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18 de dezembro de 2015

JOE, O PISTOLEIRO IMPLACÁVEL (NAVAJO JOE) – MAGNÍFICO WESTERN DE SERGIO CORBUCCI


Burt Reynolds e Sergio Corbucci
Sergio Corbuci é, ao lado de Sergio Leone, o mais bem sucedido diretor do tão admirado ciclo de westerns spaghetti. Em 1966 Corbucci já havia filmado dois outros faroestes quando foi lançado “Django”, filme que obteve extraordinário sucesso gerando inúmeras sequências que utilizaram indiscriminadamente o nome do mais famoso justiceiro da contrafação europeia. Nenhuma delas, no entanto, foi dirigida por Corbucci. Ao contrário de Leone, Corbucci filmava com incrível rapidez e sua longa lista de westerns é composta de alguns clássicos do gênero e pelo menos uma obra-prima, “O Vingador Silencioso” (Il Grande Silenzio), realizado em 1968. Na filmografia western de Corbucci, “Navajo Joe” (no Brasil “Joe, o Pistoleiro Implacável”) é injustamente menos lembrado e nunca alçado ao nível de seus melhores trabalhos. A razão talvez seja porque Burt Reynolds, o protagonista, não tenha se interessado em se tornar um ídolo dos westerns spaghetti. Já se disse que Franco Nero representou para Corbucci o mesmo que Clint Eastwood significou para Sergio Leone, enquanto Burt Reynolds preferiu encaminhar sua carreira longe de Almería e das dificuldades climáticas e linguísticas que o western spaghetti criava para atores norte-americanos. Todavia, assistindo-se “Navajo Joe” fica a certeza que nem Franco Nero ou Eastwood seriam capazes de emprestar ao personagem o brilho que Reynolds conseguiu com seu ágil desembaraço nas sequências de ação e a necessária introspecção típica de um índio.


Burt Reynolds; abaixo o bando a cavalo.
Um dólar por cabeça - O bando chefiado por Mervyn Duncan (Aldo Sambrell) vive de matar índios, vendendo seus escalpos a um dólar por unidade na cidade de Pyote. Numa dessas investidas o bando massacra um remanescente povoado Navajo e o próprio Duncan escalpela a esposa de Navajo Joe (Burt Reynolds). Duncan recebe uma informação que 500 mil dólares serão transportados por trem para o banco de Esperanza e decide se apropriar do dinheiro em conluio com o Dr. Chester Lynne (Pierre Cressoy), cidadão proeminente de Esperanza. O bando de Duncan é seguido à distância por Navajo Joe que aos poucos provoca baixas entre os bandidos. A chegada de Duncan aterroriza Esperanza e Joe se oferece para enfrentar os malfeitores, cobrando para isso um dólar de cada habitante da cidade por bandido que ele mate. Sem outra alternativa o povo de Esperanza aceita a proposta do índio que esconde o dinheiro guardado no banco. Quando Duncan e seu bando retornam à cidade são recebidos a tiros e a explosões de dinamite por Joe, sendo exterminados e restando apenas Duncan e seu perseguidor. No confronto final ambos sucumbem mas Joe ainda consegue fazer com que seu cavalo leve o dinheiro até Esperanza.

Aldo Sambrell ladeado por Lucio Rosato e
Alvaro de Luna; abaixo Reynolds e cidadãos
de Esperanza.
Vilão bastardo - Índios em western spaghetti são personagens raros e incomuns como heróis das histórias. Afora isso, “Navajo Joe” segue à risca o modelo de grande parte desse tipo de filme que invariavelmente apresenta um personagem solitário que atua como vingador ou caçador de recompensas. Ele possui extrema destreza no manejo de armas e faz uso dessa habilidade em cidades cuja população é acovardada e acuada por bandidos. Ainda que dentro do modelo incansavelmente utilizado em dezenas e dezenas de faroestes ítalo-espanhóis, “Navajo Joe” se diferencia pela inescrutável presença do índio que não deixa nenhum indício da razão da sua empreitada. Em “Navajo Joe”, Duncan chega mesmo a pensar que o índio é um mero caçador de recompensas. Aos cidadãos de Esperanza o Navajo clama apenas ser mais legitimamente americano que os tantos descendentes de imigrantes europeus que o vêem com desprezo. O brutal Duncan, por sua vez, reage instintivamente à sua condição de bastardo que ele não gostaria de ser e sua crueldade nata pouco tem a ver com o objetivo maior que é o roubo dos 500 mil dólares. A cidade acuada e a trama em torno do roubo formam o cenário no qual Joe perpetrará sua vingança.

