UMA REVISTA ELETRÔNICA QUE FOCALIZA O GÊNERO WESTERN

31 de agosto de 2015

O HOMEM DO OESTE (MAN OF THE WEST) – O WESTERN SÁDICO DE ANTHONY MANN


Anthony Mann foi o diretor que mais se destacou no gênero western na década de 50. A partir de 1950 Mann realizou nada menos que 11 faroestes, alguns deles clássicos e pelo menos duas obras-primas - “O Preço de um Homem” (The Naked Spur) e “Um Certo Capitão Lockhart” (The Man from Laramie). “Cimarron” (1960) foi o derradeiro e o menos pessoal dos westerns de Anthony Mann que, em 1958 filmara “O Homem do Oeste” (Man of the West). A célebre parceria do diretor com James Stewart já havia sido desfeita e após dirigir Victor Mature em “O Tirano da Fronteira” (The Last Frontier) e Henry Fonda em “O Homem dos Olhos Frios” (The Tin Star), Anthony Mann teve a oportunidade de contar com Gary Cooper como astro de “O Homem do Oeste”. No entanto não é Cooper quem protagoniza o personagem-título e sim Lee J. Cobb como um tirânico homem mau representativo do fim daquele tipo de bandido.


Acima Gary Cooper; abaixo Robert J. Wilke,
Lee J. Cobb, Jack Lord e Royal Dano.
Retorno forçado ao crime - Com roteiro de Reginald Rose baseado no livro “The Border Jumps” de Will C. Brown, “O Homem do Oeste” narra um episódio violento na vida de Link Jones, um ex-fora-da-lei que casualmente se vê às voltas com criminosos que ele já conhecia. Link Jones (Gary Cooper) encontra-se na cidade de Crosscutt com a intenção de contratar uma professora para a pequena cidade onde vive como cidadão respeitável. O trem em que viaja é assaltado por bandidos e Link, acidentalmente, acaba ficando fora do trem que parte sem ele e mais dois passageiros, a cantora de saloon Billie Ellis (Julie London) e o jogador Sam Beasley (Arthur O’Connell. Os três se refugiam num rancho abandonado onde já se encontram escondidos os assaltantes do trem e mais Dock Tobin (Lee J. Cobb), o chefe do bando. Link Jones é sobrinho de Tobin, tendo feito, há mais de dez anos, parte do bando do tio. Para proteger Billie Ellis da sanha carnal do bando, Link diz a Tobin que a mulher é sua esposa, enquanto Sam Beasley é morto numa desavença entre homens do grupo chefiado por Tobin. Ainda como parte de um plano para conseguir escapar da quadrilha que os faz prisioneiros, Link aceita voltar a fazer parte do bando para assaltar um banco num lugarejo chamado Lassoon, em região que explora minério. Nenhum deles sabe que Lassoon se transformou numa cidade fantasma e durante o assalto Link mata três dos bandidos. No retorno ao esconderijo Link se defronta com Dock Tobin, matando-o também e vendo-se livre e libertando Billie Ellis, para retornar à sua vida de homem do bem.

Gary Cooper
Gary Gooper, velho demais - “O Homem do Oeste” é um filme tenso com sequências de grande dramaticidade, próximo dos melhores trabalhos de Anthony Mann. Isso, no entanto, não acontece plenamente em razão de um erro capital que foi a escolha de Gary Cooper para interpretar Link Jones. Ótimo ator que impõe a própria persona aos tipos que vive nos filmes em que atua, Link Jones é um personagem inadequado a Cooper. O velho bandido Dock Tobin foi quem introduziu o sobrinho Link na vida criminosa, assim como o fez com os outros dois sobrinhos Claude (John Dehner) e Coaley (Jack Lord), ambos bem mais jovens que o primo Jones. Mesmo envelhecido pela barba e cabelos grisalhos e voz gutural, Lee J. Cobb não parece mais idoso que Gary Cooper, dez anos mais velho que Cobb na realidade. Cooper não conseguindo disfarçar os sérios problemas de coluna que o acometeram no início dos anos 50 e que os levaram a transformar todos seus personagens em homens cansados e desgastados, isto desde o Will Kane de “Matar Ou Morrer” (High Noon). O problema seria menor se fosse unicamente a comparação de Link/Cooper com Tobin/J. Cobb. Mas, além de Julie ser igualmente muito jovem para compor par romântico com Cooper, há a luta corporal entre Coaley/Jack Lord e Link. Sequência muito bem filmada, com uso perfeito de dublês, que acaba com a pouco realista vitória de Link sobre o muito mais jovem e forte Coaley com a inaceitável incapacidade deste de impedir que Link o deixe de ceroulas tirando-lhe as vestes. Por fim Gary Cooper não convence como vilão que por sua brutalidade fora o braço direito do extremadamente venal Dock Tobin.

