UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

14 de fevereiro de 2020

DUELO DE AMIGOS (DRAW) – KIRK DOUGLAS BRILHA EM SEU ÚLTIMO WESTERN



Kirk Douglas fazendo
malabarismos com
seu Colt
Nos áureos tempos de Hollywood os grandes astros e estrelas normalmente se recusavam a atuar em produções feitas para a TV. Mas tudo sempre muda e a televisão acabou sendo uma possibilidade alternativa de trabalho, por vezes, até mais rentável que o próprio cinema. Lee Marvin, Rock Hudson, Tony Curtis e tantos outros atores famosos se renderam à telinha. Afora aparições especiais, Kirk Douglas participou pela primeira vez de um TV-movie em 1974, protagonizando Dr. Jekyll e Mr. Hyde em uma versão televisiva da história de Robert Louis Stevenson. Dois anos depois Douglas atuou em “Vitória em Entebbe”, um TV-movie que foi também exibido nos cinemas certamente porque no elenco estavam, além de Kirk Douglas, Burt Lancaster, Elizabeth Taylor, Linda Blair e um ator inglês ainda não tão conhecido de nome Anthony Hopkins. Para a televisão Douglas faria em seguida “Lembranças de um Amor”, sobre o holocausto, atuando com seu filho Eric Douglas. E em 1983 a HBO produziu o western “Draw!” que reuniria mais uma vez Kirk Douglas e Burt Lancaster. Porém Lancaster adoeceu e foi substituído por James Coburn no filme (exibido em 1984) que teve o canadense Steve Hilliard Stern como diretor, western escrito por Stanley Mann. As locações foram feitas em Alberta, no Canadá e no Brasil esse faroeste recebeu no Brasil o título de “Duelo de Amigos” isto quando por aqui apareceu em DVD. Circula também uma cópia com o título “Um Homem para a Forca”.


Kirk Douglas e James Coburn
O confronto entre homens lendários - Harry Holland (Kirk Douglas) é um pistoleiro que tem o apelido de ‘Handsome’ (Bonitão) e que, após cumprir pena em uma prisão, chega a Bell City. No saloon local Holland participa de uma rodada de pôquer e com a aposta elevada ele apresenta um Straigth Flush na mão vencendo Reggie Bell (Derek McGrath), filho do homem mais rico da cidade. Inconformado por perder Reggie acusa o oponente de trapacear e saca contra Holland que é mais rápido e o desarma. Tentando reaver a soma perdida Reggie pede ajuda ao xerife e defrontam-se com Holland que, novamente em legítima defesa, mata o xerife. Holland é impedido de sair da cidade e permanece num quarto de hotel mantendo uma atriz Bess (Alexandra Bastedo) como refém. Bess se torna amiga de Holland e todos em Bell City passam a temer o pistoleiro. O assistente de xerife Wally Blodgett (Graham Jarvis) e o prefeito sabem que somente Sam Starrett (James Coburn) é um homem capaz de enfrentar e prender Holland. Wally então vai ao encontro do decadente Starrett, em uma outra cidade. Starrett, que faz qualquer coisa por um drinque e ele e Holland são velhos conhecidos. Starrett aceita a missão pela qual cobra dois mil dólares e chega a Bell City prender ou mesmo matar Holland. Starrett primeiro conversa com Holland no hotel, ocasião em que os dois combinam participar de um duelo para resolver a questão. No confronto Starrett mata Holland e em seguida leva o corpo do pistoleiro para enterrá-lo em outro local. No caminho, já distante de Bell City, descobre-se que o duelo não passou de uma farsa com os dois velhos pistoleiros enganando toda a cidade.

