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20 de abril de 2011

O COWBOY MONTGOMERY CLIFT EM "RIO VERMELHO"


Hollywood vivia o triste período da caça às bruxas comandada pelo senador Joseph McCarthy. Porém, anos antes, exatamente em 1944 foi criada na capital do cinema uma entidade de extrema direita denominada Motion Picture Alliance for Preservation of American Ideals. Essa organização visava defender a indústria cinematográfica contra a infiltração comunista. Faziam parte dessa entidade, entre outros, Gary Cooper, Ward Bond, Walt Disney, Ronald Reagan, a colunista Hedda Hopper, Robert Taylor, Walter Brennan e John Wayne. E o Duke foi eleito presidente da MPAPAI em 1949, justamente na época mais crítica do macarthismo. Nesse período de convulsão política do pós-guerra, Howard Hawks começou a filmar “Rio Vermelho” (Red River). O vermelho do título do filme não fazia nenhuma alusão ao comunismo, mas sim à passagem bíblica do Mar Vermelho. No elenco dois ferrenhos anticomunistas que eram John Wayne e Walter Brennan.

Em “Rio Vermelho” estreava no cinema um jovem ator de teatro chamado Montgomery Clift. Nascido em Omaha, Nebraska, em 1920 (mesma cidade onde nasceria Marlon Brando em 1924), Clift tinha várias afinidades com Brando: ambos trocaram a cidade natal por Nova York; ambos cursaram o famoso Actor’s Studio de Lee Strasberg; ambos transformaram-se nas maiores revelações da Broadway no pós-guerra; ambos eram cobiçados por Hollywood; ambos eram temperamentais; ambos eram liberais e, claro, ambos eram excepcionais atores. Howard Hawks assistiu a atuação de Montgomery Clift na peça “You Touched Me”, na Broadway, ficou impressionado com Monty e imediatamente o contratou para ser Matthew Garth, completando o elenco de “Rio Vermelho”. O salário de Clift no western de Hawks era de 60 mil dólares, enquanto o ator principal, exatamente o presidente da associação anticomunista de Hollywood, John Wayne (Thomas Dunson, no filme), receberia 150 mil dólares. Walter Brennan, grande amigo de Hawks havia sido contratado para o pequeno papel do cozinheiro Nadine Groot, com apenas três dias de filmagens. Depois de ver como Brennan deu vida ao cozinheiro, Hawks expandiu o papel e Groot ficou cozinhando até o fim da filmagem. Mal Hawks gritou “action” pela primeira vez teve início a série infindável de problemas com o elenco pois tanto Wayne como Brennan dificultavam o trabalho de Monty. Os dois radicais atores implicavam com os maneirismos do jovem ator durante as cenas, mas isso era de menos. Wayne e Brennan evitavam Montgomery de todas as maneiras pois não aceitavam sua disfarçada homossexualidade. Foi aí que Howard Hawks mostrou que sabia lidar tanto com egos incontroláveis como com comportamentos preconceituosos.

Com o passar das semanas Duke e Monty até passaram a conversar, sem se tornarem amigos de verdade. Brennan, por sua vez mostrou-se intransigente e manteve-se sempre distante de Clift. E todos sabem que nos filmes de Hawks prevalece o espírito de completa camaradagem. Certo dia Wayne e Brennan pediram a Hawks que despedisse John Ireland por suspeitar da amizade dele com Monty, ainda mais que em “Rio Vermelho” há uma cena de inegável simbolismo em que os dois atores medem o tamanho de seus... revólveres. Segundo diziam a arma de Ireland era uma das maiores de Hollywood. Não se pode esquecer que Hedda Hopper, temida por sua coluna de fofocas e intrigas era do grupo dos radicais de Hollywood. Tanta maldade impediu a turma da MPAPAI de perceber que John Ireland, estava mesmo de olho em Joanne Dru, com quem viria a casar-se em 1949. John Ireland interpretou Cherry (Cereja) Valance, personagem especialmente trabalhado pelo autor da história e roteirista Borden Chase porque seria vivido por Cary Grant. Cary que nunca fez um western em sua carreira, não aceitou atuar ao lado de John Wayne. Com a recusa de Cary Grant, o personagem de Cherry Valance foi bastante reduzido e ficamos a imaginar o trabalho que Hawks teria se o elenco tivesse os homófobos Wayne e Brennan de um lado e Monty e Cary Grant do outro.