Lee J. Cobb e Gary Cooper

Gary Cooper com Jack Lord e com Julie London.

Lee J. Cobb
Crepúsculo de um facínora - Com “O Homem do Oeste” Anthony Mann criou o supremo facínora de seus westerns, ele que expressou a maldade dos homens com atores como o excepcional Robert Ryan e com os magníficos Dan Duryea, Arthur Kennedy e John McIntire, sem esquecer a extraordinária Barbara Stanwyck de “Almas em Fúria” (The Furies). Mann soltou as rédeas para que Lee J. Cobb, ator conhecido por seus excessos interpretativos, compusesse um desvairado homem mau, mórbido e repulsivamente lascivo. Mesmo a estudada teatralidade dos gestos e reações que Cobb impõe ao personagem não tiram dele a asquerosa bestialidade. Homens como Dock Tobin viviam seus derradeiros dias nas cidades do Velho Oeste que começavam a mudar e o vetusto malfeitor sabia que o fechamento de seu ciclo era iminente. Escolhe para último ato um assalto a uma cidade que, como ele, se transformou num fantasma do que fora em outros tempos. E assim como Lassoon é só uma lembrança, suja, empoeirada e triste, o mesmo ocorre com o velho homem do oeste em seus últimos dias.

Lee J. Cobb
Confronto na cidade-fantasma - O momento culminante de muitos westerns de Anthony Mann se passa em montanhas, com homens se defrontando num grande palco rochoso natural com balas ricocheteando em todas as direções. Em “O Homem do Oeste” o diretor preferiu o anticlímax com a ação mais vigorosa antecipando o embate entre as escarpas íngremes das montanhas. Este se passa entre Link Jones e Dock Tobin e é decepcionante, com Tobin atirando para cima e pedindo para ser morto, provocando o sobrinho dizendo a ele “Você perdeu seu apetite de matar”, enquanto Link responde a frase insípida “Vou te pegar, Dock”, no final menos inspirado entre tantos filmados por Anthony Mann. Ainda que não memorável, o confronto entre Link enfrentando Claude, Ponch (Robert J. Wilke) e Trout (Royal Dano) na cidade-fantasma de Lassoon supera aquele que deveria ser o grand finale entre Link e Dock Tobin. E Anthony Mann junta aos muitos antológicos momentos de violência de seus westerns a luta encarniçada entre Link e Coaley, apesar de a sequência apresentar de modo inverossímil, o personagem de Gary Cooper como vencedor.

Jack Lord e o dublê de Gary Cooper; Gary Cooper despindo Jack Lord.

Jack Lord, Gary Cooper e Julie London.
Estupro moral - Neste penúltimo western de Anthony Mann a personagem feminina Billie Ellis tem invulgar importância, algo pouco comum nos westerns de modo geral. Billie (Julie London) é uma cantora que se apresenta de cidade em cidade sendo alvo por onde passa do assédio de homens que não resistem à sua beleza. Link não a vê como objeto sexual, o que a intriga. Diz ela a Link Jones ser ele é o primeiro homem, desde que ela tinha 14 anos, que olha para seus pés e não para outras partes de seu corpo. O roteiro reserva para a personagem uma sequência de erotismo perverso brilhantemente concebida por Mann quando Billie, mulher experiente mas ainda belíssima, sofre um estupro moral ao ser forçada a um strip-tease dentro da cabana onde está com Link, cena assistida pelos cinco bandidos. Mais tarde Billie se vê forçada a passar a noite com Link, ambos simulando serem casados. Após a humilhação a que foi submetida e depois da inesperada noite de amor com Link, Billie se apaixona pelo redimido bandido. Para má sorte da mulher, Link confessa estar casado, que sua esposa é bonita, tendo com ela dois filhos. Encontrar o amor de sua vida só faz de Billie uma mulher mais sofrida, acrescentando-se ainda a violação que sofre por parte do alucinado Dock Tobin, isto quando Link e os demais bandidos estão em Lassoon. E o filme se encerra tristemente com Billie aceitando seu destino, agradecida pelos melhores momentos que teve na vida, justamente ao lado de seu protetor Link.

Acima e abaixo Julie London.