Nicoletta Machiavelli com Burt Reynolds. 
Propósitos torpes - “Navajo Joe” recebeu em Português o inadequado título “Joe, o Pistoleiro Implacável”, sem dúvida para atrair aquele espectador que se deleita com o incontável número de mortes que um filme pode produzir. Joe não é um pistoleiro, mas sim um índio privado de seu solo nativo e deslocado para uma região onde sua gente é cruel e covardemente assassinada. É sim, exímio no manejo do rifle de repetição. Inicia então sua vingança contra os homens capazes de matar pelo mais torpe dos motivos que é receber um dólar por escalpo índio, valor pago por cidadãos brancos que visam o total extermínio dos nativos. Índios falam pouco mas quando o fazem é de modo certeiro como suas flechas. Tanto que Joe diz à mestiça Estella (Nicoletta Machiavelli) que ela faz perguntas demais, perguntas às quais ele não responde. Porém numa curto discurso em resposta ao xerife de Esperanza, Joe lembra que seu pai, e o pai de seu pai e o pai deste e assim por diante, estavam naquela terra quando da chegada daqueles que usurparam a terra dos índios. Em seguida Joe retira a estrela do peito do xerife, filho de imigrante escocês, estrela que é o símbolo de uma autoridade que os brancos se outorgaram e que sequer são capazes de impor quando acossados por bandidos como Duncan.

A morte de Alvaro de Luna.
Brutalidade extrema - Para Corbucci o fã de faroestes gosta mesmo é de ação e o diretor não se furta de criar sequências em série com intensa movimentação. O talento desse diretor reside em fazer com que os muitos confrontos surjam naturalmente e nunca de forma gratuita. E Corbucci é um mestre nesse tipo de sequências, mais ainda quando conta com um ator com a incrível agilidade e intrepidez de Burt Reynolds. Algumas das passagens podem até chocar pela violência e crueldade com que foram encenadas como a frieza com que Duncan assassina o padre Rattigan (Fernando Rey). Dentro da igreja o pároco agradece o bandido por este ter poupado vidas inocentes e como resposta é alvejado a queima-roupa por Duncan. Um dos mais desprezíveis bandidos apresentados nos westerns spaghetti, Duncan é um psicótico que não vacila em matar atirando pelas costas mesmo em companheiros que o desobedecem. Tenta arrancar uma informação de Joe submetendo-o a uma bárbara sevícia e não satisfeito, empunhando um chicote, parece querer surrar Joe até a morte no melhor estilo do famigerado e antológico Liberty Valance criado por Lee Marvin. É contido pelo bandido Sancho (Álvaro de Luna) que lembra a Duncan que mortos não falam e que os bandidos precisam da preciosa informação. E a morte de Duncan se dá de modo terrível ao ter cravado na testa uma machadinha índia arremessada certeiramente pelo Navajo Joe.

Burt Reynolds sendo surrado a chicote por Aldo Sambrell;
Aldo Sambrell matando Fernando Rey.

Tanya Lopert e Franca Poleselic;
abaixo Lucia Modugno.
Belas donas entre socos e tiros - Primando pela violência, Corbucci faz um contraponto perfeito ao reunir um elenco feminino de rara beleza com as três graciosas coristas (Tanya Lopert, Franca Poleselic e Lucia Modugno), a índia esposa de Joe (Maria Cristina Sani) que aparece brevemente no início do filme, a madura filha do banqueiro (Valeria Sabel), a sonhadora europeia que chega àquele novo mundo para morrer (Dyanik Zurakowska) e mais que todas a mestiça interpretada por Nicoletta Machiavelli. E Corbucci brinca com o anseio do espectador ao não permitir que Joe e Estella se relacionem amorosamente, ‘coisa’, segundo o diretor, do açucaramento típico dos faroestes norte-americanos. Paradoxalmente Corbucci opta por fazer com que seja o cavalo de Joe quem receba suas atenções e afagos, assim como faziam cowboys nos westerns ‘B’ produzidos por Hollywood e estrelados por Hopalong Cassidy, Ken Maynard, Charles Starrett e outros.

Franca Poleselic, Tanya Lopert e Nino Imparato; Franca Poleselic com Cris Huerta.

Burt Reynolds atirando a machadinha
que atinge a testa de Aldo Sambrell.
Confronto memorável - Sergio Corbucci não era adepto de finais em que o herói ou anti-herói parte para novas jornadas após cumprir sua missão. O Navajo Joe se defronta com Mervyn Duncan ao final, quando o atrai para um cemitério indígena e ali executa sua vingança aplicando memorável surra no bandido. Ao arrancar o medalhão com dois triângulos do pescoço de Duncan, este afinal descobre a razão de ser perseguido pelo índio. O bandido roubara esse medalhão da esposa de Joe antes de matá-la e retirar seu couro cabeludo. Prestes a consumar o castigo escalpelando Duncan ainda vivo, Joe se distrai e isso é o suficiente para o agonizante facínora sacar um revólver que tinha escondido dentro do casaco e atirar diversas vezes contra o índio acertando no peito. Mesmo ferido mortalmente Joe apanha uma machadinha, atira-a com força cravando-a na testa de Duncan. Toda essa sequência transcorre em segundos, diferentemente dos elaboradíssimos finais de Sergio Leone que de análogo tem a preciosa música de Ennio Morricone.