Todos os problemas criados durante as filmagens de “Rio Vermelho” foram superados pela competência, paciência e psicologia de Howard Hawks. O diretor conseguiu transmitir confiança e segurança a Montgomery Clift, fazendo com que sua estréia cinematográfica fosse coroada de êxito, ainda mais se considerarmos que ele de cowboy não tinha nada e nunca havia montado na vida. Clift recusou dois importantes papéis que lhe foram oferecidos, após “Rio Vermelho”: o do pistoleiro Shane no western de George Stevens e o do sheriff Will Kane em “Matar ou Morrer”. Tivesse aceitado essas ofertas de trabalho Clift certamente seria lembrado por ter seu nome em alguns dos melhores westerns de todos os tempos. E Hawks gostou tanto de trabalhar com Montgomery Clift que ele foi a primeira opção para interpretar o bêbado Dude em “Onde Começa o Inferno” (Rio Bravo). Monty recusou o convite do diretor certamente porque sabia que trabalhar novamente com Wayne e Brennan seria, para ele, rever onde começa o inferno...


3 comentários:

  1. Fica quase que totalmente inacreditável que, depois de se assistir a uma obra como Rio Vermelho, um faroeste legitimamente classificado como uma das mais perfeitas fitas no gênero já feita, se pudesse vir conhecer tantos conflitos pessoais que cercaram seus astros em suas filmagens. Incrivel como Duke, o amado e querido cawboy do cinema, fosse um homem irrascivel, preconceituoso e dono de comportamentos infinitamente irracionais.
    No meu ponto de vista ele estava ali para fazer um trabalho que lhe estava sendo pago para tal. Não tinha, portanto, o direito de infringir tanta interferencia no elenco, pelo mestre Hawks contratado, e simplesmente fazer o seu trabalho. Não vamos aqui negar que o fez, e que o fez como sempre muito bem. Porém este tipo de comportamento, visivelmente instalado num set de filmagens, somente traz discordias e mais todo o tipo de consequencias negativas para a totalização de um trabalho.
    Como citou nosso redator, felizmente o mestre Hawks soube trazer contornos à situação e fazer o seu serviço fluir satisfatoriamente, resultando no que foi o classico Rio Vermelho.
    Sempre apreciei o trabalho de Duke, do Brennan e até mesmo do John Ireland, que vimos tão bem em Sem Lei e Sem Alma e em A Grande Ilusão. Ocorre que o Monty foi um ator perfeitissimo. E, até mesmo em Rio Vermelho, sua primeira incursão no cinema, pode-se notar seu carisma, seu trabalho simples, possante e natural. Monty me deixou perplexo em diversas atuações suas, como em Um Lugar ao Sol, Os Desajustados, Freud e A Um Passo da Eternidade. São trabalhos que se pronunciarão como eternos e magnificos. Lamento não ter aceito o pepel que ficou com Dean Martin em Onde Começa o Inferno, assim como não ter sido o Shane de Stevens ou mesmo o Kane de Zinneman. Teriam sido o registro cabal de sua consagração, se é que o mesmo não chegou a este climax no somar de suas obras.
    Infelizmente o ser humano, como no caso o Cliff, possue o dom de se auto destruir, mediante ocorrencias, até parcas, em suas vidas, degredando-se e selando prematuramente pactos com a morte.
    Monty fez muitos poucos filmes, para um astro de sua grandeza, porém teve o mesmo muito pouco tempo para dilatar esta filmografia, já que resolveu encurtar demais sua vida.
    jurandir_lima@bol.com.br

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  2. Acabo de assistir Rio Vermelho. Foi uma surpresa. Gostei muito do filme. Fiquei imaginando a mão de obra da equipe de filmagem com aquele monte de boi. O filme todo é muito bem feito! Bem dirigido, com cenários lindos.
    Apesar da história contada acima pelo Darci, acho que as interpretações foram ótima.
    Coitado de Montgomery Clift, ser homossexual numa época bem problemática. Eu o acho um excelente ator e… muito lindo!

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  3. Oi, Madrinha do blog. Sugiro que você assista "Os Cowboys", também com John Wayne, feito quase 25 anos depois. É um belíssimo western também com um 'monte de boi' como você disse. Acho que a homossexualidade do Monty naqueles dias deve ter ajudado muito a complicar ainda mais a cabecinha dele, somado à tragédia do desastre que desfigurou seu rosto. Um dos maiores atores do cinema de todos os tempos. Um abração do Darci.

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