Julie London, Lee J, Cobb,
Robert J. Wilke e Royal Dano
Tocante desempenho de Julie London – Mesmo inadequado como Link Jones, Gary Cooper tem boa atuação, lutando estoicamente contra o incômodo personagem que teve que desempenhar e contra as dores que o forçam a andar alquebradamente. Lee J. Cobb se impõe de maneira impressionante, ator intenso que apesar do impulsivo over-acting cresce na tela como trágica figura paterna, fazendo dos demais atores meros coadjuvantes, inclusive Cooper. Julie London como Billie Ellis tem, provavelmente, seu melhor e mais tocante desempenho no cinema. Cantora excepcional, Julie não entoa nenhuma canção neste filme, num desperdício incompreensível, mais ainda porque a canção-tema, sem letra, foi composta por seu marido Bobby Troup. Arthur O’Connell é o escroque que não engana ninguém e que se sai bem quando tem de mostrar covarde. John Denher como o cético sobrinho, Jack Lord como o bandido impetuoso, Royal Dano como o psicopata mudo e Robert J. Wilke como o idiotizado Ponch, estão perfeitos como os bandidos que são chamados de ‘porcos’ por Dock Tobin. Chuck Roberson e Jack Williams, que atuam também como stuntmen, têm participações na sequência de assalto ao trem, ambos se mostrando merecedores da chance recebida.

Gary Cooper e Jack Lord. Jack Lord atirando

O talento de Anthony Mann - Considerado por alguns críticos (entre eles Jean-Luc Godard) como o melhor dos westerns de Anthony Mann, “O Homem do Oeste” carrega o pecado da escolha errada de Gary Cooper como ator principal. Sabe-se que James Stewart (oito anos mais novo que Cooper) queria o papel, mas sequer foi considerado por Mann, com quem havia brigado no ano anterior. Outro ator cogitado para viver o personagem foi Stewart Granger, que teria o desafio de ser um ex-bandido. Imagina-se que grande filme teria sido “O Homem do Oeste” com Robert Mitchum como Link Jones. Admirável exercício de violência e sadismo este western de Anthony Mann com contornos de tragédia é obrigatório por sua força e aspectos psicológicos que o diretor desenvolve com invulgar domínio e precisão.

John Dehner com Lee J. Cobb; Jack Lord e John Dehner.

Lee J. Cobb; Gary Coper e Arthur O'Connell.

John Dehner; Robert J. Wilke.

Pôsteres norte-americano, italiano e francês de "O Homem do Oeste".

27 de agosto de 2015

QUADRILHAS DOS FAROESTES – OS PERVERSOS BANDIDOS DE “O HOMEM DO OESTE”


Anthony Mann gostava de roteiros com homens de caráter ambíguo pois para ele nenhum ser humano era perfeito. Em “O Homem do Oeste” (Man of the West) todos os personagens principais tem muitos pecados para contar, são os menos maus. E há o bando liderado por um velho degenerado, quadrilha cruel como poucas vezes se viu num western. Com “O Homem do Oeste” Anthony Mann levou ao extremo a selvageria e o redimido Gary Cooper é quem enfrenta essas feras humanas interpretadas por Lee J. Cobb, Jack Lord, John Dehner, Robert J. Wilke, Royal Dano e Jack Williams.

Lee J. Cobb (1911-1976) – Dick Tobin lidera seu bando não só por ser o mentor intelectual dos assaltos mas também por ser o mais sórdido. – Aos 28 anos, em 1939, Lee J. Cobb interpretou o pai de William Holden, de quem era apenas sete anos mais velho. Lee J. Cobb tinha uma enorme facilidade para se caracterizar como tipos mais velhos, sempre convincentemente. Foi também o pai de Yul Brynner em “Os Irmãos Karamazov”, que lhe valeu uma segunda indicação para o Oscar; a outra foi por “Sindicato de Ladrões”, em que sua luta a socos no cais contra Marlon Brando é antológica. No anos 50 Lee J. Cobb atuou em uma incrível sequência de grandes filmes, entre eles “Doze Homens e Uma Sentença”, em que é o mais odiado dos jurados. Nos anos 60 Lee J. Cobb interpretou o Juiz Henry Garth em 120 episódios da série “O Homem de Virgínia”, série que deixou devido a seu falecimento.

Jack Lord (1920-1998) – Coaley é sobrinho de Dick Tobin e herdou do tio a maldade à qual somou grande dose de inveja do primo Link Jones (Gary Cooper). Determinado a matar Link, Coaley é vencido numa luta e humilhado pelo primo. – Jack Lord foi companheiro de Marlon Brando e Paul Newman no ‘Actors Studio’ e iniciou sua carreira no cinema aos 30 anos. Sua participação em “O Homem do Oeste” havia sido a melhor oportunidade que tivera até então, tomando o Burt Lancaster de “Vera Cruz” como modelo para o personagem Coaley. Mesmo suas duas boas participações em “O Pequeno Rincão de Deus” e em “O Mensageiro da Morte” não fizeram de Jack Lord um astro e ele passou a se dedicar mais a participações em séries de TV que ao cinema. Em 1968 Lord foi escalado para interpretar o Detetive Steve Garrett da série “Haway 5-0” e o simpático ator se tornou, de imediato, uma celebridade. A série teve 12 temporadas, fazendo de Jack Lord um homem rico a ponto de abandonar a carreira ao final da série. O que ele passou a fazer então? Dedicou-se integralmente à pintura, sua verdadeira paixão. O pintor Jack Lord teve telas adquiridas por importantes museus do mundo inteiro.

