Lancaster em "Nas Trilhas da Aventura". |
LANCASTER DESCENDO... - Em 1965 Burt Lancaster vivia uma situação curiosa: era um dos mais respeitados atores norte-americanos e após seu desempenho como o príncipe Don Fabrizio de Salina, em “O Leopardo”, até aqueles que ainda mantinham reservas quanto a Burt Lancaster como ator se renderam ao seu talento. Mas seus filmes não iam bem nas bilheterias. Pior que isso, Lancaster teve que fechar sua produtora devido às baixas receitas dos filmes que produziu. “O Trem”, seu penúltimo filme como ator, foi bem aceito pela crítica mas naufragou nas bilheterias norte-americanas apesar de ter sido grande sucesso na Europa. O maior dos desastres aconteceu com “Nas Trilhas da Aventura” (The Hallelujah Trail), superprodução em Cinerama dirigida por John Sturges pela qual Lancaster recebeu apenas 150 mil dólares como parte da dívida que tinha com a United Artists quando o salário normal de Lancaster por filme era de 750 mil dólares. “Nas Trilhas da Aventura” foi massacrado pela crítica e não despertou o interesse do público. Para completar o quadro as coisas não iam bem no casamento de quase 20 anos do ator com sua esposa Norma.
Lee Marvin em "Cat Ballou". |
LEE MARVIN SUBINDO... - Enquanto Lancaster descia na gangorra de Hollywood, o nome de Lee Marvin subia sem parar. Dez anos e alguns meses mais novo que Lancaster, Lee Marvin havia tido maior dificuldade que Burt na ascensão ao estrelato pois parecia fadado a interpretar eternamente os vilões despachados por Randolph Scott, John Wayne, Glenn Ford e outros mocinhos dos filmes. A sorte de Lee Marvin começou a mudar quando a TV o mostrou por três anos como o durão Tenente Frank Ballinger na série M-Squad. A partir de então o nome de Lee Marvin passou a ter mais importância nos créditos dos filmes, proporcionalmente aos seus desempenhos, como ‘Crow’ em “Os Comancheiros” (The Comancheros) e como ‘Liberty Valance’ em “O Homem que Matou o Facínora” (The Man Who Shot Liberty Valance). Com “Os Assassinos” e “A Náu dos Insensatos” Lee Marvin abandonou de vez a condição de coadjuvante. Em “Dívida de Sangue” (Cat Ballou) Lee Marvin mostrou que seu talento parecia inesgotável, ganhou o Oscar e o Bafta (especie de Oscar Inglês) de melhor ator do ano e se tornou o mais disputado ator de Hollywood no início de 1966. Lee parecia ter apenas dois problemas: seu casamento que acabara e a bebida, cada vez mais presente em sua vida.
Richard Brooks |
RICHARD BROOKS, O DOMADOR DE EGOS - Richard Brooks e Burt Lancaster eram grandes amigos e o ator, acostumado a impor seu imenso ego sobre os pobres diretores que o dirigiam, respeitava muito Richard Brooks que o havia dirigido em “Entre Deus e o Pecado”. Brooks costumava dizer que “dirigir filmes não é ficar sentado numa cadeira com um megafone às mãos gritando algumas ordens passivamente cumpridas por todos no set de filmagem; dirigir filmes é, na maior parte das vezes, ter que comer merda e fazer de conta que está gostando...” Mas foi esse homem quem controlou perfeitamente os nada fáceis temperamentos de Glenn Ford, Yul Brynner, Liz Taylor, Paul Newman e talvez o mais difícil de todos que era o próprio Burt Lancaster, a quem ajudou a ganhar um Oscar por sua interpretação como Elmer Gantry em “Entre Deus e o Pecado”. Brooks chamou o amigo Burt Lancaster para falar com ele sobre seu novo projeto, um filme para profissionais.
Mr. Dynamite |
LANCASTER, PURA DINAMITE - Richard Brooks pegou o livro “A Mule for the Marquesa”, de Frank O’Rourke, e fez um roteiro para um western-aventura que a Columbia Pictures mais que depressa aprovou. Brooks então começou a montar o elenco e o primeiro nome era o de Lancaster. O ator leu o livro e disse a Brooks que gostara do papel de ‘Rico’ Fardan que iria interpretar. Brooks disse a Lancaster que ele não faria aquele personagem que liderava o grupo de especialistas que iriam resgatar uma linda mulher das mãos de um guerrilheiro mexicano. “E quem vai fazer interpretar ‘Rico’?”, perguntou Lancaster ouvindo como resposta: “Lee Marvin”. Brooks disse a Lancaster que achava Lee Marvin muito bom, mas confessou que a Columbia praticamente impôs o nome de Marvin depois do sucesso de “Cat Ballou”. E Brooks ainda disse a Lancaster que ele, Burt, não compunha muito bem um personagem que tinha que comandar pois ele possuía certa dificuldade em dar ordens. Brooks disse isso justamente a Lancaster, homem acostumado a mandar e desmandar em tudo e em todos. Mas o diretor explicou ainda ao amigo que ele interpretaria um personagem muito melhor que ‘Rico’ Fardan, o do dinamitador Bill Dolworth que seria mais engraçado e mais dinâmico, ou seja parecido com o próprio Lancaster. Burt então lembrou que no livro não havia dinamitador algum e Brooks informou que no filme haveria sim, ele Lancaster, que era pura dinamite.
