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7 de abril de 2011

GOLPE DE MISERICÓRDIA (Colorado Territory) - MAGNÍFICO WESTERN DE RAOUL WALSH

Falando de Raoul Walsh, Kirk Douglas que com ele filmou “Embrutecidos pela Violência” (Along the Great Divide), disse que Walsh era um diretor desinteressado, não dirigindo convenientemente os atores, fazendo tudo às pressas, só se preocupando em terminar logo o trabalho do dia e ir embora dos sets de filmagem. Walsh, que pertenceu à geração de John Ford, realmente não era dado a filigranas como a busca exata da luminosidade ideal ou cansar atores repetindo cenas interminavelmente para extrair deles a a fala e expressão perfeitas. E com seu método quase negligente de filmar instintivamente, idêntico ao de John Ford, realizou filmes memoráveis como “Um Punhado de Bravos” (Objective Burma!), 1945 e “Fúria Sanguinária” (White Heat), 1949. E 1949 foi um grande ano para Walsh pois foi nesse mesmo ano que dirigiu “Golpe de Misericórdia” (Colorado Territory). Esse era um daqueles filmes sempre citados elogiosamente pelos críticos mas que pouca gente havia assistido por não haver circulado na TV brasileira. E a frustração de não conhecer esse filme era ainda maior por ser um western de Raoul Walsh, um dos mais respeitados diretores do gênero.

Filmado inteiramente em locações no Novo México, em Calabazas (Califórnia) e principalmente nos belos e gigantescos cenários naturais de Sedona (Arizona), “Golpe de Misericórdia” conta a história de Wess McQueen (Joel McCrea) homem simples que se afastou da lei e terminou na cadeia, de onde consegue escapar, fugindo para o Território do Colorado (antes de tornar-se Estado da União em 1876). Em seu caminho passa pelo Desfiladeiro da Morte, lugar envolto em lendas e misticismos. McQueen que fora preso por assalto e assassinato, junta-se então a uma quadrilha para praticar um último assalto a um trem que transporta 100 mil dólares. Depois disso pretendia dar novo rumo a sua vida, em direção à decência e à dignidade. Da quadrilha faz parte uma dançarina de saloon chamada Colorado Carson (Virginia Mayo), além de dois outros bandidos. O esconderijo do bando se situa numa missão espanhola abandonada e chamada de Todos os Santos, onde ocorreram desgraças como epidemia de varíola e terremotos. Antes de praticar o assalto, McQueen conhece Julie Ann (Dorothy Malone) e o pai desta, Fred Wislow (Henry Hull), que estão a caminho do Oeste, "onde estão as oportunidades de uma vida melhor", conforme diz Wislow. Julie Ann passa a ser um motivo a mais para McQueen sonhar com uma vida decente e segura, ainda que fazendo uso do produto do roubo. McQueen e Colorado diferem dos demais bandidos pela lealdade demonstrada e pela nobreza de seus sentimentos recíprocos de amizade. Logo Colorado se apaixona por McQueen enquanto Julie Ann revela um incontido egoísmo e ambição. Após o assalto ao trem, somente McQueen e Colorado escapam, mas ele é ferido gravemente. Na fuga desesperada que empreendem, ele descobre que a ama e juntos enfrentam a patrulha que os encurrala num local montanhoso chamado de Cidade da Lua, onde afinal encontram a morte.

“Golpe de Misericórdia” é uma refilmagem do excelente filme de gangster “Seu Último Refúgio” (High Sierra), de 1941, dirigido pelo próprio Raoul Walsh e estrelado por Humphrey Bogart e Ida Lupino. Porém Walsh consegue com a refilmagem uma atmosfera ainda mais noir que no filme anterior. Em “Golpe de Misericórdia” a morte espreita a todo momento os desesperados personagens, especialmente o trágico par formado por McQueen e Colorado. Os cenáros exteriores são ameaçadores e opressores. As cenas internas são lúgubres e igualmente opressivas. À parte o clima incomum para um faroeste, há cenas de grande qualidade que demonstram o domínio de Walsh para sequências de ação. O assalto ao trem é eletrizante. O final com as mortes de McQueen e Colorado é rodado com incrível perfeição, visão de espaço e uso de zoom. O doloroso desfecho em que McQueen e Colorado encontram a morte na aridez do Desfiladeiro da Morte lembra ligeiramente “Duelo ao Sol” sem o excesso melodramático do filme de King Vidor. A música de David Buttolph pontuava fortemente o desenrolar da tragédia.