John Dehner (1915-1992) – Claude é também sobrinho de Dick Tobin mas não participa do assalto ao trem, chegando ao esconderijo do bando posteriormente e logo mostrando-se desafeto do primo Link Jones (Gary Cooper), de quem desconfia da fidelidade. – Poucos atores de Hollywood possuíam tantos talentos quanto John Dehner que era dono de voz especial, tendo sido narrador e disk-jóquei de inúmeros programas de rádio, veículo em que também foi ator. Dehner foi também pianista profissional e como ator de cinema teve uma carreira que abrangeu quase 50 anos, na maioria das vezes interpretando homens maus. Isto apesar da boa aparência e elegância que possuía. Em quase 300 trabalhos como ator de cinema e TV, John Dehner disse que só foi beijado uma vez, num episódio da série “Bonanza”. Ele disse ‘beijado’ pois não pode corresponder ao beijo. Um dos primeiros filmes que John Dehner participou foi “Tarzan e o Terror do Deserto” (1943), estrelado por Johnny Weissmuller. Em “Nas Trilhas da Aventura” (The Hallelujah Trail), de 1965, com Burt Lancaster, John Dehner é o narrador.

Robert J. Wilke (1914-1989) – Ponch é o bandido mais menosprezado da quadrilha por ter dificuldade de raciocinar, apenas fazendo o que lhe mandam. – Filho de alemães, Robert J. Wilke (às vezes apenas Bob Wilke) foi um dos grandes vilões do cinema, especialmente do gênero western. Quando os EUA entraram na II Guerra Mundial, o jovem Robert se alistou para combater mas não foi aceito em razão de sua suspeita origem germânica. Wilke pode ser visto em seriados da Republic Pictures desde o final dos anos 30 e durante toda a década de 40. Faroestes B Robert J. Wilke fez às dúzias, quase sempre como um dos vilões presos ou mortos por Bill Elliott, Gene Autry, Roy Rogers, Allan Rocky Lane e outros. A grande oportunidade de Bob Wilke se tornar mais conhecido veio com “Matar ou Morrer” (High Noon), após o que obteve papéis melhores, um deles em “20 Mil Léguas Submarinas”, em que dá muito trabalho a Kirk Douglas. Wilke teve ainda excelente desempenho no melodrama “Palavras ao Vento” e foi marcante sua participação em “Sete Homens e Um Destino” (The Magnificent Seven), no duelo faca vs. revólver contra James Coburn. Passando a atuar predominantemente na TV, Robert J. Wilker deu adeus ao cinema de forma brilhante em “Cinzas do Paraíso” (1978).

Royal Dano (1922-1994) – Trout, o membro da quadrilha que é mudo, parece querer falar através de seu revólver, não pensando duas vezes para apertar o gatilho. – Uma das primeiras participações de Royal Dano em filmes foi em “A Glória de um Covarde” (The Red Badge of Courage), impressionando fortemente com sua atuação. Diretores e roteiristas perceberam que Dano era talhado para interpretar tipos neuróticos ou atormentados e foi assim que apareceu em muitos e muitos filmes. E nunca faltaram westerns em sua filmografia, como “Johnny Guitar”, “E o Sangue Semeou a Terra” ( Bend of the River) e “Região do Ódio” (The Fair Country), entre os principais. Nos anos 70 participou de “Josey Wales, o Fora-da-Lei” (Outlaw Josey Wales). Já no final de sua prolixa carreira com quase 200 participações no cinema e na TV, Royal Dano atuou em “Escola da Desordem” (1984) interpretando um professor que morre durante uma aula... e ninguém percebe. Royal Dano é o pai do ator Rick Dano.

Jack Williams (1921-2007) – Alcutt é o bandido que está no trem como passageiro e que sinaliza aos demais bandidos a ordem para o frustrado assalto em que é baleado pelo assistente de xerife (Chuck Roberson). Ferido, Alcutt tem abreviada sua agonia sendo executado friamente por Coaley (Jack Lord). – Mais que ator, Jack William era um dos mais requisitados dublês de Hollywood, tendo substituído em sequências perigosas atores famosos como John Wayne, Gary Cooper, Paul Newman, Lee Marvin, Kirk Douglas, Charlton Heston, Gregory Peck, Clint Eastwood e até mesmo Steve McQueen que não gostava de ser substituído pelos stuntmen. Os dublês arriscavam a vida mas ganhavam salário insignificante perto dos atores e isso os levava a fazer pequenas participações nos filmes, forma de aumentar o rendimento. A curta participação de Jack Williams em “O Homem do Oeste” é um exemplo disso. Entre os principais filmes em que Williams foi dublê e ator estão “Spartacus”, “O Álamo” (The Álamo), “O Homem que Matou o Facínora” (The Man Who Shot Liberty Valance) e “Meu Ódio Será Sua Herança” (The Wild Bunch).


