Acima Niven Busch; abaixo Anthony Mann e Hal B. Wallis |
O conceito de Anthony Mann crescia sem
parar nos anos 40, mesmo fazendo pequenos excelentes filmes noir em estúdios da
Poverty Row. Ao final da década Mann já era requisitado pelas ‘Majors’ e em
1950 realizou nada menos que três westerns, gênero que passaria a dominar como
nenhum outro diretor. Segundo Jeanine Basinger, biógrafa de Mann, a ordem de
produção desses três faroestes foi “Winchester 73”, “Caminho do Diabo” (Devil’s
Doorway) e por último “Almas em Fúria”, ainda que este último tenha sido
lançado antes que o faroeste estrelado por Robert Taylor. O mais ambicioso dos
três projetos foi sem dúvida “Almas em Fúria” que teve produção de Hal B.
Walllis que esperava repetir o fenômeno de bilheteria de “Duelo ao Sol” (produção
de David O. Selznick). Afinal a história um pouco parecida era de autoria de
Niven Busch, o mesmo autor de “Duel in the Sun”. Consta que foi Wallis quem
insistiu para rodar “Almas em Fúria” em preto e branco, mas certamente Mann
teve opinião preponderante pois gostava e muito da atmosfera noir, o que um
filme em cores dificultava. “Almas em Fúria”, assim como “Caminho do Diabo”,
não foram bem recebidos pelo público, ao contrário de “Winchester 73” que
custou barato e aumentou em muito a conta bancária de James Stewart que
trabalhou por uma substancial porcentagem nos lucros líquidos do filme. A
história de Niven Busch, foi roteirizada por Charles Schnee.
Barbara Stanwyck e Walter Huston |
Um
império em conflito - T.C. Jeffords (Walter Huston) é um
poderoso barão de gado, proprietário de uma vastidão de terras chamada ‘The
Furies’. Viúvo, T.C. tem em sua rebelde filha Vance (Barbara Stanwyck) a única
pessoa capaz de enfrentá-lo. Em comum ambos têm a cupidez e a sede pelo poder.
T.C. tenta expulsar os posseiros de sua propriedade e entre estes está a
família mexicana Herrera. Vance mantém uma relação amorosa com Juan Herrera
(Gilbert Roland), mas se envolve com o jogador oportunista Rip Darrow (Wendell
Corey). T.C. consegue expulsar os Herreras e enforca Juan para tristeza de
Vance. T.C. fica noivo de Flo Burnett (Judith Anderson), igualmente oportunista
e que visa apenas o dinheiro de T.C. Ocorre que o velho barão de gado não
cuidou bem das finanças, emitindo uma moeda própria chamada ‘T.C.’ e se vê em
dificuldades financeiras. Vance agride Flo ferindo-a no rosto e é expulsa de
‘Furies’, o que a leva a se aliar a Rip Darrow, com quem se casa tornando-se o
casal dono de “The Furies”. Ao final a matriarca Herrera (Blanche Yurka) vinga
a morte do filho matando T.C e ‘The Furies’ permanece em poder de uma Jeffords,
a inclemente Vance.
A moeda de T.C. Jeffords |
Gilbert Roland e Barbara Stanwyck; Thomas Gomez e Walter Huston |
Personagens
soturnos - Menos lembrado que outros westerns de Anthony Mann, até
porque tem muito mais de drama noir que propriamente de um faroeste, “Almas em
Fúria” possui um tom de tragédia grega com muitos de seus personagens perversos.
O preto e branco das imagens em sua maior parte sombrias, mesmo quando em
cenários abertos, destacando as silhuetas quase sempre sinistras, realça os
sentimentos raramente nobres. Tanto T.C. quanto Vance não disfarçam a ambição
que os move, enquanto Flo Burnett e Rip Darrow emulam pai e filha com seus
sórdidos interesses. O homem de confiança de T.C. é El Tigre (Thomas Gomez),
tão fiel quanto sádico e sempre pronto a matar para manter os posseiros fora de
‘The Furies’. Nobreza nos personagens deste filme só é encontrada nos humildes mexicanos
que defendem seus direitos com o próprio sangue e, mais que todos, Juan Herrera
que no momento em que é enforcado não quer que Vance se humilhe pedindo
clemência ao pai.