Burt Reynolds
Trilha musical fascinante - Ennio Morricone compôs para “Navajo Joe” uma trilha musical relativamente simples se comparada, às clássicas trilhas de sua autoria mais conhecidas. O tema principal é repetido em muitos momentos do filme com variações de arranjo que o torna apropriado e funcional. Morricone mais uma vez contando com o coral ‘I Cantori Moderni’ sob a regência de Alessandro Alessandroni, destacando a voz aguda de Gianna Spagnolo, faz com que o espectador se sinta às portas de um inferno dantesco. Morricone faz experiências sonoras com o uso de instrumentos exóticos como a tabla, a cítara e outros acrescentando dramaticidade às violentas sequências. Marcante ainda o estrondo de tambores que diminui de intensidade para dar vez às vozes femininas do ‘I Cantori Moderni’ entoando repetidamente ‘Navajo Joe’, ‘Navajo Joe’, ‘Navajo Joe’.

Aldo Sambrell; Fernando Rey.
Aldo Sambrell, memorável vilão - Burt Reynolds recebeu inúmeras vezes em sua carreira prêmios de ‘Pior Ator’. Excepcionalmente bem sucedido nas bilheterias Reynolds nunca se destacou por seu talento dramático ou mesmo de comediante, ainda que tenha sido indicado ao Oscar em 1997 por “Boogie Nights” e vencido o Globo de Ouro por seu desempenho nesse mesmo filme. Dirigido por Sergio Corbucci, Reynolds está perfeito como o vingador Navajo, demonstrando durante todo o filme sua habilidade não esquecida dos tempos de stuntman, numa performance admirável. Todas as sequências arriscadas nas quais participa foram supervisadas pelo próprio Burt Reynolds. Aldo Sambrell brilha intensamente como o contido porém impiedoso bandido, numa atuação memorável mas que não guindou ao panteão dos grandes vilões dos westerns spaghetti. Nicoletta Machiavelli é praticamente um enfeite no filme, pouca oportunidade tendo de mostrar seu talento de atriz. Fernando Rey que em seguida brilharia como vilão em “Operação França” (I e II) e seria o ator preferido de Luís Buñuel, pouco tem a fazer como o Padre Rattingan. Nino Imparato, ator de poucos filmes e que lembra Jimmy Durante, é o responsável pelos escassos momentos de humor.

Western influente - Uma curiosidade: o cavalo Pinto que Burt Reynolds monta era todo branco e teve suas manchas pintadas. Reynolds destinou verba para o proprietário do cavalo para que este tivesse até o final de sua vida um tratamento especial. “Navajo Joe” é um western espetacular, tendo influenciado visivelmente “Renegado Vingador” (Chato’s Land), de Michael Winner e grande sucesso de Charles Bronson. Este faroeste de Sergio Corbucci merece estar entre os melhores westerns spaghetti e reluz na refulgente filmografia do diretor.






Um comentário:

  1. Tenho este filme e o cd. Apaixonei-me pelo Cinema & Spaghetti Western (o gênero), graças a música de Ennio Morricone criada para "..Era Uma Vez no Oeste" (1969), de Sergio Leone. Morricone tinha um parecer para seu estilo musical. Certa vez, um crítico de cinema da Revista Premiere, indagando-lhe o motivo dele recorrer tanto ao coral na maioria de seus temas. No que ele respondeu: "A voz do homem é o instrumento mais bonito, o mais perfeito, porque ele vem das profundezas de nosso corpo, é mesmo o som arrancado da vida. Com a voz não existe mediação do instrumento, é o som diretamente enraizado nas nossas entranhas. Ainda ressaltando que "eu amo os instrumentos de música". Morricone deixou o maior legado em trilhas sonoras para a História do Cinema, foram 528 créditos. Faleceu em 6 de julho de 2020, aos 91 anos. O tema para o seriado "Marco Polo (1980/81), de Giulianmo Montado; ainda que não tenha sido tema de um Western, considero sua obra de maior inspiração e o mais belo tema já feitos para a televisão.Tenho o seriado e o o cd duplo. Ennio Morricone, que Deus o guarde para a eternidade!...

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