'Rico' Fardan |
O ESCOTEIRO LEE MARVIN - Richard Brooks conhecia bastante bem a fama de beberrão de Lee Marvin e quando lhe perguntaram se mesmo assim queria trabalhar com ele, o diretor respondeu: “Pouco me importa se um ator gosta de cabras, de mulheres, de homens, se ele é assexuado, bissexual ou se ele bebe demais e tem todos os problemas do manual do Dr. Freud. Para mim interessa que ele seja bom ator, cumpra horários e seja profissional”. Por pensar assim o acerto com Lee Marvin já estava fechado, uma vez que Richard Brooks era também o produtor e juntamente com a Columbia concordou em pagar os 500 mil dólares pedidos por Meyer Mishkin, agente do ator. No primeiro contato entre Lee Marvin e Richard Brooks, o ator perguntou ao diretor qual dos três patetas ele iria interpretar e para sua surpresa Brooks lhe disse que ele seria o líder, ‘Rico’ Fardan. Incrédulo, Lee abriu um enorme sorriso pois seria ele quem daria ordens para ninguém menos que Burt Lancaster. Por ocasião da prova das roupas, Lee surgiu com trajes que achou apropriados e Brooks perguntou a ele se era algum mensageiro da Western Union ou se iria a alguma reunião de escoteiros. Houve mudanças, mas a calça e o chapéu escolhidos por Lee Marvin permaneceram com o personagem. As relações de Brooks com Lee seriam um pouco menos amistosas que as relações do diretor com Lancaster.
BATALHA NOS INFERNOS - Richard Brooks completou o elenco principal de “Os Profissionais” com o excelente Robert Ryan, e mais Woody Strode, Jack Palance e Cláudia Cardinale. Depois dos problemas ocorridos com o governo mexicano com as filmagens de “Vera Cruz” e “Sete Homens e um Destino”, Brooks decidiu filmar “Os Profissionais” em diversas locações no próprio Estados Unidos, entre elas o Vale do Fogo, em Las Vegas e o Vale da Morte, na Califórnia. As condições climáticas nesses lugares eram as piores possíveis, indo desde o mais insuportável calor que chegava a 45 graus, até o mais petrificante dos frios, tudo temperado com tempestades e nevascas. Esses ingredientes certamente não iriam diminuir a clara batalha de interpretações que se desenhava no horizonte entre Burt Lancaster e Lee Marvin. Isso jamais fora problema para Lancaster, acostumado a enfrentar (quase sempre vitoriosamente) astros do porte de Gary Cooper, Kirk Douglas, Laurence Olivier e Clark Gable. E Lee Marvin, por sua vez, pouco se importava se diante dele estavam Spencer Tracy, Marlon Brando, Glenn Ford, John Wayne, Montgomery Clift, Paul Newman, Humphrey Bogart ou James Stewart pois Lee de qualquer maneira roubava cenas, quando não o próprio filme. A vida não se avizinhava nada fácil para Richard Brooks.
ULTIMATO PARA LEE MARVIN - “Os Profissionais” foi o derradeiro filme em que Burt Lancaster deu seu característico espetáculo, demonstrando sua incrível agilidade e coragem lembrando, aos 53 anos, o perfeito acrobata circense que havia sido antes de ser ator. Para uma das primeiras sequências rodadas no alto de um penhasco, Lee Marvin apareceu completamente embriagado e Brooks o mandou de volta para o Hotel em Las Vegas. No dia seguinte outra vez Marvin estava bêbado e Burt avisou Brooks que iria pegar aquele irresponsável pelo fundilho das calças e atirá-lo lá de cima. Mais uma vez a produção parou por causa de Marvin. Brooks então o procurou no hotel com uma lata de negativos e explicou a ele que ali estavam os negativos filmados com Lee bêbado em todas as cenas e que isso seria suficiente para processá-lo. Brooks abriu a lata e para espanto de Lee Marvin colocou fogo nos negativos, avisando-o que se ele aparecesse embriagado novamente para filmar estaria despedido.
Jackie Bone penteando Claudia; Betty Marvin com Lee; na entrega do Oscar a diabólica Michelle Triolla; bons tempos de Norma e Burt Lancaster. |
ATENÇÕES PARA LA CARDINALE - A primeira providencia que Lee Marvin tomou foi fazer sua amante Michelle Triolla desaparecer de Las Vegas, retornando para Los Angeles. Michelle já começava a arruinar irremediavelmente a vida de Lee Marvin numa relação que terminou no mais rumoroso processo entre um ator e uma mulher, criando inclusive o conceito jurídico chamado ‘Palimony Law’ ou 'Marvin Law'. Mais discretamente Burt Lancaster caminhava também para o fim de seu casamento e a razão estava presente nos sets de filmagem de “Os Profissionais” e atendia pelo nome de Jackie Bone, a cabeleireira do filme, com quem Lancaster viveria por mais de uma década após consumar o divórcio com a esposa Norma. A presença de Cláudia Cardinale no elenco não causou, ao contrário do que se esperava, maiores problemas com o numeroso grupo de homens presentes às locações. Perfeito cavalheiro e cavaleiro, foi Lee Marvin quem ensinou Cláudia a montar durante as filmagens. A atriz tunisiana que era a eterna noiva do produtor Franco Cristaldi, foi, durante a paralisação das filmagens no Ano Novo de 1966, convidada por Burt Lancaster para passar aquela data festiva em sua casa. Cláudia que era testemunha do romance de Burt com Jackie Bone, testemunhou também os últimos dias do casamento de Lancaster com sua esposa alcoólatra Norma Anderson. No início de janeiro de 1966 seria decretada a separação oficial do casal Lancaster. Burt tinha cinco filhos do casamento desfeito; Lee perdeu para Burt nesse quesito pois tinha apenas quatro filhos com sua esposa Betty, com quem se casara em 1951.
Burt em "A Rosa Tatuada"; Lee em "O Selvagem". |
Estaria o 'The Wild Bunch' combinando uma noitada? |
Brooks com a esposa Jean Simmons. |