UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

30 de agosto de 2013

NO TEMPO DAS DILIGÊNCIAS (STAGECOACH) – A PRIMEIRA OBRA-PRIMA DO FAROESTE


Exemplar da 'Collier's', de 1937.
Tendo estreado como diretor em 1917, no final dessa década John Ford já havia dirigido 40 filmes, alguns deles curta-metragens de um único rolo. É desse período a célebre parceria entre John Ford e Harry Carey, que interpretava o personagem 'Cheyenne Harry', nos westerns da Universal. E o jovem diretor, que ainda atendia pelo nome de 'Jack Ford', dirigiu os principais mocinhos daquele tempo, entre eles Tom Mix e Buck Jones. Nos anos 20, contratado pela Fox Film Corporation, John Ford consolidou sua reputação como um dos principais diretores norte-americanos e para isso muito ajudaram seus westerns clássicos "O Cavalo de Ferro" (1924) e "Três Homens Maus" (1926). Na década de 30 John Ford se afastou dos faroestes e na 20th Century-Fox era o diretor favorito do homem forte do estúdio, Darryl F. Zanuck. E não era para menos, pois os filmes de Ford eram sempre bem recebidos pela crítica e mais ainda pelo público. Mas para fugir do jugo do 'boss' da Fox, o contrato de Ford permitia que ele dirigisse eventualmente para outros estúdios. E foi na RKO que John Ford realizou "O Delator" (1935), que lhe valeu o Oscar de Melhor Diretor. Ávido devorador de pequenas histórias, John Ford leu numa edição da revista semanal ‘Collier’s’, em 1937, a história "Stage to Lordsburg", de autoria de Ernest Haycox. Ford gostou tanto da história que comprou do autor os direitos cinematográficos, pagando por eles 2.500 dólares. Ford decidiu que era hora de retornar aos westerns, gênero que não filmava há 12 anos, desde quando dirigiu "Três Homens Maus".

 
Original de "Stage to Lordsburg", que virou roteiro de Dudley Nichols.
Ernest Haycox
Ninguém mais gosta de faroestes - John Ford levou a história de Haycox a Darryl F. Zanuck que respondeu ao diretor que de forma alguma produziria um faroeste e se recusou até a ler a história. Zanuck disse a Ford que havia três projetos de filmes no estúdio esperando por ele e os títulos desses filmes eram "A Mocidade de Lincoln", "Vinhas da Ira" e "Como Era Verde o Meu Vale" (Zanuck acrescentaria a essa lista “Ao Rufar dos Tambores”). O que Ford queria mesmo naquele momento era desenvolver seu próprio projeto baseado em "Stage to Lordsburg", o que o fez procurar Jack Warner. O chefão da Warner Bros. disse ao diretor que o público não queria mais ver faroestes pois eles eram coisa do passado. Curiosamente, na escassez de faroestes ‘A’ que foi a década de 30, no ano de 1939 tanto a Fox com “Jesse James”, quanto a Warner com “Uma Cidade que Surge” e “A Lei do Mais Forte”, produziram westerns simultaneamente ao filme que Ford queria fazer. O produtor independente David O. Selznick se interessou em produzir o faroeste para John Ford, mas queria Gary Cooper e Marlene Dietrich nos papéis principais. Ford percebeu que se o filme fosse produzido por Selznick não seria aquilo que ele sonhava pois o arrogante produtor tiraria do faroeste a simplicidade sempre presente nos filmes de Ford. Ainda bem que Selznick estava envolvido com “E o Vento Levou” e se esqueceu do projeto baseado na história de Ernest Haycox. Como acreditava muito no potencial do projeto, John Ford não desistiu e depois de bater às portas de outros estúdios sem nenhum resultado prático, recebeu proposta do produtor independente Walter Wanger.