James Coburn e Graham Jarvis
Duelo e gargalhadas - A história de “Duelo de Amigos” não deixa de lembrar o clássico “Galante e Sanguinário” (3:10 to Yuma), de Delmer Daves, baseado em texto de Elmore Leonard, não falatndo sequer o trem chegando a Bell City para criar maior suspense. A grande diferença é que “Duelo de Amigos” tem um tom de western-comédia, o que deixa Kirk Douglas bem à vontade, ele que poucos anos antes havia feito “Cactus Jack, o Vilão”, outro western-comédia. Douglas iniciava a decadência de sua carreira nos anos 80 e já havia passado o bastão para o filho Michael Douglas que fazia muito mais sucesso que ele. O veterano ator viu com este faroeste uma nova oportunidade de dividir a tela com o amigo Burt Lancaster, mas isto acabou não acontecendo porque Lancaster adoeceu e desistiu do filme. O papel do ex-xerife alcoólatra ficou com James Coburn, menos engraçado mas mantendo a presença física marcante que levou à tela como ‘Pat Garrett’ em 1973 no faroeste de Sam Peckinpah que recontouo a vida de Billy the Kid. A inovação de “Duelo de amigos” fica por conta da reviravolta após o esperado duelo em que Douglas leva a pior. Asim como havia ocorrido, deliberadamente, com ele em “O Último Pôr-do-Sol” (The Last Sunset). Neste western-comédia não caberia um final com a morte do herói e o filme se encerra mesmo é com debochadas gargalhadas.

James Coburn; Kirk Douglas

Kirk Douglas e
 James Coburn
Desfazendo mitos   “Duelo de Amigos” tem sua primeira parte sem provocar maior emoção ou graça, porém tudo muda com a entrada em cena do personagem de James Coburn. É quando o filme melhora e o confronto maior da história não é entre quem é mais rápido mas sim a disputa sobre quem foi melhor e qual deles ainda é o mais rápido no passado.  Ambos, porém, tem oportunidade de demonstrar que ainda são ágeis no saque da arma, até porque Reggie e seus paus-mandados não são páreos para Holland e Starrett. Eles sabem que já não se faz mais pistoleiros como nos tempos lendários de Jesse James e outros e igualmente famosos e não só saboreiam as lendas em torno de seus nomes como se aproveitam para ganhar dinheiro com isso. É a transição pela qual passou o Velho Oeste e que levou à mitificação de tantos e tantos homens famosos por saberem sacar e atirar com destreza. Mas em certo momento não se deixa de lembrar que nem tudo era verdade e que Billy the Kid, por exemplo, não fazia jus à fama que cercou seu nome.

Kirk Douglas e James Coburn

Kirk Douglas e James Coburn
Mais um bom TV-movie - Kirk Douglas se diverte e diverte o espectador enquanto o sisudo James Coburn faz um contraponto quase perfeito. O quase é porque fica-se a imaginar Burt Lancaster e Kirk trocando sarcasmos como sempre gostaram de fazer quando atuaram juntos, o que viria a acontecer pela sexta e última vez em 1986 quando se reuniram em ‘Os Últimos Durões”. Mas Coburn não decepciona com a boa dose de cinismo que incute em Sam Starrett. Douglas tem oportunidade de demonstrar, aos quase 70 anos de idade, que estava em excelente forma física dispensando dublê em boa parte da sequência em que domina os cavalos de uma diligência em disparada. E  ainda cria o momento de erotismo quando Handsome Harry Holland fazendo jus ao nome dorme com Bess, a atriz que declama Shakespeare. Ela é Alexandra Bastedo e poderia ter seu papel dimensionado, o que não acontece. O elenco de apoio, especialmente Graham Jarvis e Derek McGrath carecem da graça que sobra na dupla principal. “Duelo de Amigos” é mais um filme que ajudou a desfazer o preconceito contra os TV-movies. Não chega a ser um western-comédia inesquecível mas supera a expectativa e merece ser visto.

Kirk Douglas e Alexandra Bastedo


5 de fevereiro de 2020

CHOQUE DE ÓDIOS (WICHITA) – WYATT EARP: E A LENDA CONTINUA



Daniel B. Ullman; Jacques Tourneur
Wyatt Earp é um personagem histórico e polêmico que foi muitas vezes levado ao cinema de modo, para dizer o mínimo, discutível. E o maior culpado pela imagem do famoso homem da lei edificada em filmes foi Stuart N. Lake, espécie de biógrafo oficial de Earp e que se distanciava da verdade a cada linha que escrevia sobre o biografado. A história e roteiro de “Choque de Ódios” (Wichita), de autoria do prolífico escritor-roteirista Daniel B. Ullman, contou com a consultoria de Stuart N. Lake, o que garante que o Wyatt Earp desta nova aventura será muito parecido com o mítico personagem que o cinema mostrou nos anos 30, 40 e 50, inclusive em uma série de TV. O curioso é que, mesmo ganhando uma falsa imagem irrepreensível de herói austero e humano, os westerns tendo Wyatt Earp como protagonista têm, como regra serem muito bons, um deles uma obra-prima que foi “Paixão dos Fortes” (My Darling Clementine) de John Ford. Quem dirigiu “Choque de Ódios” foi o francês Jacques Tourneur, que construiu uma excelente reputação com bons filmes em gêneros diversos, de clássicos do terror até “Fuga do Passado”, um dos melhores ‘noir’ já filmados. Joel McCrea que em sua carreira interpretou Buffalo Bill, Sam Houston e Bat Masterson é Wyatt Earp neste western de 1955.


