é ruim como se costuma dizer. Um abraço do Darci.

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  3. Prezado Darci,
    Como sempre seus comentários didáticos e investigativos transportam os leitores para bastidores das produções, proporcionando um melhor entendimento da obra cinematográfica.
    A trilogia de John Ford sobre a cavalaria norte-americana durante o século XIX, independentemente dos defeitos e qualidades que todos os filmes têm, para mim, estão entre os melhores do gênero western.
    A fotografia de Winton Hoch em “Legião Invencível” (She Wore a Yellow Ribbon), merecidamente vencedora de um Oscar, captou toda a beleza selvagem dos “landscapes” do Arizona (Monument Valley e House Valley) e Utah (Kanab, San Juan River e Mexican Hat) transformando em verdadeiras pinturas do “Wild West” na linha de Frederic Remington, Charles Russell, Thomas Moran e outros grandes artistas da época, como você citou.
    As cenas em que Ben Johnson cavalga fugindo dos índios são de uma beleza plástica extraordinária.
    Felizmente John Ford não usou o forte de Corriganville, na California, como cenário nos dois últimos filmes, optando por um construído no mesmo local, o que deu mais autenticidade às cenas filmadas dentro dele. O forte cenográfico de Corriganville funciona em Rin-TinTin (TV) e algumas produções de baixo orçamento, mas não em filmes como “Fort Apache” por ser totalmente cercado por elevações que tornaria o forte sem segurança durante os ataques índios.

    Mario Peixoto Alves

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  4. Olá, Mário
    Grato pelos seus sempre importantes e esperados adendos, coisa de quem sabe o que fala porque esteve lá. Gosto muito da Trilogia da Cavalaria e concordo com você que é um dos supremos momentos do gênero western.
    Darci Fonseca

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  5. RIO GRANDE (1950)





    Qualquer que seja a perspectiva, facilmente se conclui que a História dos Estados Unidos da América (do Norte) confunde-se com a cinematografia de John Ford (1894-1973). A Trilogia da Cavalaria é um desses momentos, na sua vasta obra, em que se torna evidente a função historiográfica do cinema. Mas esta função historiográfica não é preponderante, na medida em que se permite ultrapassar pela exploração psicológica das figuras representadas. É assim com a ambição e o ressabiamento do Tenente Coronel Owen Thursday (Henry Fonda), em Fort Apache (1948), como com a coragem, determinação e entrega do Capitão Nathan Brittles (John Wayne), em She Wore a Yellow Ribbon (1949). Não respeitando uma sequência cronológica, os três filmes encontram-se ligados por múltiplos aspectos. Por um lado, a omnipresença de actores como John Wayne (símbolo, por excelência, da americanidade) e do inglês Victor McLaglen (como que fazendo justiça às origens britânicas do mestre); por outro, a reincidência de alguns actores na trilogia (John Agar nos dois primeiros; Ben Johnson nos dois últimos, curiosamente no corpo de uma personagem com o mesmo apelido: Tyree). Podemos induzir que estas repetições, acompanhadas de uma evolução reflectida nas patentes dos militares em cena, fazem recair sobre a figura de John Wayne o centro das atenções. O primeiro e o terceiro filmes da trilogia foram filmados a preto e branco. Apenas o segundo é a cores. No entanto, é no segundo dos filmes que a personagem interpretada por John Wayne aparece mais madura, com madeixas brancas no cabelo, viúvo, no estatuto de capitão. E se no primeiro e no terceiro filmes tem um apelido similar, no segundo Kirby York(e) transforma-se em Nathan Brittles. Não sendo a mesma personagem, pelo menos em nome, poderia ser o mesmo homem. Assim somos levados a acreditar, também, por se passarem as três narrativas num mesmo espaço geográfico, ao longo de uma mesma época, posterior à Guerra da Secessão, em que a Cavalaria fazia recair as suas preocupações sobre grupos de índios que não se conformavam com as imposições da “governação branca”. A verdade é que na filmografia de John Ford encontramos muitos exemplos onde o que parece não é, sendo que o oposto também se verifica. O olhar que perpassa nos seus filmes está mais concentrado na dimensão humana das personagens do que numa eventual esquematização narrativa, reverente a pressupostos históricos, culturais e políticos. Rio Grande é, neste contexto, um filme extraordinário. Nele encontramos um militar rigoroso e absolutamente dedicado ao sucesso das suas missões, colocando a Cavalaria acima da família e dos interesses pessoais.

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  6. O condimento que apimenta o drama surge quando o seu filho surge como recruta no regimento. Mas a tensão não se fica por aqui. Logo de seguida, aparece a mãe do recruta Jeff Yorke com a intenção de o poupar à vida militar. O drama familiar assim incutido toma conta da narrativa, relevando para segundo plano outras leituras possíveis. Rio Grande impõe-se como uma versão do complexo de Édipo, com um jovem rapaz a querer afirmar-se aos olhos do pai, reclamando o seu respeito, esforçando-se por merecer a sua consideração. Jeff criou dentro de si a imagem do pai-herói e quer responder-lhe com determinação, embora a mãe tente adverti-lo de que para ser um grande soldado tem um homem que se tornar uma muralha de solidão. Esta mesma muralha impede Kirby Yorke de manifestar os seus afectos quer pelo filho, quer pela mulher, embora eles sejam perceptíveis em momentos de dissimulada preocupação e esgares de ternura levados pela sombra. A presença de Kathleen e Jefferson no acampamento abrem na vida do Tenente Coronel Kirby Yorke a ferida que, no fundo, lhe permitem ser homem para lá da Cavalaria. A flecha que Jeff extrai do peito do pai, no termo de um conflito com um grupo de Apaches que haviam raptado as crianças do acampamento, é a imagem poderosíssima de uma leitura alternativa do complexo edipiano. Mais do que matar o pai, Jeff salva-o da morte. E este gesto valerá tanto dentro de si como qualquer outro que pudesse marcar a sua afirmação, a sua libertação de um elo protector que acabava por diminuí-lo enquanto ser autónomo, livre, independente. Aquela flecha é o milímetro de cordão umbilical que lhe faltava cortar para ser livre. Kirby Yorke percebe-o, por isso pede ao filho que extraia a flecha como se ele fosse um qualquer outro dos soldados do seu regimento. Sabendo que, no entanto, não é um qualquer outro. É o seu filho.

    ***
    fonte:
    http://universosdesfeitos-insonia.blogspot.pt/2013/03/rio-grande-1950.html

    mlr-x

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