Pôster francês de
"No Tempo das Diligências".
Salários rebaixados - Walter Wanger ainda não havia conseguido, como produtor independente, produzir um filme de real êxito e confiou na quase infalibilidade de John Ford em dirigir sucessos. Wanger avisou, porém, que o dinheiro que ele investiria no filme não seria nenhuma fortuna. Wanger disponibilizou 562 mil dólares para a produção. Diante da situação, o próprio John Ford rebaixou seu salário de 75 mil dólares que cobrava para dirigir um filme, aceitando trabalhar por 50 mil dólares apenas. O roteirista Dudley Nichols se contentou com 20 mil dólares e para compor o elenco a quantia destinada foi de apenas 65 mil dólares. O maior salário entre os intérpretes principais foi o de Claire Trevor, primeiro nome do elenco, que recebeu 15 mil dólares. Atriz com 30 filmes no currículo, Claire não era uma grande estrela. Thomas Mitchell, por sua vez, recebeu 12 mil dólares. A princípio John Ford queria Ward Bond como o cocheiro ‘Buck’, mas como Bond não conseguia conduzir uma diligência puxada por seis cavalos, o papel ficou para Andy Devine que recebeu 10.600 dólares. Louise Platt recebeu 8.500 dólares; George Bancroft 8.250 dólares; Donald Meek 5.400 dólares; Tim Holt 5.000 dólares; Berton Churchill 4.500 dólares; John Carradine 3.650 dólares. O produtor Wanger chegou a sugerir os nomes de Joel McCrea e de Bruce Cabot para interpretar o procurado pela justiça 'Malpais Bill', mas John Ford impôs John Wayne, seu amigo pessoal e que estava escolhido pelo diretor desde o início do projeto. Wayne, que ganhava 460 dólares semanais como contratado da Republic Pictures, recebeu 3.000 dólares por sua participação, mesmo sendo o segundo nome do elenco, atrás somente de Claire Trevor.

Enos Edward Canutt, o grande Yakima.
Um amigo chamado Enos - Tendo atuado por muitos anos nas pequenas companhias produtoras de westerns B, como a Mascot, Monogram e Republic, Wayne falava muito de seu amigo e companheiro de faroestes Yakima Canutt a John Ford. O Duke disse ao diretor que Yakima era imbatível no trabalho de stuntman. Para surpresa de Wayne e de Canutt, Ford os convidou para ir ao seu escritório e lá recebeu o dublê cumprimentando-o: "Olá, 'Enos'. Tudo bem com você?" Surpreso por ser assim chamado, Yakima percebeu que Ford estava bem informado sobre ele já que seu nome verdadeiro era Enos Edward Canutt. As proezas que ‘Yak’ realizava nos faroestes B iriam finalmente chegar ao grande cinema. Ford queria contar com Yakima como ator, dublê e diretor de 2.ª unidade para as cenas de ação que surpreenderiam o mundo. Com filmagens previstas para durar 47 dias e com início programado para 31/10/1938, Ford juntou-se então a Dudley Nichols.

Adaptação de “Bola de Sebo” - O escritor francês Guy de Maupassant escreveu o conto “Bola de Sebo” em 1880, quando estava com 30 anos de idade. Maupassant morreria em um manicômio 13 anos depois. “Bola de Sebo” conta a história passada durante a Guerra Franco-Prussiana, com uma carruagem tentando atravessar a fronteira entre a França e a Prússia. Entre os aristocratas passageiros franceses estava a nada aristocrata e gorda prostituta Elizabeth Rousset. Desprezada pelos demais passageiros, recebendo o indecoroso apelido de ‘Boule de Suif’ (Bola de Sebo), Elizabeth acaba sendo a responsável pelo salvo-conduto obtido pelo grupo para prosseguir viagem, ao preço de dormir com o oficial prussiano. Ernest Haycox, com o título "Stage to Lordsburg", adaptou o conto de Maupassant para o Velho Oeste, numa viagem entre Tonto (Arizona) e Lordsburg (Novo México). Na história de Haycox a prostituta chama-se Henriette, é dona de um bordel em Lordsburg e durante o longo trajeto se apaixona pelo vagabundo Malpais Bill. Este pretende, em Lordsburg, vingar a morte de seu pai e seu irmão. Na boléia da diligência está o cocheiro Happy Stuart e o auxiliar armado John Strang. O grupo de passageiros da diligência, todos sem nome, é formado pela esposa de um oficial da Infantaria, um jogador, um vendedor de uísque, um criador de gado e um inglês.

Andy Devine e George Bancroft.
Nomes aos personagens - O roteirista Duddley Nichols que era o preferido de John Ford foi o responsável por transformar "Stage to Lordsburg" em roteiro cinematográfico, simplificando o título para “Stagecoach”, mantendo o trajeto original. Nichols alterou os nomes dos personagens principais e deu nome aos demais. Malpais Bill virou Ringo Kid (John Wayne); Henriette passou a se chamar Dallas (Claire Trevor); o guarda de diligência passou a xerife de Tonto com o nome Curley Wilcox (George Bancroft); o cocheiro virou Buck Rickabaugh (Andy Devine); a esposa do oficial ganhou o nome de Lucy Mallory (Louise Platt); o jogador Hatfield (John Carradine); o vendedor de uísque Samuel Peacock (Donald Meek); o criador de gado foi transformado no banqueiro Elsworth Gatewood (Berton Churchill) e foi criado o médico Dr. Josiah Boone (Thomas Mitchell).