Acima Barbara Stanwyck e Walter Huston; abaixo Huston com Judith Anderson |
Hipocrisia
e cobiça - Vance causa repulsa com suas atitudes, humilhando o irmão
sem personalidade e impondo-se ao pai, este não menos cruel e capaz de promover
o enforcamento do querido amigo da filha. Ao presentear a filha com um colar de
pérolas T.C. ouve desta: “Pérolas
combinam com mulherzinhas lerdas e ingênuas”, definindo o que ela é. Mesmo
assim, como esperar que, num dos mais brutais momentos de um faroeste, Vance
desfigure o rosto da futura madrasta lançando uma tesoura na mulher. Esta
reação ocorre após Flo Burnett sarcasticamente dizer a Vance que tudo o que
quer é uma vida de opulência aproveitando-se da riqueza do homem que vai
desposar. Se Vance e Flo têm muito em comum, assemelham-se igualmente T.C. e
Rip Darrow. Vance amava Juan Herrera, mas o preteriu pelo jogador oportunista
porque a atraia neste a hipocrisia e a cobiça. Nos westerns de Anthony Mann as
mulheres não têm maior destaque, mas com Vance Jeffords o diretor depurou a
maldade feminina.
Gilbert Roland |
Filme
sem heróis - Outro aspecto notável de “Almas em Fúria” são as frases
ambíguas com claras conotações sexuais, pouco comuns em westerns e típicas dos
dramas noir urbanos. Vance diz a Darrow quando estão em uma charrete: “Importa-se se eu a conduzir? Gosto de saber
onde estou indo”, exemplar frase que bem resume o tipo de mulher que ela é.
O fortíssimo personagem do tirânico T.C. Jeffords, último trabalho no cinema de
Walter Huston que faleceu antes do lançamento do filme, não encontra paralelo
em Rip Darrow por culpa exclusiva de Wendell Corey, ator sem o necessário vigor
e cinismo para enfrentar Barbara Stanwyck ou o veterano Huston. Mesmo uma frase
antológica como a que Darrow diz a T.C. (“Você
para de contar mentiras sobre mim e eu paro de dizer verdades a seu respeito”)
perde a dimensão que deveria ter. Exceto pelo cerco de T.C. e seus homens à
elevação onde está a família Herrera, “Almas em Fúria” é um western
praticamente sem ação mas que não deixa de envolver o espectador. A força do
filme está nos personagens e nos diálogos O roteiro consegue fugir da
previsibilidade pois não há heróis no filme, lembrando que Juan Herrera já fora
enforcado. Apenas na sequência final T.C. é morto e o nome Jeffords pode
continuar a existir com a união de Vance e Darrow. Ele que lhe havia dito que
ela “vive com o ódio; ama odiar”.
Barbara Stanwyck e Walter Huston |
Barbara
e Walter magníficos - Anthony Mann deixa facilmente perceber
o admirável diretor que comprovaria ser em seus filmes seguintes (especialmente
os westerns) desenvolvendo com segurança a trama. Muito ajudam no clima criado
em “Almas em Fúria” a fotografia soturna de Victor Milner e a excelente trilha
sonora de Franz Waxman que se inicia ruidosa para aos poucos se adequar às
ações e personagens. Barbara Stanwyck tem uma de suas grandes atuações,
certamente a melhor em um western, mais até que a inesquecível Jessica Drummond
de “Dragões da Violência” (Forty Guns). Walter Huston é daqueles atores que
quando em cena não deixam espaço para os demais com quem contracena. Vigoroso,
altivo e rude como um homem do Oeste deveria ser, divide brilhantemente a tela
com Barbara que se confessou honrada de atuar ao lado de Huston. Judith
Anderson completa o trio de belas atuações num elenco que tem ainda Gilbert
Roland, Thomas Gomez, Wallace Ford coadjuvando. Wendell Corey é a nota
dissonante desperdiçando um papel ótimo com um desempenho fraco.
Barbara Stanwyck |
Almas
furiosas - Dez foram os westerns dirigidos por Anthony Mann entre
1950/1958, excetuando propositalmente “Cimarron” (1960), que ele renegou.
“Almas em Fúria” não chega ao nível de “O Preço de um Homem” (Naked Spurs) ou
“Um Certo Capitão Lockhart” (The Man from Laramie) mas ocupa lugar de destaque
nessa série memorável de faroestes. Niven Busch foi um cowboy de verdade antes
de se tornar escritor e, tivesse ele escrito essa história passando-se numa
cidade, trama urbana, e o resultado seria ainda melhor. Busch deixou-se
seduzir, como foi dito, pelo êxito financeiro descomunal de “Duelo ao Sol”,
acreditando repetir a dose o que não aconteceu. Mann não deu o tom de melodrama
repleto de cartões postais do filme estrelado por Gregory Peck-Jennifer Jones,
preferindo enveredar pelas almas furiosas de seus sombrios personagens. O que
sabe fazer como poucos. Cenários, atmosfera e personagens soturnos assustaram
fãs de faroestes que, apesar dos atrativos que eram os nomes de Barbara e
Huston não prestigiaram como merecia o filme de Mann.
Walter Huston, Barbara Stanwyck e Wendell Corey |