24 de agosto de 2015

EMBOSCADA EM CIMARRON PASS (Ambush at Cimarron Pass) – COM O JOVEM CLINT EASTWOOD


Clint Eastwood em pontas nos filmes
"Tarântula" e"A Revanche
do Monstro".
Quando já se tornara um dos maiores nomes da indústria cinematográfica, Clint Eastwood declarou que “Emboscada em Cimarron Pass” (Ambush at Cimarron Pass) era o pior filme de todos os tempos. Pois foi nesse pequeno faroeste, ainda em início de carreira, que o futuro grande astro teve uma de suas melhores oportunidades para se tornar conhecido do público. Certamente a frase de Clint se deve a ter ele guardado ressentimentos de seu início no cinema quando se submeteu a insignificantes participações em filmes B, como nas pontas que fez em três filmes estrelados pelo pouco lembrado John Agar. E se houve um assunto que Clint sempre quis esquecer, evitando mesmo tocar, foi a generosa proteção que recebeu do diretor Arthur Lubin. Fascinado pela bela estampa de Eastwood, Lubin sempre encontrava uma maneira de escalá-lo nos filmes que dirigia ou produzia para a Universal. Depois de mais duas pequenas participações em filmes da agonizante RKO, Clint apareceu, em 1958, em “Emboscada em Cimarron Pass”, faroeste B destinado a complementar programas duplos da 20th Century-Fox. Quase 60 anos depois, este filme é lançado em excelente cópia na caixa ‘Clint Eastwood – Western Collection’, acompanhando “Os Abutres Têm Fome” (Two Mules for Sister Sara) e “Por uns Dólares a Mais” (Per Qualche Dollaro in Più).


Scott Brady
Apaches em busca de rifles - O Sargento Matt Blake (Scott Brady) comanda um destacamento de cinco soldados, cuja missão é transportar 36 rifles e conduzir o traficante de armas Corbin (Baynes Barron) até o Forte Waverly. No trajeto encontram um grupo de homens, entre eles Sam Prescott (Frank Gerstle) um ex-capitão confederado e Keith Williams (Clint Eastwood), ex-soldado do exército sulista. Índios Apaches querem se apoderar dos rifles e ameaçam o grupo, sendo que numa das investidas deixam próximo ao grupo a mulher Teresa Santos (Margia Dean) que haviam sequestrado e cuja família exterminaram. Os índios roubam os cavalos dos homens brancos que são obrigados a fazer o trajeto a pé carregando os pesados rifles de repetição. Após algumas tentativas de se apoderar das armas, os Apaches tentam uma emboscada num local chamado ‘Cimarron Pass’, mas são surpreendidos pelos adversários que conseguem liquidá-los.

Scott Brady e Clint Eastwood observam
um homem morto pelos Apaches.
750 dólares de salário - A história de “Emboscada em Cimarron Pass” lembra a de “O Sabre e a Flecha” (Last of the Comanches), western estrelado por Broderick Crawford. Nesse filme um grupo de soldados e alguns brancos são sitiados por índios em um abandonado forte no deserto. Assim como naquele western de 1953, pouco a pouco o grupo de homens brancos vai sofrendo baixas, além de sofrer com a falta de água e as agruras da longa caminhada rumo ao Forte Waverly. Diferentemente de “O Sabre e a Flecha”, dirigido pelo competente André De Toth e filmado em Technicolor, “Emboscada em Cimarron Pass” é uma produção limitada pelos parcos recursos financeiros. A Regal Productions dispendeu o ‘exagero’ de 25 mil dólares para ter no elenco um nome de relativo prestígio – Scott Brady – para atrair o público. Os demais atores eram pouco conhecidos e por isso mesmo baratearam a produção. Clint Eastwood, terceiro nome do elenco recebeu 750 dólares pelas três semanas de trabalho, tempo que levou para o filme ser rodado, parte nos conhecidíssimos cenários do Iverson Ranch e parte em estúdio, ainda que não haja no filme nenhuma sequência passada em interiores. O ‘milagre’, como se sabe, é conseguido com rochas e vegetação artificiais e o horizonte pintado num fundo infinito. Para ajudar na contenção de gastos, o diretor Jodie Copelan fazia sua estreia na função, que acabou sendo seu único trabalho como diretor de cinema.