O médico bêbado-filósofo e a prostituta.
Vingança, hipocrisia e amor - Dallas e Dr. Boone são expulsos de Tonto porque seus comportamentos ofendem a moral e os bons costumes preservados com rigor pela Liga da Lei e da Ordem da cidade. No trajeto o procurado pela justiça Ringo Kid agrega-se ao grupo na condição de capturado por Curley mas com o objetivo único de chegar a Lordsburg e concretizar sua vingança. De início parte do grupo, exceto Ringo e Dr. Boone, discrimina Dallas e o mais exacerbado é o banqueiro Gatewood que havia fugido de Tonto com todo dinheiro do banco da cidade. Quando, porém, Lucy dá à luz prematuramente quem salva mãe e criança são os dois rejeitados pelo grupo, exatamente Dallas e Dr. Boone. O parto é feito em Apache Wells, um posto de troca de cavalos. A admiração de Ringo por Dallas aumenta e passa a ser recíproca, ainda que ela tema que Ringo descubra seu passado. Os apaches liderados por Gerônimo estão em guerra e atacam a diligência que conta com a habilidade e coragem de Ringo Kid para defender o veículo e seus passageiros. Hatfield é ferido mortalmente enquanto o cocheiro Buck e Peacock são também feridos mas sobrevivem. Quando o extermínio do grupo parece iminente ouve-se o trompete da Cavalaria que se defronta com os apaches, dispersando-os. Em Lordsburg Ringo Kid enfrenta e mata, com as três balas de carabina que lhe restaram, os irmãos Plummer. O xerife Curley permite que Ringo e Dallas sigam juntos para um novo caminho comum em suas vidas, longe da hipocrisia humana.

John Wayne e Claire Trevor.
Um único vilão - O brilhante roteiro de Dudley Nichols discute os conflitos entre as diversas classes sociais reunidas na diligência. A soberba da jovem Lucy; a cobiça e desonestidade do banqueiro; a altivez e o orgulho do sulista Hatfield derrotado na Guerra de Secessão, que sucumbem à visão de uma dama verdadeira que ele não encontra nos meios e que frequenta. Deles, só mesmo Gatewood é um vilão, seja pelo crime praticado, seja pela doentia superioridade que julga possuir. A maioria dos passageiros são seres humanos com mais qualidades, como o xerife Curley, cuja experiência o faz acreditar na inocência de Ringo. Peacock, o vendedor de uísque é o menos interessante dos personagens mesmo porque é difícil crer que um homem tão frágil e inseguro rode o Oeste como sua profissão obriga. O simpático e beberrão médico-filósofo Dr. Boone é uma das grandes criações de John Ford, tanto que seria usado em muitos outros filmes do Mestre. Ringo Kid, o herói da aventura nos conquista por sua inocência e pelo caráter como ao se solidarizar com Dallas. E mais que todos, é Dallas a personagem principal, a mais comovente, a que sofre a dor da odiosa discriminação. O amor entre ela e Ringo nasce de forma sublime sob a mágica direção de Ford. E “No Tempo das Diligências” acaba sendo um faroeste também para as mulheres.

Início da perseguição pelos apaches à
diligência, filmada no Deserto de Mojave.
Recursos de filme B - O que mais marca o espectador em “No Tempo das Diligências” é o esplendoroso cenário no qual aparentemente transcorre a maior parte da história. Este western foi o primeiro filme com sequências filmadas no Monument Valley, para onde John Ford retornaria inúmeras vezes para filmar outros westerns nos próximos 25 anos. No entanto poucos membros do elenco estiveram de fato naquele local pois somente algumas cenas foram lá rodadas. Ford usou bastante o recurso de back-projection, com os atores à frente de uma tela na qual era projetado o Monument Valley. A própria sequência da frenética perseguição dos apaches à diligência foi filmada em Lucerne Dry Lake, no Deserto de Mojave, na Califórnia. Mas espertamente Ford pontuou o filme todo com as tomadas feitas no Monument Valley com a diligência em movimento, como se nela estivessem os passageiros. A cidade de Tonto era uma rua do Velho Oeste nos estúdios da Republic Pictures, enquanto as sequências em Lordsburg foram filmadas nos estúdios de Samuel Goldwyn. A diligência usada era do modelo Concord, na cor marrom e que por mais de 50 anos transportou passageiros na linha El Passo-San Diego.