Virginia Mayo nunca foi atriz de grandes recursos dramáticos, recursos esses necessários para um melhor desempenho como a sensual mestiça Colorado e que sua voluptuosa e provocante figura não é suficiente para compensar. E Dorothy Malone (Julie Ann), aparece como o oposto da personagem de Virginia Mayo, tanto física quanto moralmente, distante do erotismo, da valentia e da vibrante paixão de Colorado. Mesmo interpretando um personagem fraco, Dorothy deixa entrever a excelente intérprete que se revelaria mais tarde. O elenco tem ainda Henry Hull em desempenho característico, bem como Ian Wolfe e Morris Ankrum, além da presença do bandidão Harry Woods que tantas vezes intimidou os mocinhos dos B-Westerns. John Archer e James Mitchell completam o bando. Mas o filme é um triunfo de Joel McCrea naquela que provavelmente seja a melhor atuação de sua carreira. McCrea Interpreta Wess McQueen de forma contida como sempre, mas expressando a amargura de sua condição e a alma torturada pelo destino do qual não consegue se livrar.


“Golpe de Misericórdia”, western venerado por Martin Scorsese, merece, sem dúvida, a reputação que carregou através dos anos. É a confirmação do talento de Raoul Walsh, diretor capaz de deixar ainda melhor uma refilmagem em gênero diferente, transportando para o western as características fatalísticas dos policiais noir.

7 comentários:

  1. Imaginemos que Douglas tivesse razão, e deveria ter, por se tratar de uma declaração muito séria, se Walsh fosse ao contrário do que este declarou. Então o homem poderia ser considerado um dos maiores diretores de Hollywood. Claro, porque um homem que fez um filme com esta densidade que nosso editor narra, e que até me despertou o desejo de vê-lo imediatamente, que é um homem desinteressado por seu trabalho, que não é um bom condutor de atores e trabalhava louco para o dia findar e ir para casa e, ainda assim, fez tantos bons filmes! Sim, porque filmes como; Meu pecado foi nascer, Qual será o nosso amanhã?, Tambores distantes, O falcão dos mares, Esse homem é meu, Um punhado de bravos,dentre muitos outros, são todos filmes de boa qualidade, com cenários muito bons, até como o de Golpe de Misericórdia o é, conforme cita nosso editor, então, como este homem sem capricho conseguiu tanto? Não é mesmo de se ter de pensar? Ou o homem era um craque, fazia seu trabalho e ia para casa como qualquer outro empregado? Isto não é tão anormal assim. Ademais, poderia ele, por sua magica inteligencia e consciencia no que faria, saber escolher seus atores e não precisaria então dirigi-los com muita precisão, já que eram bons em sua profissão, assim como seus técnicos, pois eles mesmos sabiam o que fazer sem pressões.
    Não desejo, e nem penso em duvidar de Douglas, ou mesmo do nosso editor, quando este observou não ser o Walsh um homem muito chegado a detalhes, como iluminação, repetição de cenas, dirigir atores e etc. Poderia o Walsh ser um genio e saber com quem trabalhava, para seus filmes sairem bons como saiam? Poderia sim. E como poderia.
    Aliás, o Clint Eastwood é assim. Não é um diretor de repetições. Ele faz um ensaio e o filma. Se tudo saiu bem ele cita; valeu. E até os atores ficam pasmados com estas atitudes que, por sinal, devem adorar. Então é o Clint um mau diretor? Ou muitos diretores não precisariam ser tão exigentes e aporrinhados como eram ou o são? Eles cansavam, desgastavam, aborreciam e punham um clima de terror nos sets com tantas exigencias, com repetições intermináveis como foi o caso, por exemplo, de Wyller e Chaplin.
    Aí eu peergunto; os filmes destes diretores saiam bons filmes? Claro que saiam. Mas, e os filmes do menos exigente, do que menos desgasta os atores, que faz depressa seus filmes, acaso deixam de ficar bons filmes por este método de trabalho?
    Walsh dirigiu, em 1954, um filme chamado Pacto de Honra. Um faroeste. Mas era um filme tão lindo, tão bem fotografado, com uma paisagem tão bela como poucos que vi. Era com Allan Ladd, Sheley Winters e Hugh O'Brian. Uma lindeza de fita. Um filme tão bonito e gostoso de ver que até gravei e dei de presente a um irmão meu.
    E agora? O homem poderia ser assim tão masssificado? Tão taxado de desinteressado, que não punha apuros na luminosidade, na qualidade da fotografia e tudo o mais? Vejam a este filme que cito e vamos por na balança se era melhor ou pior trabalhar com um William Wyler ou um Raoul Walsh. Melhor; pena que não possamos fazer esta indagação a muitos atores, pois além de não mais estarem entre nós, a longitude e o acesso a eles seria quase impossível. Porém, de qualquer modo, tiremos por nós com qual dos dois escolheriamos fazer um filme. Eu mesmo escolheria, sem hesitar, um Walsh. Com todos os seus ditos defeitos.
    jurandir_lima@bol.com.br

