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12 de maio de 2020

O CÉU À MÃO ARMADA (HEAVEN WITH A GUN) – UM DOS ÚLTIMOS WESTERNS DE GLENN FORD



Glenn Ford
Aos 53 anos de idade, em 1969, a carreira de Glenn Ford como astro de Hollywood começava a entrar em inevitável decadência. À falta de melhores filmes e com o gênero western tendo cada vez menos público e consequentemente com os estúdios produzindo cada vez menos faroestes, logo o cowboy canadense iria experimentar uma temporada na TV com a série ‘Glenn Ford é a Lei’ (Cade’s County). Tendo a série sido encerrada após produzidos apenas 24 episódios, esta era a prova irrefutável que os melhores dias de Glenn Ford como ator haviam ficado para trás. Afinal por mais de 30 anos que ele fora um dos grandes nomes da constelação cinematográfica e, merecidamente, um dos atores preferidos entre os fãs de westerns. Quando os King Brothers (três irmãos conhecidos por produzirem filmes de pequeno orçamento) lhe ofereceram a oportunidade de trabalhar em “O Céu à Mão Armada” (Heaven with a Gun), Glenn tentou fazer com que esse faroeste fosse dirigido pelo veterano George Marshall com quem o ator havia trabalhado inúmeras vezes. No entanto o diretor escolhido foi Lee H. Katzin, oriundo da televisão e que faria sua estreia como diretor no cinema. O roteiro original foi escrito por Richard Carr, roteirista que acumulava larga experiência em histórias para séries de TV. Curiosamente o tema de “O Céu à Mão Armada” é a disputa entre criadores de gado e de ovelhas, o mesmo de “Irresistível Forasteiro” (The Sheepman) que Ford estrelara em 1958 sob a direção de George Marshall.


Glenn Ford
A defesa dos oprimidos - O pastor Jim Killian (Glenn Ford) chega a Vinegaroon, cidade da fronteira no Novo México, com o intuito de fundar uma igreja. Killian no passado havia sido um pistoleiro e logo se mostra contrário às injustiças praticadas pelo poderoso criador de gado Asa Beck (John Anderson). No caminho da cidade Killian se defronta com Coke Beck (David Carradine), o prepotente filho de Asa Beck e mesmo ameaçado tenta fazer de sua igreja um local irradiador da concórdia. Leloopa (Barbara Hershey) é uma jovem índia que se aproxima de Killian e passa a viver na casa do pastor. Coke Beck assedia e estupra a jovem índia, isto enquanto cada vez mais Asa Beck impõe a sua lei aos criadores de ovelhas, impedindo-os de usar pastos e água. Killian toma decididamente o partido dos criadores de ovelha e tem sua igreja incendiada pelos capangas de Asa Beck. Mace (J.D. Cannon), um temido pistoleiro que o barão do gado contratou para intimidar seus desafetos e para matar Killian, trava confronto com o pastor que leva a melhor matando Mace. Com isso Killian desperta nos pequenos criadores e na população de Vinegaroon a revolta contra Asa Beck que ao final se rende e aceita a convivência pacífica com os criadores rivais.

Ed Bakey
Violência contra criadores - “O Céu à Mão Armada”, de imediato lembra “O Irresistível Forasteiro”, seja pela disputa entre criadores de gado e de ovelhas ou e principalmente por Glenn Ford ser o herói dos dois westerns. Mas as comparações cessam por aí pois enquanto no filme de George Marshall predomina o tom de comédia, este realizado em 1969 prima pela violência. A história se inicia com o enforcamento de um índio após este ter as mãos amarradas e ser arrastado puxado por um cavalo montado por um cowboy. O cavaleiro é o filho do barão de gado e ao jovem tudo é permitido desde que siga o sonho do pai de expansão de suas terras e expulsão dos pequenos fazendeiros criadores de ovelhas. Um desses criadores é Scotty Andrews (Ed Bakey) que apenas pelo fato de atravessar as terras de Asa Beck tem seus cabelos praticamente arrancados com uma tesoura usada na lavoura. O couro cabeludo da vítima fica em carne viva depois da brutal lição que servirá de exemplo para os demais. O pregador que chega à cidade do Novo México em pretensa missão de paz se depara com o enforcamento e com o desumano corretivo dado ao infeliz Andrews. A vingança de Andrews não é menos brutal, assassinando um capanga de Coke Beck e depois matando o filho e Asa, também com uma tesoura que o atinge na jugular. Como todo homem poderoso que não hesita em alcançar seu objetivo, o método de Asa Beck é o de costume: contratar um pistoleiro capaz de amedrontar e matar se for preciso quem se antepor aos seus desígnios.