John Wayne como Ringo Kid.
A entrada em cena de John Wayne - John Ford não ficou satisfeito com a entrada de Ringo Kid em cena, achando-a fraca. Após o filme concluído, Ford convocou John Wayne para refazer a cena à frente de um cenário em back-projection. Foi quando teve a idéia de Ringo Kid rodar seu rifle criando um impacto visual que nunca mais seria esquecido. Inesquecível também a participação de Yakima Canutt em duas sequências da perseguição à diligência. A primeira quando ele como um apache salta sobre os cavalos e acaba caindo entre as parelhas. 20 anos mais tarde Yakima repetiria o feito numa quadriga em “Ben-Hur”, épico em que foi diretor de segunda unidade. A segunda espetacular cena de ação é quando Ringo Kid (John Wayne substituído por Yakima) salta da boléia sobre as parelhas para deter a diligência desgarrada. Yakima já havia feito o mesmo no western B “O Cavaleiro do Destino”, estrelado por John Wayne, em 1933. John Ford foi mais econômico no confronto entre Ringo Kid e os irmãos Plummer, sequência filmada à noite e que o diretor preferiu rodar de forma rápida e discreta. “No Tempo das Diligências” é um faroeste com brilhantes sequências de ação, mas nunca antes e poucas vezes depois o gênero produziu um filme que expusesse de forma tão admirável e profunda tantos personagens em admiráveis interpretações.

Yakima Canutt em ação; na última foto é John Wayne, claro.

Thomas Mitchell
Mestre da Psicologia - Mestre da arte fílmica, John Ford era também um mestre da Psicologia. São conhecidas as histórias de como John Ford tratava John Wayne durante as filmagens humilhando o ator. O pobre e inexperiente Duke (até então só fazia westerns B) estava cercado por excepcionais atores, alguns deles com experiência de palco, o que mais fazia com que aumentasse sua insegurança. À noite, após as filmagens, Wayne tomava aulas com seu orientador Paul Fix, repetindo os poucos diálogos que teria no dia seguinte. Mesmo assim Ford o insultava cada vez com maior sadismo. Isso fez com que todo o elenco se solidarizasse com Wayne, ajudando-o nas cenas nas quais participavam. Quando Ford percebeu isso, disse ao ator: “Duke, você está indo muito bem!” E, de fato, o jovem John Wayne reestreou no cinema A com uma boa atuação. Thomas Mitchell recebeu um merecidíssimo Oscar de Ator Coadjuvante por sua atuação em “No Tempo das Diligências”, numa criação soberba como o médico bêbado. Claire Trevor magnífica como a terna prostituta. John Ford conseguiu extrair de cada um dos atores interpretações irrepreensíveis.

O mais influente faroeste - O historiador de cinema William K. Everson escreveu certa vez que o problema dos faroestes era serem eles comparados aos westerns de John Ford, o que tornava irremediavelmente menor qualquer outro faroeste. O mesmo pode ser dito em relação a “No Tempo das Diligências”, uma vez que Ford realizou filmes tão magníficos que este seu western de 1939 parece menor diante de suas obras-primas do gênero. Mas “No Tempo das Diligências” é não só uma obra-prima, como o mais influente faroeste do cinema, servindo de modelo em sua trama e sequências a centenas de filmes. É isso que causa a sensação de parecer um clichê a chegada salvadora da Cavalaria, que se tornou das mais imitadas do cinema. Inimitável, porém, é o poético estilo narrativo de John Ford, dando uma humanidade profunda aos seus personagens e criando sequências de rara beleza cênica. “No Tempo das Diligências” foi refilmado em 1966 por Gordon Douglas e a 20th Century-Fox, para não passar vergonha, conseguiu que o filme de Ford não mais fosse exibido por alguns anos, o suficiente para a refilmagem atrair público sem parâmetro de comparação.