Joel McCrea; Robert J. Wilke e Walter Sande
Pacificando Wichita - Deixando a atividade de caçador de búfalos, Wyatt Earp (Joel McCrea) ruma a Wichita com 2.460 dólares no bolso tencionando se estabelecer como comerciante. Wichita está prestes a ganhar uma estrada de ferro o que favorecerá os criadores de gado no transporte do rebanho para outras regiões do país. Ao mesmo tempo em que Earp chega à cidade dezenas de vaqueiros texanos também adentram Wichita com a intenção de se divertir, diversão que sempre se transforma em desordem e não raro com mortes de inocentes. Mal entrara na cidade e Wyatt Earp evita um assalto a banco, recebendo por isso convite do prefeito para ser o xerife de Wichita e impor a lei e a ordem. Ele aceita e age com rigor prendendo alguns vaqueiros, o que contraria interesses de homens poderosos homens de negócio, um deles Doc Black (Edgar Buchanan). Inicialmente Wyatt conta somente a ajuda do jovem Bat Masterson (Keith Larsen), porém os irmãos de Earp, Jim (John Smith) e Morgan (Peter Graves) surgem para reforçar o grupo do xerife que agora tem de enfrentar a revolta dos vaqueiros contra sua gestão. Além destes o comerciante e o proeminente Sam McCoy (Walter Coy) também se voltam contra Earp que, afinal, comprova ser fundamental para a paz que Wichita precisa ser imposta a lei e a ordem na cidade. Earp se casa com Laurie McCoy (Vera Miles), filha de Sam McCoy e, após pacificar Wichita, Earp e a esposa partem para Dodge City, em nova etapa de sua vida como homem da lei.

Joel McCrea; McCrea e Walter Coy
Fugindo dos lugares comuns - “Choque de Ódios” é um western com todas as características de filme ‘B’, seja na metragem bem como na composição do elenco, mas a Allied Artists apostou alto na parte técnica ao produzir com este faroeste sua primeira película no processo Cinemascope e também em cores. E o estúdio fez feliz escolha ao entregar a direção a Jacques Tourneur que realizou um faroeste que do início ao fim prende o espectador. Tourneur foge dos lugares comuns do gênero e dá ênfase a detalhes marcantes como a morte do menino atingido por uma bala perdida e o desespero da mãe com a criança morta no colo. Em outra sequência, esta verdadeiramente admirável, Doc Black alicia dois homens com aparência de pistoleiros para que executem Wyatt Earp num saloon. A cena é concebida de tal maneira que gera um invulgar suspense desfeito com a revelação de quem são os dois supostos pistoleiros. Sequências como essas produzem a atmosfera incomum aos westerns e que tornam “Choque de Ódios” um faroeste quase perfeito.

Joel McCrea
Duelos rápidos - O ‘quase’ fica por conta de alguns pequenos senões que o filme apresenta, a começar pela canção interpretada por Tex Ritter e que não possui a força da balada “High Noon” de “Matar ou Morrer”. Ainda que o autor dos versos seja o mesmo Ned Washington, falta a vibração da melodia de Dimitri Tiomkin pois a canção “Wichita” tem música composta por Hans J. Salter. Os versos são insossos e Tex Ritter não transmite a mínima emoção, aquilo que Frankie Laine fazia com maestria. Há ainda a questão de Joel McCrea, aos 49 anos de idade parecer velho demais para ser o par romântico da jovem Vera Miles. Hollywood tinha a mania de desconsiderar a diferença de idade e são muitos os westerns em que Gary Cooper, Randolph Scott e James Stewart namoraram moças que mais pareciam suas filhas. O vilão verdadeiro do filme é Edgar Buchanan e são mal aproveitados atores como Robert J. Wilke, Jack Elam e mesmo Lloyd Bridges, sempre ótimos como homens maus, especialmente Wilke e Elam. Por fim, era de se esperar que os irmãos Earp e mais Bat Masterson travassem momentos mais intensos de confronto com os oponentes, mas Tourneur procurou ser econômico nesse aspecto. O duelo final entre Wyatt Earp e o vaqueiro Gyp Clements (Bridges) chega a frustrar por não ser melhor elaborado. E vale lembrar que, por ser um filme para ser exibido em programa duplo, a metragem de 81 minutos não permitiu um trabalho ainda mais elaborado do diretor.