Glenn Ford
O pregador entre duas mulheres - Pastor que com a mesma facilidade com que prega a palavra de Deus faz uso de um Colt não era mais novidade nos westerns, depois da marcante presença de Robert Mithum em “Pôquer de Sangue” (5 Card Stud), de Henry Hathaway. O pastor-pistoleiro de Glenn Ford se vê não apenas diante do dilema entre impor a palavra divina e fazer justiça, mas também se vê entre duas mulheres que disputam seu afeto. Madge McCloud (Carolyn Jones) é a dona do saloon ‘Road to Ruin’, ela que em outros tempos conheceu Jim Killian, de quem foi amante. A jovem índia Leloopa, seguindo a tradição de sua tribo que diz que aquele que enterra seu pai passa ter direito sobre ela, quer a todo custo viver com o pastor, a quem admira. E a pequena Vinegaroon (nada se fala sobre o Juiz Roy Bean) acolhe com satisfação o pastor acreditando ser ele o homem que lhe indicará o caminho da salvação e ainda enfrentará Asa Beck, se for preciso.

Carolyn Jones; Barbara Hershey

J.D. Cannon
O pistoleiro vestido de branco - A violência dos Becks se consuma com o estupro de Laloopa por parte de Coke Beck, mostrando o desprezo deste pelos índios, ele que antes havia enforcado o pai da índia. Killian busca a paz através da pregação mas percebe que chegara à cidade errada e mesmo após surrar Coke quase o matando, decide não enfrentar Asa e seus homens, tendo este mandado atear foto ao celeiro que serve de templo para a pregação. Ao ver, porém, que a cidade precisa de sua liderança para o enfrentamento desigual, Killian faz uma caminhada à frente de homens, mulheres e crianças para enfrentar Asa e seus capangas. Todos menos Mace a quem Killian se viu obrigado a matar em legítima defesa depois de provocado. “O Céu à Mão Armada” poderia resultar num western muito melhor não fossem dois pontos fundamentais: o vilão Mace, impecavelmente vestido com uma capa branca e que desde o primeiro momento que entra em cena destoa com seu tipo mais risível que ameaçador. O outro ponto negativo é o desfecho inusitado sem ação, sem tiros, apenas pretensamente dramático e no qual o barão de gado docilmente muda de ideia passando a admitir ter que dividir pastos e rio com os criadores de ovelhas. E para completar o roteiro soluciona ingenuamente o triângulo amoroso com a dona do saloon ficando com o arrependido Asa Beck e o pastor aceitando que a jovem índia, muito mais jovem que ele, é quem o fará feliz.

David Carradine; J.D. Cannon

John Anderson
Final sem criatividade - Uma pena que um western cujo desenvolvimento que, mesmo sem ser notável, é muito bom termine com um epílogo como esse. Diversas boas sequências de ação como a luta entre Killian e Coke Beck, a do estupro da jovem índia e as duas envolvendo o criador de ovelhas que tem seus cabelos cortados, mereciam mais imaginação na conclusão da história que acaba sendo quase um desrespeito aos atores que se esforçaram para dar credibilidade à mesma. É comum, tanto o herói quanto o vilão que chega de longe se diferenciarem por seus trajes, modelo que “Os Brutos Também Amam” aperfeiçoou com as vestimentas de ‘Shane’ e de ‘Wilson’, atípicas àquela região do Wyoming. Mas é fora de propósito um pistoleiro, por mais elegante que seja, cavalgar vestido com uma longa capa alva de doer os olhos, combinando com seu chapéu e contrastando com a camisa vermelha berrante. À parte a questão dos trajes, J.D. Cannon não exibe o mínimo carisma necessário para compor um pistoleiro marcante.

David Carradine e Noah Beery Jr.
Barbara e David, par fora das telas - Glenn Ford nestes tempos já exibia alguns quilos a mais e uma certa lentidão nos movimentos, ele que gravou seu nome entre os grandes cowboys do cinema. Sem maior esforço Glenn se destaca no elenco e, ao menos sobre seu cavalo, exibe a velha perícia que fez dele um perfeito cavaleiro. Em seu segundo filme e aos 21 anos de idade, Barbara Hershey é jovem demais para fazer par amoroso com Glenn Ford, o que é evitado durante o filme e apenas ao final ambos saem abraçados rumo ao final feliz impróprio do roteiro. Carolyn Jones seria uma opção sem dúvida muito mais razoável para terminar com Glenn Ford. David Carradine tem boa presença como o jovem sádico, ele que iniciou nesse filme um relacionamento com Barbara Hersey, relacionamento que perdurou por vários anos e que resultou em um filho. Carradine aparece em muitas sequências ao lado de Noah Beery Jr., não por acaso ambos filhos de consagrados atores do passado (Noah Beery e John Carradine). John Anderson mostra que merecia ter uma carreira com melhores oportunidades, bom ator que ele era quase sempre em papéis menores.

David Carradine (cena da morte) e Barbara Hershey ( cena do estupro)

Participação de Dalton Trumbo - A trilha sonora musical ficou a cargo de Johnny Mandel que por momentos criou nuances fora do contexto, por serem mais jazzísticas. Último filme produzido pela King Brothers Productions, foi filmado em sua maior parte em Tucson Arizona. Consta na IMDb que Dalton Trumbo teria colaborado na concepção do roteiro original deste western, isto em 1960 quando ele trabalhava no extraordinário roteiro de “Spartacus”. Trumbo teria pedido posteriormente que seu nome não constasse dos créditos. Difícil acreditar que ele aceitasse coisas como o final inapropriado de “O Céu à Mão Armada”.

Glenn Ford



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