Pôster da versão de 1966; a versão
francesa; a versão para a TV.
Escore musical inventivo - “No Tempo das Diligências” tem uma portentosa fotografia e lamenta-se que os 30% que encareciam um filme em Technicolor impediram que o faroeste de Ford fosse ainda mais deslumbrante no trabalho do diretor de fotografia Bert Glennon. Completa a magnificência de “No Tempo das Diligências” a criatividade do maestro Richard Hageman que compôs a trilha musical utilizando uma dúzia de temas bastante conhecidos, entre eles “Shall We Gather at the River”, “Joe the Wrangler” e “Jeannie with the Light Brown Hair”. Além do Oscar de Thomas Mitchell, “No Tempo das Diligências” recebeu também um Oscar de Melhor Score Musical, empatado com o musical “O Mágico de Oz”. E que ninguém esqueça que o ano-base dessa premiação foi 1939, até hoje considerado o melhor ano do cinema. Houve uma versão de “Stagecoach” feita para a TV, estrelada por Kris Kristofferson (Ringo Kid), Johnny Cash (Xerife Curley) e Waylon Jennings (Dr. Boone). E conseguiram um lugar na diligência parae Willie Nelson interpretando Doc Holliday. Partindo do conto de Guy de Maupassant, “No Tempo das Diligências” retornou à França como modelo para “Anjo Pecador” (Boule de Suif), em 1945, filmado por Christian-Jacque e estrelado por Micheline Presle. Embora passado no período da guerra Franco-Prussiana, o filme copia quase cena a cena o filme de John Ford. Só faltaram os apaches.

John Ford e os atores num set de filmagem.
“John Ford, John Ford e John Ford” - Sobre “No Tempo das Diligências”, o crítico francês André Bazin escreveu que o filme era “um exemplo ideal de maturidade de estilo elevado à perfeição clássica”. A sisuda Pauline Kael, tão econômica em elogios, afirmou que “todo bom western feito após 1939 ou imitou “No Tempo das Diligências” ou dele tirou lições”. Orson Welles, em 1966, solicitado a dizer quem eram seus diretores preferidos respondeu: “John Ford, John Ford e John Ford”. Ainda que não fosse a obra-prima que é, “No Tempo das Diligências” seria importante por ser o primeiro western a usar o Monument Valley como cenário e, mais que isso, por ter catapultado John Wayne ao estrelato. Sem interpretar Ringo Kid, o mocinho dos ‘Bs’ John Wayne chegaria logo ao ostracismo que engoliu Bill Elliott, Charles Starrett, Rocky Lane e tantos outros. Mas começava ali a mais brilhante carreira de um ator no cinema norte-americano e para sorte nossa, um ator de faroestes. Obrigado por isso, John Ford!


21 de agosto de 2013

FALECE JOÃO SALGADO, UM AMIGO DO WESTERNCINEMANIA


Faleceu no dia 2 de agosto último um dos nossos mais queridos seguidores, o cinéfilo João Salgado. Conheci João Salgado em 1992 na Confraria dos Amigos do Western, em São Paulo e era ele aquele tipo de personagem inconfundível. Alto, corpulento e com um humor afiadíssimo, mesmo sendo pessoa discreta, Salgado jamais passava despercebido. Nos tornamos bons amigos, posso assim dizer, iniciando um intercâmbio de mão única no empréstimo de filmes. Salgado já possuía o maior acervo pessoal de fitas VHS e colaborou para que minha pequena coleção crescesse rápida e enormemente. Todos os sábados trocávamos sacolinhas com dez filmes, ele me trazendo fitas em VHS que eu lhe pedia e eu as devolvendo, tudo isso devidamente inspecionado por Fausto Canova, o famoso radialista. Canova era um dos melhores amigos de João Salgado, ambos apaixonados por jazz. Eu escolhia os filmes do acervo de João Salgado a partir de disquetes (estávamos no início dos anos 90) que ele me forneceu com a relação dos filmes que gravava nos canais de assinatura, relação de filmes que aumentava diariamente.

Música, outra grande paixão de João Salgado.
Sete homens e um Alfa-Romeu - João Salgado era extremamente generoso pois emprestava seus filmes enquanto outros colecionadores da confraria trancavam a sete chaves suas ‘raridades’. Havia ainda aqueles que se dedicavam ao lucrativo comércio de filmes gravados em VHS. Quando completei 50 anos, em 1994, decidi comemorar com alguns amigos, convidando-os para algumas pizzas na tradicional ‘Pizzaria Castelões’, no bairro do Brás. A mesa composta por mim, João Salgado, Clóvis Ribeiro, Achilles Hua, Jorge Cavalcanti, Sérgio Pereira, Lázaro Narciso, Carlos Jorge Mubarah e Jáder Jesus Donato era dominada pela figura de João Salgado que discorria com propriedade absoluta sobre música (especialmente as big-bands) e cinema. Salgado tinha preferência pelos filmes noir e ninguém conhecia melhor que ele os policiais dos anos 30, 40 e 50. Ao final daquela noite, João Salgado após se despedir entrou em seu automóvel Alfa-Romeu que se recusou a responder à partida. A cômica cena que se seguiu, típica de um filme de Mário Monicelli, teve os sete amigos (Mubarah com dores na coluna só torcia) empurrando o enorme e pesado carro importado que, após pegar no tranco, seguiu pela escura Rua Jairo Góes com destino a São Caetano do Sul, onde Salgado residia.