Margia Dean com Clint Eastwood (acima)
e com Scott Brady (abaixo).
Mulher insinuante - Com tanta economia e desprovido de qualquer pretensão, até que “Emboscada em Cimarron Pass” é um western satisfatório e que extrapola a simples curiosidade de ver Clint Eastwood em seu primeiro papel relevante no cinema. Filme com 72 minutos de duração, tem seus melhores momentos nas sequências de ação que no desenvolvimento das subtramas. Entre estas está o ressentimento de Keith Williams contra os yankees vitoriosos na Guerra Civil recém-finda; a presença da mulher que se insinua junto a Keith e mais tarde se envolve com o Sargento Blake; já o presumido mistério sobre o juiz Stanfield (Irving Bacon) e a presença do prisioneiro contrabandista de armas pouco acrescentam ao filme. Bob Morgan foi o único stuntmen utilizado e pode ser reconhecido facilmente ao substituir Scott Brady na luta corporal contra um índio Apache. A notar a bem fotografada sequência em que o Cabo Schwitzer (Ken Mayer) é alvejado por duas flechas. Como em muitos e muitos outros westerns os homens brancos são mostrados como mais espertos que os índios, sendo fácil e risivelmente dominados pelos túnicas azuis.

Sequência espetacular das flechadas penetrando o corpo de Ken Mayer.

Scott Brady
‘Mocinhos’ na TV - Scott Brady é lembrado por muitos por sua vaga semelhança com Marlon Brando, ambos nascidos em 1924 e que começaram no cinema praticamente ao mesmo tempo. Sem o carisma de Brando, Scott Brady viu-se confinado aos dramas e filmes policiais de menor orçamento, passando em seguida a estrelar westerns-B. Em 1954 interpretou ‘Dancin’ Kid’ em “Johnny Guitar”, o ponto mais alto de sua carreira, protagonizando depois na TV a série western “Shotgun Slade”, série que durou duas temporadas (1959/1961). Exatamente em 1959, outra série western (bem melhor sucedida que a de Brady) foi lançada com o título “Rawhide” e tornando conhecido do público telespectador o jovem Clint Eastwood. Com atuação discreta, Clint não consegue deixar entrever o grande astro que se tornaria em pouco tempo. A atriz Margie Dean foi ex-Miss Califórnia em 1939, aos 18 anos, e apenas isso explica sua presença no cinema pois é uma atriz sem nenhum talento interpretativo. Do restante do elenco o ator mais conhecido é Irving Bacon, veterano ator característico no cinema desde 1915 com extensa pequenas participações em incontáveis filmes. Apenas em 1941 (segundo o site IMDb), Bacon participou de 27 películas, entre elas “O Intrépido General Custer” (They Died With Their Boots On).

Clint Eastwood 
Wilhem Scream presente - Curioso como um filme de produção barata como “Emboscada em Cimarron Pass” teve uma trilha musical de tão excelente qualidade, assinada por Paul Satwell e por Bert Shefter. Quando um ator é varado por uma lança, ouve-se o famoso ‘Wilhem Scream’, grito que o cinema nunca abandonou. Para os fãs de Clint Eastwood, que não são poucos, este pequeno faroeste é imperdível, mesmo modesto e em preto e branco. Afinal de contas, Clint Eastwood, ainda que com reduzido número de westerns em sua filmografia, é o maior nome do gênero em todos os tempos, atrás, é claro, apenas de John Wayne.

Scott Brady com Clint Eastwood, observados por Frank Gerstle e John Damler.

O sargento Matt Blake lutando contra um Apache. Mas é possível perceber
que esse Matt Blake é o dublê Bob Morgan e não o ator Scott Brady.

A cópia de "Emboscada em Cimarron Pass" foi gentilmente cedida pelo cinéfilo Marcelo Cardoso.