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    1. Jurandir concordo com voce pacto de honra e lindo uma das mais linda fotografia que vi no cinema adora ver este faroeste com Allan Ladd e Sheley Winters outro que eu adoro e O Mundo em Seus Braços com Gregory Peck.
      sebawayne@hotmail.com

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  2. Raoul Walsh foi um dos pioneiros do cinema, e um de seus maiores diretores, era um craque de verdade, suas cenas de ação
    são comparadas com as correntezas caudalosas de um rio. Sabia
    tudo da profissão e dos resultados que os estudios cobravam em
    matéria de prazo de filmagem e de como agradar o publico fazendo ao mesmo cinema de qualidade. Sem contar que quem lançou o Duke em sua primeira grande produção e mudou seu nome para John Wayne foi Raoul Walsh em A Grande Jornada em 1930. O
    filme não foi um grande sucesso de bilheteria, mas tem inovações nas filmagens por perigosos despenhadeiros.
    Acredito que Walsh não tinha vontade de perder seu tempo com o enorme ego do ator Kirk Douglas. Em autobiografia O filho do
    trapeiro Kirk se denomina sempre como um astro.

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  3. raoul walsh foi um grande diretor,que mesmo com orçamentos limitados,fez grandes filmes como um punhado de bravos,furia sanguinaria,seu ultimo refugio e tantos outros,e ate hj nunca hollywood reconheceu o seu enorme talento e uma prova disso é que quase todos os grandes atores de hollywood como gary cooper,humphrey bogart,james cagney,john wayne,edward g robinson,clark gable e tantos outros foram dirigidos por ele,e ele tbm foi o responsavel por lançar um ator que foi um dos grandes astros de hollywood e campeao de bilheteria nos anos 50 e 60,um ator chamado rock hudson,cujo filme de estreia foi sangue, suor e lagrimas(fighter squadron,1948) de raoul walsh,e numa entresvista, o proprio rock hudson afirmou que deve a sua carreira ao grande raoul walsh,pq foi ele que lhe deu a primeira oportunidade e depois teve uma bem sucedida carreira em hollywood,e para finalizar walsh e john ford foram os dois maiores diretores de hollywood,e o resto é conversa.

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  4. Olá, Darci!
    Acabo de conferir este impactante western, de um de meus diretores favoritos, com um dos finais mais poéticos que já vi num filme deste gênero. Visualmente surpreendente. Incrível como Walsh sabia registrar como poucos a paisagem com toda aquela imensidão. Leone bebeu desta fonte, assim como certamente Walsh bebeu da fonte de Henry King em "Jesse James" (1939), na cena em que os Irmãos James assaltam o trem, principalmente nos momentos em que Wes corre sobre os vagões, assim como fez tão notadamente Jesse. O resultado foi a espetacular cena do assalto ao trem. E por falar em King, este dirigiu também um western noir logo no ano seguinte a "Colorado Territory". Talvez desta vez ele tenha se inspirado em Walsh. O final doloroso deste surpreendente faroeste foi abrandado com a alegria do xará Brother Tomas ao notar que o dinheiro "doado" pelo casal veio como providência divina para a restauração de sua Igreja que encontrava-se em ruínas. E realmente aquele dinheiro não poderia ter tido destino melhor.
    Aquele abraço!

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  5. Muito bom, vide trilha e locações inesquecíveis e elenco e direção de qualidade!

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  6. Que beleza de filme e cenários

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