João Salgado em seu escritório,
em foto de 1995.
Três gravações simultâneas - Certa ocasião eu e Clóvis Ribeiro fomos ao escritório de João Salgado para uma entrevista que o amigo cinéfilo daria para a revista ‘Fancine’. A entrevista seria publicada na seção Clube dos Colecionadores daquela revista. O escritório de Salgado era, de fato, um belo apartamento transformado em escritório e onde Salgado gravava seus filmes, com até três gravadores JVC de última geração em funcionamento simultâneo. O local ficava no 6.º andar de um prédio na Rua Almirante Pestana, travessa da Avenida Dom Pedro I, próximo ao Museu do Ipiranga. E era lá que o Professor João Salgado, engenheiro eletricista, elaborava os complexos projetos elétricos para grandes obras. Isto além de lecionar na Escola de Engenharia Mauá e na Faculdade de Tecnologia de São Paulo, no bairro da Luz. Pouco depois dessa entrevista João Salgado viu-se obrigado a se afastar do convívio dos amigos do CAW em razão de problemas cardíacos que resultaram num transplante de coração, cirurgia realizada em 1996.


Contatos recentes - Nunca mais revi João Salgado, até que num dia de 2012 atendi o telefone e do outro lado alguém respondeu: “Aqui quem fala é o Sombra...”. Imediatamente reconheci que era João Salgado com sua forma única de se identificar ao telefone. A troca de coração em nada alterou o humor de João Salgado que me parabenizou pelo WESTERNCINEMANIA dizendo que era seguidor do mesmo. João contou que se locomovia há tempos em uma cadeira de rodas, mas que isso não o impedia de acessar o que lhe interessava na Internet e também de continuar assistindo e gravando filmes. A coleção já estava, segundo Salgado, ao redor dos 30 mil filmes. Convidei João para colaborar com o blog através da seção Top-Ten Westerns, tendo ele aquiescido prontamente. Em nossas conversas por telefone, João Salgado me convidou diversas vezes para visitá-lo em sua casa no Bairro Barcelona, em São Caetano do Sul. Nas duas vezes em que tentei visitar João Salgado ele se encontrava internado em hospital, ocasiões em que conversamos por telefone. Uma pena que não tenha sido pessoalmente pois seria uma enorme alegria rever o amigo Salgado. Seu falecimento o afasta de vez dos amigos, mas a pessoa inteligente, generosa e bem-humorada de João Salgado, esta nunca será esquecida.

Abertura do Top-Ten Westerns de João Salgado, publicado no WESTERCINEMANIA
em março de 2013 e que vale à pena ser revisto.

19 de agosto de 2013

OS 70 ANOS DO GRANDE ‘MOCINHO’ BRASILEIRO JORGE CAVALCANTI ARAÚJO FILHO


A Confraria dos Amigos do Western (CAW), fundada em São Paulo pelo Doutor Aulo Barretti, possuiu alguns ‘mocinhos’ dignos de figurar em faroestes hollywoodianos. O próprio ‘Doc’ Barretti faria bonita figura cavalgando ao lado de seu ídolo Buck Jones. E Umberto ‘Hoppy’ Losso e Lázaro ‘Kid Blue’ Narciso Rodrigues, outros dois ‘mocinhos’ da confraria, são as mais perfeitas homenagens a Hopalong Cassidy e a Roy Rogers, seus heróis preferidos dos faroestes. Um único cowboy daquele inesquecível grupo de apaixonados por westerns transformava o trio em quarteto. Falo de Jorge Cavalcanti Araújo Filho, o ‘George Tyler’, assim chamado por seu respeito e carinho pelo seu ídolo maior que foi Tom Tyler.

O Quarteto de Ouro: Doc Barretti, Kid Blue, Hoppy Losso e George Tyler.