19 de agosto de 2015

REBELIÃO DOS BRUTOS –TOMAS MILIAN É ‘O CANGACEIRO’ EM NORDESTERN-SPAGHETTI


Acima Milton Ribeiro;
abaixo Maurício do
Valle como 'Antônio
das Mortes'.
O crítico Salvyano Cavalcanti de Paiva foi quem cunhou a expressão ‘Nordestern’, achado precioso para identificar um gênero de filmes bastante explorado pelos produtores brasileiros. Desde os anos 30 que a vida do cangaceiro Lampião foi abordada nos filmes “Lampião, a Fera do Nordeste” (1930), “Lampião, o Rei do Cangaço” (1936) e “Lampião, o Rei do Cangaço” (1950). Em 1953 Lima Barreto filmou o celebrado “O Cangaceiro”, sucesso no mundo todo, que rendeu muito dinheiro à Columbia Pictures. O ator Milton Ribeiro, que havia atuado em “O Cangaceiro” de Lima Barreto voltou a interpretar personagens semelhantes em “A Morte Comanda o Cangaço” (1961), “Três Cabras de Lampião” (1962), “O Cabeleira” (1963), “Lampião, o Rei do Cangaço” (1965), “Entre o Amor e o Cangaço” (1965), “Cangaceiros de Lampião” (1967), “Meu Nome é Lampião” (1969) e “Corisco, o Diabo Loiro” (1969). No entanto o filme mais famoso desse ciclo foi “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964), dirigido por Glauber Rocha. No final da década de 60 o western-spaghetti iniciava seu declínio e buscava novos caminhos para atrair o público, foi quando surgiu a idéia (aparentemente esdrúxula) de filmar um ‘nordestern spaghetti’. Rodado no Brasil e estrelado por Tomas Milian, o filme dirigido por Giovanni Fago recebeu o título “O’ Cangaceiro” (lançado aqui como “Rebelião dos Brutos”), sendo exibido quase ao mesmo tempo em que o discutido Glauber Rocha lançava o seu premiado “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro”, também um nordestern. E não é que o nordestern spaghetti de Fago foi uma agradável surpresa!


Tomas Milian
De vaqueiro a cangaceiro - Em “Rebelião dos Brutos” uma milícia massacra os habitantes de uma pequena vila no sertão nordestino a mando do governador de Água Branca, o senhor Branco (Eduardo Fajardo). O vaqueiro Espedito (Tomas Milian), mesmo ferido, é o único sobrevivente sendo salvo pelo eremita Irmão Juliano (Jesús Guzmán). Juliano faz Espedito acreditar que seja um redentor enviado por Deus para vingar seu povo e fazer justiça. Após arregimentar um bando de cangaceiros, os quais considera seus apóstolos, Espedito torna-se conhecido e encontra Vincenzo (Ugo Pagliai), um holandês que prospecta petróleo no Nordeste brasileiro. Vincenzo se coloca a serviço de uma empresa exploradora de petróleo que se utiliza do governo de Branco para obter facilidades na implantação do projeto. Bandos de cangaceiros atrapalham os planos dos exploradores e Branco incumbe Vincenzo de convencer Espedito a exterminar os bandos rivais. Espedito aceita e extermina muitos cangaceiros até perceber que foi traído por Branco e Vincenzo. O holandês procura Espedito e lhe diz que também foi traído por Branco. Espedito embosca a milícia de Branco e num confronto pessoal com o governador acaba por matá-lo.

Acima Ugo Pagliai e Eduardo Fajardo;
abaixo Howard Ross e Ugo Pagliai.
Exploração do solo e dos homens - Glauber Rocha pretensiosamente intentou com “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro” filmar o nordestern definitivo. Mal sabia o delirante diretor baiano que um obscuro diretor italiano (Giovanni Fago), com apenas dois westerns spaghetti em sua filmografia realizava ao mesmo tempo um excelente filme ambientado no cangaço. Por não ser considerado um autêntico western spaghetti, “Rebelião dos Brutos” é bem menos conhecido que os clássicos dirigidos pelos ‘Sergios’ Leone, Corbucci, Sollima e outros diretores mais prestigiados na vertente europeia do faroeste. O western apaghetti adicionou, em muitos filmes, cunho político à aventura e ação e o filme de Giovanni Fago aborda esplendidamente a questão da exploração da terra e dos homens por capitalistas estrangeiros. Num tempo em que a Petrobrás era apenas uma utopia, europeus se interessaram pela riqueza escondida em solo brasileiro. Sabiam eles bastante bem que a estratégia envolvia subornar autoridades para que estas fizessem uso da força quando necessário. O governador Branco lembra ao holandês Vincenzo que “as leis são, às vezes, muito úteis pois elas permitem agir legalmente para nosso próprio interesse”. Simples e diretamente, sem elucubrações políticas, “Rebelião dos Brutos” sintetiza uma realidade que nos acompanha desde 1500 quando por aqui pela primeira vez pisaram nossos ‘descobridores’. “No fim das contas os brasileiros nos custaram pouco”, diz o explorador Hoffman (Howard Ross) satisfeito com o trabalho escravo dos nordestinos.