Texanos desordeiros - A rigor só há um vilão neste western e ele é Doc Black, comerciante que sequer mantém uma quadrilha e a quem não interessa que os vaqueiros deixem de visitar a cidade. O assalto a banco é praticado por bandidos de passagem e os cowboys texanos com seus maus modos não chegam a ser exatamente foras-da-lei. A insurreição se dá porque o xerife anterior era fraco e seu desconhecido substituto decreta a ‘lei do desarmamento’, o que significa um insulto àqueles acostumados a carregar seus Colts para se defender ou para intimidar. Os texanos são vistos aqui como desordeiros e fica-se a imaginar a insatisfação daquele Estado diante dessa imagem, não raramente citado em tom de deboche nos filmes. O Wyatt Earp da história é relutante em aceitar a insígnia e prestar juramento, só o fazendo porque sua consciência falou mais alto ao ver a criança morta. Outro fator, este implícito, é o interesse de Earp pela bela jovem Laurie McCoy (curiosamente Vera Miles tem o mesmo nome da personagem da que interpreta em “Rastros de Ódio”, seu filme seguinte). Vera Miles estava com 26 anos em 1955, enquanto Joel McCrea chegava aos 50 e sabe-se que Wyatt Earp passou por Wichita, lá permanecendo por uma temporada, quanto estava com a idade de 26 anos.

Joel McCrea e Vera Miles

Joel McCrea
Xerife contra o jogo e a bebida - Subliminarmente “Choque de Ódios” antepõe interesses capitalistas aos dos cidadãos. Wyatt Earp tem que lutar não só contra os vaqueiros embriagados mas tem como adversários homens que temem ver seus negócios deixarem de prosperar. Quando chega a Wichita o jornalista Whiteside (Wallace Ford) elogia o recém chegado Wyatt por não ser mais um forasteiro disposto a investir no jogo, bebida (e prostituição), como outros o fizeram. Justamente Wyatt Earp que tinha irrefreável inclinação pelas cartas. Wichita caminhava para se tornar outra cidade do vício e o estoico xerife é quem impede e com isso desperta a ira dos capitalistas. O título nacional exagera ao denominar o filme como “Choque de Ódios”. Earp não tem ódio, tanto que só mata em última instância, não hesitando, no entanto, em prender os desordeiros.

Sam Peckinpah e Joel McCrea
Não atire, sou só o caixa Sam Peckinpah! - Além de um tanto maduro para interpretar o jovem Wyatt Earp, falta ao sóbrio Joel McCrea o carisma que outros atores (Fonda, Lancaster e mais tarde Kurt Russell) deram ao personagem. Vera Miles pouco tem a fazer e o trio de veteranos Wallace Ford, Edgar Buchanan e Carl Benton Reid, além de Walter Coy tem momentos e falas bem melhores. E é uma pena, como já foi dito, que não se dimensionasse os papeis de Robert J. Wilke, Jack Elam e Lloyd Bridges, todos relativamente obscuros no filme e com poucas oportunidades de mostrar talento. John Smith e Peter Graves tem igualmente participações pequenas. Uma curiosidade é a presença de Sam Peckinpah como o caixa do banco assaltado, ele que alguns anos depois realizaria alguns dos melhores westerns do cinema, um deles, estrelado por Joel McCrea e que foi “Pistoleiros do entardecer” (Ride the High Country). “Choque de Ódios” recebeu, merecidamente, um Golden Globe de ‘Melhor Drama em Locações Externas’ e as belas imagens do cinegrafista Harold Lipstein são acompanhadas pela música de Hans J. Salter, da escola de Max Steiner. Este desaparecido western demorou anos para ser redescoberto e isso só ocorreu com seu lançamento em DVD, reafirmando o talento de Jacques Tourneur, um diretor que merece sempre a maior atenção. Grande programa!