Tom Tyler
Jorge se destacava no grupo não apenas por suas bem elaboradas vestimentas, mas, e principalmente, por sua simpatia e poder de comunicação, qualidades às quais acrescentava sua admirável musicalidade. Embora gostasse de Tom Tyler mais que de qualquer mocinho, nas reuniões da confraria Jorge se identificava mesmo era com cowboys-cantores como Rex Allen, Gene Autry, Roy Rogers, Tex Ritter, Ken Curtis, Whip Wilson, Ken Maynard e Eddie Dean. E a voz de Jorge Cavalcanti, se assemelha muito à voz de Eddie Dean, célebre autor e intérprete da clássica canção “I Dreamed of a Hillbilly Heaven”. Vestido de mocinho e empunhando seu violão, Jorge com a sua bela voz tornava ainda mais alegres os festivos encontros da confraria.

Bob Nelson
Praticamente todos os órgãos de imprensa entrevistaram o CAW alguma vez e nessas ocasiões Jorge Cavalcanti, ou George Tyler, era naturalmente o escolhido pelos entrevistadores. E se a repórter fosse uma mulher, esta percebia a galanteria do cowboy Jorge que com sua verve e eloquência delineava clara e minuciosamente o que vinha a ser aquela inusitada confraria. E o fecho das matérias era invariavelmente o mesmo, com Jorge fazendo-se acompanhar por seu afinado violão e relembrando músicas clássicas de cowboys. Nessas ocasiões Jorge nunca deixava de cantar um dos números de Bob Nelson, o mais famoso cowboy-cantor brasileiro.


Abençoado com esse talento musical, Jorge tornou-se um requisitado seresteiro, abrilhantando programas variados, de casas noturnas a festas em geral. E quando a oportunidade surge, Jorge se apresenta nas TVs que ainda abrem espaço para serestas, samba-canções, valsas e modinhas. Ouvir Jorge Cavalcanti é se deslumbrar com as composições de Lupicínio Rodrigues, Herivelto Martins, Cartola, Noel Rosa e tantos outros compositores imortais. E se na platéia houver algum fã de faroestes, Jorge canta suas composições “Voltei à Sela Novamente” e “Esconderijo de Heróis”, canções que falam dos mocinhos da tela. No dia 20 de agosto de 2013 a seresta paulistana e o pequeno universo do faroeste brasileiro estão em festa pois Jorge Cavalcanti completa 70 anos de idade. Foram sete décadas bem vividas, com muita arte e conservando dentro de seu coração o amor pelo faroeste, gênero de filmes que aprendeu a amar ainda criança no pequeno cineminha de Brejão, sua terra natal, em Pernambuco. Parabéns e muitas felicidades, Pardner George Tyler.


15 de agosto de 2013

ESTANTE DE FAROESTE - “PAPPY – A VIDA DE JOHN FORD” – LIVRO ESCRITO POR DAN FORD


John Ford foi um dos grandes artistas do século passado, englobadas todas as modalidades de expressão artística. Ford foi um dos maiores diretores que o cinema conheceu e, sem nenhum outro a lhe fazer sombra, o mais importante diretor de faroestes. Ama-se e estuda-se os filmes de John Ford, porém pouco se sabe de sua vida pessoal, a não ser da rudeza de seu temperamento e da dificuldade de com ele conviver aceitando seus modos ou a falta deles. Muitos e excelentes livros foram escritos sobre o ‘Homero das Pradarias’, mas quase todos preocupados em analisar sua incomparável obra cinematográfica. Avesso a entrevistas, o pouco que se escreveu sobre a vida de John Ford foi baseado em depoimentos daqueles que com ele trabalharam e raros amigos pessoais que sobreviveram a ele.

O livro de Carey Jr.
Reminiscências familiares - Um bom livro sobre o homem John Ford foi escrito por Harry Carey Jr. e teve o apropriado título de “Company of Heroes – My Life as an Actor in the Ford Stock Company”. Harry Carey Jr. era afilhado de John Ford e conta nesse livro alguns episódios passados nos bastidores dos filmes em que foi dirigido por Ford. Porém ‘Dobe’ Carey não conseguiu penetrar na intimidade do ‘Coach’ (Ford), como o chamava John Wayne. Antes do livro de Carey Jr., Dan Ford, neto de John Ford (filho de Patrick Ford), havia reunido lembranças de seu avô. Dan Ford nasceu em 1945 e estava com 28 anos quando John Ford faleceu em 31 de agosto de 1973. As reminiscências familiares vieram também de seu pai Patrick Ford, de sua tia Barbara Ford (os dois únicos filhos de John Ford) e de sua avó Mary Ford. A esposa de John Ford faleceu em 1979, mesmo ano do lançamento da 1.ª edição de “Pappy – The Life of John Ford”.