Ugo Pagliai e Eduardo Fajardo

Tomas Milian e Mário Gusmão
Confronto a machete - A política, no entanto, é apenas um componente do roteiro de “Rebelião dos Brutos” que é correto também ao mostrar a força da religiosidade e do misticismo caboclo. Inconformado com a morte de sua vaca branca, Espedito se deixa convencer natural e espontaneamente pelas palavras desatinadas do alienado eremita que diz ter visitado o céu três vezes e o inferno uma outra vez. A transformação do vaqueiro Espedito em cangaceiro é também magnífica mostrando a solidariedade entre aqueles marginais do sertão, quando o líder Diabo Negro (Mário Gusmão) orienta Espedito a abandonar a cruz e a empunhar uma espingarda. Mais tarde, cumprindo o trato feito com aqueles que lhe prometeram armas e uma fazenda, Espedito mata Diabo Negro em luta limpa, machete contra machete, punhal contra punhal. Essa inspirada sequência deve ter causado inveja até mesmo a Sergio Leone, ilustre por suas composições de imagens. Igualmente feliz foi o roteiro deste nordestern ao lembrar que gângsters norte-americanos encontraram refúgio no Brasil e a esses mafiosos o governador apela para executar Espedito. Ou não foi e é este país abrigo seguro para criminosos de guerra, terroristas ou meros mafiosos?

Mário Gusmão no centro.

Conteúdo social nada cômico - Não se preocupou “Rebelião dos Brutos” com romance pois Espedito tem em mente apenas vingar sua adorada vaca branca. Por mais que se queira rir da sequência em que o idiotizado vaqueiro se desespera com a morte do animal, isso não acontece, assim como ocorre com todas as demais situações aparentemente cômicas, todas elas com forte conteúdo social. É assim quando um rude camponês viúvo confessa que sua jovem filha é também a mãe de seu filho. E especialmente na sequência em que Espedito é recebido para jantar no casarão do governador, com as grotescas figuras da burguesia local, parecendo terem saído de um quadro de Goya. São claras nessa sequência referências à entrada de Burl Ives em “Da Terra Nascem os Homens” (The Big Country) na mansão de Charles Bickford; e mais ainda ao grosseiro comportamento de Burt Lancaster na recepção de Maximiliano em “Vera Cruz”.

A chegada do cangaceiro Espedito ao jantar da elite de Água Branca.

Exemplares sequências de ação - Um diferencial inevitável entre o nordestern de Giovanni Fago e os muitos filmados durante o ‘Ciclo do Cangaço’ está na realização das sequências de ação. Diretores europeus se especializaram nas cenas de tiroteio, levando norte-americanos a fugirem do lugar comum imitando o que muitas vezes foi chamado de excessivo nos westerns spaghetti. Sam Peckinpah que o diga. Ótimas as sequências de confronto entre milicianos e cangaceiros, verdadeira lição para nossos cineastas sempre aquém do esperado e desejado. E o roteiro se permite ainda um clímax passado dentro de uma refinaria com o governador canalha caindo dentro de um poço de ouro negro, no melhor estilo ‘Ian Fleming’ em algumas aventuras de 007.

Eduardo Fajardo e Tomas Milian

Tomas Milian
Tomas Milian, um cangaceiro - Alguém consegue imaginar Tomas Milian vestido de cangaceiro com uma enorme peruca crespa mais parecendo cabeleira Black Power dos panteras negras? Pois o ator cubano que se radicou nos Estados Unidos e fez carreira na Itália aparece assim composto e convincentemente. Verdadeiro desafio para Milian, certamente num dos papéis mais difíceis de sua carreira e no qual ele se sai surpreendentemente bem. O filme é todo de Tomas Milian, secundado por Ugo Pagliai com ar de Lawrence da Arábia, exceto pela ingenuidade do personagem. Eduardo Fajardo como o afável e corrupto governador de Água Branca deve ter estudado a fundo a postura de nossos políticos para irradiar tanto cinismo. Uma pena que o ator negro Mário Gusmão tenha aparecido pouco pois merecia maior participação, até por ser o único ator brasileiro com destaque. Criar tipos desvairados não é fácil e leva atores a se excederem; Jesús Gusmán fica exatamente no limite como o insano eremita.

Tomas Milian

Mulher Rendeira” assustadora - Bonita a fotografia do madrilenho Alejandro Ulloa, responsável por incontáveis westerns spaghetti, explorando o encanto melancólico das vilas e locais abandonados. Riz Ortolani responde pela trilha sonora musical que usa a eterna canção folclórica “Mulé Rendeira”, desta vez de forma até sinistra como jamais se imaginou um arranjo igual. O tema principal criado por Ortolani mais se assemelha a um bolero, longe da pungência e brejeirice da música nordestina. Conhecido também por “Viva Cangaceiro” e por “The Magnificent Bandits” nos Estados Unidos, “Rebelião dos Brutos” é um dos mais puros nordesterns, ainda que realizado por um italiano. Merece ser assistido por fãs de Tomas Milian e é obrigatório como comparação com os tantos títulos que a saga de Virgulino Ferreira e seus liderados propiciaram ao cinema nacional.




A cópia de "Rebelião dos Brutos" foi gentilmente cedida pelo cinéfilo Marcelo Cardoso.