Katharine Hepburn em "Mary Stuart,
a Rainha da Escócia".
John Ford e Kate Hepburn - Dan Ford escreveu seu livro numa linguagem simples que certamente seu avô aprovaria. Linguagem fácil que um estrangeiro que domine minimamente a Língua Inglesa consegue entender. Paralelamente às lembranças do avô, Dan Ford relata de maneira precisa como funcionava a indústria cinematográfica desde seu início, que coincide com o trabalho de Francis Ford, irmão de John Ford. O texto de Dan avança pelo cinema falado e as mudanças ocorridas com a afirmação dos grandes estúdios e o surgimento dos ‘moguls’ (chefes de estúdio). Um dos capítulos mais interessantes relata as batalhas de John Ford com Darryl F. Zanuck, a quem o diretor chamava de ‘Darryl F. Panic’. Essa leitura permite entender quais foram os filmes mais pessoais de John Ford e quais os filmes que Ford dirigiu segundo as imposições de Zanuck para a 20th Century-Fox. Dan Ford relata ainda a tempestuosa paixão entre John Ford e Katharine Hepburn, nascida durante as filmagens de “Mary Stuart, a Rainha da Escócia”, em 1936.

O 'Coach' e o 'Duke'.
Passeios no ‘Araner’ - As bebedeiras com Ward Bond, John Wayne, Grant Withers e outros amigos próximos de John Ford que com ele participavam de cruzeiros no iate ‘Araner’, de propriedade do diretor também são relatadas. Para os fãs de faroestes, que naturalmente são fãs de John Wayne, é saboroso saber o quanto Ford torturou o ator, numa dessas viagens no ‘Araner’, antes de definir o jovem Duke como o intérprete de ‘Ringo Kid’ em “No Tempo das Diligências”, filme que mudou a carreira de Wayne e que mudou a imagem do próprio western. O livro conta também, em detalhes, a discussão com Henry Fonda durante as filmagens de “Mr. Roberts” e que culminou com Ford agredindo Fonda com um soco. Essas histórias são narradas de forma discreta e distante de qualquer intenção sensacionalista, porque são histórias que o leitor tem prazer em saber.

Acima Ford com
Peter Bogdanovich.
A sorte de Peter Bogdanovich - O livro de Dan Ford dedica, como não poderia deixar de ser, um capítulo inteiro à participação de John Ford na II Guerra Mundial como Capitão da U.S. Navy. O declínio artístico e físico de John Ford são as páginas mais tristes da biografia até o ‘the last hurrah’ do diretor de “Rastros de Ódio”. Após a aposentadoria de John Ford, dezenas de escritores e estudantes receberam sonoros ‘não’ nas tentativas de entrevistar John Ford. Somente conseguiram falar com o diretor o escritor Joseph McBride e Peter Bogdanovich. McBride é o autor de “Searching for John Ford” e que relatou a insuportável irascibilidade do diretor. Peter Bogdanovich teve mais sorte e obteve a maior entrevista que John Ford deu em toda sua vida e que resultou em um livro e um documentário intitulados respectivamente “John Ford” e “Directed by John Ford”. No entanto, Bogdanovich não conseguiu saber mais do homem que entrevistou. Para aqueles que conhecem a obra cinematográfica do Mestre e pretendem saber mais sobre o Homem John Ford, o livro “Pappy – The Life of John Ford” é essencial. Lançado pela Capo Press, essa obra tem 340 páginas, dezesseis delas sem texto com fotos em preto e branco. O livro foi impresso no tamanho 15x23 cm e traz na capa uma foto dos bastidores do filme “A Paixão de uma Vida” com John Ford conversando com Tyrone Power.



13 de agosto de 2013

WESTERNTESTEMANIA N.º 24 - FILMES COM DILIGÊNCIAS


As diligências cortaram o Oeste sempre expostas aos perigos.
E muitos faroestes são lembrados por belas sequências com aqueles
veículos puxados por quatro ou seis cavalos. Mostre seu conhecimento
sobre westerns com diligências respondendo às perguntas abaixo: